Antônio Augusto de Queiroz: Eleições 2024 -
uma análise de sua complexidade
O Brasil realiza
eleições a cada dois anos, alternando entre municipais e gerais. Nas eleições
municipais, são eleitos 5.569 prefeitos e vice-prefeitos e 58.414 vereadores.
Já nas eleições gerais, são eleitos o presidente da República e seu vice, 27
governadores e vice-governadores, 81 senadores (alternadamente, sendo 27 ou um
terço numa eleição e 54 ou dois terços na seguinte), 513 deputados federais e
1.059 deputados estaduais/distritais. Dessa forma, todos os titulares dos
poderes Legislativo e Executivo são escolhidos pelo voto popular, em eleições
periódicas, com sufrágio universal e secreto. O total de representantes eleitos
é de 65.664, sendo 60.067 para cargos no Legislativo e 5.597 para o Executivo.
Para entender o
resultado das eleições, é essencial compreender a complexidade do sistema
eleitoral, especialmente no caso das eleições proporcionais (para vereadores e
deputados), e analisar os fatores conjunturais que moldaram o cenário político,
como os recursos de poder de cada partido.
O sistema eleitoral
brasileiro divide-se em majoritário e proporcional. No sistema majoritário,
utilizado para eleger o presidente da República, governadores, prefeitos e
senadores (o único cargo do Legislativo eleito por esse sistema), o processo é
simples: o mais votado vence. No entanto, no caso do Executivo em localidades
com mais de 200 mil eleitores, se nenhum candidato atingir a maioria absoluta
dos votos no primeiro turno, ocorre um segundo turno entre os dois mais
votados.
Já o sistema
proporcional, utilizado na eleição aos cargos de deputados federais,
estaduais/distritais e vereadores, é mais complexo. A conversão de votos em
mandatos segue três critérios:
1) o primeiro critério
requer o atingimento de 100% do quociente eleitoral e, pelo menos, 10% dele
pelas candidatas ou candidatos;
2) o segundo exige
maior média e atingimento de 80% do quociente pelos partidos ou federações,
além de 20% desse quociente pelas candidatas ou candidatos;
3) o terceiro
critério, aplicável quando não houver mais partidos políticos ou federações que
tenham alcançado votação de 80% do quociente eleitoral e que tenham em suas
listas candidatas ou candidatos com votação mínima de 20% desse quociente,
beneficia os candidatos e candidatas mais votados dos partidos ou federações
que atingirem a maior média, conforme intepretação do STF (ADIs 7228, 7263 e
7325).
• O quociente eleitoral é calculado pela
divisão do número de votos válidos (nominais e nas legendas) pelo número de
vagas disponíveis para os cargos em disputa, desprezando-se a fração se igual
ou inferior a meio. Cada quociente eleitoral atingido dá direito a uma vaga ao
partido ou federação na casa legislativa.
Quanto aos fatores que
influenciaram os resultados das urnas no pleito de 2024, destacam-se quatro
eventos cruciais:
1) o expressivo volume
de recursos disponíveis nos fundos partidários;
2) o aumento
substancial do fundo eleitoral;
3) o uso do orçamento
secreto e das emendas impositivas, incluindo as chamadas “emendas pix”; e
4) a suspensão
temporária da rede social X (antigo Twitter) por decisão judicial, que
coincidiu com o primeiro turno das eleições.
Os três primeiros
fatores beneficiaram principalmente os grandes e médios partidos, em especial
os do Centrão e da direita, que detinham a maior parte desses recursos. Já a
suspensão da rede social X prejudicou os partidos de direita e a oposição
radical, uma vez que essa plataforma era seu principal meio para divulgar
notícias falsas e ações de desinformação contra os demais partidos, em geral, e
à esquerda, em particular.
Esse cenário resultou
em um pleito marcado pela continuidade e valorização da experiência, com a
esmagadora maioria dos prefeitos e vereadores que buscaram a reeleição sendo
reconduzidos aos cargos. No caso dos prefeitos, 81% dos que buscaram a
reeleição obtiveram sucesso.
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Como a maioria dos
prefeitos e vereadores pertence atualmente aos partidos do Centrão (MDB, PSD e União
Brasil) e da direita (PL, PP e Republicanos), era natural que essas forças
políticas predominassem nas eleições, o que de fato ocorreu. Embora os dois
principais partidos de esquerda (PT e PSB) também tenham crescido, esse aumento
foi proporcionalmente menor em comparação com a direita.
