Shopping na aldeia: como dólares do carbono
afetam indígenas na Guiana
No centro da aldeia
fica o campo de futebol. Ao redor dele, se erguem em madeira bem pintada as
principais construções coletivas dos cerca de mil indígenas Kapohn que vivem
nas margens do rio Kako, em um pedaço de floresta amazônica conservada a menos
de 40 quilômetros da fronteira da Guiana com a Venezuela. Perto da igreja e ao
lado do centro de saúde, reluz em pintura verde-clara o mais novo
empreendimento da aldeia: um shopping, em tradução literal. Ou um “galpão de
lojas” em uma definição menos estridente.
O Andy’s Mall é o
resultado da primeira remessa de dólares entregue pelo governo da Guiana aos
indígenas da Kako, que se orgulham ao dizer que foram os últimos a capitular e
assinar o contrato com o governo que sela a conversão de suas florestas em
milhares de créditos de carbono, vendidos para uma empresa americana de
petróleo.
Para as comunidades
indígenas, as principais responsáveis pela conservação florestal, o governo
destinaria 15% do valor recebido.
“Nos deram uma semana
para decidir o que fazer com o dinheiro do carbono, para entregar um plano. Eu
pensei que um shopping seria uma boa ideia para nossos jovens. Todo mundo quer
ter seu primeiro negócio”, conta Kathleen Andrews, 54 anos, professora aposentada
que integra o conselho de lideranças da Kako.
Construído para
abrigar 12 lojas, o empreendimento ainda não engatou. Quando a Agência Pública
visitou a Kako, em meados de julho de 2024, só uma loja estava funcionando.
Vendendo pão de mandioca, salgadinhos e produtos de limpeza, a indígena que
tomava conta da loja contou que atende dois ou três clientes por dia.
Sete meses depois da
inauguração, Kathleen desabafa: “Hoje vemos que nossa ideia de construir o mall
beneficiou uma pessoa só: o pedreiro”.
Em março de 2023, a
aldeia Kako recebeu 114 mil dólares do governo da Guiana, como primeiro repasse
financeiro pela venda dos créditos de carbono emitidos em suas florestas. Assim
como nas outras 241 aldeias do país, o governo criou uma conta bancária no nome
do cacique e avisou que o pagamento poderia ser retirado mediante a aprovação
de um plano de sustentabilidade.
“Nós não participamos
do projeto, chegou pra nós só uma carta para assinar, para que o dinheiro fosse
liberado. Claro que queremos o dinheiro e nos ajuda, mas não concordamos com o
modo como tudo foi feito”, diz Mario Hastings, ex-cacique da Kako.
Em 2022, a Guiana
anunciou junto com a petrolífera Hess Corporation a venda do primeiro lote de
créditos de carbono emitidos pelo país, pelo desmatamento evitado entre 2016 e
2020. A negociação ganhou manchetes internacionais por ser a primeira do mundo em
que créditos emitidos em escala nacional e gerenciados por uma instância
governamental – “crédito jurisdicional” no termo usado pelo setor – ficam
disponíveis para serem vendidos no mercado privado, seja para quem queira
compensar emissões, seja para empresas que queiram comprar os “papéis” para
revender.
<><> Por
que isso importa?
• Diversos estados brasileiros estudam
entrar no mercado de créditos de carbono com projetos jurisdicionais similares
ao da Guiana.
• O padrão de certificação utilizado na
Guiana é o mesmo que será utilizado na recém-anunciada venda de créditos de
carbono pelo governo do Pará.
A lógica que sustenta
esse mercado é a seguinte: uma área de floresta conservada é um reservatório de
carbono. Se essa área não for desmatada, deixará de emitir na atmosfera uma
determinada quantidade do gás. Cada tonelada de carbono que deixa de ser emitida
equivale a um crédito. Então, essa “não emissão”, contabilizada em créditos,
vira um produto: ganha um preço, estabelecido pelo mercado. Dessa maneira, os
créditos podem ser vendidos por quem detém a floresta para pessoas ou empresas
que queiram comprar as “moedas de não emissão” para compensar o que poluem.
