Carlos Wagner: Se triunfasse o golpe de 8
de janeiro de 2023 não haveria o 6 de outubro de 2024
Deve sobrar um canto
de página nos jornais e noticiários para nós repórteres lembramos aos
brasileiros que se a tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023
tivesse sido bem-sucedida não teríamos as eleições municipais de 6 de outubro
de 2024. O que aconteceu devemos lembrar sempre que houver uma oportunidade. E
as eleições municipais são uma dessas oportunidades. O 8 de janeiro foi o
clímax de uma situação que começou quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 78
anos, venceu as eleições no segundo turno contra o então presidente da
República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, que buscava a reeleição. Na época,
bolsonaristas estavam acampados na frente de várias unidades das Forças
Armadas, incluindo o Quartel-General do Exército, em Brasília (DF).
Foi deste acampamento
que, semanas antes do 8 de janeiro, saíram os grupos que tentaram derrubar as
redes alimentadoras de energia elétrica na região do Distrito Federal, explodir
um caminhão-tanque cheio de gasolina de aviação estacionado na frente do Aeroporto
Internacional de Brasília e invadir a sede da Polícia Federal (PF), também na
capital federal. E, finalmente, em 8 de janeiro, os acampados, reforçados por
um grande contingente de bolsonaristas procedentes de vários cantos do país,
saíram quebrando tudo que encontraram pela frente nos prédios do Congresso, do
Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três
Poderes. A intenção deles era forçar Lula a decretar a Garantia da Lei e da
Ordem (GLO), que seria cumprida pelas Forças Armadas, onde estavam alojados
generais e outros altos oficiais bolsonaristas. Estes afastariam Lula do
governo e o substituiriam por Bolsonaro, que estava nos Estados Unidos. Lula
não caiu na armadilha. Há muitas versões sobre este fato. Uma delas é que
Janja, a primeira-dama, o alertou que era uma cilada. O fato é que o governo
federal reagiu, se articulando com os ministros do STF, os líderes da Câmara
dos Deputados e do Senado e os oficiais legalistas das Forças Armadas, e no
final os manifestantes, os articulares e os financiadores da tentativa de golpe
foram todos presos – matéria nos jornais.
Mas o que aconteceria
se Lula tivesse caído na armadilha? O roteiro já estava definido. Bolsonaro
reassumiria o governo. Mas não esquentaria por muito tempo a cadeira de
presidente do Brasil. Haveria um contragolpe e a turma dos bolsonaristas seria
substituída por generais, grandes empresários e senadores e deputados, que
tomariam o governo empunhando a bandeira da pacificação do país. Conversa
fiada. A primeira coisa que fariam seria concluir a missão de destruir os
controles das instituições que fora iniciada no governo Bolsonaro. Um passo
importante para se perpetuarem no poder. É provável que houvesse uma reação
popular e o país cairia em um longo período de lutas políticas. Dentro de um
ambiente de conflito, dificilmente as eleições municipais seriam realizadas. O
que escrevi não é uma tese. Mas uma avaliação feita por cientistas políticos
sobre o risco que corremos em 8 de janeiro. Eles alertam para o seguinte. O
pior não aconteceu. Mas os agentes que tentaram o golpe estão por aí. Vivemos
tempos estranhos. Quem pensaria que, em 6 de janeiro de 2021, seguidores do
então presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), 78 anos,
invadiriam o Capitólio para tentar impedir a sessão do Congresso americano que
ratificaria a vitória do presidente eleito Joe Biden (democrata), 81 anos? A
invasão fracassou, deixando um saldo de cinco mortos e muitos feridos. Lembro
que quando o Brasil começou a se redemocratizar, nos anos 80, depois de padecer
sob a ditadura dos militares que deram o golpe de estado de 1964, a realização
de eleições era um grande acontecimento, que mobilizava todas as redações.
Repórteres eram enviados para todos os cantos do imenso território brasileiro
para documentar a população votando. A conversa entre os jornalistas era que um
dia a realização de eleições seria tão normal no Brasil que não seria mais
notícia.
Resumindo a nossa
conversa. Por mais de duas décadas, as eleições eram uma rotina. A vitória de
Bolsonaro, em 2018, para presidente da República, colocou essa rotina em risco.
Felizmente, a tentativa de golpe fracassou e a rotina das eleições foi mantida.
