Leonardo Lucena: Com seu discurso
‘imparcial’, Centrão apontou ‘arco e flecha’ para o país
O resultado das
eleições municipais demonstrou que as críticas de políticos a opositores têm um
resultado limitado para quem tem a iniciativa de massificar o lado negativo de
oponentes no campo de narrativa política. O anti bolsonarismo também estimula o
antipetismo. Por consequência, dificulta mais ainda os objetivos políticos da
esquerda, dá mais possibilidades de vitória a partidos direitistas e de centro.
Recordar com
frequência os malfeitos do governo anterior em eventos públicos vem sendo um
“tiro no pé” da esquerda. Militantes e políticos devem ter a total liberdade
para denunciar o que acham um ato criminoso em alguma instituição política. Mas
a Justiça é que tem o dever de guardar as leis, e punir devidamente
sequestradores de dinheiro público.
Pelo que se entende na
comunicação do governo, a marca do terceiro mandato de Lula é a transição
energética. Mas após o término do segundo mandato petista, em 2010, as eleições
para executivos e legislativos, tanto em nível nacional como estadual e municipal,
deixaram claro que a participação política incentivada pela esquerda ainda não
alterou problemas como a concentração de renda, falta de reforma agrária,
oligopolização do sistema bancário e a especulação imobiliária.
Defensora de pautas
mais ligadas a direitos sociais e a uma economia mais soberana, teoricamente, a
esquerda precisa defender uma reforma na participação política. Não é apenas
defender a inclusão digital ou otimizar o uso de tecnologia nas instituições nas
mais variadas áreas (política, economia, cultura, esporte, social, ambiental,
etc). É reformar a participação política.
Passados 30 anos após
o término da Ditadura Militar (1964-1985), a maneira como o povo participa
ainda é um verdadeiro fracasso, apesar de alguns avanços causados pela maior
facilidade de acesso à informação - de acesso, e não mudança na correlação das
forças produtivas. É a defesa de pautas que possam não apenas retomar direitos,
mas de identificar ilegalidades do capital financeiro, leis que possam limitar
margem de lucro, e aumentar responsabilidades dos chamados intermediários -
pessoas e/ou instituições que intermediam, fazem o elo entre produtor e o
cliente, consumidor final. Ex: bancos de investimentos, corretoras, etc.
No século 21, a cada
eleição o cenário fica preocupante para a esquerda, como foram as eleições de
2024. Até porque, em eleições para prefeito e vereador, existe mais proximidade
entre os candidatos e os eleitores por conta da questão territorial. Se o (s)
candidato a um cargo municipal for competente em sua campanha, fica difícil
para uma liderança nacional “furar esta bolha territorial”.
Entre os 10 partidos
mais vitoriosos no primeiro turno das eleições, apenas 3 são de esquerda. Um
deles é o PT, que, apesar de ser um partido de massa em um país com dimensão
continental, tem uma capilaridade política menor que a de Lula.
A outra sigla foi o
PSB, que tenta, desde os tempos do ex-presidenciável Eduardo Campos
(1965-2014), ficar mais independente. Na capital pernambucana, onde o prefeito
João Campos foi reeleito, o Partido dos Trabalhadores esteve na coligação das
12 legendas que apoiam o chefe do Executivo municipal. Mas os petistas não
ganharam a vice. O filho do ex-governador de Pernambuco terá Victor Marques
(PCdoB) como vice, em substituição a Isabella de Roldão (PDT).
O PT e o PDT têm
afinidades históricas, mas não se pode dizer que, atualmente, os dois partidos
têm uma relação extremamente harmoniosa por motivos como as diferenças
anunciadas publicamente entre petistas em geral e o ex-ministro Ciro Gomes.
<><> Mais
estatísticas e o cenário político em Brasília (DF)
As estatísticas das
eleições apontaram que o ‘Centrão’ venceu em pelo menos 4.334 das 5.050 cidades
onde 10 legendas lideraram o ranking de partidos com os maiores números de
prefeituras. Ao todo, 24 siglas disputaram 5.569 municípios brasileiros.
