Como algoritmos mudaram a maneira como
interagimos
Os algoritmos de rede
social, em sua forma comumente conhecida, já completaram 15 anos.
Eles nasceram com o
surgimento de feeds de notícias personalizados e classificados no Facebook em
2009 e transformaram a forma que interagimos na internet.
Como muitos
adolescentes, eles representam um desafio para os adultos que esperam conter
seus excessos.
Não é por falta de
tentativa. Só este ano, governos de todo o mundo tentaram limitar os impactos
dos conteúdos nocivos e da desinformação nas redes sociais – efeitos que são
amplificados por algoritmos.
No Brasil, o X,
anteriormente conhecido como Twitter, foi banido por decisão do ministro do
Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes até que o site concordou em nomear
um representante legal no país e bloquear uma lista de contas que as
autoridades acusaram de questionar a legitimidade das últimas eleições.
Enquanto isso, a União
Europeia introduziu novas regras que ameaçam multar as empresas de tecnologia
em 6% do volume de negócios e suspendê-las se não conseguirem evitar que suas
plataformas sejam utilizadas para intereferência em processos eleitorais.
No Reino Unido, uma
nova lei de segurança online obriga os sites de redes sociais a reforçar a
moderação de conteúdo.
E, nos EUA, uma
proposta de lei pode proibir o TikTok se o aplicativo não for vendido por sua
controladora chinesa.
Governos enfrentam
acusações de que estão restringindo a liberdade de expressão e interferindo nos
princípios da internet, tal como estabelecidos nos seus primórdios.
Num ensaio de 1996,
republicado por 500 websites – o mais próximo que se podia chegar de se tornar
viral naquela época –, o poeta americano e criador de gado John Perry Barlow
disse: “Governos do mundo industrial, gigantes cansados de carne e aço, eu venho
do ciberespaço, o novo lar da mente. Em nome do futuro, peço ao passado que nos
deixe em paz. Você não é bem-vindo entre nós. Você não tem soberania onde nos
reunimos.”
Adam Candeub,
professor de Direito e ex-conselheiro do presidente Trump, que se descreve como
um absolutista da liberdade de expressão, disse à BBC que as redes sociais
estão “polarizando, são turbulentas, são rudes”, uma “maneira terrível de ter
discurso público”.
“Mas a alternativa,
que penso que muitos governos estão defendendo, é torná-la um instrumento de
controle social e político, e acho isso horrível.”
O professor Candeub
acredita que, a menos que haja “um perigo claro e presente” representado pelo
conteúdo, “a melhor abordagem é um mercado de ideias e abertura para diferentes
pontos de vista”.
• Os limites da 'praça digital'
Esta ideia de um
“mercado de ideias” alimenta a visão de que as redes sociais oferecem condições
de concorrência equitativas, permitindo que todas as vozes sejam ouvidas
igualmente.
Quando assumiu o
Twitter (agora rebatizado como X) em 2022, Elon Musk disse que, externamente,
via a plataforma como uma “praça digital”.
Mas será que isso
deixa de levar em conta o papel dos algoritmos?
De acordo com Asha
Rangappa, advogada e professora de assuntos globais da Universidade de Yale
(EUA), Musk “ignora algumas diferenças importantes entre a praça tradicional e
a online: remover todas as restrições de conteúdo sem levar em conta essas
diferenças prejudicaria o debate democrático, em vez de ajudá-lo. ”
Rangappa diz que o
conceito de “mercado de ideias” é baseado na “premissa de que as ideias devem
competir entre si sem interferência do governo”. No entanto, afirma ela, “o
problema é que plataformas de redes sociais como o Twitter não se parecem em
nada com uma verdadeira praça pública”.
Em vez disso,
argumenta Rangappa, “as características das plataformas de redes sociais não
permitem, para começar, uma competição livre e justa de ideias... o 'valor' de
uma ideia nas redes sociais não é um reflexo de quão boa ela é, mas é antes o
produto do algoritmo da plataforma.”
• A evolução dos algoritmos
Os algoritmos podem
observar o nosso comportamento e determinar o que milhões de nós vemos quando
estamos logados – e, para alguns, foram os algoritmos que afetaram a livre
troca de ideias possível na internet quando ela foi criada.
“Nos seus primeiros
dias, as redes sociais funcionavam como uma espécie de esfera pública digital,
com o discurso fluindo livremente”, disseram à BBC Kai Riemer e Sandra Peter,
professores da University of Sydney Business School.
No entanto, “os
algoritmos nas plataformas de redes sociais remodelaram fundamentalmente a
natureza da liberdade de expressão, não necessariamente restringindo o que pode
ser dito, mas determinando quem pode ver qual conteúdo”, dizem os professores
Riemer e Peter, cuja pesquisa analisa o porquê precisamos repensar a liberdade
de expressão nas redes sociais.
