terça-feira, 15 de outubro de 2024

Após primeiro turno das eleições municipais, PT senta no divã

O resultado do PT nas urnas no primeiro turno das eleições municipais, com crescimento no número de municípios e vereadores, foi celebrado pela legenda. Porém, frustrou quem esperava um avanço considerável da esquerda após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Com 248 municípios, o PT está longe de atingir seu recorde de 630 prefeituras de 2012, após nove anos no comando do Executivo federal. Enquanto isso, ganham espaço as siglas de direita e as de centro-direita, que compõem a base do governo federal atualmente — em especial PSD, União Brasil, MDB, e PP.

Analistas ouvidos pelo Correio avaliam que a performance do PT no pleito do último dia 6 deixou a desejar. A sigla precisa repensar a estratégia para os próximos anos, como admitiu o próprio Lula na semana passada. O presidente terá de se aproximar mais das legendas de centro para manter a governabilidade e tentar se reeleger, ou emplacar um sucessor em 2026. O PT, por sua vez, atribuiu o avanço da direita e da centro-direita ao repasse de emendas parlamentares.

"Nós temos que rediscutir o papel do PT na disputa das eleições para as prefeituras. O PT, nessas eleições, 80% dos nossos prefeitos foram eleitos em cinco países (estados), todos eles do Nordeste. Nós tivemos uma boa participação no Rio Grande do Sul. Nós não tivemos uma boa participação em São Paulo; em Minas Gerais nós ganhamos nas duas cidades que a gente governa, Juiz de Fora e Contagem, que já governamos com duas mulheres", disse Lula em entrevista à Rádio O Povo/CBN na sexta-feira.

No primeiro turno das eleições, o PT passou de 183 para 248 seu número de prefeituras, aumento de 35,5%. Disputará ainda o segundo turno em 13 cidades, sendo quatro capitais: Fortaleza (CE), Porto Alegre (RS), Cuiabá (MT) e Natal (RN). Além disso, a sigla elegeu 22 vice-prefeitos em alianças com 14 partidos. O número de vereadores, por sua vez, foi de 2.668 para 3.118, 16,8% a mais do que na votação passada.

Em nota, a Comissão Nacional do PT celebrou o resultado, e avaliou que a disputa foi influenciada pela cifra bilionária em emendas parlamentares destinada, em sua maioria, a partidos de centro-direita. "O resultado do primeiro turno de 2024 aponta o início da recuperação eleitoral do PT nos municípios, num cenário que mais uma vez favoreceu a eleição ou reeleição de candidatos das legendas da centro-direita e direita dominantes no Congresso Nacional, com acesso a emendas parlamentares bilionárias e no comando das máquinas públicas municipais", diz o texto, citando o índice de 80% de reeleição.

Porém, o vice-líder do governo na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG), demonstrou, ontem, desapontamento com o resultado do partido no primeiro turno. "A performance decepcionante do partido do presidente mais icônico da história do Brasil expõe nossa desconexão com a realidade. O mundo mudou, e novas demandas surgiram. Precisamos nos reinventar para conectar com a juventude, trabalhadores urbanos e rurais, mulheres e empreendedores que movem a economia. Sem isso, estamos condenados ao fracasso", escreveu em suas redes sociais.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), por sua vez, afirmou que o desempenho do PT ficou dentro das expectativas. "Vamos lembrar aqui que o ápice do nosso número de prefeituras foi em 2012, que nós elegemos 630 prefeitos. Depois, em 2016, caímos para 252, quando começou o nosso calvário, com o impeachment da Dilma, Lava Jato, a desconstrução do PT, que foi muito difícil. Em 2020, a gente fez 183. Agora, a gente fez 248 e ainda estamos disputando em segundo turno", destacou.

·        Paradigma

O cientista político Rodriggo Morais aponta que o PT deve buscar uma atualização interna. "Nessa era de ações políticas psicoativas, o paradigma para a conquista e manutenção do poder mudou drasticamente e o PT ainda não foi capaz de acompanhar estes novos fenômenos eleitorais, por não disporem das categorias científicas corretas que traduzam as camadas de expectativas inconscientes dos eleitores e solucionem os formatos de utilização das novas ferramentas disponíveis", disse. "Além disso, o governo tem mínima margem de ação, na medida em que sobrevive pressionado por forças geopolíticas externas no contexto de uma guerra comercial de natureza híbrida e cerceado internamente por um Congresso com um poder de execução orçamentária nunca antes visto", destacou.