Pelas urnas, 6 das 10
legendas mais vitoriosas fazem parte do ‘Centrão’: PSD, que ganhou em 888
cidades, MDB (865) e PP (752). Na quarta posição ficou o União Brasil (589), o
PL (523) na quinta e o Republicanos (441) na sexta.
Em sétimo lugar ficou
o PSB (312), da centro-esquerda, seguido pelo PSDB (276), da centro-direita, e
por mais dois partidos do campo esquerdista – PT (253) e PDT (151).
Além dos partidos
mencionados que ocuparam as 6 primeiras posições no ranking, mais 2 legendas
integram o ‘Centrão’: o Podemos, que venceu em 126 municípios, e o PRD (Partido
da Renovação Democrática), que ganhou 77 prefeituras – fundada em 2023, esta última
sigla foi resultado da fusão entre o PTB e o Patriota.
No Congresso Nacional,
o Centrão pode render entre 220 e 280 votos para o governo na Câmara dos
Deputados, fazendo a base do governo ficar entre 350 e 400 deputados dos 513 da
Casa Legislativa.
Seria ilusão achar que
um presidente da República e seus ministros governam sem depender do Centrão.
Mas propostas de emendas, por exemplo, deveriam ser uniformizadas, no sentido
de garantir, obrigatoriamente, financiamentos coletivos (de todos os parlamentares
da Câmara) para uma área em um determinado período de tempo. Por exemplo: todos
os deputados federais seriam obrigados a destinar o dinheiro a um setor
(combate à fome, transporte público, educação, etc.
<><> Raio
X dos estados
Estreitar cada vez
mais a articulação com governadores é outro passo, até porque o cenário não é
tão favorável à esquerda. Dos 26 estados mais o Distrito Federal atualmente, 11
chefes de Executivos estaduais podem ser considerados aliados politicamente -
Alagoas (Paulo Dantas-MDB), Amapá (Clécio Luís-Solidariedade), Bahia (Jerônimo
Rodrigues-PT), Ceará (Elmano de Freitas-PT), Espírito Santo (Renato
Casagrande-PSB), Maranhão (Carlos Brandão-PSB), Pará (Helder Barbalho-MDB),
Paraíba (João Azevêdo-PSB), Piauí (Rafael Fonteles-PT) e Rio Grande do Norte
(Fátima Bezerra-PT) e Sergipe (Fábio Mitidieri-PSD).
Três dos principais
estados brasileiros, economicamente, são governados por oposicionistas da
esquerda – São Paulo (Tarcísio de Freitas-Republicanos), Rio de Janeiro
(Cláudio Castro-PL) e Minas Gerais (Romeu Zema-Novo).
Os números são
preocupantes do ponto de vista eleitoral para a esquerda e também do ponto de
vista partidário, na medida em que a distância entre a política institucional e
militantes precisa diminuir com urgência. Aliás, no sistema político de um modo
geral.
• No Brasil corrupto, falar em defesa da
democracia é jargão dos piores. Por Luís Felipe Pondé
Começo com um aviso:
como hoje a recepção de conteúdos beira o absurdo no que se refere ao
entendimento, devo dizer que profissionais da palavra pública como eu são
justamente aqueles mais interessados em regimes democráticos, porque sem a
liberdade de expressão e do contraditório não pagamos os nossos boletos —
claro, afora aqueles que trabalham somente como um hobby.
Vale dizer que não
creio que o absurdo referido acima acerca do entendimento dos conteúdos seja
apenas fruto de dificuldades de interpretação. Penso que a maioria desses
absurdos é fruto de má-fé mesmo por parte dos receptores das mensagens da
mídia.