“Em vez de as ideias
competirem livremente pelos seus méritos, os algoritmos amplificam ou suprimem
o alcance das mensagens, introduzindo uma forma de interferência sem
precedentes na livre troca de ideias que é muitas vezes ignorada.”
O Facebook é um dos
pioneiros em algoritmos de recomendação nas redes sociais e, com cerca de três
bilhões de usuários, seu feed é indiscutivelmente um dos maiores.
Quando a plataforma
lançou um algoritmo de classificação baseado nos dados dos usuários, há 15
anos, em vez de ver as postagens em ordem cronológica, as pessoas passaram a
ver o que o Facebook queria que elas vissem.
Determinado pelas
interações em cada postagem, isso passou a priorizar postagens sobre temas
polêmicos, pois eram aqueles que geravam maior engajamento.
• Moldando nosso discurso
Como as publicações
controversas têm maior probabilidade de serem recompensadas por algoritmos,
existe a possibilidade de que as periferias da opinião política possam estar
sobrerrepresentadas nas redes sociais.
Em vez de fóruns
públicos gratuitos e abertos, os críticos argumentam que as redes sociais
oferecem um espelho distorcido e sensacionalista do sentimento público, que
exagera a discórdia e abafa as opiniões da maioria.
“Os mecanismos de
recomendação não bloqueiam conteúdo – em vez disso, são as diretrizes da
comunidade que restringem a liberdade de expressão, de acordo com a preferência
da plataforma”, disse Theo Bertram, ex-vice-presidente de políticas públicas do
TikTok, à BBC.
“Os mecanismos de
recomendação fazem grande diferença no que vemos? Sim, absolutamente. Mas ter
sucesso ou fracassar no mercado de atenção não é a mesma coisa que ter
liberdade de falar.”
No entanto, a
“liberdade de expressão” tem a ver apenas com o direito de falar, ou também com
o direito de ser ouvido?
Arvind Narayanan,
professor de Ciência da Computação na Universidade de Princeton (EUA), disse:
“Quando falamos na internet – quando compartilhamos um pensamento, escrevemos
um ensaio, postamos uma foto ou vídeo – quem nos ouvirá? A resposta é
determinada em grande parte por algoritmos.”
Ao determinar o
público de cada conteúdo postado, as plataformas “cortam a relação direta entre
os emissores do discurso e seus públicos”, argumentam os professores Riemer e
Peter. “A fala não é mais organizada por orador e público, mas por algoritmos.”
Isso é algo que
afirmam não ser reconhecido nos debates atuais sobre a liberdade de expressão –
que se concentram no “lado falante do discurso”. E, argumentam, “interfere na
liberdade de expressão de formas sem precedentes”.
• A sociedade algorítmica
A nossa era tem sido
rotulada de “sociedade algorítmica” – uma época em que, pode-se argumentar, as
plataformas de redes sociais e os motores de busca governam o discurso da mesma
forma que estados-nação fizeram no passado.
Isso significa que
garantias diretas de liberdade de expressão na Constituição dos EUA só alcançam
até certo ponto, de acordo com Jack Balkin, da Universidade de Yale (EUA): “a
Primeira Emendan [sobre liberdade de expressão], como normalmente é interpretada,
é simplesmente inadequada para proteger a capacidade prática de falar”.
Os professores Riemer
e Peter concordam que a legislação precisa de atualização. “As plataformas
desempenham um papel muito mais ativo na formação do discurso do que a lei
reconhece atualmente.”
Eles afirmam também
que é necessário mudar a forma como as publicações prejudiciais são
monitoradas. “Precisamos expandir a forma como pensamos sobre a regulamentação
da liberdade de expressão. Os debates atuais focados na moderação de conteúdo
ignoram a questão mais profunda de como os modelos de negócios das plataformas
as incentivam a moldar o discurso de forma algorítmica.”
Embora o professor
Candeub seja um “absolutista da liberdade de expressão”, ele também desconfia
do poder concentrado nas plataformas, que podem ser guardiãs da expressão
através de código de computador. “Acho que faríamos bem em tornar esses
algoritmos públicos, porque, caso contrário, estaremos apenas sendo
manipulados.”
No entanto, os
algoritmos não vão desaparecer. Como diz Bertram: “A diferença entre a praça da
cidade e as redes sociais é que existem vários bilhões de pessoas nas redes
sociais. Existe o direito à liberdade de expressão online, mas não o direito de
todos serem ouvidos igualmente: levaria mais do que uma vida inteira para
assistir a todos os vídeos do TikTok ou ler todos os tuítes.”
Qual é a solução,
então? Será que pequenos ajustes nos algoritmos poderiam cultivar conversas
mais inclusivas, que se assemelhassem mais às que temos pessoalmente?
