quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Entre o legal e o ilegal: a “onipresença” das apostas esportivas na sociedade brasileira

Nos últimos meses, proliferou-se pelos meios de comunicação a palavra “bet”. De noticiários policiais, passando por conteúdos de economia, chegando às reportagens de esporte, todos falando sobre o mesmo tema: as apostas esportivas e suas consequências para a sociedade brasileira. Seja na perspectiva da regulamentação ou na circulação financeira do negócio das apostas, seja no modo como as pessoas passaram a conviver cotidianamente com as apostas ou mesmo os diversos problemas e benefícios deste mercado em ascensão.

 Nos noticiários policiais, as apostas esportivas têm sido atreladas a investigações da justiça sobre lavagem de dinheiro, organização criminosa e prática de jogos ilegais. As acusações atingem pessoas ligadas direta e indiretamente a esse mercado: CEOs de casas de apostas, “influencers” divulgadores das bets, como a advogada Deolane Bezerra que acumula mais de 21 milhões de seguidores em suas páginas oficiais, até artistas, como o cantor sertanejo Gusttavo Lima.

<><> O surgimento de um mercado global bilionário

Para compreender um pouco mais deste enredo, bastante complexo, é necessário voltar alguns anos, mais precisamente em 2018, quando o então presidente Michel Temer aprovou a lei 13.756 que versava sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), sobre a destinação do produto da arrecadação das loterias e sobre a promoção comercial e a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa. Com a lei, Temer, sutilmente, revogou alguns decretos federais do período ditatorial que proibiam apostas esportivas, contudo não trouxe uma regulamentação robusta sobre o tema.

O prazo para regulamentação, a princípio, era de dois anos, o que não aconteceu. Passaram-se mais quatro anos do antigo governo e pouca coisa foi feita, até que a atual gestão federal passou a agir em prol de um marco normativo das apostas. Entretanto, alguns estragos já estavam feitos, sobretudo por conta dos seis anos de letargia estatal, o que deu vazão a um mercado global bilionário, uma caixa de Pandora que mescla questionamentos à ética no futebol, escândalos de manipulação de resultados, lavagem de dinheiro e um problema iminente de saúde pública: o vício de apostadores.

Nos últimos meses, por iniciativa da atual gestão federal, o processo de regulamentação desse mercado parece ter caminhado. Em dezembro de 2023 foi aprovada uma nova lei 14.790, que estrutura a regulamentação das apostas no Brasil, bem como as diferentes instituições e atores desse setor. No decorrer de 2024, as casas de apostas foram instruídas a adequar-se à nova lei. Contudo, o principal foco do poder público parece estar nos aspectos tributários e no retorno financeiro que pode ser gerado ao Estado, preocupando-se menos com os pormenores da circulação financeira, da grande publicidade, entre outros fatores que atingem o cotidiano das pessoas, como a relação entre as casas de apostas e os clubes de futebol, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a mídia e o principal mobilizador desse negócio: os apostadores.

<><> O futebol brasileiro e as casas de apostas

Para se ter uma noção do crescimento do mercado das bets no Brasil, dentre os vinte clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, dezenove são patrocinados por casas de apostas.  São doze empresas ligadas às apostas esportivas apoiando dezenove times. Por se tratarem de clubes tradicionais do futebol brasileiro, os quais geram grande mobilização, é comum ocorrerem ações publicitárias focadas no engajamento dos torcedores. Estimulando a paixão do futebol, as casas apostam no maior ativo dos clubes, buscando transformar torcedores em clientes.

O aumento da presença das bets como patrocinadoras dos clubes, por si só, denota o engajamento financeiro dessas empresas no futebol, mas isso também aparece nas placas de publicidade, nos garotos e nas garotas propaganda, nas federações esportivas, bem como nas empresas de comunicação. Assim, diversas competições, inclusive o próprio Campeonato Brasileiro, são patrocinadas por estas empresas, o que tem levantado discussões sobre o seu protagonismo financeiro no futebol nacional e a dificuldade de compreensão sobre como circula e para onde vai todo o dinheiro arrecadado.

Outro ponto importante se refere ao local de origem e sede dessas empresas: em sua maioria fora do Brasil, o que pode dificultar a fiscalização financeira e contábil de tais empreendimentos. Nesse sentido, no início de outubro o Ministério da Fazenda, por meio da Portaria 1.475, divulgou a lista das casas de apostas liberadas para operar temporariamente até o fim do ano no país. Dentre as vetadas, aparecem duas casas que patrocinam clubes da Série A do Brasileiro: Esportes da Sorte e Stake.

Ainda em relação aos países de origem das casas de apostas que atuam no Brasil, o que também chama a atenção é o fato da concentração das sedes das empresas em pequenos países. É o caso de Curaçau, que aparece como domicílio de cinco dessas casas de apostas: um pequeno país insular, localizado na América Central, banhado pelo Mar do Caribe, reconhecido por suas belas paisagens naturais e considerado um “paraíso fiscal”, ou seja, um território de regime tributário privilegiado ao capital. Em outras palavras, um país em que há pouca fiscalização acerca das origens dos ativos financeiros depositados, além de poucos impostos auferidos sobre estes.

