terça-feira, 15 de outubro de 2024

Alex Solnik: ‘A direita perdeu o medo de enfrentar Lula em 2026’

Lula se elegeu em 2022 amparado no sucesso de seus governos anteriores e, sobretudo, na polarização.

O candidato do Bem contra o candidato do Mal. O democrata de quatro costados contra um porralouca de extrema-direita. O humanista contra o negacionista. O progressista contra o reacionário. O iluminista contra o homem de Neanderthal.

Em 2026, Bolsonaro não será seu adversário, pois está inelegível. Nem Pablo Marçal, que caiu nas graças da Faria Lima, mas até lá terá o mesmo destino de Bolsonaro.

Com quem, então, Lula irá polarizar? Quem será o candidato do Mal? E sem polarizar tem chance de ganhar mais uma vez?

Antes de se abrirem as urnas municipais, havia um mantra entre políticos, jornalistas e sociólogos: Lula é imbatível, quem sonha com o Planalto deve adiar os planos para 2030.

Mas as urnas mostraram uma outra realidade. A polarização perdeu. Nem Lula, nem Bolsonaro, nem juntos, elegeram tantos prefeitos quanto Kassab, com seu PSD e a coisa fica ainda pior se forem somados os prefeitos eleitos por todos os partidos do chamado centrão, que não se diz nem de direita, nem de esquerda, muito pelo contrário, mas que faz parte, é claro, da direita que não caiu nos braços de Bolsonaro.

Não demorou muito para Kassab mostrar em público seu cacife, já sair dizendo que Lula não será capaz de manter nas eleições de 2026 a aliança com que governa e já lançou Ratinho Jr., governador que elegeu a maioria de prefeitos no Paraná, para sucedê-lo.   

A direita perdeu o medo de enfrentar Lula em 2026.

Isso vai desencadear uma guerra para escolher o candidato da direita tão bom de votos quanto Lula.

É uma guerra inútil, porque esse candidato não existe.

Não adianta apenas um para ganhar de Lula.

Tal como aconteceu em São Paulo, quando há dois candidatos bem votados no mesmo campo ideológico, um deles vai ao segundo turno e os eleitores do outro garantem sua vitória final.

Tal como para derrotar Boulos em São Paulo, a direita contou com Nunes e Marçal, vai precisar de dois candidatos fortes para derrotar Lula.

 

•        A classe dominante já se mobiliza contra Lula e começa a formar a frente ampla de centro-direita

O resultado do primeiro turno das eleições municipais pôs a nu algumas estratégias dos agentes políticos. Já se fazem evidentes alinhamentos de classe visando à eleição presidencial de 2026. O sentido geral do resultado das eleições municipais constitui objeto de disputa política.

Chama atenção a sofreguidão com que a mídia conservadora, mas não só ela, se dedica a querer consolidar a leitura de um presidente Lula derrotado.

Por óbvio, tal açodamento evidencia a intenção mal disfarçada de influenciar, desde já, os rumos da eleição presidencial de 2026.

De acordo com números que surgiram das urnas, não há como negar que os partidos de centro obtiveram o maior crescimento.

Os partidos que comandarão o maior número de prefeituras são próximos do Centrão: PSD (882), MDB (856), PP (748), União (585) e Republicanos (436). O PL, de extrema-direita, aumentou sua representação para 512 prefeituras.

O PT elegeu 248 prefeitos no primeiro turno e continua na disputa em 13 cidades, incluindo quatro capitais: Fortaleza, Porto Alegre, Natal e Cuiabá. Em comparação com o resultado obtido quatro anos atrás, quando o partido elegeu 182 prefeitos e não conquistou nenhuma capital, houve um crescimento significativo pelo fato de que o partido não apenas interrompeu a queda como conseguiu aumentar o número de suas prefeituras. Disputa agora quatro segundos turnos em capitais, quando em 2020 havia ido a apenas dois.

Em coligações, o PT disputa nove segundos turnos. Conseguiu ampliar sua bancada total de vereadores para 3.127, 460 a mais.

