terça-feira, 15 de outubro de 2024

Antonio Machado acende o sinal de alerta: 2026 tende à direita

Com 77,6% dos votos na maioria das cidades brasileiras, elegendo prefeitos e vereadores numa proporção quase 3,5 vezes maior que os partidos de esquerda, escolhidos por apenas 22,4% do eleitorado, a direita tradicional do arco político foi a vencedora indiscutível das eleições municipais, e poderá crescer mais com o que virá dos municípios onde haverá 2º turno, especialmente em São Paulo.

Tal resultado deverá ter consequências para as eleições gerais em 2026, já que, por vários fatores, a vontade dos partidos de centro e de direita é deixar de ser coadjuvante de outros menos votados. É o que tem sido desde o fim da coligação entre PSDB e PFL (base do Dem, hoje União Brasil, do PSD e vários outros), além do MDB, para formar a sustentação no Congresso dos dois governos de FHC.

Apesar do dinheiro do orçamento federal enviado aos municípios pelas emendas parlamentares favorecer candidatos mais conectados, o fato é que todos os partidos, do PSD e PL ao PT e PSB, foram contemplados. Mas os de centro, como PSD e MDB, e de direita, do PL de Bolsonaro ao Republicanos do governador Tarcísio de Freitas e PP de Arthur Lira, se saíram melhor. E não somente por isso nem graças a Bolsonaro. Venceram porque o eleitor quis assim.

A dominância conservadora nas eleições sempre foi a regra, embora mais no Congresso e nas assembleias regionais que nos governos dos estados, municípios e federal. Assim foi desde a redemocratização.

A bagunça partidária se deve à decisão do STF em 2006 de declarar inconstitucional lei aprovada em 1995 instituindo a tal “cláusula de barreira”. Ela reduzia a atuação parlamentar de partidos sem um percentual mínimo de votos. A decisão esdrúxula do STF (mais uma) facilitou a proliferação de partidos, a maioria sem nenhuma linha programática, criados para tirar proveito dos dinheiros públicos que custeiam a atividade partidária e as campanhas eleitorais.

Como o que excede o bom senso preocupa até os mais libertinos, o Congresso aprovou outra restrição, mais branda, sem o STF meter o bedelho, e ela já produz efeitos. A expectativa é que em 2027 haja apenas sete a onze partidos na Câmara. Os demais ou se fundem ou formam uma federação como a que une PSDB e Cidadania ou acabam. Isto será salutar para a democracia, além de afastar arrivistas.

<><> A deformação institucional

Boa parte da deformação institucional que trava o desenvolvimento e envelhece as bases produtivas do país vem do Congresso capturado por partidos sem projeto nacional além de influenciado por lobbies da burocracia federal e de grupos empresariais que fazem do poder de inserir emendas em leis, vulgo jabutis, a razão de seu sucesso.

Isso tem a ver com a baixa ou falta de convergência programática entre o governante eleito e os partidos majoritários. Começou com governante achando que poderia tirar proveito do fisiologismo dos partidos do tal centrão, sem ter de partilhar com eles as decisões de governo. Deu em escândalos. Bolsonaro fez o mesmo. Acabou tendo que entregar a execução orçamentária para o Congresso para não ser impichado devido à sua atuação medonha na pandemia.

Congresso para um lado e presidente da República para outro, com promessas feitas em sua campanha eleitoral sabendo não ter votos parlamentares para cumpri-las, esparramam-se no populismo fiscal e em prebendas tributárias, cujas sequelas são os déficits crônicos orçamentários, o endividamento crescente e os juros obscenos.

É neste sentido que a sinalização das eleições municipais se une ao que começa a ser planejado para 2026. Se os partidos de centro foram bem votados, os de direita performaram sem ter que depender da liderança tóxica de Bolsonaro, o PT repetiu o resultado pífio de 2020 e a cláusula de barreira vai expurgar os menos votados, por que não ter candidato próprio para ser protagonista em 2026?

<><> Sarrafo democrático subiu

Na aritmética do voto, os partidos de centro e de direita foram escolhidos por 73,1 milhões de eleitores, representando mais de dois terços do total de 94,2 milhões de votos válidos. E são os seis primeiros na lista dos 10 partidos que conquistaram o maior número de prefeituras, pela ordem: PSD (888), MDB (865), PP (752), União Brasil (589), PL (523) e Republicanos (441).

Os partidos de esquerda tiveram 21,1 milhões de votos ou 22,4% do total entre os 10 mais votados no 1º turno. Em número de cidades, o PSB vem em 7º lugar (312 municípios), seguido do PSDB (276), PT (253) e PDT (151). Tirando-se o PSDB, que nem de centro-esquerda ainda é, o desempenho do bloco da esquerda foi constrangedor, em especial para o PT e a liderança de Lula. A equação de 26 é esta.

