O longo histórico de desestabilização do
Irã pelos EUA
Por um ano, desde
outubro de 2023, os líderes dos EUA aplaudiram o bombardeio implacável de
Israel em Gaza, mesmo com o genocídio ali — com financiamento e armas
estadunidenses — matando mais de quarenta mil palestinos, cerca de metade deles
mulheres e crianças. Os aplausos continuaram enquanto Israel expandiu seus
bombardeios para, agora, três outros países árabes: Líbano, Iêmen e Síria.
Ainda insatisfeitos,
alguns torcem para que Israel bombardeie o Irã. Joe Biden tem supostamente
“discutido” a perspectiva de um ataque israelense aos campos de petróleo
iranianos, a tábua de salvação da economia do país, que tem definhado sob um
embargo devastador dos EUA por décadas.
Após o bombardeio de
mísseis do Irã contra Israel na semana passada, realizado em retaliação aos
assassinatos de líderes do Hamas e do Hezbollah por forças israelenses, a
vice-presidente e candidata presidencial democrata Kamala Harris chamou a
república islâmica de uma “força desestabilizadora e perigosa” no Oriente
Médio, abrindo um novo capítulo em uma longa história de agressividade dos EUA
contra o Irã. Na segunda-feira passada, ela foi ainda mais longe, chamando o
Irã de “maior adversário” dos
Estados Unidos.
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Uma longa e violenta história
Para aqueles
familiarizados com essa história, é difícil ouvir tais declarações sem
relembrar a véspera de Ano Novo de 1977, um ano antes da Revolução Iraniana
estourar. No calor da crescente agitação civil no Irã, o presidente dos EUA
Jimmy Carter compareceu a um luxuoso jantar de estado com o xá iraniano,
Mohammad Reza Pahlavi, onde Carter brindou: “O Irã, por causa da grande
liderança do xá, é uma ilha de estabilidade em
uma das áreas mais problemáticas do mundo”.
Ironicamente, os
brindes foram precedidos por uma longa história dos EUA de desestabilização do
Irã — uma história marcada por operações secretas e intervenções clandestinas.
Vinte e quatro anos antes, durante a “Operação Ajax”, a CIA, em colaboração com
o MI6 britânico, orquestrou um golpe que derrubou o primeiro-ministro iraniano
democraticamente eleito Mohammed Mossadegh, que venceu com uma plataforma de
nacionalização do petróleo e sua retomada do controle ocidental. O golpe pôs em
movimento a destruição da emergente democracia do país e assombraria os
iranianos pelas próximas décadas.
Começando no final da
década de 1940, no calor da Guerra Fria, o governo Harry Truman abraçou o jovem
xá como um parceiro importante na emergente aliança antissoviética no Oriente
Médio, apesar do crescente ressentimento iraniano pela corrupção do governo e
as vendas imprudentes de recursos do Irã para empresas estrangeiras para
financiar o estilo de vida luxuoso do mandatário. A onda de gastos do xá o
levou a vender direitos exclusivos sobre o petróleo e gás natural do Irã para
empresas petrolíferas multinacionais ocidentais, principalmente a Anglo-Iranian
Oil Company (AIOC), que explorou os iranianos e exportou milhões de barris de
petróleo que deram lucros fabulosos enquanto pagavam praticamente nada ao Irã.
O ressentimento
perante o xá logo deu origem à dissidência popular. Em outubro de 1949,
Mossadegh, um crítico de longa data da dinastia Pahlavi e um defensor aberto do
direito do Irã de controlar sua própria indústria petrolífera, fundou a Frente
Nacional, uma ampla coalizão que incluía moderados de classe média e membros do
Partido Tudeh, de esquerda. Mossadegh e seus aliados logo mantiveram o
equilíbrio de poder no parlamento iraniano, conhecido como Majles, onde
concorreram com a plataforma de compartilhar os lucros do petróleo entre o Irã
e a AIOC, citando o exemplo de outras empresas petrolíferas multinacionais que
operavam na Venezuela e na Arábia Saudita.
Apoiada pelo governo
britânico, a AIOC recusou-se a fazer concessões. Os Majles responderam
nacionalizando a indústria petrolífera iraniana. Pouco depois, Mossadegh foi
eleito primeiro-ministro e imediatamente anunciou planos para arrancar do Reino
Unido o controle dos campos de petróleo e refinarias do Irã.
O Ocidente foi rápido
em retaliar. Quando Mossadegh avançou com a nacionalização, os governos
britânico e americano uniram forças para pressionar o xá a destituir seu novo
primeiro-ministro, ameaçando um embargo internacional ao petróleo iraniano,
enquanto secretamente planejavam um golpe em Teerã.