O primeiro turno da campanha na cidade de São Paulo deixou um imenso material
que merece a atenção da imprensa. Vamos lá. Foram para o segundo turno os
candidatos Guilherme Boulos (Psol), 42 anos, com 29,05% dos votos, e Ricardo
Nunes (MDB), 56 anos, com 29,49%. Ficou de fora o ex-coach Pablo Marçal (PRTB),
37 anos. O fato é o seguinte: Marçal saiu do zero para 28,14% dos votos por sua
conta própria. Fez uma campanha fora da curva, usando as redes sociais.
Empilhou vários crimes eleitorais e comuns. Com a sua derrota no primeiro
turno, ficou fora do jogo e agora será a vez de acertar as contas com a
Justiça. Seja lá qual for o destino dele, os caminhos que percorreu na campanha
eleitoral de São Paulo merecem ser olhados com uma lupa pelos jornalistas para
se entender como age e se organiza esta nova geração de políticos. Tenho
escrito que Marçal usou as eleições municipais de São Paulo para se cacifar
como candidato à Presidência da República em 2026. O sonho dele é se tornar
líder do movimento bolsonarista. Também tenho escrito que o ex-presidente é um
cara muito esperto e que conhece os caminhos para sobreviver na disputa
política. Muito embora Marçal seja cria das novas tecnologias, não é páreo para
colocar em risco a liderança do ex-presidente. O importante é que a democracia
brasileira resistiu aos ataques golpistas.
• Alysson Mascaro: "A esquerda sofreu
um strike nas eleições municipais"
Em entrevista ao
jornalista Leonardo Attuch, editor da TV 247, o filósofo e jurista Alysson
Mascaro abordou as recentes eleições municipais no Brasil, ressaltando o
desempenho decepcionante das candidaturas de esquerda e a ascensão das forças
conservadoras. Para Mascaro, a situação atual é resultado de um processo
contínuo de enfraquecimento político e ideológico dos movimentos progressistas,
que, segundo ele, se deixaram levar pelo liberalismo e perderam a capacidade de
mobilização.
"A esquerda não
saiu do buraco nas eleições municipais. Conseguiu apenas algumas prefeituras
municipais. O resultado foi pífio – e até chocante", afirmou o jurista,
destacando que, mesmo com algumas vitórias pontuais, o cenário geral foi de retrocesso.
Para ele, o que se passa hoje no Brasil é reflexo de um processo mais amplo,
onde "a sociedade brasileira foi politizada pela direita, e a esquerda não
politiza. Não sabe e não quer fazer isso".
<><> Um
strike na esquerda e a ascensão da extrema-direita
Mascaro foi incisivo
ao afirmar que "a esquerda sofreu um strike na eleição municipal",
alertando que o movimento progressista tem renunciado a se posicionar de
maneira efetiva e clara. "Quando a esquerda renuncia a falar que é de
esquerda, aí se dá o strike total", ressaltou. Para ele, a esquerda atual
se contentou com posições de centro, e isso a descaracteriza: "Se a
esquerda se contentar com o centro, ela não é esquerda. Ela é o centro".
Ao analisar o
resultado das eleições em São Paulo, Mascaro destacou que a esquerda por pouco
não passou para o segundo turno. "Em São Paulo, por muito pouco, 1%, a
esquerda passou para o segundo turno. Ou seja, um fator de sorte", diz
ele, referindo-se à candidatura de Guilherme Boulos, do PSOL, com apoio do PT.
Para ele, essa fragilidade demonstra a falta de uma base sólida de apoio
popular e a dificuldade de mobilizar eleitores diante da força crescente da
extrema-direita.
<><> A
armadilha do liberalismo
Segundo Mascaro, o
problema é que "o que passa por esquerda no mundo é o liberalismo.
Liberalismo e neoliberalismo são a mesma coisa", criticando a incapacidade
dos partidos progressistas de se desvincular das práticas liberais e adotar uma
postura mais combativa e transformadora. "O PT estava à esquerda do
Partido Democrata quando surgiu. Passaram-se 40 anos, e ele está emparelhado
com o Partido Democrata", afirmou, referindo-se ao alinhamento do partido
brasileiro com as políticas liberais que, na sua visão, não atendem às demandas
reais da população.
Para Mascaro, essa
postura diluída explica por que a direita e a extrema-direita têm conquistado
tanto espaço no cenário político brasileiro. "Estamos produzindo de
baciada uma sociedade para a extrema-direita", pontuou. "Na última
década, o Brasil trocou o método de fazer política. Até recentemente, a
política era guiada pela entrega de resultados práticos. Agora, o brasileiro
ganhou consciência política de direita e de extrema-direita".
