Lula precisa melhorar vida da classe média
para fortalecer democracia, diz Nobel da Economia
Combater a
desigualdade é importante, mas não é suficiente para o Brasil fortalecer sua
democracia sob o novo governo, acredita o economista Daron Acemoglu, coautor do
best-seller Por que as nações fracassam e do recém-lançado Poder e progresso.
"Ao menos que
Lula encontre uma forma de atrair uma parcela significativa da população que se
desencantou com a democracia brasileira, não será um caminho fácil", diz
Acemoglu, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla
em inglês). Nesta segunda-feira (14/10), o economista ganhou o Prêmio Nobel de
Economia 2024 ao lado de Simon Johnson e James A. Robinson por suas pesquisas
que analisam as disparidades de prosperidade entre as nações.
Para Acemoglu, o
presidente brasileiro precisa ir além dos programas sociais para vencer a
polarização do país. "É preciso criar melhores oportunidades de emprego
para a classe média trabalhadora, para pessoas do setor agrícola", sugere
o economista turco-americano, de etnia armênia. "O mesmo vale para os
Estados Unidos – não acredito que você vá trazer de volta os eleitores de
[Donald] Trump criando um programa de transferência de renda maior. Mas há uma
chance maior de trazê-los de volta mostrando que um governo democrático cria
empregos para eles, lhes dá melhores escolhas e lhes permite viver suas vidas
da forma que eles quiserem."
Em Por que as nações
fracassam (de 2012, relançado no Brasil pela editora Intrínseca em 2022),
Acemoglu e James A. Robinson analisaram os motivos que levam alguns países a
enriquecer e outros a permanecer na pobreza. Em O Corredor Estreito (de 2019 e
publicado pela Intrínseca em 2022), os mesmos autores avaliam por que alguns
países conseguem conquistar a liberdade e a democracia, enquanto outros vivem
em tiranias ou autocracias. Já no recém-lançado Poder e progresso (de 2023,
lançado no Brasil pela Objetiva em abril deste ano), Acemoglu e o também
economista e seu colega de Nobel Simon Johnson analisam como, ao longo da
história, diferentes escolhas levaram o avanço tecnológico a servir ao
interesse das elites ou a um crescimento inclusivo, garantindo também a melhora
de vida dos trabalhadores. Para os economistas, é possível um futuro onde a
inteligência artificial (IA) e as novas tecnologias digitais sejam usadas para
empoderar os trabalhadores, e não para a vigilância e automação crescentes.
Mas, para isso, é preciso fazer escolhas que levem as novas tecnologias nessa
direção.
À BBC News Brasil,
Acemoglu falou sobre a recente expansão do Brics (bloco formado por Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul) e como ela representa, na visão dele, uma
"oportunidade perdida" para os países emergentes assumirem uma voz independente
nesse debate. Para o economista, países como o Brasil têm um duplo desafio: o
de regulamentar as novas tecnologias para que elas não prejudiquem suas
populações, sem prejudicar o avanço delas – num contexto em que as nações
emergentes ainda estão atrasadas na curva tecnológica.
Acemoglu diz ainda não
acreditar na renda básica universal como uma solução para a ameaça que a
inteligência artificial representa ao futuro do trabalho. "Não acho que
estamos condenados a substituir o trabalho humano", afirma o economista. "Há
um caminho alternativo e esse caminho é usar a inteligência artificial de
maneira mais em favor do ser humano, em favor do trabalhador. Ao colocar tanta
ênfase na renda básica universal, assumimos uma postura derrotista",
defende.
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Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
• Em anos recentes o senhor esteve
pessimista em relação ao Brasil, tendo dito que estávamos sob risco de destruir
nossa democracia. O senhor acredita que esse risco passou?
Daron Acemoglu – É
claro que eu estou muito feliz que [Jair] Bolsonaro não foi reeleito. E estou
cautelosamente otimista que agora há espaço para reconstruir a democracia
brasileira. Mas sigo preocupado com o fato de que o Brasil ainda é um país
muito polarizado. E que essa polarização pode atrapalhar o fortalecimento da
democracia. Acho que eu nunca fui pessimista ao ponto de pensar que o Brasil
estava "condenado" a destruir sua democracia. Mas talvez minhas falas
refletissem o fato de que, dez anos atrás, eu acreditava que a democracia
brasileira estava muito segura, apesar de todos os escândalos de corrupção e
todos os problemas que estavam acontecendo.