Lembro que a cláusula de barreira para acesso ao fundo eleitoral e espaço em rádio e TV está em vigor, sendo a presença municipal o alicerce para a eleição de deputados federais. Eles são a métrica da partilha desses dinheiros. Em 2026, para se habilitarem a essa dinheirama, os partidos terão de eleger, no mínimo, 13 deputados federais ou receber 2,5% dos votos para a Câmara. O sarrafo subiu.

<><> O caminho da superação

Em suma, como diz o sociólogo José de Souza Martins: “A revelação sociologicamente relevante da eleição [municipal] é a de que a esquerda tem dificuldade para atualizar sua compreensão dialética do que é o processo político no Brasil e do que é a relação entre práxis e realidade social, isto é, entre mudanças e transformações sociais e a consciência política que delas é necessário ter. Seu desafio é sair da mentalidade de 1960”.

É entre as demandas por ascensão social que as classes de renda baixa já não vislumbram nos programas oficiais ou de percepção de insegurança pública que vai trafegar a política daqui em diante.

Dois vencedores das atuais eleições deverão estar atentos a tais sentimentos: Gilberto Kassab, presidente do PSD, que se tornou o maior partido municipalista, e o governador Tarcísio de Freitas, sobretudo se o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, se reeleger contra Guilherme Boulos, do PSOL, com apoio de Lula e do PT.

Falta a eles, tal como a Lula, um programa arrebatador, capaz de superar a discussão insossa sobre as contas fiscais, ainda mais se puxadas por aumentos de impostos com carga tributária já recorde.

O empresariado consciente pode romper essa letargia. A prática os ensinou o caminho da superação. Mas só a política pode resolver.

 

•        Anatomia de uma derrota. Por Luis Felipe Miguel

Não é possível pintar com meias tintas o fracasso da esquerda no primeiro turno das eleições municipais. Com menos votos do que há quatro anos, conquistando poucos mandatos, minguando nos grandes centros, PT e PSOL foram grandes derrotados.

Enquanto isso, a extrema direita obteve vitórias importantes nas cidades grandes e os partidos da direita oportunista tradicional, conhecidos como “Centrão”, avançaram pelo país afora – impulsionados também pelo sequestro do orçamento público, na forma das emendas parlamentares. Mas o discurso de seus candidatos, convém lembrar, muitas vezes está alinhado a temas e abordagens similares aos do bolsonarismo.

Em São Paulo, Guilherme Boulos começou a campanha como favorito, mas foi emparedado pelo uso da máquina municipal e estadual em favor de Ricardo Nunes e depois sofreu com a campanha de agressões, mentiras e difamações colocada em marcha por Pablo Marçal.

No meio deste processo, o candidato se mostrou incapaz de fugir do enquadramento definido para ele por seus marqueteiros. O Boulos “paz e amor”, que fazia coraçãozinho ao lado da golpista redimida Marta Suplicy, parecia destemperado ao reagir aos golpes de Marçal. Com isso, permitiu o crescimento de Tabata Amaral, que sem ter sido jamais filiada ao falecido PSDB, é o último broto do tucanato, encarnando com perfeição o velho discurso gerencial e o “equilíbrio” desapaixonado. Essa incapacidade de reagir ao coach e simultaneamente desinflar a candidatura da deputada da Fundação Lemann quase custou a Boulos a chegada ao segundo turno.

Nem Marta, que mantém prestígio nas periferias paulistanas, nem o presidente Lula se mostraram capazes da transferência de votos que Boulos esperava. A “suavização” da imagem e a “moderação” do discurso, o receituário padrão aplicado para nomes da esquerda, apenas apagaram a personalidade do candidato, sem render votos. Foi uma campanha muito mais cara, mas com resultado inferior à do próprio Boulos em 2020, sem falar de Lula e Haddad em 2022.

Diante deste quadro, o que fazer? Não falta quem diga que a esquerda precisa se conectar com o “espírito dos tempos” para assim, pretensamente, voltar a conquistar as massas: empreendedorismo na veia, Jesus no coração, meritocracia na cabeça, punitivismo no fígado. Em suma, capitular ao enquadramento neoliberal e neoconservador que se tornou dominante.

Não creio que isso dê resultado – aliás, tem sido tentado, talvez não da maneira radical que alguns querem, mas ainda assim de forma consistente, com resultados pífios. Para provar, está aí Maria do Rosário, de Porto Alegre, que se esforçou para se reconstruir com um discurso conservador e se tornou outra “favorita” que por um triz não chegou no segundo turno.

De fato, se é para votar num discurso de direita, melhor escolher logo um candidato de direita, que o encarna com muito mais credibilidade.

Mas, como escreveu certa vez Gramsci: “A história ensina, mas não tem alunos”. Parece que estamos fadados a repetir, a cada vez, os mesmos erros.

A resposta oposta é que é necessário um discurso mais à esquerda, capaz de reativar os valores que definem nosso horizonte – igualdade, solidariedade, emancipação – e que seriam capazes de acordar uma base social latente.

Simpatizo mais com esta percepção, mas julgo que ainda é insuficiente.

