segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Israel X Irã: a Rússia entrou no jogo

Israel aparentemente engavetou seu ataque planejado contra o Irã. Uma combinação de circunstâncias pode ser atribuída a esse recuo, o que desmente a retórica intensa de Tel Aviv, de que estava pronto para agir.

Apesar da brilhante gestão de mídia de Israel, surgiram relatos de que o ataque de mísseis iranianos em 1º de outubro foi um sucesso espetacular. Foi uma demonstração da capacidade de dissuasão do Irã para esmagar Israel, se necessário. O fracasso dos EUA em interceptar os mísseis hipersônicos iranianos trouxe uma mensagem própria. O Irã afirma que 90% de seus mísseis penetraram no sistema de defesa aérea de Israel.

Will Schryver, engenheiro técnico e comentarista de segurança, escreveu no X: “Não entendo como alguém que viu os muitos vídeos dos ataques de mísseis iranianos contra Israel pode não reconhecer e admitir que foi uma demonstração impressionante das capacidades iranianas. Os mísseis balísticos do Irã ignoraram as defesas aéreas dos EUA/Israel e realizaram vários ataques com grandes ogivas contra alvos militares israelenses.”

Evidentemente, na situação de pânico que se seguiu em Israel, até 4/10 ainda havia decisão sobre qual tipo de resposta dar contra o Irã. Como disse o presidente dos EUA, Joe Biden, “se eu estivesse no lugar deles [israelenses], estaria pensando em outras alternativas além de atacar campos de petróleo”. A fala foi feita em uma rara aparição na sala de imprensa da Casa Branca, um dia depois de autoridades israelenses dizerem que uma “retaliação significativa” era iminente.

Biden acrescentou que os israelenses “ainda não concluíram como — o que eles vão fazer” em retaliação. Biden também disse a repórteres que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, deveria lembrar do apoio dos EUA a Israel ao decidir os próximos passos. Ele afirmou que estava tentando mobilizar o mundo para evitar uma guerra total no Oriente Médio.

Nesta pantomina, é mais seguro acreditar em Biden, já que a verdade é que, sem a ajuda prática e financeira — e intervenção direta — dos EUA Israel simplesmente não tem fôlego para enfrentar o Irã. A dominância regional de Israel se restringe a executar planos de assassinato e atacar civis desarmados.

Mas, mesmo aqui, é discutível o quão autossuficiente Israel é, comparada com o Irã. Surgiram relatos de que a nova inteligência tecnológica dos EUA localizou o paradeiro do líder do Hezbollah, Sayyed Nasrallah, que foi passada a Israel, levando ao seu assassinato.

Curiosamente, o diretor da CIA, William Burns, interveio para refutar os rumores de que o Irã tenha conduzido um teste nuclear no último sábado, 5/10. Falando em uma conferência de segurança na segunda-feira, Burns afirmou que os EUA monitoraram de perto a atividade nuclear do Irã em busca de qualquer sinal de que o país esteja acelerando em direção a uma bomba nuclear.

“Não vemos evidências hoje de que tal decisão tenha sido tomada. Observamos isso muito cuidadosamente”, disse ele. Burns desfez suavemente outro pretexto para atacar o Irã.

Um fator crítico que obrigou Israel/EUA a adiar qualquer ataque ao Irã foi o severo aviso de Teerã de que qualquer ataque à sua infraestrutura por Israel seria respondido com uma reação ainda mais dura. “Ao responder, não hesitamos nem agimos precipitadamente”, citou o ministro das Relações Exteriores, Abbas Araghchi, que, aliás, fez uma viagem ao Líbano e à Síria no fim de semana para enviar uma “mensagem” desafiadora a Israel — como ele colocou — de que “o Irã apoiou fortemente a resistência e sempre a apoiará.”

No início de 4 de outubro, o Líder Supremo, Aiatolá Ali Khamenei, usou um raro sermão público para defender o ataque de mísseis do Irã contra Israel, dizendo que foi “legítimo e legal” e que, “se necessário”, Teerã o faria novamente. Falando em persa e árabe durante as orações de sexta-feira em Teerã, Khamenei disse que o Irã e o Eixo da Resistência não recuarão diante de Israel. O Irã não “procrastinará nem agirá apressadamente ao cumprir seu dever” de confrontar Israel, declarou Khamenei.

