'Solidão estratégica': por que Irã tem tão
poucos aliados em disputa com Israel e EUA
Quando o presidente da
Rússia, Vladimir Putin, se reunir nesta sexta-feira (11/10) pela primeira vez
com o novo presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, haverá um tema
inevitável em sua agenda: a crise no Oriente Médio e a possibilidade de
uma guerra entre Irã e Israel.
O atual confronto
entre Israel e os aliados do Irã, iniciado com o
ataque surpresa e sangrento do grupo palestino Hamas em 7 de outubro de 2023, já
impacta o Líbano, onde Israel combate a milícia xiita Hezbollah. O
conflito ameaça atingir o Irã, após o país ter disparado centenas de mísseis
contra Israel no último 1º de outubro.
A possibilidade
de uma guerra aberta entre Irã e Israel preocupa a comunidade internacional, tanto por danos
humanos e materiais que pode causar quanto pelos possíveis efeitos na economia
global.
Teme-se que Israel
ataque instalações petrolíferas do Irã ou que Teerã interrompa o fluxo de
petroleiros pelo Estreito de Ormuz, por onde passa mais de 20% do petróleo
consumido diariamente no planeta.
Mas o encontro entre
Putin e Pezeshkian no Turcomenistão, à margem de uma cúpula de nações da Ásia
Central, é especialmente importante para o Irã, um estado com poucos aliados na
comunidade internacional.
"O Irã tem poucas
opções porque, se deixarmos de lado seus parceiros não estatais como o Hamas ou
a milícia libanesa Hezbollah, coopera com um pequeno número de Estados. Ainda
assim, essa cooperação é limitada", diz Thomas Juneau, professor da Escola
de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Ottawa, à BBC News
Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Mansour Farhang,
professor emérito de ciências políticas no Bennington College (Vermont, EUA),
afirma que o Irã é um dos países "mais isolados do mundo".
"Irã não tem
nenhum estado parceiro ou aliado que se identifique com sua posição ideológica
ou com sua política expansionista na região", diz Farhang à BBC.
Esse isolamento do Irã
não é novo — embora tenha sido exacerbado pelas políticas adotadas desde o
triunfo da revolução islâmica em 1979 — e constitui um fenômeno que os
especialistas em relações internacionais chamam de "solidão
estratégica".
·
Irã sozinho no mundo
Em um artigo acadêmico
publicado em 2014, Juneau explicava o que é a “solidão estratégica”.
“O Irã está sozinho no
mundo. Essa solidão estratégica é, principalmente, resultado de fatores
estruturais inerentes à sua posição nos sistemas regional e internacional e, em
grande medida, independente das ações de quem governa o país”, escreveu ele.
“Sua postura internacional não
impossibilita a cooperação com outros estados, nem predetermina uma condição de
conflito permanente com seus vizinhos. A solidão estratégica, no entanto,
explica por que o Irã tem interesses comuns muito limitados com seus vizinhos e
por que a cooperação é difícil e custosa de alcançar”, acrescenta.
Diversos fatores
contribuem para o isolamento do Irã, incluindo ser o único Estado etnicamente
persa no mundo.
Embora a estimativa é
de que haja cerca de 50 países com maioria muçulmana, apenas em uma
pequena quantidade deles a maioria da população é xiita, a vertente do Islã que
predomina no Irã.
O país também é
afetado por sua situação geográfica, ao estar em uma vizinhança com estados
fortes e grandes ambições, que levaram a importantes guerras e rivalidades no
passado.
Ao norte, em sua
fronteira marítima, está a Rússia; a noroeste, está a Turquia, berço do antigo
Império Otomano e um dos rivais históricos dos persas; a oeste, está o Iraque,
com quem compartilha uma longa fronteira e travou uma guerra por quase uma década
nos anos 1980; ao sul, encontra-se a Arábia Saudita, um país de maioria sunita
que abriga as duas cidades mais sagradas do Islã e, com o Irã, é uma das duas
potências de referência na região do Golfo.
Na mesma região, há
vários países governados por sunitas que, além disso, têm acordos de segurança
com os Estados Unidos: Kuwait, Omã, Emirados Árabes Unidos e Bahrein. Este
último abriga a 5ª Frota dos EUA, enquanto o Catar sedia o quartel-general das
forças americanas na área.
Outros países
importantes com os quais o Irã faz fronteira são Índia, Paquistão e
Afeganistão.
Como se não bastasse,
no texto, Juneau destacava que “a República Islâmica não é membro de nenhuma
organização regional importante nem de nenhum acordo de segurança, ao contrário
de dois de seus principais rivais: a Turquia, membro da OTAN; e a Arábia Saudita,
que faz parte da Liga Árabe e do Conselho de Cooperação do Golfo”.