São números que mostram um partido que segue se reproduzindo e ramificando, em meio a preconceitos, incompreensões e a um resíduo importante de desgastes resultantes de perseguições e campanhas judiciais e midiáticas. O PT resistiu em meio a farsas como o Mensalão e a Lava Jato. Sobreviveu ao golpe contra Dilma Rousseff e à prisão política destinada a retirar Lula das eleições de 2018. Sobreviveu a Bolsonaro e derrotou-o nas urnas.

Já virou lugar-comum analítico anunciar a decadência do PT, desde sua fundação. Agora isso se repete em cascatas de manchetes e análises. Confrontado com os números desta eleição, um pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Eduardo Grin, cunhou a expressão de que o PT "perdeu ganhando".

Não há como pensar, portanto, numa avaliação inteiramente "neutra" dessas eleições, como se elas pudessem ser encaradas à margem de seus reflexos sobre a correlação de forças, sem visar composições para a próxima eleição.

A classe dominante apressa-se a estimular a ideia da formação de uma frente ampla de centro-direita. A coligação de partidos que conseguiu levar Ricardo Nunes (MDB) ao segundo turno em São Paulo e o fato de o ex-presidente Jair Bolsonaro estar inelegível fizeram a elite econômica brasileira se animar com a possibilidade de emplacar o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na presidência em 2026.

Consciente desse movimento, o presidente Lula, cauteloso, evita conflitos e faz acenos aos partidos de centro e direita de sua base.

Os resultados do segundo turno revestem-se, então, de especial importância, pois terão influência sobre a aceleração ou não da dinâmica eleitoral de 2026.

Precipitá-la de maneira tão prematura só interessa aos que desejam fazer oposição, mesmo que à custa dos interesses do país. Sabem que Lula realiza um excelente governo, com inflação controlada, desemprego em baixa e crescimento econômico acima das previsões. A eles interessa criar a narrativa de um governo federal que saiu da eleição mais fraco e sem apoio. Mergulhar o Brasil num clima eleitoral antecipado pode ser a maneira de tentar tumultuar um governo que vai tão bem.

 

•        Golpe semipresidencialista de centro-direita joga esquerda na armadilha da derrota eleitoral. Por César Fonseca

Semipresidencialismo, implementado pela maioria congressista conservadora de direita e ultradireita, é, na prática, o golpe neoliberal que bloqueia desenvolvimentismo.

O neoliberalismo ganhou força com os governos de direita e ultradireita Temer e Bolsonaro, de 2016 a 2022.

Em oito anos, as reformas neoliberais de direita-ultradireita, desbancou ideologicamente a esquerda e levou a sociedade para o centro e direita.

O centro-esquerda entrou em colapso com o arcabouço fiscal antidesenvolmentista.

A amarração de uma maioria congressual superconservadora pró-fascismo com o mercado financeiro para sustentar a ortodoxia neoliberal apregoada pela Faria Lima e executada pelo Banco Central “independente” configurou o golpe político neoliberal com semipresidencialismo.

O semiparlamentarismo inconstitucional, mediante maioria parlamentar conservadora, anulou o presidencialismo constitucional e o inviabilizou política econômica desenvolvimentista sem a qual a esquerda não ganha eleição.

Seria repetir a história do PSDB que entrou em derrocada ao abandonar a socialdemocracia para apoiar a direita e a ultradireita para conduzir Bolsonaro ao poder em 2018.

O resultado, nos dois primeiros anos de governo lulista, foi a recente vitória eleitoral do centro-direita, desbancando o centro-esquerda, com o qual Lula construiu o terceiro mandato.

•        Usurpação de poder

O Congresso semipresidencialista – ou semiparlamentarista – usurpou as prerrogativas do Executivo e alterou e fortaleceu, agora, com a vitória nas urnas, a correlação de forças a seu favor.

O executivo, sem os seus poderes, usurpados pelo semipresidencialismo, executa a política econômica da direita e ultradireita - expressa no arcabouço fiscal neoliberal - que o condena à derrota eleitoral.

Ficou prisioneiro da manipulação semipresidencial semiparlamentarista, amplamente apoiada pela mídia conservadora pró-juro alto, pró-antidesenvolvimento.

O golpe do sempresencialismo, portanto, é o poder em cena contra a Constituição de 1988, que consagra constitucionalidade não ao semiparlamentarismo golpista, mas ao presidencialismo constitucional.