Novas plataformas de
microblog, como o Bluesky, estão tentando oferecer aos usuários controle sobre
o algoritmo que exibe o conteúdo – e reviver as antigas timelines cronológicas,
acreditando que oferecem uma experiência menos mediada.
Em depoimento ao
Senado em 2021, a denunciante do Facebook Frances Haugen disse: “Sou uma forte
defensora da classificação cronológica, ordenação por tempo… porque não
queremos que os computadores decidam eno que vamos nos concentrar, deveríamos
ter software em escala humana, ou os humanos conversam entre si, e não os
computadores facilitando quem podemos ouvir.”
No entanto, como disse
o professor Narayanan, “os feeds cronológicos não são neutros: estão também
sujeitos aos efeitos do tipo ‘rico fica cada vez mais rico’, a preconceitos
demográficos e à imprevisibilidade da viralidade. Infelizmente, não existe uma forma
neutra de projetar mídias sociais.”
As plataformas
oferecem algumas alternativas aos algoritmos, com a opção no X de as pessoas
escolherem um feed apenas daqueles que seguem. E, ao filtrar grandes
quantidades de conteúdo, “os motores de recomendação proporcionam maior
diversidade e descoberta do que apenas seguir pessoas que já conhecemos”,
argumenta Bertram. “Isso parece o oposto de uma restrição à liberdade de
expressão – é um mecanismo de descoberta.”
• Terceira via
De acordo com o
cientista político norte-americano Francis Fukuyama, “nem a autorregulação das
plataformas, nem as formas de regulação estatal que surgirem no futuro” podem
resolver “a questão da liberdade de expressão online”.
Em vez disso, ele
propôs uma terceira via.
Um middleware (um
software intermediário) poderia oferecer aos usuários de redes sociais mais
controle sobre o que veem, com serviços independentes fornecendo uma forma de
curadoria separada daquela incorporada nas plataformas.
Em vez de receber
conteúdo de acordo com os algoritmos internos das plataformas, “um ecossistema
competitivo de fornecedores de middleware poderia filtrar o conteúdo da
plataforma de acordo com as preferências individuais do usuário”, escreve
Fukuyama.
“O middleware
restauraria essa liberdade de escolha aos usuários individuais, e retornaria a
internet ao tipo de sistema diversificado e multiplataforma que aspirava ser na
década de 1990.”
Na ausência disso,
poderia haver maneiras de melhorar atualmente nossa sensação de poder de
interferência ao interagir com algoritmos. “Os usuários regulares do TikTok
costumam ser muito deliberados sobre o algoritmo – dando-lhe sinais para
encorajar ou desencorajar o mecanismo de recomendação ao longo de caminhos de
novas descobertas”, diz Bertram.
“Eles se consideram
curadores do algoritmo. Acho que esta é uma maneira útil de pensar sobre o
desafio – não se precisamos desligar os algoritmos, mas como podemos garantir
que os usuários tenham agenciamento, controle e escolha para que os algoritmos
funcionem para eles.”
Embora, é claro,
sempre exista o perigo de que, mesmo quando fazemos a autocuradoria de nossos
próprios algoritmos, ainda possamos cair nas câmaras de eco que assolam as
mídias sociais.
E os algoritmos podem
não fazer o que lhes pedimos – por exemplo, uma investigação da BBC descobriu
que, quando um jovem tentou usar ferramentas no Instagram e no TikTok para
dizer que não estava interessado em conteúdo violento ou misógino, ele continuou
a receber essas recomendações.
Apesar disso, há
sinais de que, à medida que os algoritmos das redes sociais avançam, seu futuro
não poderá estar nas mãos das grandes empresas de tecnologia, nem dos
políticos, mas sim nas mãos das pessoas.
De acordo com uma
pesquisa recente da empresa de pesquisa de mercado Gartner, apenas 28% dos
americanos dizem que gostam de documentar sua vida publicamente na internet,
uma redução em relação aos 40% registrados em 2020. Em vez disso, as pessoas
estão ficando mais confortáveis em bate-papos em grupos fechados com amigos de
confiança e parentes – espaços com mais responsabilização e menos recompensas
por conteúdos chocantes e provocações.
A Meta diz que o
número de fotos enviadas em mensagens diretas agora supera aquelas
compartilhadas para que todos possam ver.
Da mesma forma que
Barlow, em seu ensaio de 1996, disse aos governos que não eram bem-vindos no
ciberespaço, alguns usuários das plataformas podem ter uma mensagem semelhante
para transmitir aos algoritmos das redes sociais. Por enquanto, ainda existem visões
conflitantes sobre o que fazer com o adolescente rebelde da internet.
Fonte: Por Nicholas
Barrett, repórter de tecnologia da BBC
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