[Eu acreditava] que o
Brasil nunca voltaria a uma ditadura militar. Mas, sob o governo Bolsonaro,
houve momentos em que passei a temer. Quando o presidente de vocês começou a
pedir intervenção militar e a dizer que ele sentia saudade do tempo em que os militares
mandavam no país. E ele se manteve muito popular, quase 50% dos brasileiros o
apoiavam. Então eu acredito que isso é a polarização. Veja, Lula ter sido
eleito é ótimo. Mas, ao menos que ele encontre uma forma de atrair uma parcela
significativa da população que se desencantou com a democracia brasileira, não
será um caminho fácil. O mesmo acontece nos EUA. Eu gosto de muitas das
políticas da gestão [Joe] Biden, mas não acredito que elas sejam suficientes
para ganhar de volta as pessoas que votaram em Trump e que se tornaram muito
desiludidas com o sistema americano.
• Então o que deve ser feito para
assegurar que não voltemos àquele caminho de sentirmos que a democracia está
sob ameaça? O senhor acredita que endereçar a questão da desigualdade no Brasil
é uma das formas de garantir isso?
Acemoglu – [Combater
a] desigualdade é uma forma de garantir isso. Mas não pode ser apenas através
de programas sociais. Acredito que é preciso criar melhores oportunidades de
emprego para a classe média trabalhadora, para pessoas do setor agrícola... O mesmo
vale para os EUA – não acredito que você vá trazer de volta os eleitores de
Trump criando um programa de transferência de renda maior. Mas há uma chance
maior de trazê-los de volta mostrando que um governo democrático cria empregos
para eles, lhes dá melhores escolhas e lhes permite viver suas vidas da forma
que eles quiserem. Acredito que os EUA e o Brasil têm muito em comum: são muito
heterogêneos, têm sociedades muito diversas. É preciso respeitar essa
diversidade e tentar criar mais e mais oportunidades para que as pessoas tenham
boas condições de vida, e bons resultados econômicos dentro dessa diversidade.
E eu acho que tanto a história do Brasil, como a dos EUA, mostra que, se você
tenta eliminar essa diversidade de um jeito ou de outro, isso sai pela culatra.
• O senhor também disse recentemente que o
Brasil provavelmente não vai conseguir um crescimento significativo baseado
apenas na exportação de commodities para a China. E que o país precisará em
algum momento encontrar um outro caminho. O que o senhor vê para o futuro do
Brasil?
Acemoglu – O Brasil
aspirou nos anos 1950 e 1960 a ser uma potência industrial. O país tem uma
grande parcela de sua mão de obra educada. Tem uma quantidade de setores em que
investiu muito no passado. Então acredito que o país precisa encontrar formas de
estimular o setor privado. E o governo não pode fazer isso. O governo pode dar
incentivos e ser um facilitador. Mas, no fim das contas, o setor privado
precisa liderar um crescimento que não seja baseado apenas na exportação de
commodities. No momento, eu não vejo isso acontecendo o suficiente.
• O senhor acredita que o boom de
industrialização que estamos vendo no México e na Índia pode ser exemplo para o
Brasil?
Acemoglu – Exatamente,
mas talvez através de outros setores. O México tem vantagens comparativas em
algumas coisas, facilitadas pela proximidade com os EUA. A Índia está apostando
em outro conjunto de setores. Então o Brasil precisa encontrar em quais setores
tem capital humano, conhecimento especializado e que façam sentido diante da
sua posição geopolítica.
• E o momento político para isso é agora?
Acemoglu – Certamente,
porque essa é a forma de criar empregos melhores para as pessoas, considerando
que algumas delas se tornaram muito desiludidas com o modelo de crescimento
brasileiro. Acredito que isso é parte da razão pela qual elas apoiaram Bolsonaro.
• Recentemente o senhor escreveu um artigo
afirmando que a expansão do Brics anunciada em agosto é "a expansão errada
do Brics". Por que o senhor pensa assim?
