E o Nobel de economia vai para… a defesa do
liberalismo!
Daron Acemoglu, Simon
Johnson e James A. Robinson receberam, agora em 2024, o prêmio Nobel (que, na
verdade, é o prêmio Riksbank) de Economia “por seus estudos sobre a formação
das instituições e sobre como elas afetam a prosperidade”. Daron Acemoglu e
Simon Johnson são professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
James Robinson é professor da Universidade de Chicago, também nos Estados
Unidos.
Eis o que os árbitros
do Nobel dizem sobre o motivo da premiação: “Hoje, 20% dos países considerados
mais ricos são cerca de 30 vezes mais ricos do que os 20% tomados como os mais
pobres. As disparidades de renda entre os países têm sido fortemente persistentes
nos últimos 75 anos. Os dados disponíveis também mostram que as disparidades de
renda entre os países cresceram nos últimos 200 anos. Por que as diferenças de
renda entre os países são tão grandes e por que elas são tão persistentes?”
“Os laureados deste
ano foram pioneiros em uma nova abordagem que se mostrou capaz de fornecer
respostas quantitativas e confiáveis para essa questão, que é obviamente
importante para a humanidade. Eles examinaram empiricamente o impacto e a
persistência das estratégias de desenvolvimento econômico adotadas por muitos
países de baixa renda após a libertação do colonialismo. Verificaram, desse
modo, que muitos deles criaram ambientes institucionais que classificaram de
extrativistas. A ênfase no uso de dados históricos para apreender os
experimentos institucionais, deu início a uma nova tradição de pesquisa que
continua a ajudar a descobrir os impulsionadores históricos da prosperidade –
ou de sua falta”.
“As pesquisas desses
economistas se concentram na ideia de que as instituições políticas moldam de
modo fundamental as condições que permitem a geração da riqueza das nações. Mas
o que molda essas instituições? Empregando o saber existente no campo da ciência
política sobre a reforma democrática, largamente baseado na teoria dos jogos,
Acemoglu e Robinson desenvolveram um modelo dinâmico no qual a elite dominante
toma decisões estratégicas sobre instituições políticas – particularmente sobre
os processos eleitorais – em resposta às ameaças emergentes periodicamente.
Essa estrutura teórica agora é padrão para analisar a reforma institucional
política. E ela tem impactado significativamente no desenvolvimento da pesquisa
nesse campo. Ora, as evidências estão aumentando em apoio a uma das principais
implicações do modelo: governos mais inclusivos promovem o desenvolvimento
econômico”.
Ora, o que eu mesmo
descobri examinando os ganhadores anteriores é que o vencedor ou a vencedora
(mais raramente) – qualquer que seja a qualidade de seu trabalho – recebeu o
prêmio não pelo melhor, mas geralmente pela pior parte de sua pesquisa. Eis que
os trabalhos ganhadores sempre confirmavam a visão dominante sobre o mundo
econômico atualmente existente, mesmo se não ia muito longe na compreensão das
suas contradições inerentes.
Acho que essa
conclusão se aplica aos últimos vencedores acima referidos. O trabalho pelo
qual eles receberam o prêmio de um milhão de dólares consiste em pesquisas cujo
sentido foi mostrar que os países que alcançaram a prosperidade e acabaram com
a pobreza são aqueles que adotaram a “democracia”. Por democracia, entenda-se a
democracia liberal de estilo ocidental, onde as pessoas podem falar
(principalmente), podem votar em políticos profissionais, esperando que as leis
protejam as suas vidas e propriedades (isso é bem esperado).
Nessa perspectiva, as
sociedades que são controladas por elites que não tem qualquer responsabilidade
democrática, que promovem a mera extração de recursos, que não respeitam a
propriedade e o valor gerado na passagem do tempo, não prosperam. Os ganhadores
do Nobel provaram essa tese por meio de uma série de artigos em que são
apresentadas análises empíricas, as quais mostram a existência de correlação
entre democracia (conforme definida) com os níveis de prosperidade.
De fato, os ganhadores
do Nobel argumentam que a colonização do Sul Global nos séculos XVIII e XIX
poderia ter sido “inclusiva”. Os países da América do Norte, por terem sido
“inclusivos” se transformaram em nações prósperas (nessa prosperidade deve ser excluída,
obviamente, a população indígena). Já os países do Sul, por terem sido
“extrativistas”, permaneceram na pobreza (América Central e do Sul) ou mesmo na
extrema pobreza (África). Para eles, tudo depende das instituições assim
classificadas. Essa é a teoria que defendem.
