sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Caso Gripen: EUA querem tutelar armas brasileiras

Em 10 de outubro último, a fabricante sueca de aeronaves Saab declarou que foi intimada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos a fornecer informações sobre a venda de 36 caças militares Gripen ao Brasil. O processo de licitação para a compra de caças para a Força Aérea Brasileira (FAB), ocorreu entre 2008 e 2014. Na ocasião a fabricante Saab, empresa sueca vencedora da concorrência, disputou com as empresas Boeing (norte-americana) e a francesa Dassault Aviation, com o modelo Rafale. Após um processo de decisão que durou cerca de 6 anos, o governo brasileiro anunciou, em dezembro de 2013, a escolha do Gripen NG.

Segundo o governo brasileiro, a escolha da Saab decorreu da aceitação de transferência de tecnologia de fabricação do avião. Ou seja, além da entrega dos aviões Gripen, o contrato prevê um amplo pacote de transferência de tecnologia, um pacote de financiamento, e a colaboração bilateral de longo prazo entre os governos brasileiro e sueco. Com a decisão, o Brasil se juntou a uns poucos países que operam com o Sistema Gripen no mundo: Suécia, África do Sul, Hungria, República Tcheca, Tailândia, Reino Unido e Suíça.

Desde a assinatura do contrato em 2014, até agora foram entregues ao Brasil 8 caças Gripen E, todos produzidos na Suécia, conforme o estabelecido pelas partes. Ao mesmo tempo, o primeiro caça Gripen E produzido no Brasil está na etapa de montagem final, na fábrica da Embraer, na cidade de Gavião Peixoto (SP). Apesar de muito distante das principais potências bélicas (os EUA, a 1ª potência, têm 13.209 aeronaves), a Força Aérea Brasileira (FAB) é a 17ª maior do mundo, superando países como Alemanha e Israel. A FAB é também a maior força aérea da América Latina, com uma frota de 628 aeronaves, que inclui caças, aviões de treinamento, de carga, bombardeiros e drones.

Para efeito comparativo, o México, segunda economia do subcontinente, possui 80 aviões com capacidade de combate, sendo que apenas 5 são caças supersônicos (F-5 Tiger II). A Argentina, terceira economia da América Latina, dispõe de apenas 22 aeronaves com condições de combate em sua Força Aérea, sendo que nenhuma possui capacidade supersônica. A Venezuela é o terceiro país na América Latina com 79 aeronaves em capacidade de combate.

O contrato assinado com a empresa sueca prevê a venda de dois modelos de aviões: o Gripen E, que abriga um piloto, e o Gripen F, que pode levar até dois tripulantes (este último modelo fabricado em primeira mão para a FAB). Tirando o aspecto do espaço para os tripulantes, nos demais detalhes as aeronaves são exatamente iguais. O valor do contrato para o desenvolvimento de 36 caças Gripen NG, de US$ 5,4 bilhões, foi considerado o maior negócio na área militar para toda a América Latina.

Enquanto o Departamento de Estado norte-americano se intromete em um assunto soberano do Brasil, e que não lhe diz respeito, uma das mais tradicionais empresas brasileiras do setor, a Avibrás Indústria Aeroespacial, está sendo vendida para um grupo empresarial estrangeiro. Fundada em 1961, a Avibrás desenvolve e fabrica produtos e serviços de defesa, com linha variada: sistemas de artilharia e defesa de aeronaves, foguetes, mísseis, veículos blindados etc. A empresa, com sede em São José dos Campos, claramente tem importância estratégica para a defesa nacional. A companhia tem dívida superior a R$ 600 milhões e está em processo de recuperação judicial. Apesar da importância estratégica da empresa para a defesa nacional, não se vê uma ação do poder público no sentido de manter a empresa na condição de capital nacional. Segundo informações da imprensa, a Norinco, uma estatal chinesa, estaria interessada em comprar a companhia brasileira. A empresa industrial Norinco atua em diversas áreas, incluindo o setor de defesa, fabricando blindados e bombas, e armamentos em geral. A empresa atua também no segmento petroquímico e na construção civil, entre outras atividades.

A interferência dos EUA em assunto interno do Brasil, se não pode surpreender a ninguém, demonstra que do ponto de vista militar, como também ocorre na economia e na política, o Brasil não é um país soberano. Pode-se imaginar se haveria alguma possibilidade de o Departamento de Justiça dos EUA intimarem uma empresa qualquer a fornecer informações sobre uma transação comercial militar com a Rússia, ou com a China, sem sofrer pronta resposta diplomática. Mesmo se a intromissão fosse em relação à Venezuela, certamente haveria uma resposta diplomática e política à altura.

