segunda-feira, 14 de outubro de 2024


 

Carlos Wagner: Se triunfasse o golpe de 8 de janeiro de 2023 não haveria o 6 de outubro de 2024

Deve sobrar um canto de página nos jornais e noticiários para nós repórteres lembramos aos brasileiros que se a tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023 tivesse sido bem-sucedida não teríamos as eleições municipais de 6 de outubro de 2024. O que aconteceu devemos lembrar sempre que houver uma oportunidade. E as eleições municipais são uma dessas oportunidades. O 8 de janeiro foi o clímax de uma situação que começou quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 78 anos, venceu as eleições no segundo turno contra o então presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, que buscava a reeleição. Na época, bolsonaristas estavam acampados na frente de várias unidades das Forças Armadas, incluindo o Quartel-General do Exército, em Brasília (DF).

Foi deste acampamento que, semanas antes do 8 de janeiro, saíram os grupos que tentaram derrubar as redes alimentadoras de energia elétrica na região do Distrito Federal, explodir um caminhão-tanque cheio de gasolina de aviação estacionado na frente do Aeroporto Internacional de Brasília e invadir a sede da Polícia Federal (PF), também na capital federal. E, finalmente, em 8 de janeiro, os acampados, reforçados por um grande contingente de bolsonaristas procedentes de vários cantos do país, saíram quebrando tudo que encontraram pela frente nos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes. A intenção deles era forçar Lula a decretar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que seria cumprida pelas Forças Armadas, onde estavam alojados generais e outros altos oficiais bolsonaristas. Estes afastariam Lula do governo e o substituiriam por Bolsonaro, que estava nos Estados Unidos. Lula não caiu na armadilha. Há muitas versões sobre este fato. Uma delas é que Janja, a primeira-dama, o alertou que era uma cilada. O fato é que o governo federal reagiu, se articulando com os ministros do STF, os líderes da Câmara dos Deputados e do Senado e os oficiais legalistas das Forças Armadas, e no final os manifestantes, os articulares e os financiadores da tentativa de golpe foram todos presos – matéria nos jornais.

Mas o que aconteceria se Lula tivesse caído na armadilha? O roteiro já estava definido. Bolsonaro reassumiria o governo. Mas não esquentaria por muito tempo a cadeira de presidente do Brasil. Haveria um contragolpe e a turma dos bolsonaristas seria substituída por generais, grandes empresários e senadores e deputados, que tomariam o governo empunhando a bandeira da pacificação do país. Conversa fiada. A primeira coisa que fariam seria concluir a missão de destruir os controles das instituições que fora iniciada no governo Bolsonaro. Um passo importante para se perpetuarem no poder. É provável que houvesse uma reação popular e o país cairia em um longo período de lutas políticas. Dentro de um ambiente de conflito, dificilmente as eleições municipais seriam realizadas. O que escrevi não é uma tese. Mas uma avaliação feita por cientistas políticos sobre o risco que corremos em 8 de janeiro. Eles alertam para o seguinte. O pior não aconteceu. Mas os agentes que tentaram o golpe estão por aí. Vivemos tempos estranhos. Quem pensaria que, em 6 de janeiro de 2021, seguidores do então presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), 78 anos, invadiriam o Capitólio para tentar impedir a sessão do Congresso americano que ratificaria a vitória do presidente eleito Joe Biden (democrata), 81 anos? A invasão fracassou, deixando um saldo de cinco mortos e muitos feridos. Lembro que quando o Brasil começou a se redemocratizar, nos anos 80, depois de padecer sob a ditadura dos militares que deram o golpe de estado de 1964, a realização de eleições era um grande acontecimento, que mobilizava todas as redações. Repórteres eram enviados para todos os cantos do imenso território brasileiro para documentar a população votando. A conversa entre os jornalistas era que um dia a realização de eleições seria tão normal no Brasil que não seria mais notícia.