O presidente Dwight D.
Eisenhower deu sua bênção ao
plano. Os arquitetos do golpe foram o secretário de estado dos EUA John Foster
Dulles, um anticomunista raivoso que descartou Mossadegh como um fantoche russo
e “louco”, e Allen Dulles, o novo diretor da CIA, que tinha laços estreitos com
o MI6, o serviço de inteligência britânico, e era um entusiasta de operações
secretas contra nações que ele considerava vulneráveis à subversão ou tomada soviética. Kermit Roosevelt, neto
de Theodore Roosevelt e um veterano operador secreto da CIA, foi enviado a
Teerã para supervisionar o plano.
Agentes americanos e
britânicos realizaram o que eles rotularam como um “contragolpe” contra o
governo recém-eleito, o que envolveu a distribuição de propinas generosas para
mobilizar centenas de mercenários pró-xá, que se espalharam pelas ruas gritando
slogans antigovernamentais e encenaram confrontos violentos com os apoiadores
de Mossadegh. Enquanto isso, o general Fazlollah Zahedi, amigo do Ocidente, e
oficiais militares de direita, juntamente com a polícia secreta iraniana,
conhecida como SAVAK, moveram-se para restaurar a ordem e reprimir a
dissidência, cercando militantes do Partido Tudeh, prendendo Mossadegh e
reintegrando o xá.
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Apenas o início
Em nome da luta contra
o comunismo, os Estados Unidos ajudaram a sabotar uma democracia próspera no
Oriente Médio. Para citar o historiador americano Douglas Little: “Convencido
de que o Irã estava prestes a cair para o comunismo, Eisenhower e os irmãos Dulles
encorajaram as forças pró-americanas a derrubar um líder iraniano
democraticamente eleito e colocar um governante cada vez mais autocrático de
volta ao Trono do Pavão.”
O golpe de 1953,
conhecido no Irã como o golpe de estado de 28 Mordad, foi um prelúdio para uma
longa história de operações secretas de mudança de regime dos EUA contra
líderes democraticamente eleitos em todo o Sul Global. Duas décadas depois, no
Chile, os Estados Unidos conspiraram infamemente para
derrubar o presidente socialista eleito Salvador Allende, ajudando a inaugurar
uma ditadura autoritária de direita.
No Irã, o golpe de
1953 foi apenas o início. À medida que o ressentimento iraniano contra o xá
crescia, os Estados Unidos responderam com uma nova operação de conversão no
Irã no início dos anos 1960. Logo após sua posse, John F. Kennedy elaborou seu
próprio plano para conter a agitação civil no Irã: uma “Revolução Branca”.
Em abril de 1962, Kennedy, recém-saído do desastre da Baía dos Porcos, convidou
o xá Pahlavi para Washington, onde os dois líderes revisaram um “projeto para a
estabilidade no Irã”. Nove meses depois, o xá revelou sua Revolução Branca, um
pacote de reformas modernizadoras “de cima para baixo”, projetadas para evitar
mudanças radicais “de baixo para cima” nos moldes da revolução vermelha de
Fidel Castro em Cuba. Na primavera de 1963, voluntários do Corpo da Paz dos EUA
aterrissaram no Irã para pregar a modernização americana e, à medida que
centenas de corporações americanas começaram a investir no “milagre econômico”
do xá, milhões de barris de petróleo fluíram de lá para os aliados dos Estados
Unidos na Guerra Fria na Ásia e na Europa Ocidental.
Enquanto isso, os
líderes da oposição iraniana, liderados por Ruhollah Khomeini, zombaram do xá
como um fantoche americano e denunciaram as reformas apoiadas pelos EUA como
“Ocidentoxificação” (Gharbzadegi em persa).
No final da década de
1960, autoridades dos EUA acreditavam que o Irã estava se deleitando com a
Revolução Branca do xá. Eles comemoraram enquanto o xá reprimia a dissidência,
enquanto brindavam sua decisão de exilar Khomeini, que eles viam como nada mais
que um “irritante agitador islâmico”.
Entraram Richard Nixon
e Henry Kissinger. Desesperado para impulsionar a expansão dos EUA no Oriente
Médio e sair do atoleiro do Vietnã, o governo Nixon olhou para o Irã monárquico
como um representante dos EUA. Em 1972, a dupla visitou Teerã, onde apresentou
ao xá sua “doutrina Nixon”: em troca da ajuda estadunidense para garantir a
estabilidade política no Irã, os Estados Unidos permitiriam que o xá comprasse
sistemas de armas não nucleares de seu arsenal, incluindo helicópteros de
ataque, caças a jato e fragatas de mísseis guiados.
