Maioria dos residentes em Instituições de
Longa Permanência para Idosos é homem
A invisibilidade de
pessoas idosas que vivem em Instituições de Longa Permanência para Idosos
(Ilpis), nova terminologia para o que antes de chamava asilo, cadastradas no
Sistema Único de Assistência Social (Suas), ganha novos contornos em um estudo
feito pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. A pesquisa analisou as
condições de vida e de saúde de 4.250 residentes em Ilpis das cinco regiões do
País: Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro Oeste, cujos dados foram coletados
entre os anos de 2015 e 2018. Os resultados revelam particularidades regionais
que precisam de um olhar atento das autoridades públicas socioassistenciais. Os
residentes são longevos, têm baixa escolaridade e renda, além de limitada rede
de apoio.
Eles apresentam
comprometimentos funcionais e de saúde significativos, fragilidade, alterações
cognitivas e múltiplas doenças. Entre as questões investigadas, destacam-se a
predominância de homens entre os residentes, em desacordo com a expectativa de
vida global que favorece as mulheres; o aumento do uso de medicamentos entre
idosos no Sul e Sudeste, possivelmente ligado à maior oferta de serviços de
saúde nessas regiões; e o uso indiscriminado de fraldas geriátricas, mesmo por
idosos sem incontinência. A enfermeira Janine Melo de Oliveira, autora da
pesquisa, alerta que essa prática pode prejudicar a autoestima da pessoa,
reforçar estereótipos negativos sobre o envelhecimento e ser considerada
violência institucional contra os idosos.
Para Janine, o
predomínio de homens entre os institucionalizados de sua pesquisa, com exceção
da região Nordeste, contrariou dados da literatura científica que abordam
envelhecimento e longevidade considerando fatores biológicos, educacionais e
psicossociais, que mostram que são as mulheres a maioria que se encontra em
Ilpis. “Essa probabilidade se deve ao fato de elas serem também maioria na
população idosa, têm maior longevidade e costumam se preocupar mais com o
autocuidado”, diz.
A professora Helena
Akemi Wada Watanabe, orientadora da pesquisa, afirma que é essencial adotar uma
abordagem diferenciada para as populações, levando em conta as particularidades
regionais, as características demográficas e a disponibilidade de serviços
socioassistenciais e de saúde. Ela ressalta que o perfil de pessoas idosas da
pesquisa de Janine, feita em instituições públicas, difere daquelas que estão
em instituições particulares. As Ilpis governamentais operam de forma limitada
em relação a recursos financeiros, humanos, oferta de cuidados e condições
estruturais.
Os achados do estudo
constam da tese Condições de vida e de saúde de pessoas idosas residentes em
Instituições de Longa Permanência cadastradas no Sistema Único de Assistência
Social (Suas) brasileiro, defendida em setembro de 2024 e apresentados em três
artigos que ainda estão sendo apreciados por revistas científicas.
<><> Dados
sociodemográficos
A primeira parte do
estudo analisou os fatores sociodemográficos e a rede de apoio das pessoas
idosas que viviam em Ilpis.
A maioria era composta
de homens, com exceção da região Nordeste, onde havia uma predominância de
mulheres. A faixa etária mais comum entre os participantes era de 80 anos ou
mais, exceto na região Sul, onde a maioria tinha entre 70 e 79 anos. A pesquisa
também indicou uma predominância de pessoas pardas e brancas, católicas, com
baixa escolaridade, solteiras, sem filhos e com rendimentos de até um salário
mínimo, oriundos principais da aposentadoria. A idade mínima encontrada foi de
60 anos e a máxima de 115 anos.
O tempo médio de
permanência na instituição era de quatro anos, sendo a necessidade de cuidados
especiais o principal motivo que os levou a residir na instituição.
Anteriormente à institucionalização, eles moravam em casa própria com
familiares ou amigos. Raramente saíam das Ilpis, mas recebiam visitas de
familiares. Foram feitas 4.250 entrevistas, sendo 736 na região Norte; 890 no
Nordeste; 887 no Centro-Oeste; 912 no Sul; e 825 na região Sudeste.
<><> Saúde
de pessoas institucionalizadas
A segunda parte da
pesquisa analisou as condições de saúde e as demandas assistenciais das pessoas
idosas institucionalizadas. A análise constatou a prevalência de residentes com
declínio cognitivo, com a presença de duas ou mais doenças crônicas simultaneamente
(multimorbidades), uso concomitante de quatro ou mais medicamentos
(polifarmácia) nas regiões Sul e Sudeste e com comprometimento funcional para
atividades da vida diária. A predominância de declínio cognitivo entre os
residentes foi de 66,8 a 83,5%.