O golpe semiparlamentarista inverteu os termos da equação no regime republicano tupiniquim.

O presidencialismo constitucional está cumprindo ordens do semipresidencialismo inconstitucional que o leva ao colapso eleitoral.

O semipresidencialismo transformou o Congresso em poder executivo e o poder executivo em apêndice do Legislativo, a executar programa dos adversários do governo por meio das emendas parlamentares, garantidas por maioria conservadora.

O centro-direita e a ultradireita ganham os frutos políticos por meio das emendas parlamentares executadas pelo governo politicamente adversário, como acaba de ficar comprovado com o resultado eleitoral.

A direita e a ultradireita, no modus operandi fascista, inconstitucional, por essa estratégia, institucionalizou a compra do voto pela manipulação ideológica ancorada em Deus, Pátria, Família, Liberdade, contra a esquerda taxada de comunista, mas que, na verdade, está fazendo política de direita no contexto do ajuste econômico neoliberal antidesenvolvimentista.

O trabalho da direita e ultradireita no comando do semipresidencialismo será sempre o de garantir maioria parlamentar para continuar executando o jogo das emendas parlamentares que anula eleitoralmente o executivo generalizadamente taxado de comunista.

 

•        Jessé Souza critica estratégia identitária da esquerda e vê avanço da direita nas periferias

O sociólogo Jessé Souza, autor de “O pobre de direita — a vingança dos bastardos”, concedeu entrevista ao jornal O Globo na qual analisa o fenômeno do apoio de camadas populares ao bolsonarismo e critica a postura dos partidos de esquerda nas últimas eleições. Souza, que já presidiu o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no governo Dilma Rousseff, destaca a combinação entre racismo regional e a inação da esquerda como fatores centrais para entender o apelo do ex-presidente Jair Bolsonaro e de figuras como Pablo Marçal, especialmente nas periferias de São Paulo.

Segundo o sociólogo, a adesão de muitos eleitores pobres à direita é marcada pela influência das igrejas evangélicas e pela disseminação de valores neoliberais e reacionários, muitas vezes promovidos pela Teologia da Prosperidade. Ele explica que, ao não disputar narrativas e deixar de lado o trabalho de base nas periferias, a esquerda abriu espaço para que esse discurso ganhasse força. “Passamos por um processo de idiotização das pessoas e de inação dos que deveriam fazer um trabalho de base de qualidade”, lamenta Souza.

Os números mostram que a falta de engajamento da esquerda em dialogar com as comunidades periféricas tem um custo eleitoral. Souza menciona a dificuldade de candidatos como Guilherme Boulos (PSOL) em conquistar votos nas franjas da cidade de São Paulo, onde predominam eleitores que se identificam mais com o discurso de candidatos de direita.

Além disso, Jessé Souza destaca que o bolsonarismo encontra terreno fértil nas regiões sulistas e paulistas, onde há uma maior identificação racial com Bolsonaro. “O pobre de direita de São Paulo ao Rio Grande do Sul vê no ex-presidente Jair Bolsonaro um semelhante”, explica. Ele também aponta que o ressentimento e a frustração econômica levam esses eleitores a adotar uma postura moralista e a culpar outros grupos sociais, como nordestinos e beneficiários do Bolsa Família.

Na entrevista, Souza também critica a abordagem identitária adotada pela esquerda, considerando-a um “erro completo”. Ele defende que a esquerda precisa, além de pautas de gênero e raça, retomar um diálogo que explique as desigualdades econômicas e as limitações estruturais enfrentadas pela maioria pobre. Para ele, isso inclui entender que o mérito individual, promovido pelo discurso neoliberal, não pode ser a única resposta à questão social.

O sociólogo alerta ainda para a crescente influência de líderes religiosos como Pablo Marçal, que souberam capturar o imaginário popular. Marçal é descrito como um “político Bets”, capaz de traduzir os anseios de um eleitorado que busca uma saída mágica para as dificuldades econômicas. “Marçal se tornou referência nacional e me chamou atenção a irmandade de sua visão de mundo com a da Faria Lima, uma aliança extremamente perigosa ao unir muito dinheiro a muita penetração popular”, diz Souza.

