Saúde da Família: 30 anos de um dos pilares
do SUS
Instituído pela lei
8.080 em 1990, o SUS se efetivou no território brasileiro ao longo dos anos
seguintes. Antecedido pelo Programa Agentes Comunitários de Saúde em 1991, a
Estratégia de Saúde da Família (ESF) foi estabelecida em 1994 e é até hoje uma
espécie de coluna vertebral do sistema de saúde pública do país e seu objetivo
de universalidade. Na celebração de seus 30 anos, Rede Atenção Primária à Saúde
(RAPS) da Abrasco e o Observatório do SUS da Escola Nacional de Saúde Pública
da Fiocruz realizaram um seminário com autoridades de governo e pesquisadores da
área, no qual se analisaram seus atuais desafios frente a um mundo que passa
por complexas crises e mudanças.
Intitulado “30 anos da
ESF no SUS: efeitos no acesso e na saúde da população”, o encontro virtual foi
mediado pelos pesquisadores Luiz Augusto Facchini e Lígia Giovanella,
vinculados às duas organizações. Para além do reconhecimento da transformação
no direito à saúde causado por tal política, olhou-se para as necessidades
presentes e futuras que se incorporam ao SUS.
“Reconhecemos o avanço
na organização da Atenção Primária em Saúde (APS) nos municípios, é o modelo
mais assertivo e que obtém mais resultados. Mas é necessário terminar de
adequá-lo a características de alguns municípios. Devemos avançar na
qualificação dos trabalhadores, melhorar a residência de Medicina de Família e
Comunidade. Em tese, APS resolve 85% dos problemas em saúde, mas a situação do
país se aprofundou. Fenômenos como a covid longa, epidemia da dengue e
queimadas pesam sobre o SUS, que além disso mantém suas atribuições de sempre,
linhas de cuidado, prevenção, vacina, campanhas em escola”, enumerou Cristiane
Pantaleão, do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems).
Como destacado, a
Estratégia de Saúde da Família é fruto de concepções de saúde coletiva
afirmadas na década de 70, com base nas experiências dos sistemas de saúde da
Europa pós-guerra, tanto no bloco socialista como ocidental, sendo parte
essencial da chamada era de ouro do bem estar social no continente. Aplicados
ao Brasil, seus conceitos estão diretamente relacionados com a redução da
mortalidade infantil e aumento da expectativa de vida.
“A Estratégia de Saúde
da Família é referência regional e global na organização do cuidado em saúde
para além das considerações biomédicas; 46 anos depois da Conferência de Alma
Ata, os princípios da saúde coletiva são mais presentes do que nunca. A covid-19
mostrou que quem tinha estratégias como essa conseguiu responder muito mais
rápido”, afirmou Julio Pedroza, coordenador de Sistemas de Saúde da Organização
Pan-Americana de Saúde.
Pedroza se refere ao
Congresso realizado na capital do Cazaquistão em 1978, cujo documento final
entrou para a história da saúde coletiva ao afirmar os princípios básicos da
Atenção Primária, basicamente uma concepção de promoção da saúde a partir da
prevenção.
Após a ditadura, o
Brasil substituiu seu então modelo, baseado em internações e que excluía a
massa de brasileiros jogados na informalidade, pelo SUS, com foco na atuação
territorial e contato permanente com a população. É o que se chama de
“longitudinalidade” em saúde. Dentro disso, absorveu os conceitos de medicina
comunitária, postos em marcha a partir da criação da Estratégia de Saúde da
Família.
“ESF é também (os
programas) Brasil Sem Fome, Ruas Visíveis, Bolsa Família”, contextualizou
Felipe Proenço, atual Secretário de Atenção Primária em Saúde do governo
federal. Em sua participação, tratou de colocar na mesa os planos do Estado
para o setor na atual administração, em consonância com as necessidades de um
país bem diferente daquele de 30 anos atrás.
