terça-feira, 15 de outubro de 2024

Antônio Augusto de Queiroz: Eleições 2024 - uma análise de sua complexidade

O Brasil realiza eleições a cada dois anos, alternando entre municipais e gerais. Nas eleições municipais, são eleitos 5.569 prefeitos e vice-prefeitos e 58.414 vereadores. Já nas eleições gerais, são eleitos o presidente da República e seu vice, 27 governadores e vice-governadores, 81 senadores (alternadamente, sendo 27 ou um terço numa eleição e 54 ou dois terços na seguinte), 513 deputados federais e 1.059 deputados estaduais/distritais. Dessa forma, todos os titulares dos poderes Legislativo e Executivo são escolhidos pelo voto popular, em eleições periódicas, com sufrágio universal e secreto. O total de representantes eleitos é de 65.664, sendo 60.067 para cargos no Legislativo e 5.597 para o Executivo.

Para entender o resultado das eleições, é essencial compreender a complexidade do sistema eleitoral, especialmente no caso das eleições proporcionais (para vereadores e deputados), e analisar os fatores conjunturais que moldaram o cenário político, como os recursos de poder de cada partido.

O sistema eleitoral brasileiro divide-se em majoritário e proporcional. No sistema majoritário, utilizado para eleger o presidente da República, governadores, prefeitos e senadores (o único cargo do Legislativo eleito por esse sistema), o processo é simples: o mais votado vence. No entanto, no caso do Executivo em localidades com mais de 200 mil eleitores, se nenhum candidato atingir a maioria absoluta dos votos no primeiro turno, ocorre um segundo turno entre os dois mais votados.

Já o sistema proporcional, utilizado na eleição aos cargos de deputados federais, estaduais/distritais e vereadores, é mais complexo. A conversão de votos em mandatos segue três critérios:

1) o primeiro critério requer o atingimento de 100% do quociente eleitoral e, pelo menos, 10% dele pelas candidatas ou candidatos;

2) o segundo exige maior média e atingimento de 80% do quociente pelos partidos ou federações, além de 20% desse quociente pelas candidatas ou candidatos;

3) o terceiro critério, aplicável quando não houver mais partidos políticos ou federações que tenham alcançado votação de 80% do quociente eleitoral e que tenham em suas listas candidatas ou candidatos com votação mínima de 20% desse quociente, beneficia os candidatos e candidatas mais votados dos partidos ou federações que atingirem a maior média, conforme intepretação do STF (ADIs 7228, 7263 e 7325).

•        O quociente eleitoral é calculado pela divisão do número de votos válidos (nominais e nas legendas) pelo número de vagas disponíveis para os cargos em disputa, desprezando-se a fração se igual ou inferior a meio. Cada quociente eleitoral atingido dá direito a uma vaga ao partido ou federação na casa legislativa.

Quanto aos fatores que influenciaram os resultados das urnas no pleito de 2024, destacam-se quatro eventos cruciais:

1) o expressivo volume de recursos disponíveis nos fundos partidários;

2) o aumento substancial do fundo eleitoral;

3) o uso do orçamento secreto e das emendas impositivas, incluindo as chamadas “emendas pix”; e

4) a suspensão temporária da rede social X (antigo Twitter) por decisão judicial, que coincidiu com o primeiro turno das eleições.

Os três primeiros fatores beneficiaram principalmente os grandes e médios partidos, em especial os do Centrão e da direita, que detinham a maior parte desses recursos. Já a suspensão da rede social X prejudicou os partidos de direita e a oposição radical, uma vez que essa plataforma era seu principal meio para divulgar notícias falsas e ações de desinformação contra os demais partidos, em geral, e à esquerda, em particular.

Esse cenário resultou em um pleito marcado pela continuidade e valorização da experiência, com a esmagadora maioria dos prefeitos e vereadores que buscaram a reeleição sendo reconduzidos aos cargos. No caso dos prefeitos, 81% dos que buscaram a reeleição obtiveram sucesso.

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Como a maioria dos prefeitos e vereadores pertence atualmente aos partidos do Centrão (MDB, PSD e União Brasil) e da direita (PL, PP e Republicanos), era natural que essas forças políticas predominassem nas eleições, o que de fato ocorreu. Embora os dois principais partidos de esquerda (PT e PSB) também tenham crescido, esse aumento foi proporcionalmente menor em comparação com a direita.