No entanto, o que desmotiva os israelenses e causa desconforto nos EUA é outra coisa — as crescentes sombras da Rússia sobre o cenário do Oriente Médio.

Analistas militares norte-americanos divulgaram que certas armas altamente avançadas da Rússia foram transferidas para o Irã nas últimas semanas, apoiadas pelo envio de pessoal militar russo para operar esses sistemas, incluindo mísseis S-400. Há especulações de que o secretário do Conselho de Segurança da Rússia (ex-ministro da Defesa) Sergei Shoigu fez duas visitas secretas ao Irã no período recente.

Aparentemente, Moscou também respondeu ao pedido iraniano de dados de satélite sobre alvos israelenses para seu ataque de mísseis em 1º de outubro. A Rússia também forneceu ao Irã o sistema de guerra eletrônica de longo alcance “Murmansk-BN”.

O sistema “Murmansk-BN” é um poderoso sistema de guerra eletrônica, capaz de bloquear e interceptar sinais de rádio inimigos, GPS, comunicações, satélites e outros sistemas eletrônicos a até 5.000 km de distância, neutralizando munições “inteligentes” e sistemas de drones — e é capaz de interromper sistemas de comunicação via satélite de alta frequência pertencentes aos EUA e à OTAN.

Sem dúvida, o envolvimento russo no impasse do Irã com Israel é potencialmente um divisor de águas. Do ponto de vista dos EUA, isso levanta o espectro preocupante de um confronto direto com a Rússia, algo que Washington quer evitar.

É nesse cenário que agências de notícias oficiais russas citaram o assessor presidencial Yury Ushakov, no domingo, afirmando que Putin planeja se encontrar com seu homólogo iraniano, Masud Pezeshkian, na capital do Turcomenistão, Ashgabat, em 11 de outubro.

Ushakov não elaborou sobre a reunião. De fato, isso é uma surpresa, já que os dois líderes programaram se encontrar novamente na cúpula do BRICS, na cidade russa de Kazan, de 22 a 24 de outubro.

Claro, os iranianos também estão sendo discretos. Tanto Moscou quanto Teerã anunciaram que seus presidentes visitariam Ashgabat em 11 de outubro para participar de uma cerimônia marcando o 300º aniversário de nascimento do poeta e pensador turcomano Magtymguly Pyragy. Fumaça e espelhos! (aqui e aqui)

É totalmente concebível que, em meio às crescentes tensões regionais, Moscou e Teerã possam ter pensado em antecipar a assinatura formal do pacto de defesa russo-iraniano, originalmente programado para acontecer em Kazan.

Se for assim, o evento de sexta-feira será semelhante à visita não programada do então ministro das Relações Exteriores soviético, Andrei Gromyko, a Nova Délhi para a assinatura do histórico Tratado de Paz, Amizade e Cooperação entre Índia e URSS, em 9 de agosto de 1971.

Curiosamente, Ushakov acrescentou que Putin não tem planos de se encontrar com Netanyahu. Putin ainda não respondeu a um pedido de Netanyahu para uma conversa telefônica, feito há cinco dias. Uma lenda que Netanyahu criou, nos últimos anos, para impressionar seu público doméstico (e confundir as ruas árabes) — de que ele tinha um relacionamento especial com Putin — está desmoronando.

Por outro lado, ao marcar uma reunião urgente em Ashgabat — na verdade, o presidente do Turcomenistão, Serdar Berdimuhamedov, esteve em Moscou apenas na segunda-feira/terça-feira para uma visita de trabalho — o Kremlin está deixando claro para Washington e Tel Aviv que Moscou está irrevogavelmente alinhado com Teerã e ajudará este último, não importa o que for necessário. (Veja, em meu blog, “Crise na Ásia Ocidental leva Biden a quebrar o gelo com Putin”, 5/10/24)

A história não está se repetindo? O Tratado Indo-Soviético de 1971 foi o tratado internacional mais consequente assinado pela Índia desde sua independência. Não foi uma aliança militar. Mas a União Soviética aumentou a capacidade militar da Índia para uma guerra iminente e criou espaço para que o país fortalecesse as bases de sua autonomia estratégica e sua capacidade de ação independente.