“Ampliar em 25% o
orçamento da APS é fundamental para garantir equipes de saúde bucal e
multiprofissionais. É isso que fará os próximos anos de ESF. De abril para
setembro, tivemos a conversão de 235 equipes de APS em equipes de saúde da
família, com salto de 52.538 equipes para 61.262 desde o início do governo
atual. A meta é uma cobertura real da população de 80% em 2026, apontando para
a universalidade, com criação de 2.220 Equipes da Família por ano e 3.330 de
saúde bucal”, contextualizou Proenço.
Os debatedores não
ignoram os retrocessos deliberadamente promovidos no governo anterior, cujo
secretário de atenção primária foi peça central, um bolsonarista mais
preocupado em legislar sobre aborto, que destruiu o Mais Médicos e dessa forma
afastou milhões do SUS. Mas há um mundo de mudanças climáticas, eventos
catastróficos e epidemias potencializadas pelo aquecimento global para
enfrentar. E, nesse sentido, além da reconstrução propalada pelo governo Lula é
necessário construir “os próximos 30 anos da Estratégia de Saúde da Família”.
“Nisso entra a questão
do financiamento, pois uma equipe mínima de saúde da família custa R$ 100-150
mil mensais, sem falar nas equipes multiprofissionais (nova política que começa
a ser implementada e amplia o leque de profissionais de uma equipe de saúde da
família), como educadores físicos, psicólogos, nutricionistas. O desafio é
enorme e o financiamento aparece cada vez mais como uma questão decisiva, não
só do Ministério, e sim da totalidade do país”, analisou Cristiane Pantaleão,
do Conasems.
Aqui também entra a
própria noção de economia da saúde, no qual o papel no Estado na geração de
investimentos é central na busca pelo objetivo de universalização efetiva do
acesso à saúde. Investimentos tanto em pessoal como infraestrutura física são
duas bandeiras da atual política em saúde e inclusive servem como afirmação de
um governo cercado por forças retrógradas que se apropriam do Estado e seu
orçamento, enquanto hipocritamente professam austeridades e privatismo para a
massa.
“Isso passa pela
portaria 3.493, de abril, sobre o modelo de financiamento, ao se resgatar a
importância do piso de Atenção Básica fixo e variável, para garantir o mínimo
para as equipes considerando a vulnerabilidade dos lugares. Devemos olhar o
período anterior, quando o número de equipes criadas por ano era insuficiente,
não se investia em estrutura, se focalizava em indicadores que isolados não
refletiam a complexidade da ESF e não se investia na formação. Agora podemos
pensar nisso tudo, inclusive porque o PAC prevê R$ 7 bilhões em investimentos,
que poderão construir 1.800 UBS já aprovadas (o PAC prevê um total de 3.600), o
que também traz investimentos em equipamentos”, disse Proenço, que ainda
incluiu a retomada do Mais Médicos, o incentivo à progressão de carreira de
quem adere ao programa e também a telessaúde como aspectos fundamentais para o
próximos avanços da Estratégia de Saúde da Família.
Novo presidente da
Abrasco, Rômulo Paes valoriza o sucesso de uma política pública que
efetivamente mudou o país para melhor e contraria as teses de “ineficiência” do
serviço público. No entanto, não é tempo de acomodações em torno daquilo que já
deu certo, e sim de busca pela renovação de seus sentidos, o que parece uma
leitura de todo um dilema em torno do terceiro governo Lula e a conciliação de
forças nem sempre conciliáveis.
“A Estratégia de Saúde
da Família é uma das ações públicas do Brasil que se tornam vitrine, como Bolsa
Família ou o programa de prevenção à Aids. E mostrou resiliência ao sobreviver
a um governo irresponsável quanto ao papel da atenção primária em saúde. Ainda
há muito a construir. Os resultados da APS são impressionantes, mas as
dificuldades são grandes também”, sintetizou.
Fonte: Por Gabriel
Brito, em Outra Saúde
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