quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Leonardo Lucena: Com seu discurso ‘imparcial’, Centrão apontou ‘arco e flecha’ para o país

O resultado das eleições municipais demonstrou que as críticas de políticos a opositores têm um resultado limitado para quem tem a iniciativa de massificar o lado negativo de oponentes no campo de narrativa política. O anti bolsonarismo também estimula o antipetismo. Por consequência, dificulta mais ainda os objetivos políticos da esquerda, dá mais possibilidades de vitória a partidos direitistas e de centro.

Recordar com frequência os malfeitos do governo anterior em eventos públicos vem sendo um “tiro no pé” da esquerda. Militantes e políticos devem ter a total liberdade para denunciar o que acham um ato criminoso em alguma instituição política. Mas a Justiça é que tem o dever de guardar as leis, e punir devidamente sequestradores de dinheiro público.

Pelo que se entende na comunicação do governo, a marca do terceiro mandato de Lula é a transição energética. Mas após o término do segundo mandato petista, em 2010, as eleições para executivos e legislativos, tanto em nível nacional como estadual e municipal, deixaram claro que a participação política incentivada pela esquerda ainda não alterou problemas como a concentração de renda, falta de reforma agrária, oligopolização do sistema bancário e a especulação imobiliária.

Defensora de pautas mais ligadas a direitos sociais e a uma economia mais soberana, teoricamente, a esquerda precisa defender uma reforma na participação política. Não é apenas defender a inclusão digital ou otimizar o uso de tecnologia nas instituições nas mais variadas áreas (política, economia, cultura, esporte, social, ambiental, etc). É reformar a participação política.

Passados 30 anos após o término da Ditadura Militar (1964-1985), a maneira como o povo participa ainda é um verdadeiro fracasso, apesar de alguns avanços causados pela maior facilidade de acesso à informação - de acesso, e não mudança na correlação das forças produtivas. É a defesa de pautas que possam não apenas retomar direitos, mas de identificar ilegalidades do capital financeiro, leis que possam limitar margem de lucro, e aumentar responsabilidades dos chamados intermediários - pessoas e/ou instituições que intermediam, fazem o elo entre produtor e o cliente, consumidor final. Ex: bancos de investimentos, corretoras, etc.

No século 21, a cada eleição o cenário fica preocupante para a esquerda, como foram as eleições de 2024. Até porque, em eleições para prefeito e vereador, existe mais proximidade entre os candidatos e os eleitores por conta da questão territorial. Se o (s) candidato a um cargo municipal for competente em sua campanha, fica difícil para uma liderança nacional “furar esta bolha territorial”.

Entre os 10 partidos mais vitoriosos no primeiro turno das eleições, apenas 3 são de esquerda. Um deles é o PT, que, apesar de ser um partido de massa em um país com dimensão continental, tem uma capilaridade política menor que a de Lula.

A outra sigla foi o PSB, que tenta, desde os tempos do ex-presidenciável Eduardo Campos (1965-2014), ficar mais independente. Na capital pernambucana, onde o prefeito João Campos foi reeleito, o Partido dos Trabalhadores esteve na coligação das 12 legendas que apoiam o chefe do Executivo municipal. Mas os petistas não ganharam a vice. O filho do ex-governador de Pernambuco terá Victor Marques (PCdoB) como vice, em substituição a Isabella de Roldão (PDT).

O PT e o PDT têm afinidades históricas, mas não se pode dizer que, atualmente, os dois partidos têm uma relação extremamente harmoniosa por motivos como as diferenças anunciadas publicamente entre petistas em geral e o ex-ministro Ciro Gomes.

<><> Mais estatísticas e o cenário político em Brasília (DF)

As estatísticas das eleições apontaram que o ‘Centrão’ venceu em pelo menos 4.334 das 5.050 cidades onde 10 legendas lideraram o ranking de partidos com os maiores números de prefeituras. Ao todo, 24 siglas disputaram 5.569 municípios brasileiros.

Pelas urnas, 6 das 10 legendas mais vitoriosas fazem parte do ‘Centrão’: PSD, que ganhou em 888 cidades, MDB (865) e PP (752). Na quarta posição ficou o União Brasil (589), o PL (523) na quinta e o Republicanos (441) na sexta.

Em sétimo lugar ficou o PSB (312), da centro-esquerda, seguido pelo PSDB (276), da centro-direita, e por mais dois partidos do campo esquerdista – PT (253) e PDT (151).

Além dos partidos mencionados que ocuparam as 6 primeiras posições no ranking, mais 2 legendas integram o ‘Centrão’: o Podemos, que venceu em 126 municípios, e o PRD (Partido da Renovação Democrática), que ganhou 77 prefeituras – fundada em 2023, esta última sigla foi resultado da fusão entre o PTB e o Patriota.

No Congresso Nacional, o Centrão pode render entre 220 e 280 votos para o governo na Câmara dos Deputados, fazendo a base do governo ficar entre 350 e 400 deputados dos 513 da Casa Legislativa.

Seria ilusão achar que um presidente da República e seus ministros governam sem depender do Centrão. Mas propostas de emendas, por exemplo, deveriam ser uniformizadas, no sentido de garantir, obrigatoriamente, financiamentos coletivos (de todos os parlamentares da Câmara) para uma área em um determinado período de tempo. Por exemplo: todos os deputados federais seriam obrigados a destinar o dinheiro a um setor (combate à fome, transporte público, educação, etc.

