Entre o legal e o ilegal: a “onipresença”
das apostas esportivas na sociedade brasileira
Nos últimos meses,
proliferou-se pelos meios de comunicação a palavra “bet”. De noticiários
policiais, passando por conteúdos de economia, chegando às reportagens de
esporte, todos falando sobre o mesmo tema: as apostas esportivas e suas
consequências para a sociedade brasileira. Seja na perspectiva da
regulamentação ou na circulação financeira do negócio das apostas, seja no modo
como as pessoas passaram a conviver cotidianamente com as apostas ou mesmo os
diversos problemas e benefícios deste mercado em ascensão.
Nos noticiários policiais, as apostas
esportivas têm sido atreladas a investigações da justiça sobre lavagem de
dinheiro, organização criminosa e prática de jogos ilegais. As acusações
atingem pessoas ligadas direta e indiretamente a esse mercado: CEOs de casas de
apostas, “influencers” divulgadores das bets, como a advogada Deolane Bezerra
que acumula mais de 21 milhões de seguidores em suas páginas oficiais, até
artistas, como o cantor sertanejo Gusttavo Lima.
<><> O
surgimento de um mercado global bilionário
Para compreender um
pouco mais deste enredo, bastante complexo, é necessário voltar alguns anos,
mais precisamente em 2018, quando o então presidente Michel Temer aprovou a lei
13.756 que versava sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), sobre a
destinação do produto da arrecadação das loterias e sobre a promoção comercial
e a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa. Com a lei, Temer,
sutilmente, revogou alguns decretos federais do período ditatorial que proibiam
apostas esportivas, contudo não trouxe uma regulamentação robusta sobre o tema.
O prazo para
regulamentação, a princípio, era de dois anos, o que não aconteceu. Passaram-se
mais quatro anos do antigo governo e pouca coisa foi feita, até que a atual
gestão federal passou a agir em prol de um marco normativo das apostas.
Entretanto, alguns estragos já estavam feitos, sobretudo por conta dos seis
anos de letargia estatal, o que deu vazão a um mercado global bilionário, uma
caixa de Pandora que mescla questionamentos à ética no futebol, escândalos de
manipulação de resultados, lavagem de dinheiro e um problema iminente de saúde
pública: o vício de apostadores.
Nos últimos meses, por
iniciativa da atual gestão federal, o processo de regulamentação desse mercado
parece ter caminhado. Em dezembro de 2023 foi aprovada uma nova lei 14.790, que
estrutura a regulamentação das apostas no Brasil, bem como as diferentes
instituições e atores desse setor. No decorrer de 2024, as casas de apostas
foram instruídas a adequar-se à nova lei. Contudo, o principal foco do poder
público parece estar nos aspectos tributários e no retorno financeiro que pode
ser gerado ao Estado, preocupando-se menos com os pormenores da circulação
financeira, da grande publicidade, entre outros fatores que atingem o cotidiano
das pessoas, como a relação entre as casas de apostas e os clubes de futebol, a
CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a mídia e o principal mobilizador
desse negócio: os apostadores.
<><> O
futebol brasileiro e as casas de apostas
Para se ter uma noção
do crescimento do mercado das bets no Brasil, dentre os vinte clubes da Série A
do Campeonato Brasileiro, dezenove são patrocinados por casas de apostas. São doze empresas ligadas às apostas esportivas
apoiando dezenove times. Por se tratarem de clubes tradicionais do futebol
brasileiro, os quais geram grande mobilização, é comum ocorrerem ações
publicitárias focadas no engajamento dos torcedores. Estimulando a paixão do
futebol, as casas apostam no maior ativo dos clubes, buscando transformar
torcedores em clientes.
O aumento da presença
das bets como patrocinadoras dos clubes, por si só, denota o engajamento
financeiro dessas empresas no futebol, mas isso também aparece nas placas de
publicidade, nos garotos e nas garotas propaganda, nas federações esportivas,
bem como nas empresas de comunicação. Assim, diversas competições, inclusive o
próprio Campeonato Brasileiro, são patrocinadas por estas empresas, o que tem
levantado discussões sobre o seu protagonismo financeiro no futebol nacional e
a dificuldade de compreensão sobre como circula e para onde vai todo o dinheiro
arrecadado.
Outro ponto importante
se refere ao local de origem e sede dessas empresas: em sua maioria fora do
Brasil, o que pode dificultar a fiscalização financeira e contábil de tais
empreendimentos. Nesse sentido, no início de outubro o Ministério da Fazenda,
por meio da Portaria 1.475, divulgou a lista das casas de apostas liberadas
para operar temporariamente até o fim do ano no país. Dentre as vetadas,
aparecem duas casas que patrocinam clubes da Série A do Brasileiro: Esportes da
Sorte e Stake.
Ainda em relação aos
países de origem das casas de apostas que atuam no Brasil, o que também chama a
atenção é o fato da concentração das sedes das empresas em pequenos países. É o
caso de Curaçau, que aparece como domicílio de cinco dessas casas de apostas:
um pequeno país insular, localizado na América Central, banhado pelo Mar do
Caribe, reconhecido por suas belas paisagens naturais e considerado um “paraíso
fiscal”, ou seja, um território de regime tributário privilegiado ao capital.
Em outras palavras, um país em que há pouca fiscalização acerca das origens dos
ativos financeiros depositados, além de poucos impostos auferidos sobre estes.
Por que essas empresas
têm suas sedes em paraísos fiscais? Para onde é escoado todo esse dinheiro
oriundo das apostas esportivas? São perguntas que parecem estar na ordem do dia
para os órgãos da justiça brasileira e das forças policiais, as quais recentemente
mobilizaram um conjunto de ações com o intuito de compreender de onde vem e
para onde vai o dinheiro das casas de apostas, inclusive expedindo mandados de
busca, apreensão e prisão.
<><> Além
da manipulação dos resultados
As apostas esportivas
despertaram a atenção enquanto um problema ético depois que o Ministério
Público de Goiás, em 2023, iniciou a operação Penalidade Máxima, que culminou
em uma série de investigações e autuações, dentre apostadores, aliciadores e
jogadores profissionais de futebol, acusados de manipular ações em partidas
para beneficiar terceiros. Os esquemas revelados apresentam o modo distorcido
em que as apostas se dão, findando em resultados que perpassam a desonestidade
e a descredibilidade no futebol profissional, além de um certo desconhecimento
dos limites e alcances da ética no tocante às apostas.
Um dos exemplos mais
recentes é o caso do jogador brasileiro Lucas Paquetá, que atua no futebol
inglês pela equipe do West Ham e está sendo investigado por suposta relação com
a manipulação de jogos. O meio-campista foi indiciado pela Federação Inglesa de
Futebol (Premier League) por executar ações premeditadas em algumas partidas do
Campeonato Inglês para favorecer conhecidos. Nos atos em questão, o jogador
tomou cartões amarelos, coincidindo com apostas feitas por apostadores no
Brasil, mais precisamente na Ilha de Paquetá, local de nascimento e homônimo do
apelido do atleta.
Na Sociologia do
Esporte há uma gama de autores que discutem a diferença entre o esporte, o jogo
e a brincadeira[1] de modo a discutir essas práticas e suas diferenças: uma
modalidade profissional organizada por regras gerais e organização de
campeonatos, uma prática recreativa voltada para a socialização entre pessoas e
um mero ato lúdico. Pela permissão das bets no país ter ocorrido de modo
nebuloso e desacompanhando de uma regulamentação vigorosa, parece haver uma
linha tênue entre o legal e o ilegal. Sendo assim, a sociedade brasileira
parece conviver com o fenômeno de modo confuso.