A Guiana foi o
primeiro país a criar um projeto de dimensões nacionais do tipo. Quase 100% da
área de floresta da pequena nação da América do Sul foi abarcada na negociação.
Juntando em um mesmo pacote as florestas públicas e as áreas indígenas
tituladas, o governo certificou e emitiu créditos dos cerca de 18,4 milhões de
hectares de floresta do país. A venda do primeiro lote de 30% dos créditos
rendeu 150 milhões de dólares em 2022.
Segundo dados
oficiais, atualmente as terras indígenas tituladas correspondem a 13% do
território da Guiana. Considerando também as terras que ainda estão em processo
de titulação, as áreas indígenas equivaleriam a aproximadamente 15%, explicou à
Pública Predeepa Bholanath, número dois na Estratégia de Desenvolvimento de
Baixo Carbono (LDCS) do governo. Foi com base nessa proporção que o governo
calculou que 15% do valor pago pela Hess Corporation deveria ir para os
indígenas, ela afirmou.
• “Fomos forçados a assinar”
Nos meses seguintes à
assinatura da primeira venda de créditos para a petrolífera, cada aldeia
recebeu uma fatia do pagamento de acordo com o número de habitantes. Somando,
em 2023, foram repassados 22,3 milhões de dólares às comunidades tituladas.
Todas as aldeias reconhecidas oficialmente foram incluídas no projeto e
assinaram cartas de adesão ao programa – condição inicial para acessar os
fundos.
“Nós não tivemos
ninguém contra, não concordando de vez, não recebendo a verba. Se fosse o caso,
bom, a diferença é que o dinheiro ia ficar na conta do cacique sem ele sacar.
Porque o governo ia depositar o repasse de toda forma”, disse Bholanath, que coordena
as negociações de carbono junto do ex-presidente Bharrat Jadgeo, que criou a
iniciativa durante seu mandato.
Hastings, que era
cacique da Kako à época, discorda. “Para nós não teve escolha. Fomos forçados a
assinar”, diz. “Mas é verdade que toda a maioria dos caciques do National
Toshaos Council (NTC) aderiu ao projeto.” Na Guiana, os líderes de cada aldeia,
chamados de toshaos, são escolhidos em uma eleição bianual que segue as regras
definidas pelo Amerindian Act – legislação de 2006 que estabelece os direitos
indígenas e determina os padrões nos quais as aldeias devem se organizar para
serem reconhecidas pela institucionalidade do governo. A cada ano, os caciques
eleitos que integram o NTC se reúnem na capital, Georgetown, para uma semana de
discussões. A agenda do evento é definida pelo governo.
“Claro, todos nós
precisamos de dinheiro e quase ninguém quis fazer muitas perguntas”, conta
Hastings. “Mas com nosso distrito foi diferente. Nós não queríamos aderir a
algo que não conhecíamos. Até quando esse contrato valeria? Quais seriam nossas
obrigações daqui a muitos anos? São perguntas para as quais não tivemos
resposta.”
Hastings, que também
era representante no NTC, conta que foi voto vencido no conselho na discussão
sobre o projeto de carbono. Ele relata que foi pressionado a assinar, mas faz
questão de dizer que também pressionou o governo para conseguir a inclusão de
cláusulas específicas para sua aldeia, que permitem à Kako se retirar do
programa se quiser. “Aí por conta disso, de termos muitas dúvidas e não
concordarmos, acabamos com pouco tempo para fazer nosso plano de
sustentabilidade para receber o repasse”, disse.
Nas divulgações
oficiais e discursos de representantes do governo sobre a Estratégia de
Desenvolvimento de Baixo Carbono (LCDS) e seus resultados financeiros,
comumente as cifras milionárias vêm acompanhadas de expressões como “injetar
dinheiro nas aldeias” e “financiar o desenvolvimento sustentável dos
indígenas”.