Como está fartamente documentado, a política dos EUA para a América Latina visa impedir o surgimento de potências regionais, especialmente em áreas com abundância de recursos naturais, como petróleo e outras, essenciais para a economia de qualquer país. Nesse aspecto, é fundamental manter o sistema de defesa nacional dos países da região, fracos e incapazes de ações militares mais fortes, mesmo que de caráter dissuasório, isto é, que sejam destinadas a desencorajar eventuais intenções bélicas. O modelo dos EUA proposto para a região é o de países com forças armadas limitadas, incapazes de defender suas riquezas naturais, como petróleo, lítio, cobre e outras. A bem da verdade, essa é a política dos EUA para o conjunto dos países em todo o mundo, inclusive para os outros países imperialistas (que têm posição subordinada em relação aos EUA).

A aquisição de equipamento militar estratégico, como jatos hipersônicos, vai contra essa política do império para a região. Essa postura do governo norte-americano se aguçou, inclusive, com a perda de espaço político no mundo, ocasionada por importantes acontecimentos políticos e militares, como a derrota no Afeganistão (em agosto de 2021) e o iminente fracasso na tentativa de fustigar a Rússia, utilizando a Ucrânia como país bucha de canhão.

O recente acontecimento em relação ao contrato brasileiro com a Saab – que foi contestado pelos EUA desde sua origem, enquanto preteriu, na transação, uma empresa norte-americana – ocorre em meio a um agravamento da situação militar ao nível internacional. Aparentemente, em face da possibilidade de derrota na Ucrânia, e da incerteza da situação no Oriente Médio, os EUA estão tentando organizar uma contraofensiva nessa região. Na realidade, o imperialismo está tentando organizar uma ofensiva geral contra todos os que considera seus inimigos: Irá, Rússia, China, Coreia do Norte, Venezuela e Cuba.

A frente militar é somente uma dimensão dessa ofensiva geral. Ela está sendo desencadeada também nos campos econômico, político, jurídico e diplomático. Em setembro, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou 25 leis anti-China em um período de uma semana, com grande parte das medidas contando com o apoio dos dois principais partidos políticos, foi uma decisão bipartidária. Políticos norte-americanos, dos dois partidos principais, têm dito em alto e bom som que a China é a maior ameaça de longo prazo para os EUA. Uma das leis aprovadas naquela que ficou conhecida como a “Semana da China”, a “Lei de Autorização do Fundo de Combate à Influência Maligna da China”, prevê a liberação de US$ 1,63 bilhão, em cinco anos, para financiar organizações que realizam propaganda contra a China no mundo. Foi uma gama enorme de leis contra a China, com medidas as mais abrangentes e hostis possíveis, incluindo ameaças a autoridades chinesas, fortalecimento de laços com países rivais da China e enfraquecimento da moeda desse país.

Uma das leis aprovadas na Câmara dos Representantes propõe uma série de restrições aos veículos elétricos chineses, visto como uma ameaça à indústria nacional dos EUA, mesmo com os dados mostrando que os veículos chineses representam somente 2% da importação de veículos elétricos para o país. No dia 4 de outubro, a União Europeia aprovou também a imposição de elevadas tarifas sobre veículos elétricos originários da China (elas podem superar 45%), o que mostra que a política contra a China envolve todos os países imperialistas. A medida contou com o apoio de apenas 10, dos 27 países que constituem o Bloco. A Alemanha, principal economia da Europa, votou contra a medida, a BMW chamou inclusive a medida de “sinal fatal” para a indústria automotiva do continente.

Entender esse processo de polarização internacional, provocado pelos países imperialistas, Estados Unidos à frente, é fundamental para a compreensão dos principais acontecimentos políticos e econômicos internacionais. Em face da gravidade da crise econômica desses países, ainda que seja muito difícil fazer previsões mais precisas do que irá acontecer nos próximos meses e anos, seria otimismo exagerado esperar um desfecho sem um grande confronto bélico mundial.

 

•        Versão militar do jato E190-E2 da Embraer reflete solidez da empresa nacional

Uma versão militar do jato comercial E190 E-2 da Embraer será bem-vinda não só pela Força Aérea Brasileira (FAB), mas por aeronáuticas ao redor do mundo, afirma especialista entrevistado pela Sputnik Brasil.

Discretamente, a Embraer anunciou uma versão militar do seu jato comercial E190 E-2 durante a Exposição Internacional de Defesa do Exército da Coreia (Kadex), que ocorreu entre os dias 2 a 6 de outubro deste ano em Gyeryongdae, Coreia do Sul.

O modelo civil faz parte da classe dos E-Jets E2 da empresa brasileira. Desde seu lançamento, em 2013, a família de jatos bimotores de médio alcance é um sucesso de vendas com mais de 350 encomendas por companhias aéreas domésticas e internacionais.