As doenças mais comuns
estavam relacionadas ao sistema cardiovascular, com prevalência entre 78,3% e
87,5%, destacando-se a hipertensão arterial (HAS). A segunda condição mais
frequente, em muitas regiões, era o diabetes mellitus (DM), seguida por doenças
psiquiátricas. No entanto, a maioria das pessoas idosas avaliadas não
apresentou sintomas depressivos. A incontinência urinária foi detectada em 9,4%
a 15,9% dos residentes, enquanto a incontinência fecal afetava entre 6,3% e
12,7%. Entre 35,2% e 47,1% das pessoas idosas utilizavam fraldas continuamente,
e a dor crônica estava presente em 9,7% a 22,7% dos avaliados.
Sobre o uso de fraldas
por quase metade dos residentes mesmo sem relação com a incontinência, Janine
explica que essa prática pode promover a dependência adquirida, elevar a baixa
autoestima das pessoas idosas, além de estar associada à violência institucional
contra os idosos. “A insuficiência de profissionais nas Ilpis pode ser uma
provável explicação para este achado, embora não justifique a negligência
assistencial”, ressalta.
<><>
Síndrome da fragilidade
No terceiro artigo,
foi constatada a prevalência da síndrome da fragilidade, condição relacionada
ao processo natural do envelhecimento e caracterizada pela perda acentuada da
massa e força muscular, além de baixa energia para a realização das atividades
do dia a dia. A síndrome aparece em residentes de todas as regiões do País: das
4.166 pessoas idosas avaliadas, 729 eram da região Norte (17,5%); 873 eram da
região Nordeste (21,0%); 842 eram da região Centro-Oeste (20,2%); 904 eram da
região Sul (21,7%); e 818 eram da região Sudeste (19,6%).
A maioria não
apresentou sintomas depressivos; um pouco mais da metade apresentava dois ou
mais problemas de saúde (multimorbidade) e era dependente de ajuda para a
realização de atividades do dia a dia. A maioria não sofreu queda e nem foi
hospitalizada.
Para a pesquisadora, é
importante detectar essa condição clínica porque as pessoas idosas que sofrem
da síndrome da fragilidade se tornam mais vulneráveis ao declínio funcional,
têm mais dependência e ficam mais sujeitas a quedas e à hospitalização. A síndrome
é identificada avaliando cinco componentes: perda de peso não intencional,
fadiga, baixa atividade física, diminuição da velocidade de marcha e redução da
força muscular.
• Envelhecimento da população
Segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS), a definição de pessoa idosa varia conforme o suporte e
desenvolvimento de cada país. Em países desenvolvidos, por exemplo, a idade
mínima é de 65 anos, enquanto em países em desenvolvimento, como o Brasil, essa
definição é aplicada a indivíduos a partir dos 60 anos, conforme estipulado no
Estatuto da Pessoa Idosa. A pesquisa de Janine ressalta que o envelhecimento
populacional no Brasil ocorre mais rapidamente do que em outros países.
Enquanto a França levou 140 anos para aumentar a proporção de idosos de 10%
para 20%, o Brasil deve alcançar essa mesma marca em apenas 25 anos. Projeções
para 2060 estimam que mais de 25% da população brasileira será composta por
idosos.
No último censo
demográfico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
de 2022, os idosos representam 15,7% da população total, um aumento em relação
a 2012, quando essa faixa etária correspondia a 11,3% da população geral
(Brasil, 2022). Até 2050, a população brasileira deverá alcançar 253 milhões de
habitantes, com 23,8% desse total representado por idosos.
Janine pondera que a
família, tradicionalmente responsável pelos cuidados, tem passado por
transformações estruturais devido à queda da natalidade, com uma média de 1,77
filhos por mulher, ao aumento da expectativa de vida, além de mudanças nos
padrões de nupcialidade e à maior participação das mulheres no mercado de
trabalho. “Dessa maneira, as
instituições como as Ilpis passarão a ser demandadas cada vez mais, dado que
nossa população não está envelhecendo de forma saudável, chegando aos 60 anos
com mais problemas de saúde que as gerações anteriores”, relata. “Os dados da
pesquisa de Janine são essenciais para a reestruturação de programas e
políticas voltadas ao envelhecimento, um desafio global que impacta diretamente
os serviços socioassistenciais e de saúde pública”, avalia a professora Helena.
Fonte: Jornal da USP
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