Como antiga 'Martalândia' virou reduto de
Nunes, segundo eleitores: 'PT já não é mais um partido de esquerda'
O funcionário público
e comerciante Ednilson Santos, 40, é filiado ao PT há 24 anos. Mas já não vota
na sigla desde 2010.
"O partido não
serve mais aos interesses da sociedade", diz ele. "Hoje voto em quem
tem a melhor proposta para nós."
Santos vive e trabalha
na região de Marsilac, no extremo sul da cidade de São Paulo.
Os bairros que compõem
a região têm um histórico de votar nos candidatos do PT nas eleições
presidenciais e municipais - ou em Marta Suplicy, se a ex-prefeita pelo partido
e atual vice de Boulos estiver na disputa.
No entanto, neste ano,
não foi isso que aconteceu. Quem mais recebeu votos ali foi o prefeito e
candidato à reeleição Ricardo Nunes (MDB), em quem Santos votou no primeiro
turno e diz que votará novamente no segundo turno, no próximo dia 27.
"Ele conseguiu
dar sequência a um trabalho que já vinha sendo feito e, além disso, fica longe
de polêmicas", afirmou.
O resultado foi um
revés para a campanha de Guilherme Boulos (PSOL). Seus estrategistas se fiavam
tanto em Marta como cabo eleitoral como também na força do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva ali.
Em bairros da zona
sul, Lula obteve cerca de um terço do eleitorado da cidade inteira, índices
decisivos para sua vitória de 53,54% dos votos, contra 46,46% de Jair
Bolsonaro, na cidade de São Paulo em 2022.
A zona sul foi onde
Marta obteve sua maior votação quando eleita prefeita, em 2000.
Em 2016, quando ela
concorreu pelo MDB e a disputa foi vencida facilmente por João Dória (PSDB), os
únicos lugares em que Marta saiu vitoriosa foram no extremo da zona sul:
Parelheiros e Grajaú.
Foi nessa região que
ela deixou uma marca até hoje lembrada por moradores, como a construção dos
primeiros Centros Educacionais Unificados (CEU) e o Bilhete Único do transporte
público, que integra metrô, ônibus e trens.
"A Marta tem uma
marca forte aqui, com as creches, os CEUs, os corredores de ônibus. Não há fake
news capaz de derrubar isso", afirmou Fernando José de Souza, 52,
conhecido como Fernando Bike.
Ele vive em Marsilac
há quase 30 anos, e já foi filiado ao PT. Hoje, milita pelo PSOL. Para ele,
quem se lembra dos feitos de Marta "é um público mais velho".
"Os jovens não sabem."
Mas é possível reviver
ali esse apelo? A campanha de Boulos acredita que sim, especialmente aumentando
a até agora discreta presença de Marta e também de Lula.
Analistas apontam, no
entanto, os limites da estratégia para um segundo turno em que Nunes larga com
grande vantagem - e enquanto nomes à esquerda dentro e fora do PT discutem como
reconquistar as periferias das grandes cidades e digerem os resultados gerais
das municipais.
De acordo com
levantamento do Instituto Datafolha publicado na quinta-feira (10/10), Nunes
tem 55% das intenções de voto, enquanto Boulos tem 33%.
A pesquisa trouxe
ainda um dado preocupante para a campanha de Boulos e Marta: 31% dos que
declaram ter votado em Lula em 2022 dizem preferir Nunes.
·
A memória de Marta ainda basta?
A figura de Marta
Suplicy, que foi prefeita entre 2001 e 2004 pelo PT, é bastante consolidada na
memória do paulistano.
Em uma pesquisa
realizada pelo Instituto Datafolha em março deste ano, a ex-prefeita petista
pontuou mais que qualquer outro político em um levantamento sobre o melhor
prefeito da cidade nos últimos 40 anos.
No total, 16% dos
entrevistados mencionam a petista, seguida por Paulo Maluf, com 13%, e,
empatados com 11%, Mario Covas, Luiza Erundina e Fernando Haddad.
Mas, ao menos no
primeiro turno, a presença de Marta não foi capaz de assegurar uma distância
mais folgada entre Boulos e o terceiro colocado, Pablo Marçal (PRTB). Houve
entre os dois uma diferença de 56.853 votos, menos de 1% do total de votos da
cidade.
O fato de ter Marta
Suplicy como vice também não garantiu a maioria dos votos em bairros que
historicamente votavam no PT.
O mapa do primeiro
turno na cidade de São Paulo mostrou que os bairros onde Boulos teve mais votos
estão, em sua maioria, no centro e em alguns pontos da zona leste e da zona
sudoeste, onde ele mora.
Ainda assim, para a
dona de casa Patrícia Fernandes Luz, 33, que vive em Marsilac há 15 anos, a
figura de Marta Suplicy na chapa é "muito positiva". "Muita
gente votou no Boulos por causa dela", diz.
