quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Como Cingapura foi da pobreza extrema a um dos países com maior expectativa de vida do mundo

Uma criança nascida em Cingapura, em 1960, provavelmente viveria (na época) até os 65 anos, mas uma criança nascida hoje, no país, pode ter uma expectativa de vida de mais de 86 anos, de acordo com as estimativas. Além disso, o número de centenários em Cingapura dobrou num período de 10 anos, de 2010 a 2020.

Este enorme salto na longevidade foi impulsionado, em grande parte, por políticas e investimentos públicos intencionais. A diferença foi suficiente para que o país fosse designado a sexta "zona azul" do mundo em agosto de 2023.

Embora alguns demógrafos tenham questionado recentemente sua precisão, o termo "zonas azuis" foi cunhado pelo jornalista Dan Buettner, da National Geographic, que disse ter identificado regiões onde as pessoas tinham uma vida mais longa e saudável, em grande parte, devido a uma combinação de cultura, estilo de vida, alimentação e comunidade.

Cingapura é a mais nova região adicionada às "zonas azuis" (apelidada de "Zona Azul 2.0" por Buettner), e destaca-se das demais, em parte, porque a longevidade do seu povo se deve mais a políticas inovadoras do que a tradições culturais estabelecidas há muito tempo em outras comunidades da "zona azul", como Icaria, na Grécia, ou Nicoya, na Costa Rica.

Mas não se trata apenas da quantidade de vida, a qualidade de vida também é apreciada pelos moradores locais. Conversamos com alguns deles para entender que políticas e práticas tornam suas vidas mais saudáveis e felizes — e o que eles recomendam a outras pessoas que almejam viver aqui em busca de uma vida mais longa.

•        Uma transição saudável

Os moradores de Cingapura testemunharam as mudanças graduais nas políticas do governo que afetam sua saúde e bem-estar.

"Tendo crescido aqui, vi pessoalmente a transformação na conscientização em relação à saúde da comunidade", afirmou Firdaus Syazwani, que administra o blog de consultoria financeira Dollar Bureau.

"A forte tributação sobre o cigarro e as bebidas alcoólicas, aliada às rigorosas proibições de fumar em público, não só melhora a saúde individual, como também melhora os espaços públicos, tornando-os mais acolhedores e limpos. Chega de fumo passivo!"

Mas ele ficou surpreso ao saber da designação de Cingapura como "zona azul", até pela grande quantidade de açúcar, sal e leite de coco usados nos pratos locais. Mas isso também está mudando (embora lentamente) por causa das políticas públicas.

"Dada a tendência da nossa culinária local de usar ingredientes mais ricos, o Conselho de Promoção da Saúde tem iniciativas para incentivar escolhas alimentares mais saudáveis entre os residentes", explicou Syazwani.

"Medidas como a rotulagem nutricional obrigatória e a redução do teor de açúcar nas bebidas fizeram uma diferença notável nas escolhas e na conscientização sobre saúde pública. Embora ainda não se saiba exatamente quão eficaz é esta iniciativa, eu, pessoalmente, tendo a evitar bebidas açucaradas quando vejo esses rótulos."

O sistema de saúde de Cingapura também recebeu elogios a nível mundial pela qualidade do atendimento e pela capacidade de contenção dos custos.

O Índice de Prosperidade Legatum de 2023 classificou o país como o melhor do mundo no que se refere à saúde dos cidadãos e à sua capacidade de acesso à assistência médica.

O país oferece cobertura universal de saúde, mas também conta com uma combinação de serviços privados e fundos para ajudar a cobrir as despesas do próprio bolso.

•        Espaços verdes

Mas não é apenas o sistema de saúde que desempenha um papel importante para que os moradores tenham uma vida mais longa.

Outras políticas, como uma rede de transporte público sólida, incentivam a mobilidade, enquanto colocar a limpeza do país como prioridade também proporciona aos residentes uma sensação de segurança e calma.