Acemoglu – Fiquei
muito surpreso e entristecido pela forma como essa expansão aconteceu, porque
acredito que os países que foram adicionados estão em grande medida sob
influência de Rússia e China. Então isso transforma o Brics em um eixo
amplamente controlado pela China, quando eu penso que o que o mundo precisa é
um agrupamento de economias emergentes que deveria ter um papel maior na
diplomacia internacional, mas também ter voz em questões relacionadas ao
comércio internacional, tecnologia, respostas globais na área de saúde. Então
países como Brasil, Índia, Indonésia, Malásia, Turquia vão ter uma perspectiva
que é muito diferente daquela da China – ou deveriam ter uma perspectiva muito
diferente da China.
Pense em todas as
grandes questões que devem surgir nos próximos dez anos. Por exemplo:
democracia. A China é a maior ameaça à democracia em nível global. É nisso que
os países do Brics deverão trabalhar junto à China? Com relação à globalização,
por exemplo, haverá grandes tensões entre EUA e China. E precisamos de uma voz
do mundo emergente que seja neutra em relação a esses dois poderes hegemônicos.
Isso não vai acontecer enquanto o grupo estiver sob influência de China e
Rússia. Na tecnologia, serão necessárias grandes decisões sobre como a
inteligência artificial deverá ser usada. E a China é a maior impulsionadora do
uso da IA para vigilância, mas não é disso que o mundo em desenvolvimento
precisa.
• No seu artigo, o senhor reforça que as
economias emergentes deveriam buscar influenciar o futuro da inteligência
artificial e de outras tecnologias digitais. Por que isso é importante e por
que o senhor avalia que isso não será possível sob a nova formação do Brics?
Acemoglu – Porque a
China tem interesses muito distintos em se tratando do uso da tecnologia. Por
exemplo, algumas das grandes decisões sobre o futuro da inteligência artificial
serão o quanto dela irá na direção de ferramentas autoritárias, censura, monitoramento,
vigilância, reconhecimento facial versus ferramentas que vão de fato ajudar as
pessoas comuns a se comunicarem e talvez até se engajarem em atividades
dissidentes, incluindo organizações da sociedade civil, mídia de oposição,
mídia crítica ao governo. A China está em uma das pontas dessa escolha.
Outra grande escolha,
que é muito relevante para Índia, Indonésia e Brasil, é como as tecnologias de
IA serão usadas na produção. Elas serão mais pró-trabalhador ou mais contrárias
ao trabalhador?
Aí também a China tem
claros incentivos, nesse caso, muito alinhados com o setor americano de
tecnologia, de usar mais e mais [a inteligência artificial] para automação.
Isso em parte porque a mão de obra chinesa está envelhecendo, mas também porque
a China está muito preocupada com o descontentamento trabalhista. Então usar IA
e outras tecnologias de automação é muito atrativo para as autoridades chinesas
por esses motivos. Mas isso não é do interesse do Brasil, que tem uma imensa
força de trabalho, que deveria ser uma de suas vantagens competitivas. Mas não
será se a inteligência artificial e as tecnologias digitais forem direcionadas
para mais automação. Acredito que o Brasil poderia ter tido um papel de
liderança nisso. Penso que um grupo independente nas relações internacionais
seria de grande valor e que foi uma oportunidade perdida.
• Ainda no tema da China, como senhor vê a
atual crise econômica por lá e isso pode, do seu ponto de vista, se tornar uma
crise política maior e mudar de alguma forma a trajetória autoritária daquele
país?
Acemoglu – Acredito
que estamos apenas no começo desse processo. Não espero que isso se transforme
numa crise política no futuro próximo. Precisamente pela forma como a censura
[chinesa] usa ferramentas de IA e como outras tecnologias repressivas têm sido
utilizadas ao longo da última década na China, acredito que o espaço para
protestos é limitado. Então, se você comparar a sociedade civil chinesa hoje
com aquela que prevalecia nos anos 2010, há uma grande diferença. Há muito
menos liberdade, muito menos organização. [Naquele momento] havia pessoas
defendendo os diretos dos trabalhadores rurais, de proprietários de terras,
tratando de questões ambientais. Havia uma pequena quantidade de imprensa
"semi livre", havia [protestos pela democracia em] Hong Kong. E tudo
isso foi suprimido. Então eu não espero que a crise econômica leve
imediatamente a uma crise política. Mas a China está enredada em um impossível
paradoxo.
• O que o senhor quer dizer com isso?
Acemoglu – Eu explico.