·
Dos limites da
geografia aos limites da política
Além das condições
geopolíticas, das rivalidades históricas e das ambições de poder de cada
Estado, as próprias políticas adotadas pelo Irã desde o triunfo da Revolução
Islâmica contribuíram para seu isolamento internacional.
“Desde 1979, o Irã
adotou uma postura de rejeição à ordem regional dominada pelos Estados Unidos.
Embora Teerã tenha feito alguns esforços para mudar essa situação violentamente
nos primeiros anos da revolução, desde então, tornou-se um ator revisionista
com objetivos limitados, em vez de ilimitados”, explicava Juneau.
Naqueles primeiros
anos, a Revolução Iraniana definiu algumas de suas diretrizes principais, como
o confronto direto com Washington e o repúdio à existência do Estado de Israel.
Mansour Farhang afirma
que essa política contra Israel não tinha uma base ideológica, mas era uma
jogada oportunista.
“O principal objetivo
do aiatolá [Ruhollah] Khomeini era exportar sua revolução. Estrategicamente,
ele pensou em explorar o sentimento anti-Israel que prevalecia nos países
árabes”, diz Farhang.
“Ele acreditava que
atacar Israel, questionar sua legitimidade e, de fato, referir-se a Israel como
um câncer que precisava ser eliminado da geografia da região o ajudaria a
ganhar apoio”, continua o professor, apontando que a Revolução Islâmica era
extremamente popular em seus primeiros anos entre as populações dos países
árabes.
“Khomeini acreditava
que enfrentar Israel seria um chamado indireto ao público no mundo árabe, o que
também ameaçaria os governos árabes”, acrescenta.
Farhang explica que,
naquele momento, a maioria dos governos árabes da região já havia concluído que
o confronto com Israel não traria nenhum benefício.
Meses antes da
Revolução Islâmica, o Egito assinou um acordo de paz com Israel, tornando-se o
primeiro país árabe a reconhecer o Estado judeu. A Jordânia, que levaria mais
15 anos para fazer o mesmo, mantinha, desde a década de 1970, uma cooperação
informal com Israel em questões de interesse mútuo.
Nos primeiros anos da
revolução, as tentativas de Khomeini de exportar seu movimento para os países
vizinhos não ajudaram a formar amizades. Um dos primeiros confrontos ocorreu
com o Iraque de Saddam Hussein, onde a existência de uma maioria xiita sob um
governo sunita parecia oferecer uma oportunidade para Teerã, mas que acabou
resultando em uma guerra longa e desastrosa.
“Hussein era
legalmente responsável por invadir o Irã, mas, politicamente, foi Khomeini quem
enviou primeiro dinheiro e agentes de inteligência para promover atividades
anti-Hussein no Iraque”, afirma Farhang.
Essa guerra, iniciada
em 1980, poderia ter terminado em 1982, quando o Irã conseguiu expulsar as
tropas iraquianas de seu território e surgiu uma oportunidade para a paz, com
uma resolução aprovada por unanimidade no Conselho de Segurança da ONU, pedindo
um cessar-fogo.
“Arábia Saudita e os
Estados do Golfo ofereceram ao Irã US$ 20 bilhões para a reconstrução dos danos
causados pela guerra, se o Irã aceitasse essa resolução da ONU, mas Khomeini
rejeitou e disse que queriam ir de Karbala a Al-Quds — ou seja, do Iraque até
Jerusalém. E a guerra continuou por mais seis anos”, observa Farhang.
Teerã também rompeu
relações com o Egito em 1980, depois que esse país concedeu asilo ao xá deposto
Mohammad Reza Pahlavi.
Mas as divergências
vão além. Teerã rejeita o fato de o Egito ter feito as pazes com Israel,
enquanto, no Cairo, há desconfiança quanto aos vínculos e afinidades entre o
regime iraniano e a Irmandade Muçulmana egípcia.
·
Mais parceiros do que
aliados
Se as relações com os
Estados vizinhos não são as melhores, Teerã cultivou uma rede de organizações
não estatais que atuam como aliadas, formando o que é conhecido como o eixo da
resistência. Trata-se de uma aliança liderada pelo Irã, da qual também
participa a Síria, e que inclui as milícias do Hezbollah no Líbano, o Hamas
e a Jihad Islâmica em Gaza, os houthis no Iêmen, além de milícias xiitas no
Iraque, Afeganistão e Paquistão, entre outros.