"As iniciativas governamentais que priorizam a integração perfeita de parques, jardins e reservas naturais na paisagem urbana renderam a Cingapura a reputação de ser uma 'cidade-jardim'", afirmou Charu Kokate, sócia da empresa Safdie Architects, que liderou projetos emblemáticos como as torres residenciais Sky Habitat e o Aeroporto Jewel Changi.

"Apesar de morar em Cingapura há mais de 15 anos, sigo impressionada com o planejamento meticuloso da cidade. Seu foco em sustentabilidade, uso eficiente da terra e incorporação de espaços verdes na vida urbana é notável."

"Embora as leis de Cingapura possam ser rigorosas, elas resultaram em um ambiente limpo e bem conservado", acrescentou.

Um dos seus lugares favoritos é o Jardim Botânico. Localizado no centro da cidade, é o único jardim tropical reconhecido como Patrimônio Mundial da Unesco.

"Sua notável coleção de orquídeas e foco em pesquisa e conservação de plantas, fazem dele um refúgio para amantes da natureza, famílias e turistas que buscam paz e beleza", afirmou Kokate.

Os parques públicos também servem como um centro para a comunidade, um fator que todos os pesquisadores de longevidade concordam ser essencial para viver uma vida longa e saudável.

"De jovens adultos a idosos, você encontra um amplo grupo demográfico praticando exercícios físicos com regularidade, o que é facilitado por parques públicos, aparelhos de academia e aulas de ginástica facilmente acessíveis em toda a cidade", explicou Syazwani.

Para aqueles que estão considerando se mudar para Cingapura, adotar esse espírito e estilo de vida comunitário é fundamental.

Syazwani recomenda o East Coast Park, um trecho de praia que oferece muitas opções de piquenique e espaço para caminhar enquanto se desfruta da brisa do mar.

•        Leis rigorosas

Embora a qualidade de vida possa ser alta em Cingapura, o preço de viver aqui também é proporcional.

O país costuma ser classificado como um dos lugares mais caros do mundo para se viver — aparecendo em segundo lugar no ranking da consultoria Mercer, depois de Hong Kong.

Embora a população seja diversificada, com pessoas de todo o mundo emigrando para lá, o governo prioriza um forte senso de coesão social, aplicado por meio de leis e fiscalização. O Estado tem leis (e penalidades) rigorosas contra jogar lixo na rua, fumar em público, usar drogas e até mesmo atravessar a rua fora da faixa.

Mas muitos moradores acreditam que as regras ajudam a manter o país um lugar mais seguro e belo para se viver.

"As políticas do governo estão cuidadosamente alinhadas com as necessidades da população, concentrando-se em melhorar a qualidade de vida em geral, apoiar a estabilidade econômica e manter a harmonia social", disse Kokate.

"A estabilidade política de Cingapura desempenha um papel fundamental na promoção de um ambiente que incentiva o investimento empresarial, o crescimento econômico e a coesão social."

O país também celebra sua diversidade, especialmente por meio de sua cena gastronômica de renome mundial e dos festivais anuais — do Ano Novo chinês ao Diwali hindu, do Ramadã muçulmano ao Natal cristão, passando pelo Festival Internacional de Artes.

"A cidade tem algo para todos, independentemente da idade", observou Kokate.

"A sociedade multicultural abrange uma ampla variedade de tradições, criando uma experiência cultural rica e vibrante que aprimora a estadia de visitantes e expatriados."

 

•        Quem é o 'banqueiro dos pobres' que vai comandar governo interino em Bangladesh

Bangladesh passa por um momento político turbulento.

Pouco mais de 24 horas após a renúncia da primeira-ministra, Sheikh Hasina, no poder desde 2009, anunciou-se que o governo interino de Bangladesh contará com a supervisão do vencedor do Prêmio Nobel da Paz Muhammad Yunus.

A decisão foi tomada numa reunião entre o presidente do país, Mohammed Shahabuddin, líderes militares e os líderes do grupo Estudantes Contra a Discriminação, informou a Presidência.