Mas a construção do
shopping quase estagnado mostra que, sem a participação dos indígenas com
orientação e tempo para que possam elaborar esses projetos, o resultado está
longe de corresponder na prática a projetos autossustentáveis. Afinal, os
indígenas da Kako seguiram as prerrogativas estabelecidas pelo programa do
governo na elaboração do plano anual de desenvolvimento sustentável que incluía
a construção do Andy’s Mall e ajuda financeira para jovens que estudam na
cidade. Dos 114 mil dólares recebidos, a maior parte foi para a construção do
mall.
Não muito diferente do
que aconteceu nas outras 241 aldeias da Guiana, com variações nos projetos –
algumas investiram na construção de business centers, outras em estruturas para
receber turistas e outras em equipamentos para as plantações. Após terem apresentado
ao governo e obtido aprovação de seus planos de sustentabilidade, todas as
aldeias reconhecidas oficialmente receberam os repasses. Entre março e maio de
2023, fazendo uma média simples, os caciques de cada aldeia receberam em média
81 mil dólares – as aldeias com maior população receberam mais e as menores,
menos.
A Pública percorreu o
rio Mazaruni e o rio Kako – na porção oeste da Guiana, dentro do Território
Essequibo, que ficou conhecido pela disputa envolvendo a Venezuela – e
entrevistou 22 indígenas da região, das etnias Akawaio e Arekuna. Todos, sem
exceção, reclamaram que o projeto de carbono avançou rápido demais, sem dar
tempo para as comunidades entenderem e participarem da construção e da perda de
autonomia sobre seus territórios.
“O dinheiro vem também
como um controle. A gente não podia fazer o que quisesse. Por exemplo, se
quiséssemos contratar um advogado com esse dinheiro para nos defender na ação
de titulação das terras, o governo não ia aprovar”, questiona Hastings.
“Do jeito que está é
como se o governo fosse dono de todas as terras, e não é assim”, reclama Laura
George. A advogada indígena considera que o projeto de carbono significa uma
perda de controle dos indígenas sobre suas terras.
“Continuamos com o
mesmo problema: a titulação. Várias terras não estão tituladas inteiramente, só
tem uma parte assegurada. Mas mesmo naquelas tituladas foram incluídas pelo
governo no negócio, como se fossem terras públicas. Mas são áreas indígenas.”
Na legislação da
Guiana sobre terras indígenas, a autonomia das comunidades em decisões que
envolvem seus territórios é frágil. Segundo a lei, os indígenas devem ser
consultados sobre projetos que impactam suas aldeias e o conselho local tem o
poder de autorizar ou não determinados usos do território – como arrendamentos
de áreas ou exploração de madeira. Mas o mesmo Amerindian Act abre brechas para
a execução de projetos do governo em suas áreas, mesmo sem o consentimento dos
indígenas, como em situações em que “a mineração em larga escala seja
considerada de interesse público”.
Segundo a legislação,
em casos como esses, o ministro de Minas tem a prerrogativa de autorizar a
operação nos territórios. A lei, de 2006, não menciona negociações ou o direito
sobre o carbono acumulado nas florestas das áreas indígenas. Até agora, não há
na Guiana outra regulação que trate especificamente desse mercado nos
territórios das aldeias.
• A verba chega, mas o reconhecimento
fundiário não
Em uma manhã quente no
final de julho, 47 indígenas da Kako se juntaram no centro comunitário da
aldeia para receber a equipe da Pública. Alternando entre falas na língua
materna e em inglês, compartilharam suas preocupações e angústias com o projeto
de créditos de carbono.
“Essa porcentagem é
dada dizendo que devemos usar o dinheiro para desenvolver nossas comunidades.
Mas minha pergunta é: por que nos dão essa porcentagem em vez de reconhecerem
nossos direitos tradicionais de propriedade sobre as florestas que estão em pé
na Guiana?”, perguntou Stephanie Crammer, logo no início da reunião.
A pergunta vem do
incômodo dos Kapohn em não terem as terras totalmente demarcadas e protegidas.
No mapa oficial de terras indígenas da Guiana, a Kako não existe.