O impossível paradoxo é que eles querem crescimento econômico, mas estão muito
preocupados que, à medida em que a economia cresce, a classe média fará mais
demandas, enfraquecendo o controle do Partido Comunista da China. Assim, junto
com o crescimento, há mais e mais controle governamental. Mas isso, por sua
vez, cria ineficiências tanto no curto, quanto no longo prazo. Reduz a
independência das empresas, desencoraja o verdadeiro potencial de inovação,
leva a mais e mais má alocação de capital. Então a solução criada pelo governo
é mais intervenção governamental na economia e ainda mais repressão, para que o
descontentamento gerado por isso não resulte em oposição ao Partido Comunista.
É, portanto, uma "bola de neve" e é essa a natureza do paradoxo.
Agora, eu não acredito que isso possa durar para sempre. Então creio que, em
cerca de dez anos, haverá uma crise política. Mas, no momento atual, eu não
acredito que a sociedade civil, a imprensa ou qualquer tipo de organização seja
forte o suficiente para que isso aconteça.
• Mudando de assunto para seu novo livro,
Poder e progresso. Nele, o senhor diz que o mundo está vivendo uma "ilusão
da inteligência artificial". O que significa isso?
Acemoglu – Deixe-me
primeiro fazer uma introdução, dizendo que eu acredito que as tecnologias de
IA, incluindo a recente IA generativa [inteligência artificial capaz de gerar
textos, imagens ou outras mídias em resposta a solicitações em linguagem comum,
como o ChatGPT da OpenAI e o Bard da Google] são promissoras. Então não estou
questionando que haja valor social e econômico a serem obtidos a partir dessas
tecnologias. Mas a ilusão é acharmos que podemos substituir e escantear os
seres humanos. Isso é sintetizado pela busca por uma inteligência artificial
geral [AI que teria a capacidade de aprender e desempenhar qualquer tarefa
realizada por um ser humano] ou superinteligência. É sintetizado também pelo
esforço incessante por automatizar o trabalho e resumir e capturar toda a
sabedoria humana em tecnologias simples como o ChatGPT. As razões por que isso
é uma ilusão são duas.
A primeira é que eu
acredito que, no fim das contas, mesmo com mais avanços, a criatividade humana
será central e muito importante, tanto para a dignidade do trabalho humano e
dos seres humano, como também para a eficiência produtiva. Em segundo lugar, ainda
mais no curto prazo, essas tecnologias têm muitas limitações, então escantear
os humanos leva a um caminho de ineficiência. E não estaremos obtendo os
benefícios que poderíamos a partir dessas tecnologias.
• O senhor também acredita que há um certo
otimismo, certo? Quer dizer, haveria uma crença de que tudo isso será para o
bem. E você diz que não necessariamente, que é preciso intervir para que essas
tecnologias tragam resultados positivos. O senhor pode explicar isso melhor?
Acemoglu – Toda essa
busca por uma inteligência artificial geral vem combinada com um profundo
"tecno otimismo". E esse tecno otimismo tem alguns desdobramentos.
Primeiro, ele acredita que as máquinas se tornarão muito melhores do que os
seres humanos rapidamente. Segundo, que isso vai gerar valor econômico. E
terceiro, que isso também vai criar soluções tecnológicas para muitos
problemas. Então essa combinação faz muitos líderes do Vale do Silício e outras
figuras de liderança defenderem uma perspectiva de adesão total: "Não se
preocupem com problemas, privacidade, coleta de dados, desemprego, porque é
tudo para o bem. Vamos rapidamente chegar a bons lugares. Vamos criar mais
produção, soluções para os problemas climáticos, para as pandemias globais,
para o câncer" e assim por diante. Mas, quando combinamos isso com minha
afirmação anterior de que, na verdade, as capacidades da IA são exageradas no
curto prazo e não vão se realizar nem no médio prazo – a não ser que elas sejam
usadas para ampliar as capacidades e o poder de agência humano – então você
percebe que isso não está caminhando para nenhum bom lugar. Estamos
desempoderando as pessoas mais e mais e não chegaremos às soluções ou obteremos
o valor econômico prometido.
Então eu não sou um
completo pessimista, mas digo que há formas melhores de usar essas tecnologias
e é por isso que precisamos de uma intervenção. Porque a indústria americana e,
por motivos distintos, a indústria chinesa, com a liderança do Partido Comunista,
caminham para uma direção que não é boa. Não é democrática, não vai trazer em
nenhum momento próximo os benefícios econômicos prometidos e há caminhos muito
melhores disponíveis.