Contudo, é importante analisar esses resultados sob duas perspectivas: a primeira é a comparação com as eleições de 2020, que demonstram o crescimento das forças do Centrão e da direita. A segunda é a composição atual das bancadas de prefeitos e vereadores, resultante da janela partidária entre março e abril de 2024, quando muitos prefeitos e vereadores trocaram de partido sem perder seus mandatos. Essa migração resultou num crescimento artificial dessas agremiações partidárias, especialmente dos partidos do Centrão, que fizeram busca ativa de filiação desses detentores de mandato. A análise predominante para o resultado deste pleito municipal considera apenas a referência da eleição de 2020, quando para os resultados da eleição para deputados e senadores geralmente o parâmetro é o da bancada no momento da eleição.

no Centrão há diferenças significativas quanto se utiliza os dois parâmetros. Partidos como o PSD e o União Brasil, por exemplo, embora tenham registrado crescimento em relação às eleições de 2020, tiveram redução no número de prefeitos e vereadores em comparação à sua bancada atual. O mesmo ocorreu com o MDB, que, apesar de ter crescido em relação a 2020, teve redução do número de prefeitos em relação à bancada presente antes das eleições.

Já nos partidos de direita, o crescimento se deu em relação aos dois parâmetros. O PL e o Republicanos cresceram em relação à composição atual e às eleições de 2020, porém o PP, embora tenha crescido em comparação ao pleito de 2020 nos dois cargos, registrou uma redução em sua bancada atual de vereadores. O partido Novo, outro representante da direita, assim como o PL e os Republicanos, cresceu em ambos os parâmetros na disputa pelos cargos de prefeito e vereador.

Entre os principais partidos de esquerda (PT e PSB) houve crescimento do número de prefeitos eleitos em relação a 2020, mas ambos sofreram perdas em comparação com sua bancada atual. No caso dos vereadores, o PT perdeu representação em relação à bancada atual, mas cresceu em comparação a 2020, enquanto o PSB obteve crescimento em relação aos dois parâmetros.

Por outro lado, os demais partidos de esquerda (PDT, PCdoB, PSOL, PV e Rede) reduziram suas representações nas prefeituras e câmaras de vereadores em ambos os critérios, com exceção da Rede, que teve um leve crescimento no número de vereadores.

Entre os partidos de centro-direita, como PSDB, Cidadania, Solidariedade, Podemos, PRD e Avante, nenhum conseguiu crescer em ambos os critérios em número de prefeitos e vereadores. O PSDB e o Cidadania enfrentaram uma redução significativa no número de prefeitos e vereadores. O Solidariedade aumentou o número de prefeitos em relação à bancada atual, mas retrocedeu em comparação às eleições de 2020, além de ter reduzido sua bancada de vereadores em ambos os critérios. O Podemos cresceu no número atual de prefeitos, mas elegeu menos do que em 2020, situação que se repete na eleição para vereadores. O PRD aumentou o número atual de prefeitos, mas sofreu uma redução em comparação ao pleito de 2020, e teve uma diminuição no número de vereadores em ambas as hipóteses. O Avante, por sua vez, cresceu em comparação às eleições de 2020, mas diminuiu em relação à sua bancada atual de prefeitos, embora tenha registrado um crescimento no número de vereadores nas duas hipóteses.

Quanto ao desempenho dos dois principais líderes políticos do país – o presidente Lula e o ex-presidente Bolsonaro – pode-se afirmar que ambos tiveram uma participação limitada nas eleições municipais. No entanto, nas duas capitais onde se envolveram de maneira mais ativa, São Paulo, no caso de Lula, e Rio de Janeiro, no caso de Bolsonaro, o presidente obteve um desempenho superior. Lula conseguiu levar seu candidato, o deputado Guilherme Boulos (PSOL), ao segundo turno em São Paulo, enquanto o candidato de Bolsonaro, o deputado Alexandre Ramagem (PL), foi derrotado já no primeiro turno no Rio de Janeiro.

As novidades dessas eleições municipais, que foram marcadas pela continuidade, incluem um aumento da presença feminina nas prefeituras e câmaras de vereadores, o crescimento do número de evangélicos e policiais eleitos, em sua maioria conservadores e de direita, e a entrada do MST na institucionalidade, com a eleição de mais de uma centena de vereadores.

Em conclusão, as eleições municipais de 2024 revelaram a complexidade do cenário político brasileiro, tanto em termos do sistema eleitoral quanto dos fatores conjunturais que moldaram os resultados. A predominância de partidos do Centrão e da direita nas prefeituras e câmaras de vereadores foi reforçada, impulsionada por recursos financeiros e estratégias políticas eficazes, como a migração partidária. Por outro lado, a esquerda, embora tenha registado algum crescimento, não teve o mesmo desempenho das forças conservadoras. A participação limitada dos principais líderes políticos nacionais, Lula e Bolsonaro, também influenciou as disputas, com Lula obtendo um desempenho melhor. O pleito trouxe ainda novidades importantes, como o aumento da presença feminina e evangélica na política, além da inserção do MST no cenário institucional, destacando as transformações em curso na política nacional.

