Antonio Machado acende o sinal de alerta:
2026 tende à direita
Com 77,6% dos votos na
maioria das cidades brasileiras, elegendo prefeitos e vereadores numa proporção
quase 3,5 vezes maior que os partidos de esquerda, escolhidos por apenas 22,4%
do eleitorado, a direita tradicional do arco político foi a vencedora
indiscutível das eleições municipais, e poderá crescer mais com o que virá dos
municípios onde haverá 2º turno, especialmente em São Paulo.
Tal resultado deverá
ter consequências para as eleições gerais em 2026, já que, por vários fatores,
a vontade dos partidos de centro e de direita é deixar de ser coadjuvante de
outros menos votados. É o que tem sido desde o fim da coligação entre PSDB e PFL
(base do Dem, hoje União Brasil, do PSD e vários outros), além do MDB, para
formar a sustentação no Congresso dos dois governos de FHC.
Apesar do dinheiro do
orçamento federal enviado aos municípios pelas emendas parlamentares favorecer
candidatos mais conectados, o fato é que todos os partidos, do PSD e PL ao PT e
PSB, foram contemplados. Mas os de centro, como PSD e MDB, e de direita, do PL
de Bolsonaro ao Republicanos do governador Tarcísio de Freitas e PP de Arthur
Lira, se saíram melhor. E não somente por isso nem graças a Bolsonaro. Venceram
porque o eleitor quis assim.
A dominância
conservadora nas eleições sempre foi a regra, embora mais no Congresso e nas
assembleias regionais que nos governos dos estados, municípios e federal. Assim
foi desde a redemocratização.
A bagunça partidária
se deve à decisão do STF em 2006 de declarar inconstitucional lei aprovada em
1995 instituindo a tal “cláusula de barreira”. Ela reduzia a atuação
parlamentar de partidos sem um percentual mínimo de votos. A decisão esdrúxula
do STF (mais uma) facilitou a proliferação de partidos, a maioria sem nenhuma
linha programática, criados para tirar proveito dos dinheiros públicos que
custeiam a atividade partidária e as campanhas eleitorais.
Como o que excede o
bom senso preocupa até os mais libertinos, o Congresso aprovou outra restrição,
mais branda, sem o STF meter o bedelho, e ela já produz efeitos. A expectativa
é que em 2027 haja apenas sete a onze partidos na Câmara. Os demais ou se fundem
ou formam uma federação como a que une PSDB e Cidadania ou acabam. Isto será
salutar para a democracia, além de afastar arrivistas.
<><> A
deformação institucional
Boa parte da
deformação institucional que trava o desenvolvimento e envelhece as bases
produtivas do país vem do Congresso capturado por partidos sem projeto nacional
além de influenciado por lobbies da burocracia federal e de grupos empresariais
que fazem do poder de inserir emendas em leis, vulgo jabutis, a razão de seu
sucesso.
Isso tem a ver com a
baixa ou falta de convergência programática entre o governante eleito e os
partidos majoritários. Começou com governante achando que poderia tirar
proveito do fisiologismo dos partidos do tal centrão, sem ter de partilhar com
eles as decisões de governo. Deu em escândalos. Bolsonaro fez o mesmo. Acabou
tendo que entregar a execução orçamentária para o Congresso para não ser
impichado devido à sua atuação medonha na pandemia.
Congresso para um lado
e presidente da República para outro, com promessas feitas em sua campanha
eleitoral sabendo não ter votos parlamentares para cumpri-las, esparramam-se no
populismo fiscal e em prebendas tributárias, cujas sequelas são os déficits crônicos
orçamentários, o endividamento crescente e os juros obscenos.
É neste sentido que a
sinalização das eleições municipais se une ao que começa a ser planejado para
2026. Se os partidos de centro foram bem votados, os de direita performaram sem
ter que depender da liderança tóxica de Bolsonaro, o PT repetiu o resultado
pífio de 2020 e a cláusula de barreira vai expurgar os menos votados, por que
não ter candidato próprio para ser protagonista em 2026?
<><>
Sarrafo democrático subiu
Na aritmética do voto,
os partidos de centro e de direita foram escolhidos por 73,1 milhões de
eleitores, representando mais de dois terços do total de 94,2 milhões de votos
válidos. E são os seis primeiros na lista dos 10 partidos que conquistaram o
maior número de prefeituras, pela ordem: PSD (888), MDB (865), PP (752), União
Brasil (589), PL (523) e Republicanos (441).
Os partidos de
esquerda tiveram 21,1 milhões de votos ou 22,4% do total entre os 10 mais
votados no 1º turno. Em número de cidades, o PSB vem em 7º lugar (312
municípios), seguido do PSDB (276), PT (253) e PDT (151). Tirando-se o PSDB,
que nem de centro-esquerda ainda é, o desempenho do bloco da esquerda foi
constrangedor, em especial para o PT e a liderança de Lula. A equação de 26 é
esta.
