Recorde de indígenas eleitos nos municípios
abre caminho para pleito de 2026, afirmam ativistas
Um número recorde de
indígenas foi eleito nas eleições municipais de 2024, uma medida fundamental
para garantir o cumprimento dos direitos dos povos indígenas, serviços públicos
e assistência, e deve abrir caminho para eleger mais indígenas nos pleitos estaduais
e federais de 2026, afirmam ativistas.
Em 6 de outubro, 256
indígenas foram eleitos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todas as
regiões brasileiras, um aumento de 8% em comparação com os 236 eleitos no
pleito de 2020. No total, 2.506 candidatos indígenas de 169 povos receberam
1.635.530 votos, contra 2.212 candidatos de 71 etnias em 2020. Os candidatos
indígenas foram o único grupo que registrou crescimento de votos este ano
dentre os candidatos que se autodeclararam brancos, pardos, negros e amarelos,
os quais tiveram uma redução de cerca de 20% no total de votos, de acordo com
levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), com base em
dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Após 351 anos de sua
fundação, Florianópolis elegeu sua primeira vereadora indígena: Ingrid Sateré
Mawé, com 3.430 votos. “Essa eleição representa o resultado de uma luta que vem
sendo construída há muito tempo por nós que estamos organizadas enquanto mulheres
indígenas”, disse Ingrid Sateré Mawé à Mongabay em uma entrevista por telefone.
“Além de começar um processo de reparação histórica, é trazer à tona que
realmente nós existimos e resistimos”.
Ingrid Sateré Mawé diz
que sua eleição não foi “do nada”. Ela conta que começou sua jornada como
ativista ambiental e integrante do movimento estudantil em Manaus, onde nasceu
e iniciou seus estudos. Dezoito anos depois se mudou para Florianópolis, onde lecionou
biologia e didática para matemática, e foi instrutora de professores com foco
na história e cultura dos povos indígenas para escolas não indígenas, relata.
Ela trabalhou como
bióloga e como “guardiã dos sítios arqueológicos”, avaliando e monitorando o
impacto de grandes empreendimentos em torno dos territórios indígenas da
região, especialmente do povo Guarani, “que são meus irmãos, a gente é do mesmo
tronco linguístico”, diz a vereadora eleita. Segundo ela, essa fiscalização
será priorizada durante o seu mandato de 2025-2028.
Após ter sido eleita
coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação e dirigente nacional de
uma central sindical em Florianópolis, Ingrid Sateré Mawé concorreu como
governadora de Santa Catarina em 2018, porém não foi eleita, relata. Tudo isso,
segundo ela, ajudou a “construir uma ponte” para unir os não indígenas e os
indígenas.
Após as eleições de
2022, que elegeram Sônia Guajajara e Célia Xakriabá como deputadas federais,
Ingrid Sateré Mawé conta que foi convidada para ser assessora especial da
Bancada do Cocar no Congresso Nacional, onde ficou até agosto de 2023.
Desigualdade de gênero
O aumento do número de
representantes indígenas nas prefeituras e câmaras municipais é estratégico não
só para a luta pelo cumprimento dos direitos dos povos indígenas em geral, mas
também para garantir a qualidade dos serviços públicos prestados localmente,
diz Cleber Buzatto, da coordenação regional sul do Conselho Missionário
Indigenista (CIMI).
“Há muitos serviços
públicos sob a responsabilidade das prefeituras, portanto, tendo
representatividade na prefeitura ou mesmo na câmara de vereadores facilita
muito”, diz Buzatto. Segundo ele, a representatividade indígena na política é
fundamental para que os serviços públicos locais sejam prestados de forma “mais
respeitosa” às comunidades indígenas.
Para Buzatto, há uma
relação direta entre o atual resultado das eleições municipais e as futuras
eleições para a composição das assembléias legislativas estaduais e do
Congresso Nacional. “Quanto mais a representação de indígenas nos municípios,
mais possibilidades existem de que essa representação seja reforçada nas
próximas eleições de 2026,” disse ele à Mongabay em uma entrevista por
telefone.
No entanto, Buzatto
destaca algumas “contradições” e desafios no sistema eleitoral e partidário. “O
ideal, claro, na nossa avaliação, é que as lideranças sejam eleitas exatamente
pelos partidos aliados, o que na prática nem sempre é assim”, afirma. “Infelizmente,
ainda há um número grande de indígenas se candidatando e inclusive sendo
eleitos por partidos que se mostram antagônicos aos direitos coletivos dos
povos indígenas no âmbito do Congresso Nacional”.
Segundo ele, isso
acontece especialmente em municípios pequenos, onde os partidos mais alinhados
com os direitos indígenas no Congresso são minoria, provocando alianças com
outros partidos diante da possibilidade de vitória nas urnas. Buzatto destaca a
necessidade de treinamento político ideológico para os candidatos desse grupo
eleitoral.
Dinamam Tuxá,
coordenador executivo da APIB pela Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste,
Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), também reconhece que ainda há desafios
a serem superados. “Os partidos precisam dar mais suporte para que as
candidaturas indígenas tenham condições de concorrer de forma justa. Além
disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve garantir a aplicação de uma
medida de apoio às candidaturas indígenas através do fundo eleitoral, para
equilibrar o jogo e promover a diversidade na política” , disse ele em
comunicado.
Os resultados das
eleições municipais também mostraram uma desigualdade de gênero, segundo a
APIB: apenas uma mulher indígena foi eleita prefeita de um total de nove
prefeitos indígenas eleitos, quatro vice-prefeitas de um total de nove e 36 de
um total de 234 vereadores.
Ellys Sônia Oliveira
Gomes da Silva, conhecida como Ninha, do povo Potiguara, foi a única mulher
indígena eleita prefeita no país. Em 1º de janeiro de 2025, ela governará o
município de Marcação, na Paraíba, sucedendo a Eliselma Oliveira, conhecida
como Lili, sua prima e única mulher indígena eleita prefeita em 2020.
“O povo indígena, a
vida toda, foi muito oprimido, sem representatividade. É muito importante
termos, hoje, uma mulher, uma gestora indígena que conhece de perto as
necessidades do nosso povo e que vai lutar pelos nossos direitos, defendendo a
nossa cultura, a nossa língua, as nossas tradições. Eu quero levar isso não só
para a Paraíba como também para o Brasil”, Ninha disse ao Jornal da União. Em
Marcação, todos os nove vereadores eleitos se autodeclararam indígenas: cinco
homens e quatro mulheres.
Em Florianópolis,
Ingrid Sateré Mawé foi eleita com o slogan “Pelas mulheres, pelo clima e pelo
futuro”. Um dos destaques de seu plano de governo é a melhoria dos serviços
públicos, nos quais as mulheres são, em grande parte, as maiores usuárias e
estão sofrendo com a desassistência do Estado. “A gente acredita muito que, se
as mulheres não estão bem, não tem como a sociedade no geral estar bem”.
A vereadora eleita diz
estar ciente dos desafios a serem enfrentados na Câmara Municipal de
Florianópolis, mas afirma estar preparada para enfrentá-los e fazer as
negociações necessárias. “A gente vai precisar sentar, vai precisar ter
paciência e usar algo que muitas outras candidaturas não têm, que é esse amparo
ancestral mesmo, porque muitas coisas a gente fala, muitas coisas a gente faz,
mas nós enquanto mulheres indígenas temos total consciência que muitas vezes a
gente só é um instrumento desse processo”.
Fonte: Mongabay
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