Contudo, é importante
analisar esses resultados sob duas perspectivas: a primeira é a comparação com
as eleições de 2020, que demonstram o crescimento das forças do Centrão e da
direita. A segunda é a composição atual das bancadas de prefeitos e vereadores,
resultante da janela partidária entre março e abril de 2024, quando muitos
prefeitos e vereadores trocaram de partido sem perder seus mandatos. Essa
migração resultou num crescimento artificial dessas agremiações partidárias,
especialmente dos partidos do Centrão, que fizeram busca ativa de filiação
desses detentores de mandato. A análise predominante para o resultado deste
pleito municipal considera apenas a referência da eleição de 2020, quando para
os resultados da eleição para deputados e senadores geralmente o parâmetro é o
da bancada no momento da eleição.
no Centrão há
diferenças significativas quanto se utiliza os dois parâmetros. Partidos como o
PSD e o União Brasil, por exemplo, embora tenham registrado crescimento em
relação às eleições de 2020, tiveram redução no número de prefeitos e
vereadores em comparação à sua bancada atual. O mesmo ocorreu com o MDB, que,
apesar de ter crescido em relação a 2020, teve redução do número de prefeitos
em relação à bancada presente antes das eleições.
Já nos partidos de
direita, o crescimento se deu em relação aos dois parâmetros. O PL e o
Republicanos cresceram em relação à composição atual e às eleições de 2020,
porém o PP, embora tenha crescido em comparação ao pleito de 2020 nos dois
cargos, registrou uma redução em sua bancada atual de vereadores. O partido
Novo, outro representante da direita, assim como o PL e os Republicanos,
cresceu em ambos os parâmetros na disputa pelos cargos de prefeito e vereador.
Entre os principais
partidos de esquerda (PT e PSB) houve crescimento do número de prefeitos
eleitos em relação a 2020, mas ambos sofreram perdas em comparação com sua
bancada atual. No caso dos vereadores, o PT perdeu representação em relação à
bancada atual, mas cresceu em comparação a 2020, enquanto o PSB obteve
crescimento em relação aos dois parâmetros.
Por outro lado, os
demais partidos de esquerda (PDT, PCdoB, PSOL, PV e Rede) reduziram suas
representações nas prefeituras e câmaras de vereadores em ambos os critérios,
com exceção da Rede, que teve um leve crescimento no número de vereadores.
Entre os partidos de
centro-direita, como PSDB, Cidadania, Solidariedade, Podemos, PRD e Avante,
nenhum conseguiu crescer em ambos os critérios em número de prefeitos e
vereadores. O PSDB e o Cidadania enfrentaram uma redução significativa no
número de prefeitos e vereadores. O Solidariedade aumentou o número de
prefeitos em relação à bancada atual, mas retrocedeu em comparação às eleições
de 2020, além de ter reduzido sua bancada de vereadores em ambos os critérios.
O Podemos cresceu no número atual de prefeitos, mas elegeu menos do que em
2020, situação que se repete na eleição para vereadores. O PRD aumentou o
número atual de prefeitos, mas sofreu uma redução em comparação ao pleito de
2020, e teve uma diminuição no número de vereadores em ambas as hipóteses. O
Avante, por sua vez, cresceu em comparação às eleições de 2020, mas diminuiu em
relação à sua bancada atual de prefeitos, embora tenha registrado um
crescimento no número de vereadores nas duas hipóteses.
Quanto ao desempenho
dos dois principais líderes políticos do país – o presidente Lula e o
ex-presidente Bolsonaro – pode-se afirmar que ambos tiveram uma participação
limitada nas eleições municipais. No entanto, nas duas capitais onde se
envolveram de maneira mais ativa, São Paulo, no caso de Lula, e Rio de Janeiro,
no caso de Bolsonaro, o presidente obteve um desempenho superior. Lula
conseguiu levar seu candidato, o deputado Guilherme Boulos (PSOL), ao segundo
turno em São Paulo, enquanto o candidato de Bolsonaro, o deputado Alexandre
Ramagem (PL), foi derrotado já no primeiro turno no Rio de Janeiro.
As novidades dessas
eleições municipais, que foram marcadas pela continuidade, incluem um aumento
da presença feminina nas prefeituras e câmaras de vereadores, o crescimento do
número de evangélicos e policiais eleitos, em sua maioria conservadores e de direita,
e a entrada do MST na institucionalidade, com a eleição de mais de uma centena
de vereadores.
Em conclusão, as
eleições municipais de 2024 revelaram a complexidade do cenário político
brasileiro, tanto em termos do sistema eleitoral quanto dos fatores
conjunturais que moldaram os resultados. A predominância de partidos do Centrão
e da direita nas prefeituras e câmaras de vereadores foi reforçada,
impulsionada por recursos financeiros e estratégias políticas eficazes, como a
migração partidária. Por outro lado, a esquerda, embora tenha registado algum
crescimento, não teve o mesmo desempenho das forças conservadoras. A
participação limitada dos principais líderes políticos nacionais, Lula e
Bolsonaro, também influenciou as disputas, com Lula obtendo um desempenho
melhor. O pleito trouxe ainda novidades importantes, como o aumento da presença
feminina e evangélica na política, além da inserção do MST no cenário
institucional, destacando as transformações em curso na política nacional.
• Como lideranças petistas avaliam as
eleições municipais. Por Pedro Sales
No último domingo (6),
durante o primeiro turno das eleições municipais, os partidos que formam o
“centrão” foram os principais vencedores. Em especial, o PSD, sigla capitaneada
por Gilberto Kassab e que emplacou prefeitos em 882 municípios, e o MDB, com
856 prefeituras. Apesar do crescimento de partidos de centro, o PT, do
presidente Lula também cresceu.