Essas organizações são
vistas não apenas por Israel, mas também pelos Estados Unidos e pelos países
árabes do Golfo, como uma ameaça. Suas ações podem ter um impacto global, como
ficou evidente com os ataques dos houthis no último ano contra navios mercantes
que cruzam o Mar Vermelho, obrigando as companhias de navegação a desviarem
rotas, tornando-as mais longas e custosas.
Esses desvios afetaram
a receita obtida pelo Egito com o trânsito de navios pelo Canal de Suez, que
caiu cerca de 50% nos últimos oito meses, gerando perdas de até US$ 6 bilhões,
segundo o presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi.
Além dos atores não
estatais, o Irã mantém relações com diversas nações — na verdade, pelo menos
162 países têm embaixada em Teerã —, mas possui poucos aliados reais, a maioria
dos quais tem capacidade limitada de oferecer apoio substancial.
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Os principais aliados do Irã
SÍRIA
A Síria é considerada
o único aliado real do Irã no Oriente Médio. No entanto, o governo de Bashar
al-Assad tem capacidades muito limitadas para apoiar Teerã.
“O governo sírio é
extremamente frágil, não controla todo o território do país e está muito focado
em si devido ao legado da guerra civil. Portanto, em termos de contribuição
potencial, a Síria está bastante limitada, além de servir como trampolim geográfico
para o Irã projetar sua influência no Levante”, afirma Juneau.
LÍBANO
Embora os analistas
afirmem que o Irã exerce grande influência sobre o que acontece nesses países
vizinhos, essa influência não se dá por meio de relações formais entre
governos, mas sim através dos partidos e milícias xiitas que atuam nesses
países.
O Hezbollah exerce uma
autoridade de fato que é autônoma em relação ao governo do Líbano. Embora tenha
legisladores no Parlamento e ministros no gabinete, o grupo não representa
formalmente o governo libanês.
“No Iraque, os
partidos e milícias xiitas infiltraram o governo e parte do aparato de
segurança, mas sua lealdade, na prática, é mais para com seus movimentos do que
para com o governo nacional”, comenta Juneau.
“O governo iraquiano,
por sua vez, tenta equilibrar suas relações com o Irã e os Estados Unidos”,
acrescenta.
RÚSSIA
Os laços entre Teerã e
Moscou se fortaleceram nos últimos anos, especialmente após a invasão russa da
Ucrânia. O Irã tornou-se um fornecedor de armamentos para a ofensiva russa,
particularmente no que diz respeito a drones.
“Ambos se aproximaram
muito na esfera militar e de segurança”, aponta Juneau.
Moscou tem várias
formas de retribuir esse apoio, incluindo a venda dos caças SU-35 de última
geração ou do poderoso sistema de defesa antiaérea S-400, que o Irã deseja há
muito tempo.
A questão é que
decisões desse tipo poderiam prejudicar os vínculos da Rússia com outros países
importantes da região — como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos ou,
evidentemente, Israel, um país com o qual Putin manteve relações cordiais e
que, apesar de sua aliança com os EUA, tem se mantido até agora à margem do
conflito na Ucrânia.
CHINA
A China tem sido, por
anos, o principal comprador de petróleo iraniano e, apesar das sanções
internacionais, ainda ocupava essa posição no final de 2023, segundo a agência
Nikkei. Além disso, é o maior cliente das exportações não petrolíferas do Irã.
No entanto, Pequim é
uma potência com interesses globais que busca evitar que conflitos externos
afetem seus negócios.
“A China é
extremamente cuidadosa em equilibrar suas relações e em não se aproximar tanto
do Irã a ponto de prejudicar seus vínculos com os rivais de Teerã. O país não
quer ter um papel importante na política e segurança do Oriente Médio porque
deseja focar no lado comercial e evitar ser impactada por essas disputas”,
explica Juneau.
Mansour Farhang
concorda: “A China mantém excelentes relações comerciais com todos os países da
região. Sua política externa no Oriente Médio é semelhante à de um empresário
ou comerciante”, afirma.
COREIA DO
NORTE
A Coreia do Norte e o
Irã mantêm uma longa história de trocas de armas por petróleo, que remonta à
década de 1980, durante a guerra Irã-Iraque.
Pyongyang enviava
armamentos e mísseis, enquanto Teerã fornecia petróleo e fertilizantes.
Especialistas
acreditam que o míssil iraniano de médio alcance Shahab-3 é uma versão
desenvolvida a partir do míssil norte-coreano No Dong 1, adquirido pelo Irã na
década de 1990.
Essa relação persiste
até hoje, mas com limitações devido às fortes sanções que ambos os países
enfrentam.