Ao final, o sociólogo defende um reposicionamento da esquerda, inspirado na herança de Getúlio Vargas, para reconquistar a confiança dos eleitores mais pobres. “Validar esse pobre é importante. É o que Getúlio fez, inclusive do ponto de vista racial”, argumenta, ressaltando que a esquerda precisa oferecer mais do que políticas assistencialistas: deve trabalhar para restaurar a dignidade dos marginalizados e explicar as verdadeiras raízes das injustiças sociais. Caso contrário, Souza acredita que o avanço do bolsonarismo e de novos representantes da extrema direita, como Marçal, poderá ser irreversível.

 

•        Lula irá nos salvar de novo. Por Moisés Mendes

Ainda circula pelo Brasil todo, como consolo chato e pegajoso, a conversa de que eleição municipal é uma coisa e eleição para presidente é outra. Mas o que existe, no miolo dessa história cansativa, é uma tentativa de menosprezar derrotas e continuar terceirizando pequenas e grandes missões.

Quem acolhe e dissemina essa conversa ajuda a espargir o autoengano de que as esquerdas não foram tão derrotadas. E tenta vender de novo a ideia de que em 2026 Lula dará um jeito. Deixem que Lula resolve.

Se as cidades não conseguiram deter o avanço de direita e extrema direita, muita gente se defende, para começo de argumentação, tentando subestimar essa avalanche.

Primeiro, com a tese vencida de que a eleição municipal fica em outro compartimento. E que a eleição que vale mesmo é a que terá de reeleger Lula. Subestimam as forças mobilizadas numa eleição municipal e que vão desaguar, em forma de mais poder, em Brasília.

Por isso tentamos nos acalmar dizendo que foram o centro e a direita, e não a extrema direita, que venceram a eleição. Que o PT está avariado e envelhecido mas está vivo, porque até cresceu um pouco, e que Bolsonaro é um perdedor protegido pela performance do PL.

Nunca, depois de uma eleição, foram tantas as divergências sobre o que afinal aconteceu nos municípios. Assim, o PT está quase salvo ou está quase morto, e Bolsonaro pode estar morto se fazendo de vivo.

E Lula? Já nos avisam que Lula vai nos salvar. Como a eleição municipal seria uma coisa distante da eleição que importa mesmo, que é a de 2026 para presidente, é só esperar mais dois anos e tudo estará resolvido.

Antes, chegam a pedir que Lula pare de governar e passe a morar em São Paulo, como cabo eleitoral, para salvar Boulos e as esquerdas, porque em São Paulo a situação é diferente.

Esses números do Datafolha podem ajudar a entender o desespero dos que olham para o umbigo paulistano e entregam o segundo turno de todo o resto nas mãos do destino. Ricardo Nunes tem 85% dos eleitores de Bolsonaro, e Boulos tem 63% dos eleitores de Lula. E mais: 4% dos eleitores de Bolsonaro vão votar em Boulos, e 31% dos eleitores de Lula votam em Nunes.

Nunes, uma alface sem sal e vinagre adotada pelo bolsonarismo, fideliza mais os votos de Bolsonaro, e ainda atrai mais os votos dos eleitores de Lula, do que Boulos fideliza os votos de eleitores do presidente.

Dirão os consoladores que Boulos não é PT e que o eleitor não faz a conexão do candidato com Lula. Subestimam a capacidade de discernimento de parte relevante do eleitor lulista, sem admitir que esses 31% querem votar em Nunes.

E assim, se Lula é há muito tempo maior do que o PT e todas as esquerdas somadas, e se um terço dos eleitores vota no candidato da direita, a recomendação é para que Lula acampe em São Paulo e saia gritando pelo Campo Limpo: votem em Boulos e vocês estarão votando em mim.

É mais um constrangimento que as esquerdas não esperavam enfrentar. Depreciam as eleições em cidades médias e grandes, tomadas pela direita, e convocam Lula para a salvação em São Paulo. O que importa é o milagre paulistano.

E 2026 é logo ali. Lula estará sempre pronto para nos socorrer. Transformaram Lula num Batman. Como muitos já transformaram Alexandre de Moraes num Homem-Aranha. As esquerdas passam a depender dos super-heróis.

 

Fonte: Brasil 247

 

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