De 182 prefeitos
eleitos em 2020, a sigla saltou para 248 nestas eleições. O PT ainda disputa o
segundo turno em outros 13 municípios: Camaçari (BA), Fortaleza (CE), Caucaia
(CE), Anápolis (GO), Cuiabá (MT), Olinda (PE), Natal (RN), Porto Alegre (RS),
Pelotas (RS), Santas Maria (RS), Diadema (SP), Mauá (SP) e Sumaré (SP).
Lideranças petistas
fizeram um balanço do resultado do partido no primeiro turno. A deputada
federal e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), classificou o
momento do partido como “reconstrução”, mas dentro das expectativas. O
presidente Lula, em entrevista à rádio CBN/O Povo de Fortaleza na sexta-feira
(11), apontou que é preciso “rediscutir o papel da legenda”. No mesmo tom de
autocrítica, o vice-líder do governo na Câmara dos Deputados Reginaldo Lopes
(MG) apontou “desconexão com a realidade” por parte do partido.
<><> Lula
No balanço do
presidente Lula sobre as eleições municipais, ele avaliou que sua participação
foi “mais acanhada”. O chefe do Executivo também apontou que foi mais
participativo na campanha do deputado Guilherme Boulos (Psol), na disputa por
São Paulo. “Em São Paulo eu me dediquei um pouco, fui duas vezes, porque lá é
uma briga que está estabelecida entre lulismo e bolsonarismo”, apontou.
Sobre o desempenho do
PT, o presidente defendeu que é preciso “rediscutir” o papel da legenda. “O PT
cresceu em número de prefeitos, o PT cresceu em número de vereadores. Mas o PT
já governou São Paulo, Porto Alegre, já governou outras capitais importantes,
cidades que nós não governamos. Nós perdemos São Bernardo (SP), Santo André
(SP), estamos no segundo turno em Diadema (SP) e Mauá (SP). O dado concreto é
que o PT perdeu inclusive em Araraquara (SP), que é uma cidade que todo mundo
tinha certeza que a gente ia ganhar. Teresina (PI), até uma semana antes das
eleições, todo mundo dava a eleição do candidato do PT e não aconteceu, coisa
de eleição”, disse Lula.
“Toda vez que termina
uma eleição aparecem os vencedores, os heróis, e que acham que o mundo a partir
dali mudou. A eleição de prefeito na verdade não tem muita incidência numa
eleição presidencial. Porque nem todo prefeito no segundo ano de mandato está
bem.(…) O prefeito no primeiro ano herda o orçamento do prefeito anterior”,
minimizou o presidente sobre a influência das eleições municipais no pleito
presidencial.
<><>
Gleisi Hoffmann
A presidente do
partido deu entrevista ao Uol no mesmo dia do primeiro turno das eleições
municipais. Ela avaliou que o partido tem desafios na área de comunicação, mas
salientou que o partido não pode usar “os mesmos recursos e formas que eles
fazem”, em referência à direita.
“Mas obviamente que a
gente não usa os mesmos recursos, nem as mesmas formas que eles utilizam para
ganhar as redes, com discurso fácil, com mentiras. Isso nunca foi uma prática
nossa e nunca será. Nós nunca faremos isso para conquistar esse tipo de espaço,
a gente tem causa, tem proposta, e sempre disputamos assim”, afirmou.
Gleisi Hoffmann também
afirmou que o desempenho do partido ficou dentro das expectativas. “Nós nunca
tivemos grandes expectativas para esse processo eleitoral de 2024. O que nós
queríamos? Melhorar o resultado de 2020, e conseguimos isso. O que nós tínhamos
expectativa, inclusive, a recuperação da imagem do PT, nós estamos
conseguindo”, disse a presidente da sigla.
<><>
Reginaldo Lopes
Vice-líder do governo
na Câmara, o deputado Reginaldo Lopes fez duras críticas ao PT em postagens
publicadas nesse sábado (12). O parlamentar avaliou que a força do partido
precisa de “ajustes práticos” e que o momento de mudança na sigla é agora.
“A performance
decepcionante do partido do presidente mais icônico da história do Brasil expõe
nossa desconexão com a realidade. O mundo mudou e novas demandas surgiram.
Precisamos nos reinventar para conectar com a juventude, trabalhadores urbanos
e rurais, mulheres e empreendedores que movem a economia. Sem isso, estamos
condenados ao fracasso”, escreveu Reginaldo Lopes.
Em outra publicação, o
deputado também afirmou que a imagem do PT foi distorcida pela extrema direita,
que dominou a comunicação na era digital. Ele avaliou ainda que o próprio
partido caiu na “armadilha”. Por fim, Reginaldo Lopes retomou a ideia de necessidade
de mudança no partido e de apresentar um “novo programa” para o país.
Fonte: Congresso em
Foco
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