O xá abraçou a nova
Doutrina Nixon com entusiasmo, embarcando em compras luxuosas de US$ 13 bilhões
em equipamentos militares dos EUA a partir do aumento da receita gerada pelos
preços exorbitantes do petróleo após a Guerra Árabe-Israelense de 1973 e o embargo
árabe do petróleo. Mas o boom do petróleo apenas alienou as
classes média e trabalhadora iranianas, que viam com crescente desdém os gastos
perdulários do xá em armas dos EUA. Tumultos irromperam nas ruas do Irã e foram
recebidos com uma repressão brutal pelo xá, com a bênção estadunidense.
De seu exílio no
Iraque, o cada vez mais popular Khomeini condenou o derramamento de sangue,
pedindo a derrubada do tirano apoiado pelos EUA. A Revolução Iraniana logo
estava em andamento.
Em 16 de janeiro de
1979, o xá Pahlavi embarcou em um Boeing 707 no aeroporto de Mehrabad, em
Teerã, e seguiu, após uma breve parada no Egito, para o exílio nos Estados
Unidos. Para muitos iranianos, dar refúgio ao xá foi um lembrete amargo da
conspiração da CIA para derrubar Mossadegh: os Estados Unidos, ao que parecia,
eram uma superpotência desonesta que recompensava tiranos repudiados e punia
líderes legitimamente eleitos.
·
Depois da Revolução
Duas semanas após a
fuga do xá, Khomeini retornou ao Irã pela primeira vez após quinze anos de
exílio, prometendo estabelecer uma República Islâmica e jurando limpar o país
de toda influência restante do “Grande Satanás”. Khomeini e seus apoiadores
derrotaram as forças de esquerda que ajudaram a derrubar o xá e logo criaram
seu próprio Estado autoritário, embora tenha conquistado apoio popular por sua
oposição ao imperialismo dos EUA.
No entanto, os Estados
Unidos continuaram a chafurdar no negacionismo. As elites estadunidenses
raramente se preocupavam em entender os movimentos políticos islâmicos, ou a
marca particular de xiismo de Khomeini. Eles nunca reconheceram que os
sentimentos antiamericanos inflamados no Irã não eram religiosos ou culturais
em origem, ou o produto de um “choque de civilizações” ou algum outro absurdo
a-histórico, mas tinham raízes na longa história dos Estados Unidos de
intromissão no país e seu apoio à ditadura do xá.
Quando Ronald Reagan
assumiu o poder em 1980, o Irã estava preso em uma guerra cada vez mais
sangrenta com o Iraque, que durou oito anos e custou meio milhão de vidas, a
maioria delas iranianas. Ansioso para acertar velhas contas com o Irã, o
governo Reagan ficou do lado do Iraque, fornecendo a Saddam Hussein armas e
aeronaves, inteligência militar e bilhões de dólares em crédito. Isso não
impediu Reagan de aprovar ilegalmente um acordo de “armas por reféns” com o
governo Khomeini no escândalo amplamente conhecido como o caso Irã-Contra.
A guerra Irã-Iraque
terminou em um impasse. Encorajado por sua parceria com os estadunidenses,
Hussein invadiu o Kuwait três anos depois, e os Estados Unidos logo estavam
lutando contra seu antigo aliado e novo pária no Iraque.
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Travada na hostilidade
Desde então, a
política dos EUA em relação ao Irã foi marcada por queixas passadas e travada
em hostilidade a-histórica. Para não ser ofuscado por seus antecessores, Bill
Clinton adotou uma política de “dupla contenção”, que empregou sanções
econômicas paralisantes e ameaças militares preventivas para enfraquecer o Irã,
culminando na assinatura da Lei de Sanções ao Irã e à Líbia de 1996 (ILSA).
Enquanto isso, os
líderes iranianos tentaram consertar pontes com os Estados Unidos com uma série
de gestos de boa vontade. Em maio de 1997, os iranianos elegeram o moderado
islâmico e reformista Mohammad Khatami como presidente, que estenderia um ramo
de oliveira aos Estados Unidos, apenas para ser recebido com a profunda
animosidade e suspeita da administração Clinton, e suas exigências inabaláveis de que o Irã encerrasse seu programa de pesquisa nuclear, conforme expresso
no Iran Nonproliferation Act de
2000.