Resumindo a nossa conversa. Por mais de duas décadas, as eleições eram uma rotina. A vitória de Bolsonaro, em 2018, para presidente da República, colocou essa rotina em risco. Felizmente, a tentativa de golpe fracassou e a rotina das eleições foi mantida. O primeiro turno da campanha na cidade de São Paulo deixou um imenso material que merece a atenção da imprensa. Vamos lá. Foram para o segundo turno os candidatos Guilherme Boulos (Psol), 42 anos, com 29,05% dos votos, e Ricardo Nunes (MDB), 56 anos, com 29,49%. Ficou de fora o ex-coach Pablo Marçal (PRTB), 37 anos. O fato é o seguinte: Marçal saiu do zero para 28,14% dos votos por sua conta própria. Fez uma campanha fora da curva, usando as redes sociais. Empilhou vários crimes eleitorais e comuns. Com a sua derrota no primeiro turno, ficou fora do jogo e agora será a vez de acertar as contas com a Justiça. Seja lá qual for o destino dele, os caminhos que percorreu na campanha eleitoral de São Paulo merecem ser olhados com uma lupa pelos jornalistas para se entender como age e se organiza esta nova geração de políticos. Tenho escrito que Marçal usou as eleições municipais de São Paulo para se cacifar como candidato à Presidência da República em 2026. O sonho dele é se tornar líder do movimento bolsonarista. Também tenho escrito que o ex-presidente é um cara muito esperto e que conhece os caminhos para sobreviver na disputa política. Muito embora Marçal seja cria das novas tecnologias, não é páreo para colocar em risco a liderança do ex-presidente. O importante é que a democracia brasileira resistiu aos ataques golpistas.

 

        Alysson Mascaro: "A esquerda sofreu um strike nas eleições municipais"

Em entrevista ao jornalista Leonardo Attuch, editor da TV 247, o filósofo e jurista Alysson Mascaro abordou as recentes eleições municipais no Brasil, ressaltando o desempenho decepcionante das candidaturas de esquerda e a ascensão das forças conservadoras. Para Mascaro, a situação atual é resultado de um processo contínuo de enfraquecimento político e ideológico dos movimentos progressistas, que, segundo ele, se deixaram levar pelo liberalismo e perderam a capacidade de mobilização.

"A esquerda não saiu do buraco nas eleições municipais. Conseguiu apenas algumas prefeituras municipais. O resultado foi pífio – e até chocante", afirmou o jurista, destacando que, mesmo com algumas vitórias pontuais, o cenário geral foi de retrocesso. Para ele, o que se passa hoje no Brasil é reflexo de um processo mais amplo, onde "a sociedade brasileira foi politizada pela direita, e a esquerda não politiza. Não sabe e não quer fazer isso".

<><> Um strike na esquerda e a ascensão da extrema-direita

Mascaro foi incisivo ao afirmar que "a esquerda sofreu um strike na eleição municipal", alertando que o movimento progressista tem renunciado a se posicionar de maneira efetiva e clara. "Quando a esquerda renuncia a falar que é de esquerda, aí se dá o strike total", ressaltou. Para ele, a esquerda atual se contentou com posições de centro, e isso a descaracteriza: "Se a esquerda se contentar com o centro, ela não é esquerda. Ela é o centro".

Ao analisar o resultado das eleições em São Paulo, Mascaro destacou que a esquerda por pouco não passou para o segundo turno. "Em São Paulo, por muito pouco, 1%, a esquerda passou para o segundo turno. Ou seja, um fator de sorte", diz ele, referindo-se à candidatura de Guilherme Boulos, do PSOL, com apoio do PT. Para ele, essa fragilidade demonstra a falta de uma base sólida de apoio popular e a dificuldade de mobilizar eleitores diante da força crescente da extrema-direita.

<><> A armadilha do liberalismo

Segundo Mascaro, o problema é que "o que passa por esquerda no mundo é o liberalismo. Liberalismo e neoliberalismo são a mesma coisa", criticando a incapacidade dos partidos progressistas de se desvincular das práticas liberais e adotar uma postura mais combativa e transformadora. "O PT estava à esquerda do Partido Democrata quando surgiu. Passaram-se 40 anos, e ele está emparelhado com o Partido Democrata", afirmou, referindo-se ao alinhamento do partido brasileiro com as políticas liberais que, na sua visão, não atendem às demandas reais da população.

Para Mascaro, essa postura diluída explica por que a direita e a extrema-direita têm conquistado tanto espaço no cenário político brasileiro. "Estamos produzindo de baciada uma sociedade para a extrema-direita", pontuou. "Na última década, o Brasil trocou o método de fazer política. Até recentemente, a política era guiada pela entrega de resultados práticos. Agora, o brasileiro ganhou consciência política de direita e de extrema-direita".