Para o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e doutor em ciência política Sérgio Praça o resultado do PT nas urnas "não foi um desastre, mas foi bastante ruim", considerando que é uma legenda com a Presidência da República e, historicamente, organizada. Ele lembrou que, no caso da corrida pela Prefeitura de São Paulo, onde o partido apoia a candidatura de Guilherme Boulos (PSol), o efeito do apoio de Lula não teve o impacto esperado e o psolista quase não conseguiu ir para o segundo turno.

Em sua visão, para se reeleger em 2026 ou emplacar um sucessor, Lula terá que se aproximar ainda mais do Centrão, como PSD, MDB e União Brasil, que registraram grande crescimento nas prefeituras. "Os cargos de confiança no governo federal, por exemplo, estão muito concentrados no PT. Ele terá que distribuir mais e também ganhar algum tipo de controle sobre as emendas orçamentárias. Sem isso, será difícil sua reeleição", afirmou.

Para o coordenador de estados e municípios da BMJ Consultores Associados, Aryell Calmon, as visões negativas do desempenho do PT estão relacionadas a uma expectativa muito grande sobre o papel de Lula no pleito. "A verdade é que as duas coisas não estão relacionadas. A imagem do Lula é muito maior do que a do próprio partido", comentou o sociólogo. Calmon atribuiu o avanço do PT em algumas prefeituras ao uso da máquina pública por Lula, com investimentos em alguns municípios estratégicos.

¨      Lula: "Temos de rediscutir o papel do PT"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta sexta-feira, ser preciso "rediscutir o papel do PT na disputa das eleições para as prefeituras". Ele reconhecendo que houve derrotas inesperadas da sigla no primeiro turno. Porém, celebrou o aumento no número de municípios comandados por petistas, mas minimizou o impacto das prefeituras em 2026.

Lula também justificou a participação "acanhada" na campanha de aliados. Disse que foi para evitar atritos com legendas que compõem a sua base de governo. Nas urnas, partidos de direita e centro-direita avançaram consideravelmente, enquanto a esquerda amargou desempenho abaixo do projetado, especialmente nas capitais.

"Temos de rediscutir o papel do PT na disputa das eleições para as prefeituras. O PT, nessas eleições, 80% dos nossos prefeitos foram eleitos em cinco países (estados), todos eles do Nordeste. Tivemos uma boa participação no Rio Grande do Sul. Não tivemos uma boa participação em São Paulo, em Minas Gerais. Ganhamos nas duas cidades que a gente governa, Juiz de Fora e Contagem", comentou, em entrevista à Rádio O Povo/CBN, de Fortaleza.

No primeiro turno, o PT aumentou de 183 para 248 prefeitos, com disputas no segundo turno em 13 cidades, incluindo Fortaleza, Porto Alegre, Cuiabá e Natal. Em total de votos para as prefeituras, segundo a legenda, o número aumentou de 6,9 milhões em 2020 para 8,8 milhões, e o número de vereadores foi de 2.668 para 3.118.

Fortaleza é a principal aposta de Lula para o segundo turno. Por isso, foi a primeira cidade que visitou, nesta sexta-feira, e fez elogios ao candidato Evandro Leitão (PT), que disputa contra o bolsonarista André Fernandes (PL). A expectativa entre petistas é que ele participe mais do segundo turno, já que sua ausência na maioria das capitais frustrou aliados. Esteve na capital paulista, com o candidato Guilherme Boulos (PSol), e, mesmo assim, apenas em três eventos eleitorais.

O chefe do Executivo admitiu o baixo engajamento. "Tive uma participação mais acanhada porque sou presidente da República. Eu tenho uma base no Congresso Nacional muito ampla. Tenho vários partidos na minha base que estão disputando as eleições. Então eu falei: 'Não vou comprar uma briga em uma cidade e, depois, quando chegar o Congresso, eu vou ter aliados virando adversários'", explicou.

Ele lamentou derrotas inesperadas, como em Araraquara (SP) e em Teresina (PI). Mesmo assim, garantiu que o PT continua sendo "o maior partido do Brasil". Sobre o cenário para 2026, o presidente negou que haja impacto do baixo avanço da esquerda em 2024.