Em 1991, os indígenas
conseguiram um título fundiário, mas o documento abarca somente uma parte de
suas terras tradicionais – a porção que fica no entorno da aldeia atual. As
áreas usadas para plantio e para moradias tradicionais do outro lado do rio, apesar
de fazerem parte do cotidiano dos Kapohn, não foram incluídas na demarcação.
“Nós não estamos no
mapa, mas as concessões minerárias estão”, reclamou Derrick Krammer, logo em
seguida na mesma reunião.
De fato, apesar de não
constar nos mapas oficiais de terras indígenas, o território da Kako aparece em
um registro oficial do governo: o de concessões para extração de ouro e
diamante. Quase todo o território da aldeia e da parte que reclamam como terra tradicional
está fatiado em retângulos que demarcam concessões minerárias de média escala,
registradas em nomes de pessoas físicas.
A Pública questionou o
governo da Guiana sobre o fato de as áreas desmatadas pela mineração constarem
dentro das florestas que geraram os créditos comercializados. Predeepa
Bholanath afirmou que ano a ano o governo mapeia via satélite as áreas
degradadas pelo garimpo e extrai da conta os hectares que já não tem mais
floresta em pé, para manter a contagem de créditos precisa. Nos documentos do
projeto de carbono públicos, não há mapas que permitam a visualização exata de
quais são os pontos de floresta derrubada subtraídos da conta geral.
“O problema é que o
governo não nos consulta sobre os projetos, agora vem falar que vamos ganhar
dinheiro com a floresta, mas continua dando concessões minerárias em nossa
região”, diz Derrick, que é o encarregado da aldeia para monitorar as
atividades minerárias no território e entorno. “Se a mineração seguir assim,
como vão ter mais carbono?”, pergunta.
• Garimpeiros brasileiros
Ao contrário do que
ocorre no Brasil, na Guiana o garimpo dentro das terras indígenas é legalizado
mediante o pagamento de uma porcentagem de do ouro e diamante extraídos para os
indígenas do território. No caso da Kako, a porcentagem é de 12%.
A região do Upper
Mazaruni é tomada por dezenas de áreas de mineração, muitas administradas por
brasileiros, que serão mais detalhadas em uma próxima reportagem desta série.
Mesmo na aldeia Kako, os indígenas têm um contrato com um garimpeiro
brasileiro, dono de duas balsas que operam 24 horas por dia sugando água do rio
Mazaruni em busca de ouro.
• O perigo de um modelo de desenvolvimento
criado longe
Agora, no segundo ano
do projeto de carbono, o governo anunciou que as 242 comunidades receberão a
mesma quantia do ano anterior, em valores líquidos. No final de agosto, o
presidente Irfaan Ali disse que 23,2 milhões de dólares serão “injetados
diretamente nas economias das aldeias”, em 2024. Ali ressaltou que, apesar de o
país ter recebido menos pelos créditos neste ano (ganhou 87 milhões de dólares
no total), o governo decidiu manter o mesmo valor do repasse do ano anterior,
aumentando a porcentagem da fatia indígena. Do bolo total, as aldeias receberão
26,7% de todo o lucro do país com a venda dos créditos, segundo o governo.
O anúncio foi feito no
encontro nacional dos caciques, durante a agenda oficial do NTC. Novamente, a
entidade selou o apoio da maioria das lideranças ao projeto governamental.
Em 2022, o governo da
Guiana iniciou um processo de consulta em dezenas de comunidades e aldeias, nas
dez regiões administrativas do país. Foram feitas reuniões com representantes
dos indígenas, e os apontamentos e questões levantados foram compilados em um
documento com mais de 200 páginas. Parte dos resultados da consulta e dos
questionamentos foi incorporada na estratégia de baixo carbono LCDS 2030,
afirma o governo.
Porém, longe da
capital Georgetown, várias perguntas sobre o projeto continuam sem resposta, o
que tem angustiado os indígenas que desde o início do projeto reclamam ter sido
alijados do debate sobre o destino de seus territórios.