<><> A necessidade de romper com o centro

O filósofo destacou que é preciso romper com a ilusão de que a moderação é o caminho para a vitória eleitoral da esquerda. "Como brota uma esquerda no mundo hoje se a que aí está é liberal?", questionou. Para ele, a única forma de enfrentar a extrema-direita é assumindo uma postura radical e transformadora que desafie diretamente a ordem capitalista e suas injustiças. "Diante da crise do capitalismo, os arruaceiros conquistam os eleitores", afirmou Mascaro, explicando que é esse discurso antissistema que atrai a população.

Ele exemplificou o fenômeno com a ascensão de figuras como Pablo Marçal, que emergiu no cenário político como um candidato exótico e provocador. "Pablo Marçal não é uma flor que brotou no pântano. Ele é o pântano", declarou, reforçando que a extrema-direita se alimenta do caos e do descontentamento generalizado, enquanto a esquerda, ao se moderar, perde a capacidade de mobilizar e inspirar.

<><> O caminho para a reconstrução

Mascaro concluiu que a esquerda precisa urgentemente "perder as ilusões" e se reorganizar para enfrentar a extrema-direita de maneira efetiva. "Não dá mais para imaginar que na mesma toada 2026 será bom", alertou. Para ele, é necessário que a esquerda resgate seu papel de contestadora do sistema e se posicione de forma clara e assertiva. Só assim será possível mobilizar a população e construir um movimento que vá além das eleições e das disputas pelo poder.

"O liberalismo não é a solução para os problemas estruturais da sociedade brasileira. Precisamos de uma esquerda que não tenha medo de se posicionar e de desafiar o sistema", concluiu Mascaro, deixando claro que a retomada das pautas progressistas exige coragem e disposição para confrontar diretamente os pilares do capitalismo.

 

        Ricardo Cappelli: “o identitarismo nunca foi uma política de esquerda”

Em entrevista ao Bom Dia 247, da TV 247, Ricardo Cappelli, presidente da Associação Brasileira do Desenvolvimento Industrial (ABDI) e interventor no Distrito Federal durante os eventos de 8 de janeiro, fez uma análise profunda sobre o cenário político atual do Brasil. Ao avaliar os resultados das recentes eleições municipais, Cappelli destacou o crescimento expressivo dos partidos de centro-direita e direita, que conquistaram cerca de 72% das prefeituras no país. “Esses partidos avançaram significativamente em cidades com mais de 200 mil eleitores, inclusive nas capitais do Nordeste”, observou.

Cappelli atribui o fortalecimento desse campo político a uma desconexão da esquerda com as pautas mais relevantes para a população. Ele criticou o que chamou de "foco exacerbado em questões identitárias", que, segundo ele, não são históricas da esquerda no Brasil. “A questão do identitarismo é recente e nunca foi central para a esquerda brasileira. A esquerda sempre se pautou pela luta de classes e pelo desenvolvimento econômico, focando em políticas públicas universais”, argumentou.

Ao longo da entrevista, Cappelli apontou que temas como segurança pública e desenvolvimento econômico ganharam centralidade no debate político atual. Ele mencionou, por exemplo, a fala do prefeito Eduardo Paes, que destacou a importância de “concentrar o campo na proximidade com o eleitor, entregando serviços públicos de qualidade e atendendo às necessidades objetivas da população”. Para Cappelli, esse tipo de posicionamento é essencial para reconectar a esquerda com a base popular.

<><> Uma nova dinâmica partidária

Cappelli também comentou a possível reorganização do quadro partidário no Brasil, mencionando que apenas oito partidos concentram mais de 82% das prefeituras eleitas. Para ele, essa tendência pode indicar uma consolidação futura do sistema político com menos partidos atuando de forma mais centralizada. “É um bom aspecto para a estabilização do quadro político no Brasil”, afirmou.

O presidente da ABDI enfatizou ainda que a esquerda precisa “ampliar suas bandeiras” e focar no desenvolvimento econômico para atrair a maioria da população. Ele alertou que a extrema-direita tem utilizado pautas comportamentais e o discurso antissistema para mobilizar eleitores insatisfeitos, especialmente em áreas periféricas. “O que é ser de esquerda? É defender o universalismo das políticas públicas, combater a concentração de renda e o rentismo. Essas são as bandeiras que precisam ser resgatadas”, concluiu.

 

Fonte: Observatório da Imprensa/Brasil 247


Nenhum comentário: