quinta-feira, 17 de outubro de 2024


 

Maioria dos residentes em Instituições de Longa Permanência para Idosos é homem

A invisibilidade de pessoas idosas que vivem em Instituições de Longa Permanência para Idosos (Ilpis), nova terminologia para o que antes de chamava asilo, cadastradas no Sistema Único de Assistência Social (Suas), ganha novos contornos em um estudo feito pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. A pesquisa analisou as condições de vida e de saúde de 4.250 residentes em Ilpis das cinco regiões do País: Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro Oeste, cujos dados foram coletados entre os anos de 2015 e 2018. Os resultados revelam particularidades regionais que precisam de um olhar atento das autoridades públicas socioassistenciais. Os residentes são longevos, têm baixa escolaridade e renda, além de limitada rede de apoio.

Eles apresentam comprometimentos funcionais e de saúde significativos, fragilidade, alterações cognitivas e múltiplas doenças. Entre as questões investigadas, destacam-se a predominância de homens entre os residentes, em desacordo com a expectativa de vida global que favorece as mulheres; o aumento do uso de medicamentos entre idosos no Sul e Sudeste, possivelmente ligado à maior oferta de serviços de saúde nessas regiões; e o uso indiscriminado de fraldas geriátricas, mesmo por idosos sem incontinência. A enfermeira Janine Melo de Oliveira, autora da pesquisa, alerta que essa prática pode prejudicar a autoestima da pessoa, reforçar estereótipos negativos sobre o envelhecimento e ser considerada violência institucional contra os idosos.

Para Janine, o predomínio de homens entre os institucionalizados de sua pesquisa, com exceção da região Nordeste, contrariou dados da literatura científica que abordam envelhecimento e longevidade considerando fatores biológicos, educacionais e psicossociais, que mostram que são as mulheres a maioria que se encontra em Ilpis. “Essa probabilidade se deve ao fato de elas serem também maioria na população idosa, têm maior longevidade e costumam se preocupar mais com o autocuidado”, diz.

A professora Helena Akemi Wada Watanabe, orientadora da pesquisa, afirma que é essencial adotar uma abordagem diferenciada para as populações, levando em conta as particularidades regionais, as características demográficas e a disponibilidade de serviços socioassistenciais e de saúde. Ela ressalta que o perfil de pessoas idosas da pesquisa de Janine, feita em instituições públicas, difere daquelas que estão em instituições particulares. As Ilpis governamentais operam de forma limitada em relação a recursos financeiros, humanos, oferta de cuidados e condições estruturais.

Os achados do estudo constam da tese Condições de vida e de saúde de pessoas idosas residentes em Instituições de Longa Permanência cadastradas no Sistema Único de Assistência Social (Suas) brasileiro, defendida em setembro de 2024 e apresentados em três artigos que ainda estão sendo apreciados por revistas científicas.

<><> Dados sociodemográficos

A primeira parte do estudo analisou os fatores sociodemográficos e a rede de apoio das pessoas idosas que viviam em Ilpis.

A maioria era composta de homens, com exceção da região Nordeste, onde havia uma predominância de mulheres. A faixa etária mais comum entre os participantes era de 80 anos ou mais, exceto na região Sul, onde a maioria tinha entre 70 e 79 anos. A pesquisa também indicou uma predominância de pessoas pardas e brancas, católicas, com baixa escolaridade, solteiras, sem filhos e com rendimentos de até um salário mínimo, oriundos principais da aposentadoria. A idade mínima encontrada foi de 60 anos e a máxima de 115 anos.

O tempo médio de permanência na instituição era de quatro anos, sendo a necessidade de cuidados especiais o principal motivo que os levou a residir na instituição. Anteriormente à institucionalização, eles moravam em casa própria com familiares ou amigos. Raramente saíam das Ilpis, mas recebiam visitas de familiares. Foram feitas 4.250 entrevistas, sendo 736 na região Norte; 890 no Nordeste; 887 no Centro-Oeste; 912 no Sul; e 825 na região Sudeste.

<><> Saúde de pessoas institucionalizadas

A segunda parte da pesquisa analisou as condições de saúde e as demandas assistenciais das pessoas idosas institucionalizadas. A análise constatou a prevalência de residentes com declínio cognitivo, com a presença de duas ou mais doenças crônicas simultaneamente (multimorbidades), uso concomitante de quatro ou mais medicamentos (polifarmácia) nas regiões Sul e Sudeste e com comprometimento funcional para atividades da vida diária. A predominância de declínio cognitivo entre os residentes foi de 66,8 a 83,5%.

