Empresário admite a CPI manipular
resultados e lucrar R$ 300 milhões em esquema de apostas
Caiu como uma bomba
nos programas esportivos o depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas nesta terça-feira, 8. O empresário
William Rogatto admitiu a manipulação de jogos de futebol no Brasil e disse que
já ganhou aproximadamente R$ 300 milhões nesse esquema, que lucra com o
rebaixamento de times.
Rogatto se diz réu
confesso e garante ter rebaixado 42 times de futebol para lucrar em apostas,
além de ter atuado nas federações de futebol de todos os estados brasileiros,
no Distrito Federal e em nove países, incluindo a Colômbia. “O esquema de
manipulação dos jogos só perde para política e o tráfico de drogas, em termo de
valores”, garantiu.
O depoimento do
empresário à CPI ocorreu na terça-feira, 8, por videoconferência. A comissão
irá a Portugal na próxima semana, onde está o depoente, que se colocou à
disposição dos senadores para contar e exibir detalhes do “complexo sistema”,
que inclui fotos, vídeos, negociações, gravações e conversas envolvendo a
manipulação de jogos.
Investigado na
Operação Fim de Jogo, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
(MPDFT), e na Operação Jogada Ensaiada, conduzida pela Polícia Federal, Rogatto
afirmou que o esquema de manipulação dos jogos existe há mais de 40 anos e que
a “hipocrisia maior do mundo está em ter um clube de futebol hoje e ser
patrocinado por uma casa de aposta”.
• “Nunca vai acabar, a maior máfia está
dentro da federação”
“O sistema é muito
além disso, os grandes não vão cair nunca. Estamos falando de dentro da CBF, de
dentro das federações, tenho provas e vídeos. Isso não vai dar em nada, vai
fazer vítimas do sistema e, no final, não vai acabar porque não é de agora. Isso
existe há mais de 40 anos, eu fiz parte do sistema. Se eu tiver que pagar, vou
voltar para o Brasil e pagar. Eu sou só apenas uma ferramenta, o mundo do
futebol é muito mais do que a gente pensa. Não vai dar em nada, a gente vai
passar por isso, nunca vai acabar, a maior máfia está dentro da federação”,
disse aos senadores.
• Senado anuncia que criará CPI das Bets
Também na terça-feira,
8, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, leu em Plenário o requerimento para
a criação de outra CPI envolvendo apostas. Trata-se da CPI das Bets, como vem
sendo chamada, com o objetivo de investigar “a crescente influência dos jogos
virtuais de apostas on-line no orçamento das famílias brasileiras”.
O requerimento (RQS
680/2024) foi apresentado pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) e apoiado
por outros 30 senadores. O requerimento para a criação de uma CPI precisa de
pelo menos 27 assinaturas.
A comissão, que terá
130 dias para concluir seus trabalhos, será composta por 11 membros titulares e
sete suplentes. O limite de despesas da CPI é de R$ 110 mil. De acordo com o
requerimento, a CPI também vai investigar a possível associação das empresas de
apostas on-line “com organizações criminosas envolvidas em práticas de lavagem
de dinheiro, bem como o uso de influenciadores digitais na promoção e
divulgação dessas atividades”.
Soraya disse que o
objetivo da CPI é analisar a prática de evasão de divisa e de lavagem de
dinheiro, e a influência de personalidades brasileiras no funcionamento dos
programas de apostas. A suspeita, ressaltou a senadora, é que os softwares são
programados para causar prejuízo aos apostadores e sempre garantir uma margem
exagerada de lucro às empresas. Soraya também destacou o fato de o vício em
jogos on-line ser um vício silencioso, ao contrário do vício em álcool ou
drogas ilícitas.
• Um negócio de 20 bi por ano
Ainda CPI da
Manipulação de Jogos, um requerimento de autoria do senador Romário (PL-RJ),
relator da comissão, convida o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton
Santos, a depor no colegiado (REQ 115/2024). “A comissão pretende ouvir do
diretor de Fiscalização do BC os planos do órgão para fiscalizar esta atividade
econômica e impedir que o sistema financeiro nacional seja utilizado para a
prática de crimes relacionados às apostas esportivas”, diz Romário.
• BC tem dificuldade de identificar
transações
Romário cita nota
técnica do Banco Central que busca mensurar o tamanho do mercado de jogos de
azar e apostas esportivas on-line no Brasil. Na nota, o BC estima que o gasto
da população seja de R$ 20,8 bilhões apenas no mês de agosto de 2024 e que deva
ultrapassar os R$ 240 bilhões por ano, o que faz com que a atividade supere os
gastos de todo o comércio eletrônico no Brasil. Além de estimar os valores, a
nota técnica do BC aponta as dificuldades em identificar essas transações.