Mas, de acordo com um
levantamento realizado pelo jornal O Globo com base no registro digital dos
votos das urnas de São Paulo, 48,1 mil eleitores apertaram o 13, que é o número
do PT, no primeiro turno, o que levou à anulação do voto.
De um lado, isso
representaria quase o dobro dos votos que separaram Nunes de Boulos no primeiro
turno.
Por outro lado, mostra
o recall que Marta ainda tem, de acordo com Tathiana Chicarino, cientista
política e coordenadora da graduação de sociologia e política da Fundação
Escola de Sociologia e Política (FESP) de São Paulo.
"Quase 50 mil
eleitores votaram 13, isso mostra o quanto a Marta ainda é vista como uma
presença importante", afirma.
Outra possibilidade
levantada para a grande quantidade de votos no 13 seria uma possível crença,
entre muitos eleitores, de que Boulos pertence ao mesmo partido que Lula, que
apoia sua candidatura.
Mas a especialista
pondera que a validação da petista tem obstáculos no caminho. "Marta tem a
melhor avaliação de gestão dos últimos 40 anos, no entanto, não foi
reeleita", diz Tathiana.
Ela se refere à
campanha de 2004 para a prefeitura, quando a petista tinha o apoio do
presidente Lula - que estava ainda em seu primeiro mandato e não havia sido
afetado por escândalos de corrupção como o Mensalão e a Lava Jato - e mesmo
assim, perdeu.
Depois disso, Marta
ainda tentou se eleger como prefeita duas vezes e não conseguiu. "Ou seja,
essa transferência do prestígio não é tão simples", afirma Tathiana.
·
'Martalândia' e o tempo
Marta filiou-se ao PT
um ano após a fundação do partido, em 1981, e ficou até 2015. Naquele ano, como
senadora, ela votou a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff
(PT), rompendo completamente com a sigla.
Depois disso, passou
pelo MDB, onde tentou por duas vezes se eleger prefeita em São Paulo, e pelo
Solidariedade, formando parte do governo de Bruno Covas (PSDB), e depois de
Nunes, como secretária de Assuntos Internacionais e Federativos.
Durante a campanha,
tanto Nunes quanto Boulos não comentaram a participação dela no governo do
emedebista.
No início deste ano,
Marta voltou ao PT, incensada em um ato político pelo presidente Lula, que já
articulava a chapa com Boulos em São Paulo.
No fim de fevereiro,
ainda como pré-candidatos, Marta e Boulos escolheram o bairro de Parelheiros
para realizar a primeira agenda pública de pré-campanha. A região, que faz
divisa com Marsilac, é apelidada de "Martalândia", devido ao
desempenho da ex-prefeita no local na eleição de 2000. Na campanha, no entanto,
foi discreta. Poucas entrevistas, poucos eventos.
Neste ano, Nunes
obteve pouco mais de 4 mil votos ali.
Tathiana afirma que
essa diferença reflete mais o sucesso da campanha de Nunes e menos um suposto
fracasso na campanha de Boulos.
"A região é
reduto do Nunes, e, além disso, houve muita participação do presidente da
Câmara dos Vereadores, Milton Leite (União Brasil), na campanha."
Vereador há mais de 20
anos, Leite tem seu principal reduto na zona sul de São Paulo.
É por isso que a briga
para ver quem impõe sua cor nos mapas da cidade definiram parte da estratégia
de campanha para o segundo turno.
A participação da
família Tatto, políticos históricos do PT em São Paulo, com forte presença na
zona sul, faz parte do plano do partido para impor sua cor.
"Vamos dar ênfase
maior nas realizações dos governos do PT na cidade, em especial o da
Marta", afirmou à BBC News Brasil o deputado federal Nilto Tatto (PT).
O resgate do legado do
PT na cidade, especialmente o da Marta, esbarra, no entanto, no tempo. Seu
governo ocorreu há mais de 20 anos. Muitos dos eleitores jovens - a grande base
de Pablo Marçal - não se lembram desses feitos.
"Desde quando a
Marta saiu da prefeitura houve uma mudança do eleitorado", lembra
Tathiana. "Cabe à campanha agora identificar quem são esses eleitores
possíveis de serem convertidos."
A batalha da
"reconquista" da periferia não se dá só em São Paulo.
Em Fortaleza, o
candidato apoiado por Bolsonaro, André Fernandes (PL), venceu o petista Evandro
Leitão (PT) em boa parte das zonas periféricas, redutos consolidados do PT ou
aliados desde os anos 2000.
Nesta semana, Lara
Mesquita, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da
Fundação Getulio Vargas (FGV Cepesp), avaliou em entrevista à BBC News Brasil
que os resultados das eleições municipais nas grandes cidades, onde o PL de
Bolsonaro foi bem, podem estar desenhando "uma mudança de prioridades dos
eleitores mais pobres".