As doenças mais comuns estavam relacionadas ao sistema cardiovascular, com prevalência entre 78,3% e 87,5%, destacando-se a hipertensão arterial (HAS). A segunda condição mais frequente, em muitas regiões, era o diabetes mellitus (DM), seguida por doenças psiquiátricas. No entanto, a maioria das pessoas idosas avaliadas não apresentou sintomas depressivos. A incontinência urinária foi detectada em 9,4% a 15,9% dos residentes, enquanto a incontinência fecal afetava entre 6,3% e 12,7%. Entre 35,2% e 47,1% das pessoas idosas utilizavam fraldas continuamente, e a dor crônica estava presente em 9,7% a 22,7% dos avaliados.

Sobre o uso de fraldas por quase metade dos residentes mesmo sem relação com a incontinência, Janine explica que essa prática pode promover a dependência adquirida, elevar a baixa autoestima das pessoas idosas, além de estar associada à violência institucional contra os idosos. “A insuficiência de profissionais nas Ilpis pode ser uma provável explicação para este achado, embora não justifique a negligência assistencial”, ressalta.

<><> Síndrome da fragilidade

No terceiro artigo, foi constatada a prevalência da síndrome da fragilidade, condição relacionada ao processo natural do envelhecimento e caracterizada pela perda acentuada da massa e força muscular, além de baixa energia para a realização das atividades do dia a dia. A síndrome aparece em residentes de todas as regiões do País: das 4.166 pessoas idosas avaliadas, 729 eram da região Norte (17,5%); 873 eram da região Nordeste (21,0%); 842 eram da região Centro-Oeste (20,2%); 904 eram da região Sul (21,7%); e 818 eram da região Sudeste (19,6%).

A maioria não apresentou sintomas depressivos; um pouco mais da metade apresentava dois ou mais problemas de saúde (multimorbidade) e era dependente de ajuda para a realização de atividades do dia a dia. A maioria não sofreu queda e nem foi hospitalizada.

Para a pesquisadora, é importante detectar essa condição clínica porque as pessoas idosas que sofrem da síndrome da fragilidade se tornam mais vulneráveis ao declínio funcional, têm mais dependência e ficam mais sujeitas a quedas e à hospitalização. A síndrome é identificada avaliando cinco componentes: perda de peso não intencional, fadiga, baixa atividade física, diminuição da velocidade de marcha e redução da força muscular.

        Envelhecimento da população

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a definição de pessoa idosa varia conforme o suporte e desenvolvimento de cada país. Em países desenvolvidos, por exemplo, a idade mínima é de 65 anos, enquanto em países em desenvolvimento, como o Brasil, essa definição é aplicada a indivíduos a partir dos 60 anos, conforme estipulado no Estatuto da Pessoa Idosa. A pesquisa de Janine ressalta que o envelhecimento populacional no Brasil ocorre mais rapidamente do que em outros países. Enquanto a França levou 140 anos para aumentar a proporção de idosos de 10% para 20%, o Brasil deve alcançar essa mesma marca em apenas 25 anos. Projeções para 2060 estimam que mais de 25% da população brasileira será composta por idosos.

No último censo demográfico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022, os idosos representam 15,7% da população total, um aumento em relação a 2012, quando essa faixa etária correspondia a 11,3% da população geral (Brasil, 2022). Até 2050, a população brasileira deverá alcançar 253 milhões de habitantes, com 23,8% desse total representado por idosos.

Janine pondera que a família, tradicionalmente responsável pelos cuidados, tem passado por transformações estruturais devido à queda da natalidade, com uma média de 1,77 filhos por mulher, ao aumento da expectativa de vida, além de mudanças nos padrões de nupcialidade e à maior participação das mulheres no mercado de trabalho.  “Dessa maneira, as instituições como as Ilpis passarão a ser demandadas cada vez mais, dado que nossa população não está envelhecendo de forma saudável, chegando aos 60 anos com mais problemas de saúde que as gerações anteriores”, relata. “Os dados da pesquisa de Janine são essenciais para a reestruturação de programas e políticas voltadas ao envelhecimento, um desafio global que impacta diretamente os serviços socioassistenciais e de saúde pública”, avalia a professora Helena.

 

Fonte: Jornal da USP


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