Patrocínio de clubes
Em resposta ao senador
Romário (PL-RJ), relator da CPI, Rogatto afirmou que o fato de uma casa de
aposta patrocinar um clube “já abre um gatilho para que tudo aconteça”.
“Quando uma bet
patrocina o seu clube, automaticamente o jogador se transforma em aposta, ele
não recebe um salário digno e a bet vem e dá um suporte. Já operei nos 27
estados e no Distrito Federal, onde bati de frente com um cara muito forte. A
gente vai na luta de poder. Infelizmente, eu perdi e fiquei exposto. Hoje, no
futebol do Candangão, tem um cara que é poderoso e tem três clubes. Isso já é
manipulação, já começou errado. O sistema é muito além do que a gente está
fazendo aqui. Apreenderam coisas minhas, me pegaram em 2020, o sistema pode
acabar comigo, mas não vai acabar”, afirmou.
• “O torcedor sofre pelo time e mal sabe
do que acontece nos bastidores”
Romário sugeriu a
Rogatto a realização de uma delação premiada. O empresário, porém, disse que
esse instituto, embora “interessante”, não lhe garante a devida proteção, dadas
as ameaças que vem recebendo de muitas pessoas envolvidas no esquema de manipulação,
que inclui árbitros, presidentes de clubes e federações.
“O esquema não é
pequeno, há pessoas que já ganharam muito dinheiro comigo. Tenho muitos anos
nisso, trabalhei em todos os estados do Brasil e trabalhei fora, é muito além
disso daí que vocês estão buscando. Se eu não fui o maior, fui um dos maiores;
se não fui o maior do Brasil, fui o mais organizado do Brasil. Tem outros
grupos, não vou ficar falando deles. São pessoas perigosas. Só resolvi falar
hoje porque estou pensando que tem que acabar com isso aí. Eu vejo torcedor se
matando, hoje a gente vê torcida do Corinthians, o torcedor sofre pelo time e
mal sabe do que acontece nos bastidores. Eu pago muito bem por um gol. Não
estou protegido para mexer com os caras que estão acima de mim. Se eu mexer, eu
vou cair. Eu sou grande até um ponto, mas acima de mim tem outros”, afirmou.
Hoje com 34 anos,
Rogatto disse que está no esquema de manipulação desde 2009, quando, aos 19,
teve a ideia de criar uma casa de aposta para lucrar com a manipulação de
apostas esportivas, após viagem a Las Vegas, onde conheceu os cassinos locais.
“Sim, tem muitos,
diversos. Tem jogadores que, no dia em que eu falar para você, você vai falar
‘eu não acredito nisso, não’. E já esteve próximo de você, é algo que eu vou
apresentar a vocês, para vocês fazerem o que tem que ser feito. Eu sempre
paguei muito bem para esses caras”, disse Rogatto a Romário, que o indagou
sobre a participação de jogadores da série A no esquema de manipulação.
• Hipocrisia do sistema
Ao senador Jorge
Kajuru (PSB-GO), que preside a CPI, Rogatto disse “que realmente frauda e que
vive disso” e reiterou a “hipocrisia do sistema”.
“Não roubei ninguém,
não matei ninguém. Eu trabalhei em cima do sistema, o sistema é falho, a
política não funciona, o sistema não funciona. Achei uma brecha no sistema, que
me fortaleceu. Eu me considero um lambari pequeno demais, muita gente grande eu
seguro nas costas, mas a gente cansa. Basicamente, eu engano o presidente do
clube. Vou pagar ele para colocar os meus atletas. Aquele time vai perder, ele
vai me beneficiar nas minhas apostas.
Alguns presidentes
sabiam e aceitavam. Eu rebaixei 42 clubes no Brasil. Eu só posso ganhar
dinheiro com eles caindo. Peguei dinheiro demais com os caras. Quando eu
comecei, eu comecei sozinho, mas a ganância me dominou. Para isso eu tinha que
colocar mais algumas pessoas no sistema, as pessoas viam que era lucrativo e
centenas e centenas de empresários investiram em meu negócio. Eu tinha meus
jogadores, meus atletas e entrava nos clubes, enganava alguns presidentes e
alguns compactuavam comigo. O modus operandi é complexo, mas o básico é isso”,
afirmou.
• Esquema favorece árbitros do VAR, diz
Rogatto
Rogatto também afirmou
a Kajuru que o esquema de manipulação favorece os árbitros do VAR (tradução
para árbitro assistente de vídeo).