A crise do discurso eleitoral da esquerda é só um sintoma. A raiz do problema está na própria centralidade absoluta conferida ao embate eleitoral, como se nós acreditássemos de fato no discurso que a democracia eleitoral apresenta sobre si mesma – de que o voto popular decide o exercício do poder e as “regras do jogo” imperam igualmente para todos.

A burguesia não acredita nisso, nem as igrejas, nem os meios de comunicação ou as big techs, nem os militares…

A grande armadilha da democracia eleitoral, aquilo que a transforma num instrumento muito mais de manutenção da ordem do que transformação radical da sociedade, é a redução do horizonte da política à conquista de votos. O eleitoralismo faz com que a única coisa que importe seja obter o melhor resultado na eleição que está chegando. Com isso, não existe possibilidade de acúmulo, não existe estímulo para a desconstrução das representações hegemônicas do mundo social. Sempre é mais proveitoso remar a favor da correnteza, mesmo que essa correnteza seja conservadora, individualista, contrária aos interesses dos trabalhadores e dos grupos dominados em geral.

No Brasil, isto é acentuado pela urgência – real – de combater o bolsonarismo. Em nome desse combate, o discurso político da esquerda é sempre rebaixado. Temos que chegar no eleitor de “centro”, temos que cuidar para não assustar o evangélico conservador ou aquele que é vítima do discurso do empreendedorismo ou aquele que foi doutrinado nos valores da família tradicional e assim por diante.

O enfrentamento é sempre adiado para um próximo momento, mas esse momento obviamente nunca vem, porque temos uma eleição após a outra.

Não há nunca um momento para educação política, para a disputa, para a elevação da consciência. É só adaptação, acomodação, capitulação. E daí na eleição seguinte vamos ter que recuar ainda mais, até porque, se tem uma coisa que a direita está fazendo hoje, é a desconstrução de todos os valores ético-políticos que um dia a gente achou que tinha conseguido firmar minimamente.

O objetivo da esquerda não é ganhar eleições. É mudar o mundo. Ganhar eleição pode ser um instrumento, nunca uma finalidade.

Enquanto o momento eleitoral não for enquadrado como parte de uma estratégia política mais ampla, isto é, entendido como parte de uma luta que não se reduz à manutenção ou obtenção de mandatos, a esquerda não será capaz de obter qualquer vitória sólida.

 

•        Simulação da Quaest sobre disputa presidencial expõe o atual racha da direita

Uma nova pesquisa da Quaest, divulgada neste domingo (13), mostra a interferência significativa de uma eventual candidatura do influenciador Pablo Marçal (PRTB) à Presidência da República em 2026.

Se as eleições presidenciais fossem hoje, os eleitores de direita e extrema-direita estariam divididos entre Marçal e Tarcísio de Freitas (Republicanos), atual governador de São Paulo e um dos nomes cotados para substituir o inelegível Jair Bolsonaro (PL)  nas urnas.

No cenário simulado pela Quaest, Marçal e Tarcísio estão tecnicamente empatados em segundo lugar, com 18% e 15% dos votos, respectivamente. O presidente Lula (PT), a principal aposta do campo progressista, vence a reeleição com 32%.

<><> O racha da direita diante da ascensão de Marçal

Indo mais a fundo, a pesquisa deixa claro o atual racha da direita e extrema-direita, após a campanha eleitoral polêmica de Marçal pela Prefeitura de São Paulo. Enquanto Lula conserva 71% dos eleitores que votaram nele no segundo turno de 2022, os votos daqueles que apostaram em Bolsonaro se diluem entre Marçal (33%) e Tarcísio (32%). Indecisos em relação ao petista somam 11%, já no caso do ex-presidente o índice chega a 18%.

Marçal também mostra que está crescendo a partir da percepção do eleitor de quem seria o candidato “mais forte” contra Lula. Neste caso, o influenciador contabiliza 15%, tecnicamente empatado com Tarcísio (13%) e com a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (12%).

Na rede social X, o diretor da Quaest, Felipe Nunes, ressaltou que “os dados da pesquisa apontam para duas consequências das eleições deste ano pensando em 2026: (1) Marçal conseguiu nacionalizar seu nome com a nacionalização da campanha de SP, e (2) dentro do eleitorado anti-petista de 2022, surgiu um novo nome para disputar o espólio de Bolsonaro”.

Mais da metade dizem que Lula não deve se reeleger

O levantamento também mostra que de julho a outubro cresceu o percentual de brasileiros que acham que Lula não deveria ser candidato à reeleição. Hoje, 58% dizem que o petista não deve se reeleger, enquanto 40% acreditam que ele deveria concorrer. Outros 2% não souberam ou não responderam.

<><> Sobre a pesquisa

A Quaest entrevistou 2.000 eleitores em todo país, entre 25 e 29 de setembro, dois dias antes das eleições municipais. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, com um nível de confiança de 95%.

 

Fonte: Jornal GGN/Blog da Boitempo

 

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