¨      Irã ameaça atacar aliados dos EUA no Oriente Médio em caso de agressão ao seu território, diz mídia

Teerã ameaçou atacar os aliados dos EUA no golfo Pérsico e no Oriente Médio se seu território ou espaço aéreo fossem usados para atacar o Irã, relata o The Wall Street Journal com referência as autoridades de países árabes.

"Teerã, por canais diplomáticos secretos, ameaça atacar os países ricos em petróleo do golfo Pérsico e outros aliados dos EUA no Oriente Médio se seu território ou espaço aéreo forem usados para um ataque ao Irã", diz a publicação.

De acordo com o jornal, Teerã enviou advertências à Jordânia, Emirados Árabes Unidos (EAU), Arábia Saudita e ao Catar. Forças dos EUA estão presentes em todos esses países e, de acordo com fontes, as autoridades desses Estados notificaram a administração do presidente dos EUA, Joe Biden, que não estão dispostas a fornecer a Washington ou a Israel sua infraestrutura militar, ou espaço aéreo para qualquer ação agressiva contra a República Islâmica.

O Irã, em 1º de outubro, pela segunda vez na história, conduziu um ataque massivo de mísseis contra Israel, chamando-o de ato de autodefesa. Os militares israelenses afirmaram que foram disparados cerca de 180 mísseis balísticos, a maioria dos quais foi interceptada.

Os iranianos dizem que os mísseis atingiram alvos militares israelenses, já Israel afirma que o dano foi "mínimo". Tel Aviv prometeu retaliar e os EUA afirmaram que viriam em auxílio de seu principal aliado no Oriente Médio.

 

¨      Organizações ampliam esforços para enfrentar crise no Líbano

Quase três semanas após o início dos ataques devastadores de Israel ao Líbano, civis libaneses estão tomando, cada vez mais, as rédeas da ajuda humanitária no país.

"Eu me juntei a uma iniciativa local e distribuímos doações entre vários abrigos e escolas", disse Rayan Chaya à DW em Aley, cerca de 20 quilômetros a sudeste de Beirute.

O engenheiro mecânico de 27 anos tem criado bancos de dados com lugares para alugar e para comer de graça. Ele também providenciou uma cadeira de rodas para uma família que deixou a que tinham para trás quando tiveram que fugir.

"Estamos em uma crise e, se não ajudarmos uns aos outros, quem o fará?"  Ele acrescenta: "o governo não está tomando nenhuma medida séria".

Heiko Wimmen, diretor de projetos no Líbano International Crisis Group, uma ONG de prevenção de conflitos, confirma essa percepção.

"O nível de apoio humanitário à população é o que se espera de um país cujas estruturas políticas não funcionam de fato", disse à DW.

Anos de instabilidade política, combinados a uma crise econômica contínua, deixaram o Líbano à beira do colapso.

A terrível situação se agravou ainda mais no final de setembro, quando Israel intensificou seus ataques contra o grupo radical libanês Hezbollah após um ano de combates limitados.

Desde então, vários líderes do Hezbollah foram assassinados, mas também mais de 2.000 civis morreram em ataques israelenses, de acordo com o Ministério da Saúde libanês.

Além disso, 608,5 mil pessoas estão atualmente deslocadas internamente, de acordo com a última atualização do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha, na sigla em inglês).

De acordo com as autoridades libanesas, esse número é duas vezes maior.

<><> Aumento de invasões a casas

Enquanto isso, o governo libanês criou 973 abrigos em instituições públicas em todo o país, com 180 mil vagas disponíveis, que rapidamente foram ocupadas. 

"O número de abrigos não corresponde ao número de vagas necessárias, e temo que os invasores de casas ocupem cada vez mais tanto os apartamentos vazios quanto os apartamentos de luxo desabitados", disse Wimmen, do Crisis Group.

De acordo com um estudo da Universidade Americana de Beirute, cerca de 31% das propriedades de Beirute foram compradas apenas por motivos de investimento.

