Os destinos turísticos pensados para
receber pessoas autistas
O desconforto causado
por longas filas de embarque, atrasos de voos, trens lotados e
congestionamentos de trânsito pode fazer com que viajar se torne uma provação.
E, para algumas pessoas, o estresse das viagens pode ser ainda mais forte.
Espaços barulhentos e
lotados de pessoas, interações sociais complicadas e súbitas mudanças de rotina
são fortes desafios para viajantes neurodivergentes, como os do espectro
autista.
O autismo é uma
condição complexa, marcada por diferenças nas interações sociais, comunicações
e no processamento sensorial. Esta condição afeta cerca de 1% das crianças em
todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde.
A variedade e a
gravidade dos sintomas variam de pessoa para pessoa. Ou seja, as acomodações
específicas para cada viajante também podem variar.
Mas viajar também pode
ser uma atividade muito gratificante para pessoas autistas, especialmente
quando suas necessidades e sensibilidade são levadas em consideração.
"Acho que um dos
maiores benefícios de viajar é a oportunidade de ampliar as noções sobre o que
as pessoas autistas são capazes de fazer", afirma o palestrante e escritor
best-seller Kerry Magro, que foi diagnosticado com autismo aos quatro anos de
idade.
"[Viajar pode
melhorar as] capacidades sociais, comunicação, adaptabilidade e a própria
autoconsciência sobre quem eles são como indivíduos e o que eles gostam de
fazer."
Alguns conhecimentos
básicos e acomodações simples podem fazer toda a diferença para as experiências
de viagem de pessoas autistas – e os destinos turísticos estão trabalhando cada
vez mais para fornecer estas condições para seus visitantes.
Há mais de 20 anos, o
Comitê Internacional de Credenciamento e Padrões de Educação Continuada
(IBCCES, na sigla em inglês) fornece treinamento para hotéis, profissionais e
escritórios de turismo de todo o mundo que se interessem em receber melhor
visitantes autistas e com outros tipos de neurodivergência.
Atualmente, mais de
300 empresas são relacionadas como Centros Certificados de Autismo, além de
três destinos totalmente certificados. E existem outros atualmente em processo
de certificação, como Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e a área da Grande Palm
Springs, nos Estados Unidos.
"Incorporamos as
melhores práticas dos especialistas neste campo, além dos próprios indivíduos
autistas e neurodivergentes [nos nossos treinamentos]", explica a
presidente do IBCCES, Meredith Tekin. "Por isso, você irá ver indivíduos
oferecendo sua experiência de vida e suas recomendações nos treinamentos."
O IBCCES oferece
treinamentos concentrados na consciência sensorial e na sensibilidade geral em
relação às pessoas autistas. Eles também realizam ocasionalmente visitas
presenciais a hotéis e cidades parceiras, para ajudar a identificar novas
oportunidades de receber viajantes autistas.
O objetivo da
organização é ajudar os destinos a receber melhor as pessoas autistas e
auxiliar os profissionais do setor de turismo a compreender melhor as
necessidades de acessibilidade.
Após o término do
treinamento, a organização oferece certificações e a inclusão das empresas no
site Autism Travel (em inglês), que relaciona destinos e atrações que o IBCCES
considera "certificados para pessoas autistas".
O IBCCES oferece
certificações para restaurantes, lojas e atrações turísticas – os chamados
"Centros Certificados de Autismo" – além de destinos e cidades.
Os "Destinos
Certificados de Autismo" são lugares em que a maior parte das organizações
relacionadas ao turismo da região já passaram por treinamento. Já as
"Cidades Certificadas de Autismo" são locais em que empresas e
organizações de toda a cidade foram certificadas.
O destino mais recente
a receber a certificação é Traverse City, no Estado americano de Michigan. O
local foi certificado em agosto de 2024.
Traverse City é
conhecida pelo seu belo cenário natural e pela proximidade da Margem Lacustre
Nacional das Dunas de Sleeping Bear.
Segundo a chefe de
operações da organização Traverse City Tourism, Whitney Waara, o motivo que
levou o local a obter a certificação foi simplesmente o desejo de fazer com que
mais pessoas pudessem desfrutar da cidade.
"Nós realmente
trabalhamos para tentar fazer com que o nosso destino receba a todos", ela
conta. "Garantir que estejamos preparados para atender a todos os turistas
que chegarem, com todas as suas necessidades, tem sido uma prioridade importante
para nós nos últimos anos."
A iniciativa foi um
projeto particularmente empolgante para Craig Hadley, diretor-executivo do
Museu Dennos, em Traverse City. O filho de Hadley está no espectro autista e
aparece no vídeo promocional da cidade que anuncia sua recente certificação.
"Parece algo
simples, mas, como pai, significa muito saber que a pessoa com quem você está
falando entende o contexto e por que aquele recurso é importante para aquela
família", declarou Hadley à BBC.
O museu participou do
processo de certificação, treinando funcionários e criando instalações
adequadas para pessoas autistas, como espaços silenciosos, mapas sensoriais e
fones de ouvido com cancelamento de ruído, que ficam disponíveis para os
visitantes particularmente sensíveis aos sons, como é o caso de muitas pessoas
autistas.
O Museu Dennos também
planejou eventos para pessoas autistas, como seu Halloween para Todos, em
espaços com acessibilidade sensorial.
Traverse City se
inspirou na cidade de Mesa, no Arizona – a primeira cidade amiga das pessoas
autistas dos Estados Unidos, certificada pelo IBCCES em 2019.
O que começou como uma
iniciativa do conselho de turismo da cidade, criada com base na experiência do
seu CEO (diretor-executivo) como pai de uma criança autista, cresceu rapidamente
– e passou a ser um movimento municipal, quando o prefeito tomou conhecimento
dos planos.
"Nós encabeçamos
o projeto e, naturalmente, informamos o prefeito e as autoridades municipais.
Ele simplesmente cresceu de forma orgânica", diz a vice-presidente de
defesa e experiência no destino da organização Visit Mesa, Alison Brooks.
"Acho que foi uma
daquelas coisas que surgiram no momento perfeito. Muitas pessoas [são] afetadas
pelo autismo de alguma forma. Por isso, é claro que sabíamos que esta era a
coisa certa a fazer."
Para que toda a cidade
fosse certificada, Mesa precisou que pelo menos três empresas e organizações em
diferentes setores – especificamente, turismo, educação e assistência médica –
passassem pelo processo. Mas muitas outras empresas da cidade se inscreveram –
tantas, na verdade, que Mesa agora oferece um passaporte chamado "Viva a
Vida Sem Limites", que relaciona todos os centros certificados da cidade,
como hotéis, restaurantes e atrações turísticas.
A página Viagem com
Autismo (em inglês) do website da Visit Mesa também oferece guias sensoriais
gratuitos para sete dos destinos mais populares da cidade. Eles podem ser
baixados e observados online antes da visita.
Legenda da foto,A
cidade de Mesa, no Estado do Arizona, foi a primeira a ser considerada amiga
das pessoas autistas, em 2019
"Quase todos os
dias, encontro alguém que não sabia que [a cidade] foi certificada", diz
Brooks. "Mas, sempre que falo com os moradores... eles ficam com essa
sensação de orgulho."
Para Magro, observar a
disposição cada vez maior entre as cidades e destinos de aprender sobre o
autismo e melhorar as acomodações para turistas neurodivergentes é um sinal
positivo.
"Espero realmente
que não seja uma moda, mas uma [nova] realidade e que mais pessoas da nossa
comunidade sejam recebidas de braços abertos."
Fonte: BBC Travel
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