Ao ser questionado
pelo presidente da CPI se os times do Palmeiras e São Paulo “participaram desse
jogo sujo”, Rogatto respondeu: “é uma opinião minha, não sei se aconteceu ou
não, está nitidamente, é só você olhar os gols. Os jogadores hoje, às vezes dois
jogadores, desestruturam totalmente um jogo. Tem presidente que sabe e
compactua com isso, tem presidente que eu engano, tem presidente que está ali
para ganhar o dele, tem presidente que não compactua. Todos os jogos que eu fiz
no Palmeiras eu ganhei”, afirmou.
Políticos envolvidos
O senador Eduardo
Girão (Novo-CE) defendeu a concessão de medida de segurança a Rogatto, em
virtude do teor de suas declarações. Ao indagá-lo se havia a presença de
políticos no esquema de manipulação, o empresário respondeu: “Tem político,
vereador, prefeito. O sistema é único e para entrar é preciso de pessoas. Todo
mundo gosta de dinheiro. Eu sempre procurei entrar pelas secretarias de
Esporte” afirmou.
Árbitros também fazem
parte, diz empresário
Ao ser questionado
pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ) se o esquema de manipulação que comandava
também contava com a participação de árbitros das confederações e da Fifa,
Rogatto respondeu:
“Tinha árbitros
também, dos dois. Um árbitro hoje oficial ganha em torno de R$ 7 mil por jogo,
eu pagava R$ 50 mil para ele, o árbitro ganha pouco, o gatilho do futebol está
na máfia, que é a confederação, é a CBF, que tem recursos e não passa. É tão
simples, é uma matemática tão perfeita, não vê quem não quer. Está tão feio
que, como não acontece nada, o sistema não faz nada, você vem e oferece um
dinheiro fácil. Isso é um gatilho da corrupção que temos no Brasil. Eu sou uma
máquina que estou oferecendo para o atleta dinheiro fácil e dando dignidade
para ele oferecer comida ao filho dele”, afirmou.
No depoimento, Rogatto
admitiu que enganou Dayana Nunes, presidente da Sociedade Esportiva de Santa
Maria (DF), ouvida pelos senadores após depoimento do empresário.
“Quem me colocou para
enganar a presidente da Santa Maria foi o próprio presidente da federação. Ele
disse “vai ali que é frágil, não tem dinheiro, encosta. O marido enfartou ou
sei lá, a mulher não entende de futebol e precisa de investidor”. E eu vim a
rebaixar o Santa Maria. Ela acabou sendo vulnerável a mim”, afirmou.
• Empresário acusa “brechas no sistema”
Rogatto disse ainda
aos senadores que atua em nove países, em virtude das “brechas do sistema”.
“Eu tenho nove países
diferentes em apostas, eu pago caro para o atleta e também gosto de ganhar.
Hoje eu uso nove países diferentes. Na semana passada eu fiz dois jogos na
Colômbia, na primeira divisão. O sistema está fazendo que eu não pare. Querendo
ou não, a gente tem uma vida cara, sabe como é, viver na Europa. Eu preciso
fazer jogos, sou réu confesso, não consigo parar porque o sistema está me dando
brechas”, afirmou.
O empresário revelou
que já faturou aproximadamente R$ 300 milhões desde a criação do esquema de
manipulação.
‘Inclusive, entrei num
ramo de ouro na África e perdi quase metade. O bom enganador também é enganado.
Infelizmente, o que me dá dinheiro é rebaixar time. Se o presidente do time não
está preocupado com o time dele, eu vou estar? Eu ganho dinheiro perdendo jogo,
entregando jogo. É por isso que eles me chamavam de rei do rebaixamento desde
2009. Eu sempre rebaixei clube, e clube grande, viu? O Coruripe, de Alagoas, e
um time muito forte do Maranhão eu rebaixei. O melhor campeonato da minha vida
é o carioca. Em São Paulo eu rebaixei alguns, também em Goiás, mas o maior alvo
hoje são os clubes pequenos”, afirmou.
Na avaliação de
Rogatto, a manipulação favorece os atletas envolvidos no esquema irregular. “Eu
estou dando condições aos atletas de ter um salário hoje de time pequeno. As
federações e a CBF estão pegando dinheiro de todo mundo e não dá nada. Eu sou
apenas um lambari no meio do sistema. Eu também já fiz vôlei de praia e
futsal”, afirmou.