<><> Raio X dos estados

Estreitar cada vez mais a articulação com governadores é outro passo, até porque o cenário não é tão favorável à esquerda. Dos 26 estados mais o Distrito Federal atualmente, 11 chefes de Executivos estaduais podem ser considerados aliados politicamente - Alagoas (Paulo Dantas-MDB), Amapá (Clécio Luís-Solidariedade), Bahia (Jerônimo Rodrigues-PT), Ceará (Elmano de Freitas-PT), Espírito Santo (Renato Casagrande-PSB), Maranhão (Carlos Brandão-PSB), Pará (Helder Barbalho-MDB), Paraíba (João Azevêdo-PSB), Piauí (Rafael Fonteles-PT) e Rio Grande do Norte (Fátima Bezerra-PT) e Sergipe (Fábio Mitidieri-PSD).

Três dos principais estados brasileiros, economicamente, são governados por oposicionistas da esquerda – São Paulo (Tarcísio de Freitas-Republicanos), Rio de Janeiro (Cláudio Castro-PL) e Minas Gerais (Romeu Zema-Novo).

Os números são preocupantes do ponto de vista eleitoral para a esquerda e também do ponto de vista partidário, na medida em que a distância entre a política institucional e militantes precisa diminuir com urgência. Aliás, no sistema político de um modo geral.

 

•        No Brasil corrupto, falar em defesa da democracia é jargão dos piores. Por Luís Felipe Pondé

Começo com um aviso: como hoje a recepção de conteúdos beira o absurdo no que se refere ao entendimento, devo dizer que profissionais da palavra pública como eu são justamente aqueles mais interessados em regimes democráticos, porque sem a liberdade de expressão e do contraditório não pagamos os nossos boletos — claro, afora aqueles que trabalham somente como um hobby.

Vale dizer que não creio que o absurdo referido acima acerca do entendimento dos conteúdos seja apenas fruto de dificuldades de interpretação. Penso que a maioria desses absurdos é fruto de má-fé mesmo por parte dos receptores das mensagens da mídia.

 Claro que há toda uma gama de pessoas que falam nas redes sociais sobre diversos assuntos, principalmente política, que usufruem da liberdade de expressão. Entretanto, afora os profissionais da palavra pública, o restante continuaria a exercer suas funções dentro das cadeias produtivas, mesmo que não existisse liberdade de expressão. Médicos, advogados, engenheiros, técnicos em geral, funcionários públicos —estes nem tanto, devido às baixarias que caracterizam esse universo da dependência direta do Estado e do governo.

Hoje, quando ouço alguém dizer expressões do tipo “em defesa da democracia”, já sei que vem algum truque político ou jurídico. Essa expressão virou um jargão para reduzir o escopo do entendimento das coisas. Numa sociedade como a contemporânea, que tende mesmo à entropia, isso é péssimo. Nunca foi tão evidente a imperfeição do mundo quanto nos últimos 200 anos, devido à farsa de progresso moral ou político que caracteriza esses últimos dois séculos.

No caso do Brasil em especial, país atravessado pela corrupção em todos os níveis, “em defesa da democracia” serve como marcador de truculência institucional facilmente.

Usar essa expressão virou um jargão dos piores. Regulação das redes é fácil no caso de Marçal e suas mentiras, principalmente acerca de Boulos. Fácil tirar isso do ar, apesar de que as pessoas que gostam de um candidato não estão nem aí se há alguma verdade entre as versões contraditórias —mesmo que uma dessas versões venha do Judiciário, que é tão parte da solução quanto do problema.

Por exemplo, quem gosta de Bolsonaro pouco se importa se ele, durante a pandemia, foi um irresponsável e ignorante. Pouco importa se ele está ou não metido em corrupção como as rachadinhas — que no mundo dos políticos é o equivalente a batedores de carteira. Por outro lado, amantes de Lula nunca acreditaram na versão de que havia corrupção na Petrobrás ou, se havia, que ele tivesse algo a ver com ela. E hoje, na sua condição de passar de condenado a presidente, ninguém se lembra mais de nada.

A democracia é um circo. E Brasília é o maior picadeiro.

Todos os regimes políticos são, em grande medida, um circo, com palhaços de todos os tipos —os súditos ou cidadãos são os mais numerosos nessa tribo. São muitos os filósofos que apontaram isso ao longo da história. Entretanto, a democracia acrescenta um ingrediente a mais nesse circo: a ideia de que há algum bem puro entre as trapaças e interesses em ganhar a competição por votos, conhecida como eleição. Ou dito de outra forma: a soberania popular é santa.

Sabe-se muito bem da definição procedimental da democracia dada pelo economista Joseph Schumpeter (1883 – 1850), que segue mais ou menos assim: em um regime em que instituições legitimam uma competição por votos, quem ganha manda.

O cerne da soberania popular é, ao mesmo tempo, um dos seus calcanhares de Aquiles no que concerne o procedimento de atribuição dessa soberania. Desde Atenas, sabe-se da intima relação entre democracia, retórica e mentira. Para quem gosta de X, nada em X é falso. Para quem detesta Y, tudo em Y é falso.

Sem dúvida, os debates sem Marçal poderiam talvez recuperar um tanto de dignidade no seu procedimento, mas a ideia de que alguém abre mão da sua intenção de voto devido a uma apresentação de projetos é uma ilusão —outro elemento do circo na democracia.

Mesmo pessoas consideradas mais bem-formadas, em matéria de voto, não se diferenciam do comum dos mortais. Vota em que está a fim, independente de qualquer aspecto racional ou histórico ligado àquele candidato. Este é um dos maiores traços circenses da democracia.

Nada disso deve ser entendido como negação de que não temos saída fora da democracia, pois é o regime menos pior que existe —toda forma de política é ruim. Mas deveria servir para sermos menos ridículos em nossas confissões políticas, sobretudo em se tratando de supostos adultos.

 

Fonte: Brasil 247/Folha

 

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