“Irã e Coreia do Norte
colaboram há anos em questões como a evasão de sanções e a produção de
armamentos, mas a Coreia do Norte é um estado muito pobre com um papel reduzido
no Oriente Médio, de modo que os benefícios para o Irã são limitados”, alerta
Juneau.
VENEZUELA,
CUBA, NICARÁGUA E BOLÍVIA
Na América Latina, o
Irã já mantinha uma relação antiga com Cuba, forjada no âmbito do Movimento dos
Países Não Alinhados.
No entanto, os laços
mais estreitos foram desenvolvidos nos últimos anos, principalmente devido ao
estabelecimento de uma aliança com a Venezuela e seus parceiros da ALBA, que
incluem a própria Cuba, além da Nicarágua e Bolívia.
Esses países
compartilham com Teerã um forte sentimento de rejeição aos Estados Unidos e
costumam apoiar-se mutuamente no campo diplomático, coordenando suas posições
em diferentes organizações internacionais.
No entanto, sua
utilidade prática para o Irã é limitada.
“O apoio deles é
simbólico, nada além disso. Os líderes iranianos e desses países adoram se
reunir e fazer conferências de imprensa criticando os EUA e afirmando que são
parceiros na luta contra o colonialismo, imperialismo, etc”, afirma Juneau.
“Mas, na prática, do
ponto de vista militar e de segurança, podem ajudar o Irã em sua luta contra
Israel e os Estados Unidos? Acho que a resposta é, em grande parte, não.”
Dessa forma, no
cenário atual, parece que o apoio mais importante e poderoso que o Irã pode
receber virá da Rússia.
Nesse ponto, no
entanto, os especialistas divergem em suas avaliações.
Farhang acredita que,
se a crise com Israel escalar. Moscou — assim como Pequim — optará por fazer
apelos por cessar-fogo, evitando envolvimento direto no conflito.
Juneau, por outro
lado, acha que Moscou pode dar um passo à frente. “Rússia e Irã já mantêm um
comércio muito produtivo em termos de armas, tecnologia e troca de informações.
Eles fazem isso na Ucrânia. Caso a tensão entre Irã e Israel continue, não tenho
dúvidas de que essa colaboração prosseguirá e poderá se intensificar”, observa.
Diante dessa
incerteza, será necessário acompanhar de perto o encontro desta sexta-feira
entre Putin e Pezeshkian em busca de sinais sobre até onde Moscou estaria
disposto a ir.
¨ Hamas reforçará suas posições no Líbano devido ao êxodo da Faixa
de Gaza, diz Israel
O chefe da Força Aérea
de Israel, Tomer Bar, disse que o movimento palestino Hamas, perdendo as
posições na Faixa de Gaza, pretende iniciar atividades militares no Líbano,
onde agora o movimento libanês Hezbollah está lutando contra a invasão das
forças israelenses.
O anúncio foi
divulgado pelo serviço de imprensa do Exército israelense após uma avaliação
conjunta da situação no sul do Líbano e na fronteira norte de Israel feita
pelos chefes da Força Aérea e do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel
(FDI), Herzi Halevi, na sexta-feira (11).
"O chefe do
Estado-Maior e o chefe da Força Aérea realizaram uma avaliação conjunta da
situação no sul do Líbano, juntamente com o chefe do Comando do Norte, o
comandante da 91ª Divisão e outros comandantes", disse o serviço.
De acordo com as FDI,
quatro divisões do Exército israelense estão atualmente no Líbano, operando em
todas as direções: no Vale do Bekaa, em Beirute, ao norte e ao sul do rio
Litani.
Segundo Bar, as forças
do Hamas vão fortalecer sua posição no Líbano, já que as FDI quase as
expulsaram da Faixa de Gaza.
Ele também observou
que Israel "perseguirá o Hamas em todos os lugares".
Desde 1º de outubro,
Israel vem conduzindo uma operação terrestre contra as forças do movimento
Hezbollah no sul do Líbano e continua o bombardeio aéreo do país.
Mais de 2.000 pessoas
já foram mortas, incluindo líderes do movimento, e mais de um milhão de pessoas
se tornaram refugiadas.
Apesar das perdas,
inclusive de comandantes, o Hezbollah está lutando em terra e continua a
disparar foguetes contra o território israelense.
O Ministério das
Relações Exteriores da Rússia conclamou as partes a cessarem as hostilidades.
De acordo com a
posição de Moscou, um acordo só é possível com base na fórmula aprovada pelo
Conselho de Segurança da ONU, com o estabelecimento de um Estado palestino
dentro das fronteiras de 1967, tendo Jerusalém Oriental como sua capital.
Fonte: BBC News/Sputnik
Brasil
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