Por que essas empresas têm suas sedes em paraísos fiscais? Para onde é escoado todo esse dinheiro oriundo das apostas esportivas? São perguntas que parecem estar na ordem do dia para os órgãos da justiça brasileira e das forças policiais, as quais recentemente mobilizaram um conjunto de ações com o intuito de compreender de onde vem e para onde vai o dinheiro das casas de apostas, inclusive expedindo mandados de busca, apreensão e prisão.

<><> Além da manipulação dos resultados

As apostas esportivas despertaram a atenção enquanto um problema ético depois que o Ministério Público de Goiás, em 2023, iniciou a operação Penalidade Máxima, que culminou em uma série de investigações e autuações, dentre apostadores, aliciadores e jogadores profissionais de futebol, acusados de manipular ações em partidas para beneficiar terceiros. Os esquemas revelados apresentam o modo distorcido em que as apostas se dão, findando em resultados que perpassam a desonestidade e a descredibilidade no futebol profissional, além de um certo desconhecimento dos limites e alcances da ética no tocante às apostas.

Um dos exemplos mais recentes é o caso do jogador brasileiro Lucas Paquetá, que atua no futebol inglês pela equipe do West Ham e está sendo investigado por suposta relação com a manipulação de jogos. O meio-campista foi indiciado pela Federação Inglesa de Futebol (Premier League) por executar ações premeditadas em algumas partidas do Campeonato Inglês para favorecer conhecidos. Nos atos em questão, o jogador tomou cartões amarelos, coincidindo com apostas feitas por apostadores no Brasil, mais precisamente na Ilha de Paquetá, local de nascimento e homônimo do apelido do atleta.

Na Sociologia do Esporte há uma gama de autores que discutem a diferença entre o esporte, o jogo e a brincadeira[1] de modo a discutir essas práticas e suas diferenças: uma modalidade profissional organizada por regras gerais e organização de campeonatos, uma prática recreativa voltada para a socialização entre pessoas e um mero ato lúdico. Pela permissão das bets no país ter ocorrido de modo nebuloso e desacompanhando de uma regulamentação vigorosa, parece haver uma linha tênue entre o legal e o ilegal. Sendo assim, a sociedade brasileira parece conviver com o fenômeno de modo confuso.

Por desconhecimento do que é o ato de apostar, essa prática parece se embaralhar entre onde começa o esporte, o jogo e a brincadeira. Sendo inocente ou culpado no processo que corre na justiça inglesa, o fato é que Paquetá parece algoz e ao mesmo tempo vítima da naturalização das apostas esportivas no mundo do futebol e na sociedade brasileira. Junto à permissão para o jogo de apostas, seus investimentos, publicidades e tudo que está por trás disso, seria importante o estabelecimento de campanhas educativas e o melhor entendimento dos limites entre o esporte, o jogo e a brincadeira.

Um levantamento organizado pela CBF no ano de 2022 identificou 139 jogos com movimentações atípicas em sites de apostas. Já o relatório anual da Sportradar, ao analisar dados do mercado de apostas no mesmo ano, apontou o Brasil como o país com mais jogos suspeitos de manipulação no mundo: foram 152 partidas sob desconfiança de manipulação, representando 12% dos casos mapeados. Esses números alarmantes apontam para as consequências da desregulamentação do mercado e mais ainda, da negligência do Estado em não observar um fenômeno social que acompanha há tempos o crescimento do mercado de apostas em outros países: a ludopatia.

<><> Mundo das apostas e a ludopatia

A partir da perspectiva da psicologia, o trabalho de Allison dos Santos “Rastreamento do transtorno do jogo: um panorama sobre os apostadores esportivos brasileiros” de 2019 já apontava para esse problema. Pensando a realidade brasileira, Alisson entrevistou 182 apostadores a fim de encontrar prováveis apostadores com transtorno de jogo, sendo que 57% apresentaram possível problema. Mesmo antes da descriminalização das apostas esportivas, em 2018, já existia um campo de apostadores online no Brasil, o que só aumentou nesses últimos seis anos. Nesse sentido, segundo uma pesquisa do DataFolha, apresentada em janeiro de 2024, 15% dos brasileiros disseram apostar ou já ter feito apostas esportivas online.

Assim também outro estudo da Consultoria Strategy& diz que o mercado de apostas até o fim do ano de 2024 poderá mobilizar 130 bilhões de reais. O objetivo central do estudo era entender o porquê da melhora nos índices de emprego e renda não refletiram no poder de compra das classes C e D. A resposta está nas “bets”, pois as pessoas têm deixado de consumir e até mesmo de poupar dinheiro para gastar com apostas esportivas: irracionalidade das pessoas em deixar de comprar produtos básicos do cotidiano para apostar?

Indo além dos julgamentos, normalmente preconceituosos, percebemos que a questão perpassa o despreparo do poder público em olhar para o vício e para a educação das pessoas no modo como devem relacionar-se com as apostas. Essa “brincadeira”, por falta de instrução, tornou-se um grave problema de saúde pública no país e poderá ter um impacto significativo na vida dos brasileiros, sobretudo aqueles oriundos das classes de maior vulnerabilidade social. Até o momento, a agenda governamental dedicou pouca atenção ao problema social do vício em apostas. Como aponta reportagem da Folha de São Paulo, o Ministério da Fazenda teve mais de 250 reuniões com representantes de casas de apostas e somente cinco com especialistas da área da saúde que discutem o vício em jogos.

Se pode gerar novas arrecadações ao Estado, propiciando maiores investimentos em áreas como educação, saúde e esporte, as apostas poderão também gerar maiores custos no cuidado da população com possíveis transtornos em jogos, além de transferir o consumo em áreas de grande importância, como o varejo e os serviços básicos, para os cofres de empresas multinacionais. Enfim, a onipresença das apostas na vida dos brasileiros pode ter grandes consequências, efeitos de um mercado que ainda vive entre a legalidade e a ilegalidade.

 

•        "Eu pagava R$ 50 mil a um árbitro", diz empresário na CPI das Apostas

O depoimento do empresário William Rogatto na CPI das apostas e manipulações no Senado Federal trouxe declarações muito sérias e caiu como uma bomba nos bastidores do futebol brasileiro. Ele afirmou, entre muitas coisas, que já operou com árbitros do quadro da Fifa na manipulação de resultados. Segundo ele, é fácil chegar em um profissional que ganha R$ 7 mil para apitar um jogo importante do campeonato brasileiro e oferecer R$ 50 mil para ele entrar no esquema.

“Tinha árbitros também, dos dois. Um árbitro hoje oficial ganha em torno de R$ 7 mil por jogo, eu pagava R$ 50 mil para ele, o árbitro ganha pouco, o gatilho do futebol está na máfia, que é a confederação, é a CBF, que tem recursos e não passa. É tão simples, é uma matemática tão perfeita, não vê quem não quer. Está tão feio que, como não acontece nada, o sistema não faz nada, você vem e oferece um dinheiro fácil. Isso é um gatilho da corrupção que temos no Brasil. Eu sou uma máquina que estou oferecendo para o atleta dinheiro fácil e dando dignidade para ele oferecer comida ao filho dele”, respondeu Willian ao senador Carlos Portinho (PL-RJ) sobre a participação de árbitros de confederações e da Fifa no esquema de manipulações que comandava.

O empresário citou também o VAR, dizendo que todo mundo assiste na televisão quando os árbitros mudam a interpretação dos lances quando vão consultar o VAR e isso já é a outra parte do esquema quando o operador do VAR estaria envolvido.

O empresário do mundo das apostas falou, mas não apresentou nenhuma prova do que disse, aliás, a comunidade esportiva espera essas provas a algum tempo desde que o dono da SAF do Botafogo, John Textor, fez afirmação parecida. Contudo, isso traz uma reflexão ao afirmar que os árbitros ganham muito mal diante da enorme responsabilidade que têm e que as federações e a própria CBF têm recursos mas não valorizam esses profissionais.

A verdade é que o futebol brasileiro entrou de cabeça no mundo das bets. O principal patrocinador do Campeonato Brasileiro e de vários clubes são operadoras de apostas, o que, diante de tantas acusações e desconfianças, leva a questionamentos e acusações - sem provas - acerca das decisões da arbitragem dentro de campo, o que afeta seriamente a credibilidade não só da arbitragem, mas também de toda a estrutura do futebol brasileiro.

Nem em jogo festivo dão folga à arbitragem

O jogo da esperança com craques de futebol e artistas foi uma festa de solidariedade e brincadeiras, como deve ser eventos voltados para crianças. Artistas e atletas se divertiram e contribuíram muito para a iniciativa que já mudou a vida de muitas pessoas pelo Brasil afora.

Uma pequena contradição me chamou a atenção em relação a arbitragem do jogo festivo. Ex-atletas, que estavam jogando com microfones, faziam exatamente a mesma coisa que criticam quando estão comentando os jogos. Pode parecer uma brincadeira, mas pressionar e reclamar da arbitragem é algo que está na cultura do jogador brasileiro e não é de hoje.

A árbitra Fifa Edina Alves sorria quase sem graça e tentava parecer não estar incomodada quando era questionada quase o tempo todo em suas marcações. Ah, mas era uma brincadeira. Brincadeira que muitas vezes retrata a realidade. Exatamente igual ao que acontece nos jogos oficiais, a árbitra teve dificuldade para chegar até a cabine do VAR quando precisou ir até lá.

Na brincadeira, foi pressionada, questionada e teve até que mostrar cartão amarelo para um dos jogadores. O Jogo da Esperança também poderia ter sido o jogo do exemplo em algumas situações, mas prevaleceu a brincadeira do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

 

Fonte: Por Gustavo Reis de Araujo, no Le Monde/A Gazeta

 

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