Na região Upper
Mazaruni, o governo fez somente uma reunião com as lideranças da área que reúne
mais oito aldeias além da Kako, para apresentar o projeto da venda dos
créditos. Na ocasião, várias fontes nos disseram que os indígenas fizeram
muitas perguntas e pediram ao governo que marcasse um próximo encontro para
tirar as dúvidas. A segunda reunião nunca aconteceu.
“O programa nunca foi
explicado em detalhes para nós entendermos completamente. Tudo que sabíamos é
que existia uma estratégia que já tinha sido desenhada pelo governo, sem as
nossas contribuições enquanto indígenas”, diz Alma Marshall, da comunidade Kamarang.
E, mais do que
representatividade, Marshall aponta para a falta de efetividade dos projetos
criados sem as contribuições indígenas, sem conhecimento do povo e de sua
região. Uma hora e meia de barco rio acima, no território da Kako, Stephanie
Crammer, faz ressalvas similares. “Eles querem que pensemos em programas que
eles gostariam mais, programas que tenham fases de desenvolvimento que eles
possam ver. Mas essas medidas vão contra nossa cultura tradicional. Eles não
podem querer nos dizer como devemos nos desenvolver.”
Não queremos ser uma
seção no relatório deles para dizer que o projeto foi um sucesso. Nos deem mais
espaço”, disse Romario Hastings, o novo cacique da Kako, eleito em junho deste
ano para assumir o cargo ocupado em duas gestões pelo pai. “Parece que é sempre
sobre uma foto. Nos pedem: ‘Vocês podem me mandar uma imagem do projeto de
vocês construído?’. Aí, com a foto, eles mostram que comunidade X, Y ou Z foi
beneficiada.”
Na região, além da
preocupação com a titulação das terras e concessões minerárias, os indígenas
reclamam de serem obrigados a aplicar o repasse financeiro da maneira definida
pelo governo. Para alguns, o dinheiro beneficiaria mais a comunidade se pudessem
dividi-lo e distribuir uma quantia a cada família. Outros disseram que
preferiam não precisar gastar o dinheiro anualmente, almejando projetos de mais
longo prazo.
“Eles não precisam nos
dizer o que fazer com o dinheiro que estão nos dando. Deem-nos o dinheiro e
vejam como iremos nos desenvolver. Porque conhecemos nossa terra. Conhecemos
nossos rios. Conhecemos nossos limites. Sabemos como desenvolver nós mesmos”, diz
Stephanie.
Muitos apontaram
também a pressa embutida no cronograma do projeto como um fator problemático.
“Eles impõem o tempo deles nos projetos, em nós. Infelizmente é o que está
acontecendo. Mas poderia ser diferente”, diz Romario.
“Gostaria de ver como
poderíamos criar e modelar uma trajetória de desenvolvimento que fosse nossa
mesmo, não apenas uma réplica do desenvolvimento global”, diz.
Romario diz que
percebe uma intenção e uma pressa nos parentes de espelhar o que veem nas
cidades ou que entendem como “desenvolvimento”, citando como exemplos a
construção do mall na Kako e de business centers em outras aldeias. “Mas isso é
realmente tudo o que conseguimos pensar?”, questiona.
Na visão do novo
cacique da Kako, uma economia indígena poderia trazer uma nova abordagem para
todo esse processo. “Eu penso que nós deveríamos estar falando sobre como criar
isso, em vez de apenas seguir completamente copiando o que já existe fora.”
“Eu penso que as
pessoas indígenas têm agora a oportunidade de redefinir como modelos
alternativos podem ser”, diz. “Podemos criar um futuro onde, por exemplo, o
conhecimento indígena tenha mais valor nas nossas comunidades, em como criamos
nossas estruturas e vivemos nossa cultura”, diz.
O cacique terminou a
entrevista dizendo: “Eu sei que é muita coisa. Mas acho que um homem jovem pode
sonhar, não é?”.
• Modelo de venda de créditos similar ao
da Guiana desembarca no Brasil
No dia 24 de setembro,
em um evento em Nova York, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB),
divulgou a venda de R$1 bilhão em créditos de carbono jurisdicionais do estado.