Por desconhecimento do
que é o ato de apostar, essa prática parece se embaralhar entre onde começa o
esporte, o jogo e a brincadeira. Sendo inocente ou culpado no processo que
corre na justiça inglesa, o fato é que Paquetá parece algoz e ao mesmo tempo vítima
da naturalização das apostas esportivas no mundo do futebol e na sociedade
brasileira. Junto à permissão para o jogo de apostas, seus investimentos,
publicidades e tudo que está por trás disso, seria importante o estabelecimento
de campanhas educativas e o melhor entendimento dos limites entre o esporte, o
jogo e a brincadeira.
Um levantamento
organizado pela CBF no ano de 2022 identificou 139 jogos com movimentações
atípicas em sites de apostas. Já o relatório anual da Sportradar, ao analisar
dados do mercado de apostas no mesmo ano, apontou o Brasil como o país com mais
jogos suspeitos de manipulação no mundo: foram 152 partidas sob desconfiança de
manipulação, representando 12% dos casos mapeados. Esses números alarmantes
apontam para as consequências da desregulamentação do mercado e mais ainda, da
negligência do Estado em não observar um fenômeno social que acompanha há
tempos o crescimento do mercado de apostas em outros países: a ludopatia.
<><> Mundo
das apostas e a ludopatia
A partir da
perspectiva da psicologia, o trabalho de Allison dos Santos “Rastreamento do
transtorno do jogo: um panorama sobre os apostadores esportivos brasileiros” de
2019 já apontava para esse problema. Pensando a realidade brasileira, Alisson
entrevistou 182 apostadores a fim de encontrar prováveis apostadores com
transtorno de jogo, sendo que 57% apresentaram possível problema. Mesmo antes
da descriminalização das apostas esportivas, em 2018, já existia um campo de
apostadores online no Brasil, o que só aumentou nesses últimos seis anos. Nesse
sentido, segundo uma pesquisa do DataFolha, apresentada em janeiro de 2024, 15%
dos brasileiros disseram apostar ou já ter feito apostas esportivas online.
Assim também outro
estudo da Consultoria Strategy& diz que o mercado de apostas até o fim do
ano de 2024 poderá mobilizar 130 bilhões de reais. O objetivo central do estudo
era entender o porquê da melhora nos índices de emprego e renda não refletiram
no poder de compra das classes C e D. A resposta está nas “bets”, pois as
pessoas têm deixado de consumir e até mesmo de poupar dinheiro para gastar com
apostas esportivas: irracionalidade das pessoas em deixar de comprar produtos
básicos do cotidiano para apostar?
Indo além dos
julgamentos, normalmente preconceituosos, percebemos que a questão perpassa o
despreparo do poder público em olhar para o vício e para a educação das pessoas
no modo como devem relacionar-se com as apostas. Essa “brincadeira”, por falta
de instrução, tornou-se um grave problema de saúde pública no país e poderá ter
um impacto significativo na vida dos brasileiros, sobretudo aqueles oriundos
das classes de maior vulnerabilidade social. Até o momento, a agenda
governamental dedicou pouca atenção ao problema social do vício em apostas.
Como aponta reportagem da Folha de São Paulo, o Ministério da Fazenda teve mais
de 250 reuniões com representantes de casas de apostas e somente cinco com
especialistas da área da saúde que discutem o vício em jogos.
Se pode gerar novas
arrecadações ao Estado, propiciando maiores investimentos em áreas como
educação, saúde e esporte, as apostas poderão também gerar maiores custos no
cuidado da população com possíveis transtornos em jogos, além de transferir o
consumo em áreas de grande importância, como o varejo e os serviços básicos,
para os cofres de empresas multinacionais. Enfim, a onipresença das apostas na
vida dos brasileiros pode ter grandes consequências, efeitos de um mercado que
ainda vive entre a legalidade e a ilegalidade.
• "Eu pagava R$ 50 mil a um
árbitro", diz empresário na CPI das Apostas
O depoimento do
empresário William Rogatto na CPI das apostas e manipulações no Senado Federal
trouxe declarações muito sérias e caiu como uma bomba nos bastidores do futebol
brasileiro. Ele afirmou, entre muitas coisas, que já operou com árbitros do quadro
da Fifa na manipulação de resultados. Segundo ele, é fácil chegar em um
profissional que ganha R$ 7 mil para apitar um jogo importante do campeonato
brasileiro e oferecer R$ 50 mil para ele entrar no esquema.
“Tinha árbitros
também, dos dois. Um árbitro hoje oficial ganha em torno de R$ 7 mil por jogo,
eu pagava R$ 50 mil para ele, o árbitro ganha pouco, o gatilho do futebol está
na máfia, que é a confederação, é a CBF, que tem recursos e não passa. É tão
simples, é uma matemática tão perfeita, não vê quem não quer. Está tão feio
que, como não acontece nada, o sistema não faz nada, você vem e oferece um
dinheiro fácil. Isso é um gatilho da corrupção que temos no Brasil. Eu sou uma
máquina que estou oferecendo para o atleta dinheiro fácil e dando dignidade
para ele oferecer comida ao filho dele”, respondeu Willian ao senador Carlos
Portinho (PL-RJ) sobre a participação de árbitros de confederações e da Fifa no
esquema de manipulações que comandava.
O empresário citou
também o VAR, dizendo que todo mundo assiste na televisão quando os árbitros
mudam a interpretação dos lances quando vão consultar o VAR e isso já é a outra
parte do esquema quando o operador do VAR estaria envolvido.
O empresário do mundo
das apostas falou, mas não apresentou nenhuma prova do que disse, aliás, a
comunidade esportiva espera essas provas a algum tempo desde que o dono da SAF
do Botafogo, John Textor, fez afirmação parecida. Contudo, isso traz uma reflexão
ao afirmar que os árbitros ganham muito mal diante da enorme responsabilidade
que têm e que as federações e a própria CBF têm recursos mas não valorizam
esses profissionais.
A verdade é que o
futebol brasileiro entrou de cabeça no mundo das bets. O principal patrocinador
do Campeonato Brasileiro e de vários clubes são operadoras de apostas, o que,
diante de tantas acusações e desconfianças, leva a questionamentos e acusações
- sem provas - acerca das decisões da arbitragem dentro de campo, o que afeta
seriamente a credibilidade não só da arbitragem, mas também de toda a estrutura
do futebol brasileiro.
Nem em jogo festivo
dão folga à arbitragem
O jogo da esperança
com craques de futebol e artistas foi uma festa de solidariedade e
brincadeiras, como deve ser eventos voltados para crianças. Artistas e atletas
se divertiram e contribuíram muito para a iniciativa que já mudou a vida de
muitas pessoas pelo Brasil afora.
Uma pequena
contradição me chamou a atenção em relação a arbitragem do jogo festivo.
Ex-atletas, que estavam jogando com microfones, faziam exatamente a mesma coisa
que criticam quando estão comentando os jogos. Pode parecer uma brincadeira,
mas pressionar e reclamar da arbitragem é algo que está na cultura do jogador
brasileiro e não é de hoje.
A árbitra Fifa Edina
Alves sorria quase sem graça e tentava parecer não estar incomodada quando era
questionada quase o tempo todo em suas marcações. Ah, mas era uma brincadeira.
Brincadeira que muitas vezes retrata a realidade. Exatamente igual ao que acontece
nos jogos oficiais, a árbitra teve dificuldade para chegar até a cabine do VAR
quando precisou ir até lá.
Na brincadeira, foi
pressionada, questionada e teve até que mostrar cartão amarelo para um dos
jogadores. O Jogo da Esperança também poderia ter sido o jogo do exemplo em
algumas situações, mas prevaleceu a brincadeira do faça o que eu digo, mas não
faça o que eu faço.
Fonte: Por Gustavo
Reis de Araujo, no Le Monde/A Gazeta
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