 

¨      "O PT está ultrapassado", diz Celina Leão sobre eleições municipais

A vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP), fez um balanço das eleições deste ano e observou um fortalecimento da direita, mesmo sob um governo federal de esquerda. Em entrevista aos jornalistas Ana Maria Campos e Roberto Fonseca,  Celina também falou das expectativas para 2026. "Acho que o ex-presidente Jair Bolsonaro tem que buscar uma grande coalizão com o campo da direita. Temos grandes nomes", avaliou. Ainda durante o programa, a vice-governadora falou sobre o cenário das mulheres na política. "O trabalho deve iniciar dentro de partidos. Não com o olhar de completar as cotas de 30% de candidatas, mas de querer mulheres eleitas."

LEIA A ENTREVISTA:

·        Que avaliação a senhora faz do resultado do primeiro turno das eleições municipais deste ano?

Acho que a direita sai muito fortalecida dessas eleições. O Partido dos Trabalhadores (PT) não conseguiu eleger nenhuma prefeitura de capital até agora, e o PL está com várias candidaturas no segundo turno. Acho que isso traz uma demonstração de força da direita. Os partidos de centro-direita cresceram muito no número de prefeituras e alianças, e a direita se fortalece mesmo sob um governo federal de esquerda. Esse é um passo muito importante para nós.

·        A senhora acredita que está havendo uma onda conservadora no país? Como avalia isso?

Acredito que é realmente a vida do cidadão. Quem vai defender bandido? O bandido tem direitos humanos que o protegem, mas quem vai defender o cidadão que vai trabalhar, que pega um ônibus às 5h? Qual governante você quer? Aquele que vai proteger o cidadão ou aquele que vai proteger o bandido? O que gera renda e emprego para que você saia do desemprego ou aquele que quer continuar inchando a máquina pública, com os privilégios? Ninguém aguenta isso mais. O PT está ultrapassado nas suas pautas, na gastança que continua fazendo, vivendo aquela velha política que não se renova, nem por realizações nem pelas pautas que as pessoas vivem todos os dias. Se você pegar o direito da minoria, ele é consolidado até na nossa Constituição, mas a maioria precisa ser preservada. A maioria que temos são pessoas que pegam um ônibus, que trabalham, que precisam desse olhar e cuidado.

·        Neste ano, o PT elegeu quase 250 prefeitos, um aumento de mais ou menos 50% em relação a 2020. Como a senhora visualiza essa questão para 2026, já que o PT tem menos do que 5% das prefeituras e tudo indica que o presidente Lula será candidato à reeleição?

Acho que o ex-presidente Jair Bolsonaro tem que buscar uma grande coalizão com o campo da direita. Temos grandes nomes. Acredito que, na última eleição, perdemos por pouquíssimos votos. Por isso, o Brasil está tão dividido — quase 2 milhões de votos. Foi uma disputa quase voto a voto, repensada de forma coletiva por todo um grupo que apoiou o ex-presidente Bolsonaro. Acho que isso está se refletindo hoje, até nesta eleição de 2024, como uma das ações e reações à última eleição. Acho que o PT sai muito derrotado nesta eleição, porque não consegue ganhar capital político e perde nas maiores cidades. Temos 52 cidades que terão segundo turno, muitas delas com um embate direto entre o PL e a esquerda. Temos essa perspectiva de vitória, e acredito que isso é um caminho para 2026. Temos nomes importantes como Tarcísio (de Freitas), Zema (Romeu Zema), Caiado (Ronaldo Caiado), que já tentam se aliar a esse projeto. Podemos ter um embate dentro da própria direita no primeiro turno, mas uma união no segundo turno em 2026. Acho que muita coisa ainda vai acontecer, mas os erros cometidos na última eleição foram compreendidos e estão sendo corrigidos.

·        O resultado eleitoral de São Paulo ainda depende do segundo turno e é um sinal importante de vitória ou derrota para o presidente Lula. A senhora acha que esse cenário é um recado para as urnas em 2026?

Não quero ser arrogante, mas tenho certeza de que o (Guilherme) Boulos não será prefeito de São Paulo, porque ele tem um teto. Ele tem esse teto justamente agora. As pessoas não têm coragem de colocar a maior cidade do Brasil nas mãos de quem não confia na segurança pública, que não apoia os policiais, não defende o patrimônio privado. A maior cidade do Brasil tem um orçamento maior do que muitos estados, então é muita responsabilidade. Os eleitores não teriam coragem, e não há como você apagar as bandeiras que o Boulos defende, dar uma maquiada nele e falar na campanha: 'Olha, agora nós temos um Boulos que não invade propriedade privada, que defende policial'. A pessoa não muda, não consegue se transvestir de outro candidato. Então, eu ouso dizer aqui, e a gente vai saber disso depois das eleições, que o Nunes se manterá na Prefeitura de São Paulo, porque o Boulos não tem condição de subir mais do que já subiu. Ele quase não chega ao segundo turno. O projeto estava muito claro para São Paulo: eram dois projetos de direita e um projeto de esquerda que quase não chega ao segundo turno.