• No livro, o senhor aponta que impor
limites ao poder das grandes empresas de tecnologia e regulá-las são passos
cruciais para um futuro melhor para as tecnologias digitais. Mas, no Brasil,
tivemos uma experiência recente de o Congresso tentar passar uma lei contra a
desinformação nas redes sociais e voltar atrás, sob pressão de empresas como
Google e Facebook, com o Google chegando a postar anúncios contra a lei na
página principal do seu buscador. É realmente possível os governos regularem as
big techs no cenário atual?
Acemoglu – Google,
Facebook, Amazon vão fazer o que podem para barrar regulações, mesmo quando
dizem ser a favor de regulações razoáveis, como disseram recentemente aos
congressistas americanos. E sim, em lugares onde os limites quanto ao uso de
propaganda são mais frouxos, como no Brasil, eles vão usá-la de forma mais
abusiva. Mas acredito elas serem tão resistentes é uma prova de que é possível
regular essas empresas. Se de fato a regulação não tivesse nenhum efeito, elas
não estariam gastando milhões de dólares para lutar contra isso. E há um país
que mostra como efetivamente as big techs podem ser reguladas: a China.
Veja, eu não sou a
favor do caminho chinês, me oponho fortemente ao Partido Comunista Chinês e não
gosto dos seus métodos ou seus objetivos. Mas a China provou nos últimos cinco
anos que eles podem de forma muito bem-sucedida regular as big techs. Então eu
espero que não precisemos copiar os chineses – certamente não deveríamos copiar
seus métodos antidemocráticos ou seus objetivos. Mas é uma prova de que regular
é possível.
Mas deixe-me dizer
algo sobre Brasil, Índia, Turquia e outros países como estes.
O problema aí é muito
mais difícil porque, por um lado, você quer fazer o mesmo tipo de regulação e
garantir que as mazelas dessas novas tecnologias não afetem a população. Mas,
diferentemente dos EUA, por exemplo, esses países estão atrasados na curva tecnológica.
Então, ao mesmo tempo, é preciso garantir que empresas e indivíduos tenham
incentivos para adotar e aprender essas tecnologias rapidamente. Mas, ao fazer
isso, é preciso não repetir os erros cometidos nos EUA. Então é um problema
bastante difícil.
• E por que o senhor acredita que a renda
básica universal não é a solução para a ameaça que a inteligência artificial
representa ao futuro do trabalho?
Acemoglu – Se eu
estivesse convencido de que não há nada que possamos fazer e muitos empregos
irão desaparecer; de que existe acordo político para uma renda básica
universal; e de que, numa sociedade sem uma renda básica universal, pessoas que
recebessem uma renda básica não seriam classificadas como cidadãos de segunda
classe, eu seria mais favorável a uma renda básica universal. Mas todas essas
condições não se aplicam.
Primeiro, eu não acho
que estamos condenados a substituir o trabalho humano. Há um caminho
alternativo e esse caminho é usar a IA de maneira mais em favor do ser humano,
em favor do trabalhador. Ao colocar tanta ênfase na renda básica universal,
assumimos uma postura derrotista, fechando as portas para esse caminho muito
mais atraente.
Segundo, mesmo se
decidíssimos pelo caminho da renda básica, não acredito que o equilíbrio
político permitiria uma renda básica universal generosa. Elon Musk, Mark
Zuckerberg e os executivos da Google, que são tão resistentes a um pouquinho de
regulação, não vão dizer: "Tudo bem, peguem metade da minha riqueza e
destinem para uma renda básica universal."
E terceiro, mesmo que
isso acontecesse, essa ainda seria uma sociedade de duas castas. Teríamos 10%,
15% ou 20% da população que seriam os grandes advogados, engenheiros,
inovadores e designers, que ganhariam todo o dinheiro e então dariam uma fração
dele para o cuidado com as outras pessoas. E as pessoas que receberiam não
fariam nada, só ficariam com as migalhas dos super ricos. Essa seria uma
sociedade muito desigual e acho que não queremos isso.
• Então o senhor acredita que a forma de
lidar com o impacto da IA sobre o trabalho é mudar sua direção?
Acemoglu – Exatamente.
Redirecionar a mudança tecnológica, regular a forma como usamos a inteligência
artificial e garantir mais controle governamental sobre as direções em que
estamos colocando nossos esforços.
Fonte: BBC News Brasil
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