Brasil precisa encontrar caminho para
rediscutir modelo de saúde e governança da relação público-privada
O subfinanciamento
crônico do Sistema Único de Saúde (SUS), a falta de conexão entre os setores
público e privado e a necessidade de uma melhor regulação do Ministério da
Saúde nesse sentido são apontados como principais motivos para a busca por
melhor governança para garantir cuidados de saúde a todos os brasileiros. O
tema foi abordado no Congresso Nacional de Hospitais Privados (Conahp),
realizado na quarta-feira, 16, que contou com autoridades e executivos do setor
para discutirem quais os caminhos para aproximar a relação público-privada, em
busca de um novo modelo de saúde que seja sustentável.
Com o envelhecimento
da população e o aumento de custos com tratamentos de saúde, estima-se que a
necessidade de financiamento da saúde seja de 350 bilhões de reais em 2060. A
forma como o Brasil organiza seu sistema de saúde será crucial para garantir ou
não o acesso da população. Na abertura do evento, a ministra Nísia Trindade
reforçou a importância da saúde privada e a visão de que a saúde suplementar
precisa seguir os princípios do SUS. “É importante, portanto, que essa
colaboração se amplie para enfrentar todos os desafios complexos que temos
hoje”, afirmou.
A ministra também
teceu críticas à lei das agências reguladoras, de 2019, afirmando que é preciso
recuperar “instrumentos de coordenação que infelizmente foram perdidos com a
legislação”. O tema surge em meio ao embate do Governo Lula com a Agência Nacional
de Energia Elétrica (Aneel), mas outras agências, como a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) já haviam entrado em atritos semelhantes.
Em meio a discussão
sobre a necessidade de integração e críticas às agências, Paulo Rebello,
diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) afirmou que
não há vontade política por parte do Ministério da Saúde para estabelecer essa
governança. Em seus últimos meses à frente da diretoria, Rebello foi firme em
seu posicionamento:
“Muito se fala,
conversa e tenta encontrar solução, mas vontade política não tem. O fato é que
temos um sistema brasileiro de saúde, que engloba público e privado. Atuei no
Ministério e sei o sentimento sobre o privado, sei que o Ministério não quer se
envolver, dialogar e apresentar propostas que possa integrar. Não existe, essa
é a verdade. A única é da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS)”.
O Instituto de Estudos
para Políticas de Saúde (IEPS) e a Umane lançaram, em outubro, a pesquisa
“Setor Privado e Relações Público-Privadas da Saúde no Brasil: Em Busca do
Seguro Perdido”, que corroboram a necessidade sobre a governança do sistema de
saúde brasileiro e a rediscussão sobre o modelo de saúde que temos no país.
Rudi Rocha, diretor de pesquisa do IEPS e coordenador do projeto, afirma que “é
muito importante repensar toda a regulação do sistema, não só de preço e
contrato, mas de como se dá a interação público-privada, ganho de escala e
indução de mutualismo. Não está claro como tem que ser feito, mas se não for
feito existe o risco de retrocesso. Os sistemas de saúde não quebram, eles
evoluem e se adaptam, mas podem piorar”.
• O que fazer para estabelecer a
governança?
Antonio Britto,
diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp),
provocou: “Se tivermos juízo vamos ter que ver como fazer isso funcionar
melhor. Como nós fazemos funcionar o sistema público e como o SUS interage com
o sistema privado”.
O aumento de gastos
out of pocket, a consolidação e verticalização dos planos de saúde, o processo
de “desmutualização” e o subfinanciamento do SUS são alguns dos elementos
apontados pelos pesquisadores do IEPS como preocupantes, e que reforçam que os
mecanismos de seguro saúde, isto é, a oferta de cuidados em algum grau, estão
enfrentando um processo gradual de retrocesso no país. Por isso, indicam que é
preciso repensar o sistema e organizar a governança. A regulação de prestadores
de serviço, em um cenário onde operadoras também atuam com clínicas e
hospitais, também é apontado como uma das necessidades de observação por parte
dos órgãos reguladores.
“Quem deve pautar e
ser a liderança da governança geral do sistema é o Ministério da Saúde, através
de deliberações tripartites e participação social. É ele o ponto focal. Fica
cada um dentro dos seus problemas, e, de fato, uma parte importante, que é a interseção
de tudo isso, está passando sem atenção. A ANS não tem que fazer política de
saúde, não tem que fomentar soluções para o sistema de saúde como um todo”,
observa Rudi Rocha, do IEPS.
Na visão de Adriano
Massuda, secretário de Atenção
Especializada do Ministério da Saúde, esse será um dos desafios em meio a
diversos problemas de saúde enfrentados pelo país. Segundo ele, é necessário
que se tenha uma capacidade de organização dos recursos em saúde, seja público
ou privado: “Vamos ter que entender e compreender melhor essa estruturação do
sistema de saúde brasileiro. Nenhum país construiu um sistema universal e
integral como o SUS, e em paralelo possui um sistema privado forte, robusto e relevante,
que cobre um quarto da população brasileira localizada nas regiões mais rica do
país.”
O secretário concorda
que existe uma deficiência em relação à regulação público-privada no país, e
aponta um caminho para melhorar essa intersecção. Após mais de 30 anos que a
Lei Orgânica de Saúde estabeleceu que “a iniciativa privada poderá participar do
Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar”, é preciso que o
Ministério revisite.
“Temos que fazer o que
não conseguimos. No SUS temos um arcabouço de governança bem sofisticado, como
poucos países têm. Mas não criamos mecanismos de coordenação público-privado.
Esse é o grande desafio estrutural, exige uma reforma legislativa para dar
base, mas sobretudo analisar que projeto de país queremos. A base deve ser um
SUS mais justo e organizado, que a saúde suplementar ajude a compensar”,
analisa ele.
CEO da Amil, José
Seripieri Filho, o Júnior, defende que a interligação entre os setores público
e privado pode estar em compras centralizadas e no estabelecimento de
protocolos de saúde. Também afirmou que é preciso que a regulação, para além
dos planos de saúde, seja sobre os prestadores. “A solução tem que ser
democrática”, disse ele.
Paulo Rebello, da ANS,
reforçou que até o momento não viu iniciativas do Governo e do Ministério para
discutir temas que não estão diretamente ligados à saúde pública, como as
diretrizes de utilização para o transtorno do espectro autista (TEA) e os cartões
de descontos, mas que a Agência tem recebido críticas por tentar buscar uma
solução, na perspectiva da revisão dos planos ambulatoriais.
“As agências nacionais
aplicam e executam as políticas adotadas pelo Ministério. Está previsto na lei
e é isso que se faz. Não enobrece a discussão quando tentam desacreditar o
órgão. O patrão das agências reguladoras é a sociedade, não é o governo”, concluiu.
Paulo Chapchap,
diretor médico do IEPS e diretor de estratégia corporativa do Grupo Santa
Joana, refletiu ao final da discussão sobre a pesquisa do Instituto e o próximo
passo para alcançarmos uma maior ligação entre a saúde pública e privada, em
busca de um sistema sustentável e que forneça acesso à população. “Cada vez
mais chegamos a uma conclusão que temos uma sociedade única e buscamos justiça
social. O mutualismo é financiado por impostos ou empresas, e temos que
integrar mais os sistemas. Talvez tenha um caminho para o Ministério da Saúde”,
afirmou o executivo, que é o presidente da comissão científica da edição desse
ano do Conahp.
Fonte: Futuro da Saúde
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