Claro que há toda uma gama de pessoas que
falam nas redes sociais sobre diversos assuntos, principalmente política, que
usufruem da liberdade de expressão. Entretanto, afora os profissionais da
palavra pública, o restante continuaria a exercer suas funções dentro das
cadeias produtivas, mesmo que não existisse liberdade de expressão. Médicos,
advogados, engenheiros, técnicos em geral, funcionários públicos —estes nem
tanto, devido às baixarias que caracterizam esse universo da dependência direta
do Estado e do governo.
Hoje, quando ouço
alguém dizer expressões do tipo “em defesa da democracia”, já sei que vem algum
truque político ou jurídico. Essa expressão virou um jargão para reduzir o
escopo do entendimento das coisas. Numa sociedade como a contemporânea, que
tende mesmo à entropia, isso é péssimo. Nunca foi tão evidente a imperfeição do
mundo quanto nos últimos 200 anos, devido à farsa de progresso moral ou
político que caracteriza esses últimos dois séculos.
No caso do Brasil em
especial, país atravessado pela corrupção em todos os níveis, “em defesa da
democracia” serve como marcador de truculência institucional facilmente.
Usar essa expressão
virou um jargão dos piores. Regulação das redes é fácil no caso de Marçal e
suas mentiras, principalmente acerca de Boulos. Fácil tirar isso do ar, apesar
de que as pessoas que gostam de um candidato não estão nem aí se há alguma verdade
entre as versões contraditórias —mesmo que uma dessas versões venha do
Judiciário, que é tão parte da solução quanto do problema.
Por exemplo, quem
gosta de Bolsonaro pouco se importa se ele, durante a pandemia, foi um
irresponsável e ignorante. Pouco importa se ele está ou não metido em corrupção
como as rachadinhas — que no mundo dos políticos é o equivalente a batedores de
carteira. Por outro lado, amantes de Lula nunca acreditaram na versão de que
havia corrupção na Petrobrás ou, se havia, que ele tivesse algo a ver com ela.
E hoje, na sua condição de passar de condenado a presidente, ninguém se lembra
mais de nada.
A democracia é um
circo. E Brasília é o maior picadeiro.
Todos os regimes
políticos são, em grande medida, um circo, com palhaços de todos os tipos —os
súditos ou cidadãos são os mais numerosos nessa tribo. São muitos os filósofos
que apontaram isso ao longo da história. Entretanto, a democracia acrescenta um
ingrediente a mais nesse circo: a ideia de que há algum bem puro entre as
trapaças e interesses em ganhar a competição por votos, conhecida como eleição.
Ou dito de outra forma: a soberania popular é santa.
Sabe-se muito bem da
definição procedimental da democracia dada pelo economista Joseph Schumpeter
(1883 – 1850), que segue mais ou menos assim: em um regime em que instituições
legitimam uma competição por votos, quem ganha manda.
O cerne da soberania
popular é, ao mesmo tempo, um dos seus calcanhares de Aquiles no que concerne o
procedimento de atribuição dessa soberania. Desde Atenas, sabe-se da intima
relação entre democracia, retórica e mentira. Para quem gosta de X, nada em X é
falso. Para quem detesta Y, tudo em Y é falso.
Sem dúvida, os debates
sem Marçal poderiam talvez recuperar um tanto de dignidade no seu procedimento,
mas a ideia de que alguém abre mão da sua intenção de voto devido a uma
apresentação de projetos é uma ilusão —outro elemento do circo na democracia.
Mesmo pessoas
consideradas mais bem-formadas, em matéria de voto, não se diferenciam do comum
dos mortais. Vota em que está a fim, independente de qualquer aspecto racional
ou histórico ligado àquele candidato. Este é um dos maiores traços circenses da
democracia.
Nada disso deve ser
entendido como negação de que não temos saída fora da democracia, pois é o
regime menos pior que existe —toda forma de política é ruim. Mas deveria servir
para sermos menos ridículos em nossas confissões políticas, sobretudo em se tratando
de supostos adultos.
Fonte: Brasil
247/Folha
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