Lembro que a cláusula
de barreira para acesso ao fundo eleitoral e espaço em rádio e TV está em
vigor, sendo a presença municipal o alicerce para a eleição de deputados
federais. Eles são a métrica da partilha desses dinheiros. Em 2026, para se
habilitarem a essa dinheirama, os partidos terão de eleger, no mínimo, 13
deputados federais ou receber 2,5% dos votos para a Câmara. O sarrafo subiu.
<><> O
caminho da superação
Em suma, como diz o
sociólogo José de Souza Martins: “A revelação sociologicamente relevante da
eleição [municipal] é a de que a esquerda tem dificuldade para atualizar sua
compreensão dialética do que é o processo político no Brasil e do que é a
relação entre práxis e realidade social, isto é, entre mudanças e
transformações sociais e a consciência política que delas é necessário ter. Seu
desafio é sair da mentalidade de 1960”.
É entre as demandas
por ascensão social que as classes de renda baixa já não vislumbram nos
programas oficiais ou de percepção de insegurança pública que vai trafegar a
política daqui em diante.
Dois vencedores das
atuais eleições deverão estar atentos a tais sentimentos: Gilberto Kassab,
presidente do PSD, que se tornou o maior partido municipalista, e o governador
Tarcísio de Freitas, sobretudo se o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, se
reeleger contra Guilherme Boulos, do PSOL, com apoio de Lula e do PT.
Falta a eles, tal como
a Lula, um programa arrebatador, capaz de superar a discussão insossa sobre as
contas fiscais, ainda mais se puxadas por aumentos de impostos com carga
tributária já recorde.
O empresariado
consciente pode romper essa letargia. A prática os ensinou o caminho da
superação. Mas só a política pode resolver.
• Anatomia de uma derrota. Por Luis Felipe
Miguel
Não é possível pintar
com meias tintas o fracasso da esquerda no primeiro turno das eleições
municipais. Com menos votos do que há quatro anos, conquistando poucos
mandatos, minguando nos grandes centros, PT e PSOL foram grandes derrotados.
Enquanto isso, a
extrema direita obteve vitórias importantes nas cidades grandes e os partidos
da direita oportunista tradicional, conhecidos como “Centrão”, avançaram pelo
país afora – impulsionados também pelo sequestro do orçamento público, na forma
das emendas parlamentares. Mas o discurso de seus candidatos, convém lembrar,
muitas vezes está alinhado a temas e abordagens similares aos do bolsonarismo.
Em São Paulo,
Guilherme Boulos começou a campanha como favorito, mas foi emparedado pelo uso
da máquina municipal e estadual em favor de Ricardo Nunes e depois sofreu com a
campanha de agressões, mentiras e difamações colocada em marcha por Pablo
Marçal.
No meio deste
processo, o candidato se mostrou incapaz de fugir do enquadramento definido
para ele por seus marqueteiros. O Boulos “paz e amor”, que fazia coraçãozinho
ao lado da golpista redimida Marta Suplicy, parecia destemperado ao reagir aos
golpes de Marçal. Com isso, permitiu o crescimento de Tabata Amaral, que sem
ter sido jamais filiada ao falecido PSDB, é o último broto do tucanato,
encarnando com perfeição o velho discurso gerencial e o “equilíbrio”
desapaixonado. Essa incapacidade de reagir ao coach e simultaneamente desinflar
a candidatura da deputada da Fundação Lemann quase custou a Boulos a chegada ao
segundo turno.
Nem Marta, que mantém
prestígio nas periferias paulistanas, nem o presidente Lula se mostraram
capazes da transferência de votos que Boulos esperava. A “suavização” da imagem
e a “moderação” do discurso, o receituário padrão aplicado para nomes da esquerda,
apenas apagaram a personalidade do candidato, sem render votos. Foi uma
campanha muito mais cara, mas com resultado inferior à do próprio Boulos em
2020, sem falar de Lula e Haddad em 2022.
Diante deste quadro, o
que fazer? Não falta quem diga que a esquerda precisa se conectar com o
“espírito dos tempos” para assim, pretensamente, voltar a conquistar as massas:
empreendedorismo na veia, Jesus no coração, meritocracia na cabeça, punitivismo
no fígado. Em suma, capitular ao enquadramento neoliberal e neoconservador que
se tornou dominante.
Não creio que isso dê
resultado – aliás, tem sido tentado, talvez não da maneira radical que alguns
querem, mas ainda assim de forma consistente, com resultados pífios. Para
provar, está aí Maria do Rosário, de Porto Alegre, que se esforçou para se
reconstruir com um discurso conservador e se tornou outra “favorita” que por um
triz não chegou no segundo turno.
De fato, se é para
votar num discurso de direita, melhor escolher logo um candidato de direita,
que o encarna com muito mais credibilidade.
Mas, como escreveu
certa vez Gramsci: “A história ensina, mas não tem alunos”. Parece que estamos
fadados a repetir, a cada vez, os mesmos erros.
A resposta oposta é
que é necessário um discurso mais à esquerda, capaz de reativar os valores que
definem nosso horizonte – igualdade, solidariedade, emancipação – e que seriam
capazes de acordar uma base social latente.
Simpatizo mais com
esta percepção, mas julgo que ainda é insuficiente.