·
Formação da zona sul e esquerda
Fernando Bike, morador
de Marsilac e liderança política do bairro, diz que a história da região com a
esquerda começa em 1988, quando Luiza Erundina, hoje no PSOL, é eleita prefeita
pelo PT. "A Erundina atendia à necessidade das pessoas", diz ele.
Em 1992, Paulo Maluf
(PP) é eleito e dá início a uma série de obras na cidade. Muitas delas, feitas
após a remoção de moradores dos terrenos.
"Essas pessoas
removidas acabaram vindo para a franja da cidade, ou seja, o extremo sul,
fortalecendo os movimentos de moradia e criando um ranço com a direita",
diz Fernando. Para ele, é por isso que a região sempre foi um reduto histórico
do PT.
Com o passar do tempo,
no entanto, Fernando acredita que o partido se distanciou das suas bases,
abrindo espaço para que outras forças disputassem o eleitorado. "O PT
virou uma máquina de eleição e se esqueceu da formação política. Por isso foi
perdendo a base", diz.
"Por outro lado,
Nunes tem influência aqui devido às creches que ele inaugurou e pelas
pavimentações que ele, estrategicamente, fez em todo o bairro", diz.
"O sonho de consumo aqui era ter asfalto na rua."
Patrícia é um exemplo
dessa distância que Fernando diz existir entre o PT e seus eleitores. "Eu
voto no PT, mas não é mais um partido de esquerda. Eu não vejo diferença com o
governo Lula, a conta de luz não baixou, a comida não está mais barata",
afirma.
A presença de Lula na
campanha, que no primeiro turno se limitou a uma caminhada na avenida Paulista
na véspera da eleição, além de programas na TV, tem sido medida na balança.
"O Lula pode
ajudar a puxar mais o voto da esquerda para o Boulos, mas, por outro lado, pode
também repelir o eleitor que votou na Tábata Amaral (PSB) ou no Marçal",
afirma o cientista político Rafael Cortez.
A disputa pelo eleitor
de Marçal também está na estratégia de ambas as campanhas. O PT utilizará o
sentimento de indignação para atrair esse voto.
"Os eleitores do
Marçal estão indignados e quem está indignado quer mudança", afirmou à BBC
News Brasil a vereadora reeleita Luna Zarattini (PT).
Patrícia explica esse
sentimento vivido na pele. Para ela, quem votou em Marçal é movido pelo
"sentimento de revolta". "Ele diz que as pessoas vão ficar
ricas. Nós estamos na periferia, todo mundo quer ficar rico. É claro que vão
votar nele."
¨ Ala do PT se irrita com PSOL por esconder Marta no primeiro
turno e já prevê derrota
Uma ala do Partido dos
Trabalhadores demonstra insatisfação com a campanha de Guilherme Boulos (PSOL)
à Prefeitura de São Paulo. Isso porque, na avaliação do grupo, Marta Suplicy
(PT) deveria ter sido mais aproveitada no primeiro turno para atrair votos na
periferia paulistana. Neste momento, e diante das pesquisas, dizem acreditar em
uma derrota da esquerda no segundo turno.
Na zona sul da cidade,
Ricardo Nunes (MDB) venceu na maioria dos colégios eleitorais. A região é
conhecida por ser um reduto petista pelo bom desempenho dos candidatos à
esquerda nas eleições passadas. A derrota naquela área da capital paulista
pegou petistas de surpresa. Procurada, a campanha de Boulos não se manifestou
até o momento.
O destaque dado pela
campanha de Boulos para Marta no programa eleitoral desta sexta-feira, 11, foi
classificado como tardio. Uma integrante do PT disse ao Estadão que "só
agora perceberam a importância de destacar o legado da Marta".
Outro incomodo dos
petistas é a maior presença da também ex-prefeita Luiza Erundina. Para uma
integrante do PT, o PSOL teria tentado ofuscar Marta dando mais destaque para
Erundina do que para ela. As duas ex-prefeitas não possuem boa relação.
A ala petista também
gostaria de ter opinado mais. Segundo o grupo, a experiência de outras
campanhas municipais teria ajudado Boulos a aparecer mais para evitar os quase
50 mil votos nulos porque eleitores apertaram 13 na urna.
A atual eleição é a
primeira que o PT abre mão da cabeça de chapa. Fundado em 1980, o partido
disputou a eleição municipal paulistana com nome próprio nas urnas de 1985 a
2020. No período, venceu com Erundina (1988), Marta (2000) e Fernando Haddad
(2012).
Na maioria das vezes,
mesmo com derrota, o PT se destacou. Terminou em segundo lugar em 1992 (com
Eduardo Suplicy), 1996 (Erundina), 2004 e 2008 (Marta) e 2016 (Haddad).
Fonte: BBC News Brasil/Agencia
Estado
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