Sob George W. Bush, os
neoconservadores fizeram da desestabilização do Irã uma
política oficial, novamente apesar do alcance iraniano. Horas após o 11 de
setembro, Khatami enviou condolências a Bush, enquanto milhares de jovens
iranianos fizeram uma vigília à luz de velas nas ruas de Teerã. Bush respondeu
rotulando o Irã como um regime terrorista e um membro do “Eixo do Mal”, junto
com o Iraque e a Coreia do Norte. (Ou a “Maldição”, na versão mais recente de
Benjamin Netanyahu, que inclui Gaza e Líbano.)
Quando, quatorze meses
depois, as tropas dos EUA invadiram o Iraque para depor Saddam Hussein, foi a
vez de Khatami condenar os Estados
Unidos. Alguns dos principais conselheiros de Bush, incluindo o vice-presidente
Dick Cheney, acolheram reservadamente a perspectiva de um ataque preventivo
israelense contra o complexo nuclear iraniano de Bushehr, e até mesmo
planejaram uma mudança de regime em
Teerã. Insatisfeito com sua destruição gratuita do Iraque, o próprio Bush ordenaria ao Pentágono que
planejasse um ataque às instalações nucleares do Irã, como o ex-presidente se
gaba em suas memórias.
Ao optar
persistentemente por punição econômica e buscar soluções militares para
enfraquecer o país, os Estados Unidos sempre erraram em relação ao Irã — seja a
CIA derrubando o primeiro-ministro democraticamente eleito Mossadegh;
ou Carter dando refúgio ao xá autoritário; ou Reagan enviando armas ao Iraque
durante a Guerra Irã-Iraque; ou George W. Bush rejeitando um acordo
nuclear com o Irã; ou Donald Trump sabotando o acordo nuclear
de Barack Obama com o Irã e levando a cabo o assassinato de Qassem
Soleimani; ou o governo Biden belicista contra o Irã em um momento de crescente
conflito regional, atiçando as chamas de uma guerra maior — além de enviar
milhares de soldados americanos para a região e garantir um pacote de ajuda
militar de US$ 8,7 bilhões para Israel.
Os Estados Unidos têm
trabalhado para desestabilizar o Irã por quase um século. Com o candidato
presidencial democrata mais uma vez fazendo tiradas agressivas contra o Irã
enquanto apoia o novo ataque de Israel ao Líbano, as autoridades americanas
parecem não ter aprendido nada com a história.
¨ Israel e Hamas pararam de participar das negociações de
cessar-fogo há cerca de 1 mês, diz Catar
Tanto Israel quanto o
movimento palestino Hamas pararam de participar das negociações sobre um
cessar-fogo na Faixa de Gaza há cerca de um mês, revelou nesta quarta-feira
(16) o ministro das Relações Exteriores do Catar, sheik Mohammed bin
Abdulrahman al-Thani.
"Nas últimas três
ou quatro semanas, todas as partes pararam completamente de participar [do
processo de negociação]", afirmou Abdulrahman al-Thani, segundo a Al
Jazeera.
Em setembro, o
chanceler declarou que continuava os esforços para alcançar um acordo de
cessar-fogo na região palestina.
Um representante da
liderança política do Hamas no Líbano, Ayman Shanaa, havia dito anteriormente à
Sputnik que o movimento não via sentido em negociações sobre a troca de
prisioneiros até que houvesse um cessar-fogo completo e a retirada das tropas
israelenses da Faixa de Gaza.
Shaana observou que o
movimento estava disposto a um cessar-fogo, mas devido à posição do
primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, as conversas eram
infrutíferas.
Enquanto a situação em
Gaza segue em impasse mesmo após um ano de conflito e mais de 42 mil mortes, a
outra frente de guerra de Israel segue com força total no Líbano, que só em um
ataque também nesta quarta provocou 16 mortes e 52 feridos.
O jornal turco
Hurriyet revelou que Israel quer criar uma zona tampão no país e também na
Síria, que já recebeu milhares de refugiados libaneses. "Israel está
fazendo tudo para transferir a guerra do Líbano para a Síria. Está atacando [as
províncias de] Tartus, Hama, Homs, Aleppo, Daraa e até mesmo a capital,
Damasco. Ele invadiu o território sírio com tanques e não vai achar isso
suficiente", escreveu a publicação.
O Exército israelense
vem conduzindo uma operação terrestre contra as forças do movimento Hezbollah
no sul do Líbano desde 1º de outubro e continua o bombardeio aéreo do país.
Mais de 2,3 mil
pessoas, incluindo líderes do movimento, já foram mortas e mais de um milhão se
tornaram refugiadas.
Apesar das perdas,
inclusive de vários comandantes, o Hezbollah está lutando em terra e segue
disparando foguetes contra o território israelense.
Fonte: Por Seraj
Assi, - tradução Pedro Silva, em Jacobin Brasil/Sputnik Brasil
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