A crise do discurso
eleitoral da esquerda é só um sintoma. A raiz do problema está na própria
centralidade absoluta conferida ao embate eleitoral, como se nós acreditássemos
de fato no discurso que a democracia eleitoral apresenta sobre si mesma – de
que o voto popular decide o exercício do poder e as “regras do jogo” imperam
igualmente para todos.
A burguesia não
acredita nisso, nem as igrejas, nem os meios de comunicação ou as big techs,
nem os militares…
A grande armadilha da
democracia eleitoral, aquilo que a transforma num instrumento muito mais de
manutenção da ordem do que transformação radical da sociedade, é a redução do
horizonte da política à conquista de votos. O eleitoralismo faz com que a única
coisa que importe seja obter o melhor resultado na eleição que está chegando.
Com isso, não existe possibilidade de acúmulo, não existe estímulo para a
desconstrução das representações hegemônicas do mundo social. Sempre é mais
proveitoso remar a favor da correnteza, mesmo que essa correnteza seja
conservadora, individualista, contrária aos interesses dos trabalhadores e dos
grupos dominados em geral.
No Brasil, isto é
acentuado pela urgência – real – de combater o bolsonarismo. Em nome desse
combate, o discurso político da esquerda é sempre rebaixado. Temos que chegar
no eleitor de “centro”, temos que cuidar para não assustar o evangélico
conservador ou aquele que é vítima do discurso do empreendedorismo ou aquele
que foi doutrinado nos valores da família tradicional e assim por diante.
O enfrentamento é
sempre adiado para um próximo momento, mas esse momento obviamente nunca vem,
porque temos uma eleição após a outra.
Não há nunca um
momento para educação política, para a disputa, para a elevação da consciência.
É só adaptação, acomodação, capitulação. E daí na eleição seguinte vamos ter
que recuar ainda mais, até porque, se tem uma coisa que a direita está fazendo
hoje, é a desconstrução de todos os valores ético-políticos que um dia a gente
achou que tinha conseguido firmar minimamente.
O objetivo da esquerda
não é ganhar eleições. É mudar o mundo. Ganhar eleição pode ser um instrumento,
nunca uma finalidade.
Enquanto o momento
eleitoral não for enquadrado como parte de uma estratégia política mais ampla,
isto é, entendido como parte de uma luta que não se reduz à manutenção ou
obtenção de mandatos, a esquerda não será capaz de obter qualquer vitória
sólida.
• Simulação da Quaest sobre disputa
presidencial expõe o atual racha da direita
Uma nova pesquisa da
Quaest, divulgada neste domingo (13), mostra a interferência significativa de
uma eventual candidatura do influenciador Pablo Marçal (PRTB) à Presidência da
República em 2026.
Se as eleições
presidenciais fossem hoje, os eleitores de direita e extrema-direita estariam
divididos entre Marçal e Tarcísio de Freitas (Republicanos), atual governador
de São Paulo e um dos nomes cotados para substituir o inelegível Jair Bolsonaro
(PL) nas urnas.
No cenário simulado
pela Quaest, Marçal e Tarcísio estão tecnicamente empatados em segundo lugar,
com 18% e 15% dos votos, respectivamente. O presidente Lula (PT), a principal
aposta do campo progressista, vence a reeleição com 32%.
<><> O
racha da direita diante da ascensão de Marçal
Indo mais a fundo, a
pesquisa deixa claro o atual racha da direita e extrema-direita, após a
campanha eleitoral polêmica de Marçal pela Prefeitura de São Paulo. Enquanto
Lula conserva 71% dos eleitores que votaram nele no segundo turno de 2022, os
votos daqueles que apostaram em Bolsonaro se diluem entre Marçal (33%) e
Tarcísio (32%). Indecisos em relação ao petista somam 11%, já no caso do
ex-presidente o índice chega a 18%.
Marçal também mostra
que está crescendo a partir da percepção do eleitor de quem seria o candidato
“mais forte” contra Lula. Neste caso, o influenciador contabiliza 15%,
tecnicamente empatado com Tarcísio (13%) e com a ex-primeira-dama Michelle
Bolsonaro (12%).
Na rede social X, o
diretor da Quaest, Felipe Nunes, ressaltou que “os dados da pesquisa apontam
para duas consequências das eleições deste ano pensando em 2026: (1) Marçal
conseguiu nacionalizar seu nome com a nacionalização da campanha de SP, e (2)
dentro do eleitorado anti-petista de 2022, surgiu um novo nome para disputar o
espólio de Bolsonaro”.
Mais da metade dizem
que Lula não deve se reeleger
O levantamento também
mostra que de julho a outubro cresceu o percentual de brasileiros que acham que
Lula não deveria ser candidato à reeleição. Hoje, 58% dizem que o petista não
deve se reeleger, enquanto 40% acreditam que ele deveria concorrer. Outros 2%
não souberam ou não responderam.
<><> Sobre
a pesquisa
A Quaest entrevistou
2.000 eleitores em todo país, entre 25 e 29 de setembro, dois dias antes das
eleições municipais. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou
para menos, com um nível de confiança de 95%.
Fonte: Jornal GGN/Blog
da Boitempo
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