Esse tipo de análise
econômica é dito institucionalista. Ela prega que não são as forças cegas do
mercado e da acumulação de capital que impulsionam o crescimento (e as
desigualdades), mas as decisões e as superestruturas construídas pelos atores
sociais. Com apoio nesse tipo de modelo, os atuais vencedores afirmam que as
revoluções precedem as mudanças econômicas; para eles, não são as mudanças
econômicas (ou a falta delas antes que um novo ambiente econômico seja criado)
que precedem as revoluções.
Dois pontos decorrem
dessa análise. Eis o primeiro deles: se o crescimento e a prosperidade andam de
mãos dadas com a “democracia”, como explicar o sucesso de países como a União
Soviética, China e Vietnã se eles têm supostamente elites “extrativistas” e/ou
antidemocráticas? Como esses nobres ganhadores de prêmios Nobel explicam tais
desempenhos econômicos indubitáveis?
Aparentemente, eles o
explicam pelo fato de que saíram de uma condição de extrema pobreza copiando
tecnologia dos países mais desenvolvidos; contudo, após os primeiros saltos, o
caráter extrativista de seus governos passa a fazer com que percam força? Bom,
talvez acreditem que o hipercrescimento da China vai perder força logo. Talvez,
isso esteja ocorrendo agora!
Em segundo lugar, é
correto dizer que revoluções ou reformas políticas são necessárias para colocar
as coisas no caminho da prosperidade? Bem, pode haver alguma verdade nisso: a
Rússia do início do século XX chegaria aonde está hoje sem a revolução de 1917;
a China, explorada pelo imperialismo britânico, chegaria ao ponto em que
chegou, agora em 2024, sem a revolução de 1949. Ora, esses nobres ganhadores de
prêmios Nobel não se referem a tais exemplos: eles preferem a Grã-Bretanha e os
Estados Unidos como exemplos de países vencedores.
Contudo, o estado da
economia, a forma como funciona, o investimento e a produtividade da força de
trabalho também têm um efeito no progresso das nações. O capitalismo e a
revolução industrial na Grã-Bretanha precederam a mudança em direção sufrágio
universal, que só veio depois, após muita luta. A Guerra Civil Inglesa da
década de 1640 lançou as bases políticas para a hegemonia da classe capitalista
na Grã-Bretanha, mas foi a expansão do comércio (inclusive de escravos) e a
colonização no século seguinte que produziram a prosperidade econômica.
A ironia deste prêmio
é que o melhor trabalho de Acemoglu e Johnson veio somente mais recentemente.
Mas os avaliadores do prêmio se concentraram em trabalhos mais antigos desses
pesquisadores. Apenas no ano passado, os autores publicaram o livro Poder e progresso
(Objetiva) (Power and Progress), no qual apresentam a contradição presente nas
economias modernas entre a tecnologia que aumenta a produtividade do trabalho,
mas também tende a elevar a desigualdade e a pobreza. É claro que as soluções
políticas que propõem não tocam na questão da mudança nas relações de
propriedade, mesmo se recomendam que precisa haver um maior equilíbrio
distributivo entre o capital e o trabalho.
A favor dos vencedores
deste ano vem o fato de que as suas pesquisas tentam entender o mundo econômico
e o seu modo de desenvolvimento, ao invés de estabelecer algum teorema
misterioso de equilíbrio, tal como já ocorreu. Muitos vencedores anteriores
foram homenageados por tal tipo de contribuição esotérica. Contudo, é preciso
dizer que as teorias que avançam para a “recuperação do atraso” são vagas (ou
“contingentes” como eles próprios se referem) e, como tais, pouco convincentes.
Acho que há explicação
muito melhor e bem mais persuasiva sobre o processo de recuperação do atraso
econômico (ou do fracasso em obtê-lo) no recente livro dos economistas
marxistas brasileiros Adalmir Antônio Marquetti, Alessandro Miebach e Henrique
Morrone. Eis que eles produziram um livro importante e muito perspicaz sobre o
desenvolvimento capitalista global. Criaram inclusive uma maneira inovadora de
medir o progresso da maioria da humanidade no chamado Sul Global que almeja,
sem poder, “recuperar o atraso” em relação aos padrões de vida em vigor no
“Norte Global”.
O livro deles,
Desenvolvimento desigual e capitalismo – Alçando ou ficando para trás na
economia global (Unequal Development and Capitalism – Catching Up and Falling
Behind in the Global Economy, Routledge), lida com várias variáveis que os
atuais ganhadores do Nobel ignoram, ou seja, produtividade do trabalho e do
capital, taxa de acumulação, troca desigual, taxa de exploração – bem como com
o fator institucional mais importante, isto é, aquele que define quem controla
o excedente, se esse controlador é de dentro ou de fora.
Fonte: Por Michael
Roberts, com tradução em A Terra é Redonda
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