·        Aproveitando toda essa análise que a senhora fez, o que isso traz de mensagem para as eleições de 2026, especialmente para o DF?

A primeira coisa, quem tem um trabalho consolidado, independentemente de partido político, fica bem nas eleições. Isso foi registrado por dois prefeitos que são totalmente antagônicos no Nordeste, o JHC — prefeito de Maceió — e o João Campos — prefeito de Recife. Então, quem tem trabalho prestado e consegue comunicar à comunidade aquilo que faz, tem se consolidado nas urnas. Existe também o efeito da direita do bolsonarismo e da esquerda do Lula, que têm influência sobre as urnas, seja de forma positiva ou seja negativa. Isso traz uma grande lição: você não pode desprezar a força do bolsonarismo no Brasil. Ele levou para o segundo turno o Bruno (Engle), que estava em quarto lugar na pesquisa em Belo Horizonte. O que eu trago de reflexão, principalmente aqui no DF, independentemente de pensar sobre quem será o candidato, é que nós precisamos ter um governo bom, respeitado, que consegue se comunicar com a população, e a direita não se dividir.

·        Mais uma vez, o número de mulheres candidatas às prefeituras é baixo em comparação aos homens. Como a senhora avalia esse cenário e quais mudanças podem ser feitas para as eleições de 2026?

A participação das mulheres na eleição começa nos partidos políticos, com a capacitação e o olhar do Estado para elas. É muito importante que a gente aumente o número de vereadoras, para que elas possam pensar em um crescimento para serem deputadas estaduais e federais. Muitas delas podem sair de uma cadeira de vereadora e virar deputadas federais. O trabalho deve iniciar dentro de partidos políticos, não com o olhar de completar as cotas de 30% de candidatas, mas de querer mulheres eleitas. Esse é um trabalho que temos feito no Progressistas, o PL tem feito por meio da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, e o Republicanos, com a Damares Alves. Isso é para entendermos a necessidade de a mulher se envolver verdadeiramente na política e colocá-la em um potencial para que também tenha vitória.

·        Como está o cenário atualmente?

Temos hoje 722 mulheres prefeitas eleitas. Saímos de 12% para 13% de mulheres prefeitas. Um crescimento de vereadoras: antes, eram 10 mil; agora, temos 10.634 vereadoras eleitas. Um crescimento de 15% para 18%. Isso é importante? É. Mas o registro mais importante para pensarmos no assunto é o número de mulheres participando no segundo turno das capitais. Temos nove: ou seja, elas estão participando e indo para o segundo turno, o que demonstra um amadurecimento nessa pauta tão importante de nossas mulheres participarem e terem também uma condição de eleição.

·        Vimos nas eleições de São Paulo, uma cidade muito importante, com uma Prefeitura importante, um dos candidatos, Pablo Marçal, ser muito agressivo com as mulheres e, mesmo assim, ele quase foi para o segundo turno. A senhora acha que ainda existe um eleitor que aceita esse tipo de agressão às mulheres?

Acredito que isso, às vezes, é tido como um comportamento comum, o que é muito errado. E o pior de tudo é ver um candidato com esse comportamento quase chegar ao segundo turno. Isso reforça uma legislação que aprovamos quando eu era deputada federal e coordenadora da bancada feminina, que é a violência política. Acho que o Pablo, inclusive, ainda vai responder por esse crime. Ele não atacou somente as mulheres durante o debate, ele atacou a Tábata (Amaral), candidata à prefeitura de São Paulo, em sua honra, até na questão pessoal, chamando-a de 'talarica'. Penso muito que essa direita precisa vir renovada, precisa ser uma direita que respeite as mulheres e que entenda que as mulheres podem ter um poder de igualdade. Sempre falamos que não queremos privilégios, queremos igualdade. E que bom que ele — Pablo Marçal — não foi para o segundo turno, porque trazer mais desse tipo de misoginia e comportamento, reforçando que isso é um comportamento de direita, faz com que a gente volte para a pauta de costumes. Precisamos trazer uma direita renovada, que acredite e respeite as mulheres. É para isso que eu trabalho todos os dias, e acredito que essa também é uma pauta da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, de respeitar as mulheres e trazer mais mulheres para a política.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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