Libaneses bem relacionados com a ala política do Hezbollah estão cada vez mais se mudando para esses imóveis.

"Alguns dos partidos vinculados ao Hezbollah, como o Amal e o Partido Nacional Socialista Sírio, que vêm fazendo o trabalho sujo em nome do Hezbollah há anos, abriram prédios para refugiados", afirma Wimmen.

Um porta-voz da polícia libanesa afirmou ao jornal americano The Washington Post que eles esvaziariam os prédios somente quando fossem encontradas alternativas adequadas.

<><> Comida, roupas e um abraço

Mesquitas, igrejas, bares e muitas pessoas físicas fazem o possível para ajudar, disse à DW Anna Fleischer, diretora do escritório da Fundação Heinrich Böll para o Oriente Médio, em Beirute.

"Na minha mesquita, não há espaço para receber famílias, mas o número de fiéis aumentou imensamente e nós fornecemos alimentos, serviços médicos e ajuda", disse à DW o xeque Mohammed Abu Zaid, imã da maior mesquita de Saida, 45 km ao sul de Beirute.

Outro exemplo de voluntariado é o de Sally Halawi, proprietária do brechó "Circuit", em Beirute.

"Senti que tinha que fazer algo para ajudar", disse à DW. Ela doou tudo o que havia em sua loja para pessoas que haviam deixado suas casas e pertences para trás. No Instagram, ela fez um apelo por mais doações.

"Muitas pessoas responderam", lembra Halawi. Todas as manhãs, ela reúne as doações de acordo com gênero e tamanho. À noite, pacotes são enviados para a escola que se transformou em abrigo.

"Até agora, coletamos mais de 30 mil itens", disse Halawi, de 35 anos, à DW. "Por mais desgastante e agitado que seja, acredito que isso é o mínimo que posso fazer pelo meu povo, e ainda sinto que não é suficiente."

·        Ponte de ajuda humanitária

Tem crescido também a ajuda humanitária internacional para a população do Líbano.

Na sexta-feira (11/10), o primeiro de três voos da União Europeia com itens de higiene, cobertores e kits de abrigo de emergência deve chegar a Beirute. A França e outros escritórios da UE já enviaram suprimentos.

No início desta semana, o ministro da saúde interino, Firas Abiad, também recebeu 40 toneladas de suprimentos médicos dos Emirados Árabes Unidos.

No entanto, observadores notam que até mesmo o enfrentamento da crise humanitária no Líbano é motivado por interesses políticos.

"A elite governante do Líbano está agora tentando manter seu domínio ao cortejar doadores internacionais, bem como patrocinadores ocidentais e árabes do Golfo", disse Lorenzo Trombetta, analista do Oriente Médio, à DW.

Os primeiros a prometer ajuda humanitária foram o Catar e os Emirados Árabes Unidos, acrescentou.

O Catar tem hospedado a elite política do Hamas há anos, além de ser um dos principais negociadores para um cessar-fogo em Gaza.

"E Abu Dhabi apoia a aliança com os Estados Unidos e Israel com tecnologia de ponta e suas forças armadas, além de enviar e continuar a enviar ajuda a Beirute", explicou Trombetta.

Na sua opinião, isso é feito para "exercer maior influência política no Líbano e fortalecer sua presença no Mediterrâneo Oriental".

Ele também teme que a elite política do Líbano esteja prestes a deixar de priorizar as necessidades da população. "Em um futuro próximo, o foco principal se voltará para a gestão dos fundos de reconstrução", alertou Trombetta.

Ele considera fundamental vincular a ajuda à reconstrução, bem como a distribuição de serviços essenciais e de bem-estar exclusivamente à população civil do Líbano.

Esse esforço de ajuda, contudo, parece estar estagnado. No início desta semana, o apelo liderado pela ONU de mais de US$ 426 milhões (R$ 2,4 bilhões) para a sociedade civil do Líbano permaneceu financiado em apenas 12%, com US$ 53 milhões (R$ 297 milhões) recebidos.

 

Fonte: Por M K Bhadrakumar, em Outras Palavras/Sputnik Brasil/DW Brasil

 

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