 

•        Como lideranças petistas avaliam as eleições municipais. Por Pedro Sales

No último domingo (6), durante o primeiro turno das eleições municipais, os partidos que formam o “centrão” foram os principais vencedores. Em especial, o PSD, sigla capitaneada por Gilberto Kassab e que emplacou prefeitos em 882 municípios, e o MDB, com 856 prefeituras. Apesar do crescimento de partidos de centro, o PT, do presidente Lula também cresceu.

De 182 prefeitos eleitos em 2020, a sigla saltou para 248 nestas eleições. O PT ainda disputa o segundo turno em outros 13 municípios: Camaçari (BA), Fortaleza (CE), Caucaia (CE), Anápolis (GO), Cuiabá (MT), Olinda (PE), Natal (RN), Porto Alegre (RS), Pelotas (RS), Santas Maria (RS), Diadema (SP), Mauá (SP) e Sumaré (SP).

Lideranças petistas fizeram um balanço do resultado do partido no primeiro turno. A deputada federal e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), classificou o momento do partido como “reconstrução”, mas dentro das expectativas. O presidente Lula, em entrevista à rádio CBN/O Povo de Fortaleza na sexta-feira (11), apontou que é preciso “rediscutir o papel da legenda”. No mesmo tom de autocrítica, o vice-líder do governo na Câmara dos Deputados Reginaldo Lopes (MG) apontou “desconexão com a realidade” por parte do partido.

<><> Lula

No balanço do presidente Lula sobre as eleições municipais, ele avaliou que sua participação foi “mais acanhada”. O chefe do Executivo também apontou que foi mais participativo na campanha do deputado Guilherme Boulos (Psol), na disputa por São Paulo. “Em São Paulo eu me dediquei um pouco, fui duas vezes, porque lá é uma briga que está estabelecida entre lulismo e bolsonarismo”, apontou.

Sobre o desempenho do PT, o presidente defendeu que é preciso “rediscutir” o papel da legenda. “O PT cresceu em número de prefeitos, o PT cresceu em número de vereadores. Mas o PT já governou São Paulo, Porto Alegre, já governou outras capitais importantes, cidades que nós não governamos. Nós perdemos São Bernardo (SP), Santo André (SP), estamos no segundo turno em Diadema (SP) e Mauá (SP). O dado concreto é que o PT perdeu inclusive em Araraquara (SP), que é uma cidade que todo mundo tinha certeza que a gente ia ganhar. Teresina (PI), até uma semana antes das eleições, todo mundo dava a eleição do candidato do PT e não aconteceu, coisa de eleição”, disse Lula.

“Toda vez que termina uma eleição aparecem os vencedores, os heróis, e que acham que o mundo a partir dali mudou. A eleição de prefeito na verdade não tem muita incidência numa eleição presidencial. Porque nem todo prefeito no segundo ano de mandato está bem.(…) O prefeito no primeiro ano herda o orçamento do prefeito anterior”, minimizou o presidente sobre a influência das eleições municipais no pleito presidencial. 

<><> Gleisi Hoffmann

A presidente do partido deu entrevista ao Uol no mesmo dia do primeiro turno das eleições municipais. Ela avaliou que o partido tem desafios na área de comunicação, mas salientou que o partido não pode usar “os mesmos recursos e formas que eles fazem”, em referência à direita.

“Mas obviamente que a gente não usa os mesmos recursos, nem as mesmas formas que eles utilizam para ganhar as redes, com discurso fácil, com mentiras. Isso nunca foi uma prática nossa e nunca será. Nós nunca faremos isso para conquistar esse tipo de espaço, a gente tem causa, tem proposta, e sempre disputamos assim”, afirmou.

Gleisi Hoffmann também afirmou que o desempenho do partido ficou dentro das expectativas. “Nós nunca tivemos grandes expectativas para esse processo eleitoral de 2024. O que nós queríamos? Melhorar o resultado de 2020, e conseguimos isso. O que nós tínhamos expectativa, inclusive, a recuperação da imagem do PT, nós estamos conseguindo”, disse a presidente da sigla.

<><> Reginaldo Lopes

Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Reginaldo Lopes fez duras críticas ao PT em postagens publicadas nesse sábado (12). O parlamentar avaliou que a força do partido precisa de “ajustes práticos” e que o momento de mudança na sigla é agora.

“A performance decepcionante do partido do presidente mais icônico da história do Brasil expõe nossa desconexão com a realidade. O mundo mudou e novas demandas surgiram. Precisamos nos reinventar para conectar com a juventude, trabalhadores urbanos e rurais, mulheres e empreendedores que movem a economia. Sem isso, estamos condenados ao fracasso”, escreveu Reginaldo Lopes.

Em outra publicação, o deputado também afirmou que a imagem do PT foi distorcida pela extrema direita, que dominou a comunicação na era digital. Ele avaliou ainda que o próprio partido caiu na “armadilha”. Por fim, Reginaldo Lopes retomou a ideia de necessidade de mudança no partido e de apresentar um “novo programa” para o país.

 

Fonte: Congresso em Foco

 

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