• O caso Santa Maria
Na mesma sessão, a
comissão também ouviu a presidente da Sociedade Esportiva de Santa Maria (DF),
Dayana Nunes, que compareceu ao colegiado, na condição de testemunha, a fim de
prestar informações sobre a suspeita de manipulação de resultados esportivos por
parte de alguns jogadores.
Ela disse que no final
de 2023, após seu marido sofrer um AVC hemorrágico, assumiu o papel dele no
comando do time durante o campeonato Candangão. O time não tinha dinheiro,
apenas a vaga no Candangão. Nesse contexto, ela conheceu Rogatto, que lhe
propôs a compra do Santa Maria, dado o interesse de adquirir um time no
Distrito Federal. Ela disse, porém, que ele poderia tocar o time em 2024. Ele
aceitou, desde que ficasse com R$ 700 mil se ganhasse a vaga.
“Quem consegue ganhar
o Candangão vai para a Copa do Brasil e tem direito a esses R$ 700 mil. Eu
falei para ele que tudo bem, a gente nunca ganhou dinheiro com futebol em
Brasília. Eu não tinha interesse em ganhar dinheiro, o meu interesse era manter
o Santa Maria, porque se eu não apresentasse o meu time na data certa, ele
cairia automaticamente. Era o meu maior medo, e foi o que aconteceu. Foi o que
me desestabilizou, me levou a duas internações. Meu time estava na primeira
divisão, meu time valia por baixo R$ 2 milhões. Depois que o William veio e
rebaixou, ele foi para R$ 300 mil”, afirmou.
Emocionada, Dayanna
disse que não conseguiu “ver malícia” na atuação de Rogatto, visto que o time
passou a contar com recursos, organização, contas pagas e salários em dia. Até
então, o time contava apenas com o apoio do BRB, insuficiente para as despesas
da agremiação.
“Na minha mente estava
tudo tranquilo, tudo organizado. Comecei a perceber que tinha algo errado
quando a gente começou a perder. De oitos jogos, eu ganhei um único jogo, e não
empatei nenhum; eu perdi para o lanterna. Eu achava que ele [William] estava do
meu lado, ele foi um artista muito bom. Eu larguei tudo, fui internada, não
consegui entender como uma pessoa consegue fazer esse mal para o outro. Eu abri
meu coração e ele pegou tudo isso e viu a vulnerabilidade, uma mulher ferida.
Não tive o apoio nem dele nem da federação, eu estava realmente sozinha. Eu
nunca imaginei chegar num ponto de me ver sentada numa cadeira de uma CPI,
mesmo como convidada. Eu nunca peguei um real do William”, afirmou.
• Deolane e Gusttavo Lima
A CPI da Manipulação
de Jogos e Apostas Esportivas aprovou requerimento que convida o diretor-geral
da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, a depor no colegiado. Autor do
requerimento, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) avalia que as informações a
serem prestadas por Andrei Rodrigues podem ajudar a comissão na apuração das
denúncias e suspeitas de manipulação de resultados no futebol brasileiro,
envolvendo jogadores, dirigentes e empresas de apostas, conhecidas como bets.
“Diante da
participação tão efetiva da Polícia Federal no processo de investigação de
manipulação de resultados, considera-se que o depoimento do diretor-geral da
Polícia Federal, Andrei Augusto Passos Rodrigues, permitirá a elucidação de
diversos aspectos relacionados ao objeto de investigação da presente comissão”,
defende Girão no requerimento (REQ 59/2024).
Outro requerimento do
senador, também aprovado na comissão, convoca Deolane Bezerra a depor na CPI. A
empresária, advogada e influenciadora digital foi presa no Recife, em 4 de
setembro, mas já se encontra em prisão domiciliar.
“Entendo que a
convocação de Deolane Bezerra pode ajudar essa comissão parlamentar de
inquérito a esclarecer questões atinentes ao objetivo final desse CPI, que é o
desvendar possíveis implicações de facções criminosas com as empresas que atuam
no mercado de jogos de apostas on-line”, ressalta Girão no REQ 111/2024.
Ao todo, foram
aprovados 15 requerimentos para depoimentos, entre eles o de convocação do
diretor executivo da empresa Esportes da Sorte, Darwin Henrique da Silva Filho
(REQ 113/2024). O pedido é de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que
preside a CPI.
CPI DAS BETs – O
cantor Gusttavo Lima e, de novo, a influenciadora Deolane Bezerra estão entre
que deverão ser convocados pela CPI das Bets, já em fase de instalação no
Senado com provável relatoria da autora do requerimento, a senadora Soraya
Thronicke (Podemos-MS). A informação é da coluna de Lauro Jardim, no jornal O
Globo.
Fonte: Por César
Fraga, no ExtraClasse
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