<><> A
necessidade de romper com o centro
O filósofo destacou
que é preciso romper com a ilusão de que a moderação é o caminho para a vitória
eleitoral da esquerda. "Como brota uma esquerda no mundo hoje se a que aí
está é liberal?", questionou. Para ele, a única forma de enfrentar a extrema-direita
é assumindo uma postura radical e transformadora que desafie diretamente a
ordem capitalista e suas injustiças. "Diante da crise do capitalismo, os
arruaceiros conquistam os eleitores", afirmou Mascaro, explicando que é
esse discurso antissistema que atrai a população.
Ele exemplificou o
fenômeno com a ascensão de figuras como Pablo Marçal, que emergiu no cenário
político como um candidato exótico e provocador. "Pablo Marçal não é uma
flor que brotou no pântano. Ele é o pântano", declarou, reforçando que a
extrema-direita se alimenta do caos e do descontentamento generalizado,
enquanto a esquerda, ao se moderar, perde a capacidade de mobilizar e inspirar.
<><> O
caminho para a reconstrução
Mascaro concluiu que a
esquerda precisa urgentemente "perder as ilusões" e se reorganizar
para enfrentar a extrema-direita de maneira efetiva. "Não dá mais para
imaginar que na mesma toada 2026 será bom", alertou. Para ele, é necessário
que a esquerda resgate seu papel de contestadora do sistema e se posicione de
forma clara e assertiva. Só assim será possível mobilizar a população e
construir um movimento que vá além das eleições e das disputas pelo poder.
"O liberalismo
não é a solução para os problemas estruturais da sociedade brasileira.
Precisamos de uma esquerda que não tenha medo de se posicionar e de desafiar o
sistema", concluiu Mascaro, deixando claro que a retomada das pautas
progressistas exige coragem e disposição para confrontar diretamente os pilares
do capitalismo.
• Ricardo Cappelli: “o identitarismo nunca
foi uma política de esquerda”
Em entrevista ao Bom
Dia 247, da TV 247, Ricardo Cappelli, presidente da Associação Brasileira do
Desenvolvimento Industrial (ABDI) e interventor no Distrito Federal durante os
eventos de 8 de janeiro, fez uma análise profunda sobre o cenário político atual
do Brasil. Ao avaliar os resultados das recentes eleições municipais, Cappelli
destacou o crescimento expressivo dos partidos de centro-direita e direita, que
conquistaram cerca de 72% das prefeituras no país. “Esses partidos avançaram
significativamente em cidades com mais de 200 mil eleitores, inclusive nas
capitais do Nordeste”, observou.
Cappelli atribui o
fortalecimento desse campo político a uma desconexão da esquerda com as pautas
mais relevantes para a população. Ele criticou o que chamou de "foco
exacerbado em questões identitárias", que, segundo ele, não são históricas
da esquerda no Brasil. “A questão do identitarismo é recente e nunca foi
central para a esquerda brasileira. A esquerda sempre se pautou pela luta de
classes e pelo desenvolvimento econômico, focando em políticas públicas
universais”, argumentou.
Ao longo da
entrevista, Cappelli apontou que temas como segurança pública e desenvolvimento
econômico ganharam centralidade no debate político atual. Ele mencionou, por
exemplo, a fala do prefeito Eduardo Paes, que destacou a importância de
“concentrar o campo na proximidade com o eleitor, entregando serviços públicos
de qualidade e atendendo às necessidades objetivas da população”. Para
Cappelli, esse tipo de posicionamento é essencial para reconectar a esquerda
com a base popular.
<><> Uma
nova dinâmica partidária
Cappelli também
comentou a possível reorganização do quadro partidário no Brasil, mencionando
que apenas oito partidos concentram mais de 82% das prefeituras eleitas. Para
ele, essa tendência pode indicar uma consolidação futura do sistema político
com menos partidos atuando de forma mais centralizada. “É um bom aspecto para a
estabilização do quadro político no Brasil”, afirmou.
O presidente da ABDI
enfatizou ainda que a esquerda precisa “ampliar suas bandeiras” e focar no
desenvolvimento econômico para atrair a maioria da população. Ele alertou que a
extrema-direita tem utilizado pautas comportamentais e o discurso antissistema
para mobilizar eleitores insatisfeitos, especialmente em áreas periféricas. “O
que é ser de esquerda? É defender o universalismo das políticas públicas,
combater a concentração de renda e o rentismo. Essas são as bandeiras que
precisam ser resgatadas”, concluiu.
Fonte: Observatório da
Imprensa/Brasil 247
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