O modelo com mais destaque é o E195 E-2, preferido das linhas aéreas por seu maior comprimento (41,51 m) em comparação ao E190 E-2 (36,25 m). Contudo, ambas as aeronaves contam com os mesmos motores, dois turbofan Pratt & Whitney PW1900G, de 190 cm.

O resto das diferenças entre os dois decorre do tamanho: o E190-E2 necessita de uma pista de pouso menor e tem uma maior autonomia de combustível (5.186 km contra 4.600 km do E195 E-2).

Entrevistado pela Sputnik Brasil, Marcos José Barbieri Ferreira, economista e especialista em indústria aeroespacial e defesa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), avaliou o desenvolvimento da versão militar do E190 E-2 como positiva.

Dentro da linha dos E-Jets 2, "o E190-E2 é a plataforma mais adequada para adaptação em versões militares".

<><> Civil, mas militar?

À reportagem, Barbieri explica que a prática de adaptação de aviões civis para uso das forças aéreas é muito comum na história da aviação militar. "Alguns denominam isso de aviões para missões especiais, para fins específicos."

A adaptação de aviões civis para uso militar demanda investimento, sublinha o especialista. Mesmo assim, ela sai mais barata do que o desenvolvimento de uma nova aeronave do zero, contando ainda com outros benefícios como uma maior facilidade de manutenção.

"Essas aeronaves civis bem sucedidas tem toda uma rede de assistência técnica, de fornecedores, de empresas credenciadas para fazer a manutenção. Então o custo de você operar é muito mais baixo."

Esse tipo de projeto é bastante conhecido pelo público a partir das aeronaves presidenciais, que utilizam aviões já existentes adaptados para receberam uma série de melhorias como comunicação segura, embaralhamento de sinais eletrônicos e proteção nuclear.

De fato, lembra Barbieri, a Embraer tem experiência na adaptação de seus modelos civis para uso da FAB com seus ERJ-145. Desenvolvidos nos anos 90, no início dos 2000 eles entraram para o portfólio da Força Aérea em três versões: R-99, para reconhecimento terrestre, e E-99, para controle aéreo e alerta antecipado.

O primeiro tipo faz a vigilância do solo brasileiro, em especial na Amazônia uma vez que possui radares que enxergam por debaixo da copa das árvores. Por fim, o segundo tipo tem uma função logística de central de operações, levando em si sistemas de radares e comunicação mais robustos para coordenar os diferentes esforços.

Esses aviões não só encontraram lar na FAB, como também foram adotados nas aeronáutica do México, Grécia e Índia.

Havia ainda a previsão do desenvolvimento do P-99 para patrulha marítima, que possui um radar para enxergar a longo alcance e acompanhar embarcações em alto mar. Aviões de patrulha marítima também são equipados com sonoboias capazes de detectar submarinos.

"Aviões de patrulha marítima também servem para guerra submarina, levando torpedos e cargas de profundidades para atingir navios e submarinos", detalha o especialista.

 

•        Jato E190-E2, da Embraer, encontrará amplo espaço no mercado

Atualmente, o Brasil "carece de aeronaves adequadas" para patrulha marítima, destaca Barbieri.

A FAB dispões de dois modelos distintos para essa função no momento. O primeiro é o EMB-111 Bandeirante da Embraer, também conhecido como "Bandeirulha", outra adaptação do mercado civil entregue à aeronáutica no final dos anos 70.

O outro, um pouco mais moderno, é P-3 Orion (derivados do civil L-188 Electra da Lockheed). O modelo foi aposentado da Força Aérea dos Estados Unidos nos anos 80 e entregue à FAB na década passada.

Nesse sentido, o E190 E-2 da Embraer é uma aeronave que encontrará mercado no Brasil e no exterior. Prova disso é que a aeronáutica do Paquistão fez por conta própria a adaptação de jatos Lineage 1000 da Embraer, versão executiva do E190 de primeira geração, para missões de patrulha naval.

Isso é evidência da confiabilidade que o mercado e os governos tem na empresa brasileira, que se destaca mundialmente no setor de jatos de médio porte.

"Qual outro país tem uma plataforma aeronáutica comercial eficiente, baixo custo, alta segurança e utilizado no mundo inteiro? É só a Embraer."

Outras empresas de aviação, como a Airbus e a Boeing, apesar de também realizarem adaptações de seus aviões civis, esbarram em problemas como o custo mais elevado e maior peso de seus modelos.

"A Embraer tem a melhor oferta para esse tipo de aeronave, não só no Brasil, mas em outros locais. É uma plataforma segura, confiável e com custo de operação baixo e manutenção em qualquer lugar. "

 

Fonte: Por José Alvaro de Lima Cardoso, em Outras Palavras/Sputnik Brasil

 

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