A transação é a primeira anunciada do tipo no Brasil. “Essa é uma agenda extraordinária,
será a maior venda de créditos de carbono da história”, anunciou o governador.
A venda do primeiro
lote de créditos anunciada integra um plano maior do governo paraense, que
planeja mapear e emitir créditos de terras públicas, reservas extrativistas,
terras indígenas e unidades de conservação do estado.
A transação está
sustentada pela mesma arquitetura de geração de créditos jurisdicionais
utilizada pela Guiana, e os créditos receberão o mesmo padrão de certificação
do projeto do país vizinho. Em ambos os negócios, os créditos são certificados
pelo Art TREES, um programa chamado Padrão de Excelência REDD+.
“O Art TREES sinaliza
que a redução das emissões no Pará projetam, até 2027, que possamos chegar a
390 milhões de toneladas já verificadas. Hoje, estamos fechando um acordo de 12
milhões de toneladas, que geram cerca de R$ 1 bilhão em receitas, que serão
distribuídas entre as comunidades tradicionais, entre aqueles que colaboram com
a preservação e para que o estado continue com sua agenda de redução do
desmatamento”, declarou o governador.
Segundo o site, o Art
é regido por um conselho que fornece orientação estratégica e garante a
integridade ambiental e social do programa. O conselho supervisiona a
implementação do programa para garantir que ele esteja de acordo com os
processos emergentes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas.
Outros estados como
Acre e Mato Grosso já têm projetos jurisdicionais dos chamados pagamentos por
serviços ambientais (PSA), mas o do governo do Pará foi o primeiro anúncio de
venda de créditos vinculados à taxa de desmatamento, em modelo similar ao da Guiana.
O estado de Tocantins também estuda lançar seu próprio programa nos mesmos
moldes.
O anúncio do governo
paraense tem gerado muita discussão entre os movimentos indígena e
ambientalista. A líder indígena do oeste do Pará, Auricelia Arapium, se
pronunciou após o anúncio questionando o fato de o governo do Pará não ter
consultado propriamente os indígenas sobre essa negociação. “O governador
precisa conhecer nosso direito à consulta livre prévia e informada”, disse. “Se
ele acha que apontar no dedo quem são os parentes que ele precisa ouvir é fazer
consulta, não é não”, publicou no instagram.
No dia 8 de outubro,
38 organizações indígenas e comunitárias no Pará assinaram uma carta
denunciando “a falta de respeito do Estado do Pará em não consultar os povos e
comunidades tradicionais antes da assinatura do contrato com empresas
multinacionais, para vender créditos de carbono de compensação”.
“Os povos da floresta
precisam ser ouvidos e consultados. Nossos territórios não estão à venda!”,
escreveram.
De maneira geral,
sobre os projetos de carbono no país como um todo, o advogado Ewésh Yawalapti
Waurá, do território do Xingu, observa que a maior dificuldade tem sido as
empresas e governos seguirem corretamente os procedimentos de consulta. “Os
povos precisam estar envolvidos desde a etapa 1, desde aquelas ‘conversas
prévias'”, diz. Para ele, o ideal seria que as próprias comunidades
construíssem seus projetos. “A gente não consegue fugir desses projetos [de
REDD+], mas o que conseguimos é lutar para ter representações, para termos
garantidos nossos direitos de consulta, de informação e de equidade na
repartição dos benefícios.”
Na primeira semana de
outubro, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) organizou uma agenda de três dias
de formação e discussões sobre as salvaguardas socioambientais em programas de
REDD+ e carbono. O evento reuniu lideranças indígenas e de comunidades tradicionais,
que, segundo Ewésh, estão agora na expectativa de ver o que será desenvolvido a
partir dos apontamentos e questões levantadas pelas comunidades da discussão.
No Congresso brasileiro, tramita um projeto de lei para regulamentar o mercado
de carbono no país. A expectativa do governo é aprovar um texto até a COP30,
que ocorrerá em Belém (PA).
Fonte: Por Clarissa
Levy, da Agência Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário