Alex Solnik: ‘A direita perdeu o medo de
enfrentar Lula em 2026’
Lula se elegeu em 2022
amparado no sucesso de seus governos anteriores e, sobretudo, na polarização.
O candidato do Bem
contra o candidato do Mal. O democrata de quatro costados contra um porralouca
de extrema-direita. O humanista contra o negacionista. O progressista contra o
reacionário. O iluminista contra o homem de Neanderthal.
Em 2026, Bolsonaro não
será seu adversário, pois está inelegível. Nem Pablo Marçal, que caiu nas
graças da Faria Lima, mas até lá terá o mesmo destino de Bolsonaro.
Com quem, então, Lula
irá polarizar? Quem será o candidato do Mal? E sem polarizar tem chance de
ganhar mais uma vez?
Antes de se abrirem as
urnas municipais, havia um mantra entre políticos, jornalistas e sociólogos:
Lula é imbatível, quem sonha com o Planalto deve adiar os planos para 2030.
Mas as urnas mostraram
uma outra realidade. A polarização perdeu. Nem Lula, nem Bolsonaro, nem juntos,
elegeram tantos prefeitos quanto Kassab, com seu PSD e a coisa fica ainda pior
se forem somados os prefeitos eleitos por todos os partidos do chamado centrão,
que não se diz nem de direita, nem de esquerda, muito pelo contrário, mas que
faz parte, é claro, da direita que não caiu nos braços de Bolsonaro.
Não demorou muito para
Kassab mostrar em público seu cacife, já sair dizendo que Lula não será capaz
de manter nas eleições de 2026 a aliança com que governa e já lançou Ratinho
Jr., governador que elegeu a maioria de prefeitos no Paraná, para sucedê-lo.
A direita perdeu o
medo de enfrentar Lula em 2026.
Isso vai desencadear
uma guerra para escolher o candidato da direita tão bom de votos quanto Lula.
É uma guerra inútil,
porque esse candidato não existe.
Não adianta apenas um
para ganhar de Lula.
Tal como aconteceu em
São Paulo, quando há dois candidatos bem votados no mesmo campo ideológico, um
deles vai ao segundo turno e os eleitores do outro garantem sua vitória final.
Tal como para derrotar
Boulos em São Paulo, a direita contou com Nunes e Marçal, vai precisar de dois
candidatos fortes para derrotar Lula.
• A classe dominante já se mobiliza contra
Lula e começa a formar a frente ampla de centro-direita
O resultado do
primeiro turno das eleições municipais pôs a nu algumas estratégias dos agentes
políticos. Já se fazem evidentes alinhamentos de classe visando à eleição
presidencial de 2026. O sentido geral do resultado das eleições municipais
constitui objeto de disputa política.
Chama atenção a
sofreguidão com que a mídia conservadora, mas não só ela, se dedica a querer
consolidar a leitura de um presidente Lula derrotado.
Por óbvio, tal
açodamento evidencia a intenção mal disfarçada de influenciar, desde já, os
rumos da eleição presidencial de 2026.
De acordo com números
que surgiram das urnas, não há como negar que os partidos de centro obtiveram o
maior crescimento.
Os partidos que
comandarão o maior número de prefeituras são próximos do Centrão: PSD (882),
MDB (856), PP (748), União (585) e Republicanos (436). O PL, de
extrema-direita, aumentou sua representação para 512 prefeituras.
O PT elegeu 248
prefeitos no primeiro turno e continua na disputa em 13 cidades, incluindo
quatro capitais: Fortaleza, Porto Alegre, Natal e Cuiabá. Em comparação com o
resultado obtido quatro anos atrás, quando o partido elegeu 182 prefeitos e não
conquistou nenhuma capital, houve um crescimento significativo pelo fato de que
o partido não apenas interrompeu a queda como conseguiu aumentar o número de
suas prefeituras. Disputa agora quatro segundos turnos em capitais, quando em
2020 havia ido a apenas dois.
Em coligações, o PT
disputa nove segundos turnos. Conseguiu ampliar sua bancada total de vereadores
para 3.127, 460 a mais.
São números que
mostram um partido que segue se reproduzindo e ramificando, em meio a
preconceitos, incompreensões e a um resíduo importante de desgastes resultantes
de perseguições e campanhas judiciais e midiáticas. O PT resistiu em meio a
farsas como o Mensalão e a Lava Jato. Sobreviveu ao golpe contra Dilma Rousseff
e à prisão política destinada a retirar Lula das eleições de 2018. Sobreviveu a
Bolsonaro e derrotou-o nas urnas.
Já virou lugar-comum
analítico anunciar a decadência do PT, desde sua fundação. Agora isso se repete
em cascatas de manchetes e análises. Confrontado com os números desta eleição,
um pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Eduardo Grin, cunhou a expressão de
que o PT "perdeu ganhando".
Não há como pensar,
portanto, numa avaliação inteiramente "neutra" dessas eleições, como
se elas pudessem ser encaradas à margem de seus reflexos sobre a correlação de
forças, sem visar composições para a próxima eleição.
A classe dominante
apressa-se a estimular a ideia da formação de uma frente ampla de
centro-direita. A coligação de partidos que conseguiu levar Ricardo Nunes (MDB)
ao segundo turno em São Paulo e o fato de o ex-presidente Jair Bolsonaro estar
inelegível fizeram a elite econômica brasileira se animar com a possibilidade
de emplacar o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na presidência em
2026.
Consciente desse
movimento, o presidente Lula, cauteloso, evita conflitos e faz acenos aos
partidos de centro e direita de sua base.
Os resultados do
segundo turno revestem-se, então, de especial importância, pois terão
influência sobre a aceleração ou não da dinâmica eleitoral de 2026.
Precipitá-la de
maneira tão prematura só interessa aos que desejam fazer oposição, mesmo que à
custa dos interesses do país. Sabem que Lula realiza um excelente governo, com
inflação controlada, desemprego em baixa e crescimento econômico acima das
previsões. A eles interessa criar a narrativa de um governo federal que saiu da
eleição mais fraco e sem apoio. Mergulhar o Brasil num clima eleitoral
antecipado pode ser a maneira de tentar tumultuar um governo que vai tão bem.
• Golpe semipresidencialista de
centro-direita joga esquerda na armadilha da derrota eleitoral. Por César
Fonseca
Semipresidencialismo,
implementado pela maioria congressista conservadora de direita e ultradireita,
é, na prática, o golpe neoliberal que bloqueia desenvolvimentismo.
O neoliberalismo
ganhou força com os governos de direita e ultradireita Temer e Bolsonaro, de
2016 a 2022.
Em oito anos, as
reformas neoliberais de direita-ultradireita, desbancou ideologicamente a
esquerda e levou a sociedade para o centro e direita.
O centro-esquerda
entrou em colapso com o arcabouço fiscal antidesenvolmentista.
A amarração de uma
maioria congressual superconservadora pró-fascismo com o mercado financeiro
para sustentar a ortodoxia neoliberal apregoada pela Faria Lima e executada
pelo Banco Central “independente” configurou o golpe político neoliberal com
semipresidencialismo.
O semiparlamentarismo
inconstitucional, mediante maioria parlamentar conservadora, anulou o
presidencialismo constitucional e o inviabilizou política econômica
desenvolvimentista sem a qual a esquerda não ganha eleição.
Seria repetir a
história do PSDB que entrou em derrocada ao abandonar a socialdemocracia para
apoiar a direita e a ultradireita para conduzir Bolsonaro ao poder em 2018.
O resultado, nos dois
primeiros anos de governo lulista, foi a recente vitória eleitoral do
centro-direita, desbancando o centro-esquerda, com o qual Lula construiu o
terceiro mandato.
• Usurpação de poder
O Congresso
semipresidencialista – ou semiparlamentarista – usurpou as prerrogativas do
Executivo e alterou e fortaleceu, agora, com a vitória nas urnas, a correlação
de forças a seu favor.
O executivo, sem os
seus poderes, usurpados pelo semipresidencialismo, executa a política econômica
da direita e ultradireita - expressa no arcabouço fiscal neoliberal - que o
condena à derrota eleitoral.
Ficou prisioneiro da
manipulação semipresidencial semiparlamentarista, amplamente apoiada pela mídia
conservadora pró-juro alto, pró-antidesenvolvimento.
O golpe do
sempresencialismo, portanto, é o poder em cena contra a Constituição de 1988,
que consagra constitucionalidade não ao semiparlamentarismo golpista, mas ao
presidencialismo constitucional.
O golpe
semiparlamentarista inverteu os termos da equação no regime republicano
tupiniquim.
O presidencialismo
constitucional está cumprindo ordens do semipresidencialismo inconstitucional
que o leva ao colapso eleitoral.
O semipresidencialismo
transformou o Congresso em poder executivo e o poder executivo em apêndice do
Legislativo, a executar programa dos adversários do governo por meio das
emendas parlamentares, garantidas por maioria conservadora.
O centro-direita e a
ultradireita ganham os frutos políticos por meio das emendas parlamentares
executadas pelo governo politicamente adversário, como acaba de ficar
comprovado com o resultado eleitoral.
A direita e a
ultradireita, no modus operandi fascista, inconstitucional, por essa
estratégia, institucionalizou a compra do voto pela manipulação ideológica
ancorada em Deus, Pátria, Família, Liberdade, contra a esquerda taxada de
comunista, mas que, na verdade, está fazendo política de direita no contexto do
ajuste econômico neoliberal antidesenvolvimentista.
O trabalho da direita
e ultradireita no comando do semipresidencialismo será sempre o de garantir
maioria parlamentar para continuar executando o jogo das emendas parlamentares
que anula eleitoralmente o executivo generalizadamente taxado de comunista.
• Jessé Souza critica estratégia
identitária da esquerda e vê avanço da direita nas periferias
O sociólogo Jessé
Souza, autor de “O pobre de direita — a vingança dos bastardos”, concedeu
entrevista ao jornal O Globo na qual analisa o fenômeno do apoio de camadas
populares ao bolsonarismo e critica a postura dos partidos de esquerda nas
últimas eleições. Souza, que já presidiu o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) no governo Dilma Rousseff, destaca a combinação entre racismo
regional e a inação da esquerda como fatores centrais para entender o apelo do
ex-presidente Jair Bolsonaro e de figuras como Pablo Marçal, especialmente nas
periferias de São Paulo.
Segundo o sociólogo, a
adesão de muitos eleitores pobres à direita é marcada pela influência das
igrejas evangélicas e pela disseminação de valores neoliberais e reacionários,
muitas vezes promovidos pela Teologia da Prosperidade. Ele explica que, ao não
disputar narrativas e deixar de lado o trabalho de base nas periferias, a
esquerda abriu espaço para que esse discurso ganhasse força. “Passamos por um
processo de idiotização das pessoas e de inação dos que deveriam fazer um
trabalho de base de qualidade”, lamenta Souza.
Os números mostram que
a falta de engajamento da esquerda em dialogar com as comunidades periféricas
tem um custo eleitoral. Souza menciona a dificuldade de candidatos como
Guilherme Boulos (PSOL) em conquistar votos nas franjas da cidade de São Paulo,
onde predominam eleitores que se identificam mais com o discurso de candidatos
de direita.
Além disso, Jessé
Souza destaca que o bolsonarismo encontra terreno fértil nas regiões sulistas e
paulistas, onde há uma maior identificação racial com Bolsonaro. “O pobre de
direita de São Paulo ao Rio Grande do Sul vê no ex-presidente Jair Bolsonaro um
semelhante”, explica. Ele também aponta que o ressentimento e a frustração
econômica levam esses eleitores a adotar uma postura moralista e a culpar
outros grupos sociais, como nordestinos e beneficiários do Bolsa Família.
Na entrevista, Souza
também critica a abordagem identitária adotada pela esquerda, considerando-a um
“erro completo”. Ele defende que a esquerda precisa, além de pautas de gênero e
raça, retomar um diálogo que explique as desigualdades econômicas e as limitações
estruturais enfrentadas pela maioria pobre. Para ele, isso inclui entender que
o mérito individual, promovido pelo discurso neoliberal, não pode ser a única
resposta à questão social.
O sociólogo alerta
ainda para a crescente influência de líderes religiosos como Pablo Marçal, que
souberam capturar o imaginário popular. Marçal é descrito como um “político
Bets”, capaz de traduzir os anseios de um eleitorado que busca uma saída mágica
para as dificuldades econômicas. “Marçal se tornou referência nacional e me
chamou atenção a irmandade de sua visão de mundo com a da Faria Lima, uma
aliança extremamente perigosa ao unir muito dinheiro a muita penetração
popular”, diz Souza.
Ao final, o sociólogo
defende um reposicionamento da esquerda, inspirado na herança de Getúlio
Vargas, para reconquistar a confiança dos eleitores mais pobres. “Validar esse
pobre é importante. É o que Getúlio fez, inclusive do ponto de vista racial”,
argumenta, ressaltando que a esquerda precisa oferecer mais do que políticas
assistencialistas: deve trabalhar para restaurar a dignidade dos marginalizados
e explicar as verdadeiras raízes das injustiças sociais. Caso contrário, Souza
acredita que o avanço do bolsonarismo e de novos representantes da extrema
direita, como Marçal, poderá ser irreversível.
• Lula irá nos salvar de novo. Por Moisés
Mendes
Ainda circula pelo
Brasil todo, como consolo chato e pegajoso, a conversa de que eleição municipal
é uma coisa e eleição para presidente é outra. Mas o que existe, no miolo dessa
história cansativa, é uma tentativa de menosprezar derrotas e continuar terceirizando
pequenas e grandes missões.
Quem acolhe e
dissemina essa conversa ajuda a espargir o autoengano de que as esquerdas não
foram tão derrotadas. E tenta vender de novo a ideia de que em 2026 Lula dará
um jeito. Deixem que Lula resolve.
Se as cidades não
conseguiram deter o avanço de direita e extrema direita, muita gente se
defende, para começo de argumentação, tentando subestimar essa avalanche.
Primeiro, com a tese
vencida de que a eleição municipal fica em outro compartimento. E que a eleição
que vale mesmo é a que terá de reeleger Lula. Subestimam as forças mobilizadas
numa eleição municipal e que vão desaguar, em forma de mais poder, em Brasília.
Por isso tentamos nos
acalmar dizendo que foram o centro e a direita, e não a extrema direita, que
venceram a eleição. Que o PT está avariado e envelhecido mas está vivo, porque
até cresceu um pouco, e que Bolsonaro é um perdedor protegido pela performance
do PL.
Nunca, depois de uma
eleição, foram tantas as divergências sobre o que afinal aconteceu nos
municípios. Assim, o PT está quase salvo ou está quase morto, e Bolsonaro pode
estar morto se fazendo de vivo.
E Lula? Já nos avisam
que Lula vai nos salvar. Como a eleição municipal seria uma coisa distante da
eleição que importa mesmo, que é a de 2026 para presidente, é só esperar mais
dois anos e tudo estará resolvido.
Antes, chegam a pedir
que Lula pare de governar e passe a morar em São Paulo, como cabo eleitoral,
para salvar Boulos e as esquerdas, porque em São Paulo a situação é diferente.
Esses números do
Datafolha podem ajudar a entender o desespero dos que olham para o umbigo
paulistano e entregam o segundo turno de todo o resto nas mãos do destino.
Ricardo Nunes tem 85% dos eleitores de Bolsonaro, e Boulos tem 63% dos
eleitores de Lula. E mais: 4% dos eleitores de Bolsonaro vão votar em Boulos, e
31% dos eleitores de Lula votam em Nunes.
Nunes, uma alface sem
sal e vinagre adotada pelo bolsonarismo, fideliza mais os votos de Bolsonaro, e
ainda atrai mais os votos dos eleitores de Lula, do que Boulos fideliza os
votos de eleitores do presidente.
Dirão os consoladores
que Boulos não é PT e que o eleitor não faz a conexão do candidato com Lula.
Subestimam a capacidade de discernimento de parte relevante do eleitor lulista,
sem admitir que esses 31% querem votar em Nunes.
E assim, se Lula é há
muito tempo maior do que o PT e todas as esquerdas somadas, e se um terço dos
eleitores vota no candidato da direita, a recomendação é para que Lula acampe
em São Paulo e saia gritando pelo Campo Limpo: votem em Boulos e vocês estarão
votando em mim.
É mais um
constrangimento que as esquerdas não esperavam enfrentar. Depreciam as eleições
em cidades médias e grandes, tomadas pela direita, e convocam Lula para a
salvação em São Paulo. O que importa é o milagre paulistano.
E 2026 é logo ali.
Lula estará sempre pronto para nos socorrer. Transformaram Lula num Batman.
Como muitos já transformaram Alexandre de Moraes num Homem-Aranha. As esquerdas
passam a depender dos super-heróis.
Fonte: Brasil 247
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