O poder Legislativo foi dissolvido pelo presidente Shahabuddin na terça-feira para facilitar a formação de um poder Executivo interino.

"O presidente pediu que o povo o ajude a superar a crise. A rápida formação de um governo interino é necessária para superar a crise", afirmou o gabinete do presidente em comunicado.

Os líderes estudantis deixaram claro que não aceitariam um governo liderado por militares e pressionaram para que Yunus, conhecido como o "banqueiro dos pobres", lidere o governo interino.

Yunus concordou e disse: "Quando estudantes que sacrificaram tanto me pedem para intervir neste momento difícil, como posso recusar?"

<><> Principal assessor do próximo governo

"Decidimos que um governo interino será formado em torno do vencedor do Prêmio Nobel Dr. Muhammad Yunus, no qual ele será o principal conselheiro", declarou Nahid Islam, um dos líderes estudantis, em mensagem publicada no Facebook, segundo o serviço bengali da BBC.

"Conversamos com Muhammad Yunus e ele concordou em assumir, a pedido dos estudantes, a responsabilidade de proteger Bangladesh", disse o líder.

A agência Reuters noticiou que o conceituado economista retornará de Paris "imediatamente". Ele tinha viajado à França para se submeter a uma "pequena cirurgia".

Mas quem é Yunus e por que os estudantes consideram sua incorporação ao novo governo essencial?

<><> Criador dos microcréditos

Yunus nasceu em 1940 na cidade costeira de Chittagram, no sudeste de Bangladesh. Estudou economia na Universidade de Dhaka e também na Universidade Vanderbilt (EUA).

Na década de 1970, criou um sistema de empréstimos bancários de baixo valor, com baixas taxas de juros, para permitir que as camadas mais pobres da população pudessem progredir economicamente.

Os primeiros microcréditos, como ficaram conhecidos, foram concedidos no valor de US$ 27 a 42 cesteiras indigentes de uma aldeia pobre próxima à universidade onde Yunus trabalhava em Bangladesh, segundo o site do Comitê do Prêmio Nobel.

Até aquele momento, elas dependiam de agiotas, que cobravam juros altos.

Antes dos microcréditos de Yunus, os bancos tradicionais relutavam em financiar pessoas de baixa renda e que não podiam oferecer garantias.

Mas a ideia do economista mostrou que as beneficiárias foram capazes de pagar os empréstimos e que a injeção de crédito e investimento em setores marginais traduziu-se em "mais renda e mais poupança". E, portanto, numa redução da pobreza, especialmente nas zonas rurais.

"A pobreza é uma imposição artificial e externa ao ser humano; não é inata ao ser humano. E, como é externa, pode ser eliminada. É só uma questão de o fazer", disse certa vez o chamado "banqueiro dos pobres".

O Grameen Bank (Banco das Aldeias, em bengali), instituição focada em fornecer microcrédito para pessoas de baixa renda, foi fundado por Yunus em 1976.

Em 1983, as autoridades de Bangladesh autorizaram o Grameen Bank a operar como banco.

A iniciativa, segundo os seus defensores, teria permitido tirar milhões de pessoas, em Bangladesh e em outros países, da pobreza; e foi copiada mundo afora, inclusive por países latino-americanos, como a Venezuela.

A tese de Yunus também foi aplicada nos Estados Unidos, conforme revelou em 2000 a então primeira-dama, Hillary Clinton.

A também ex-candidata à Presidência dos EUA afirmou ainda que o famoso economista ajudou a introduzir programas de microcrédito em algumas das comunidades mais pobres do Arkansas, Estado governado pelo marido dela, Bill Clinton, antes de ele chegar à Casa Branca em 1993.

E em 2006, o economista recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

"Os pobres sempre pagam seus empréstimos dentro do prazo", defendeu Yunus.

•        Lutando com poder

A carreira de Yunus não se limitou à educação, à economia e à luta contra a pobreza. Ele já havia tentado entrar na política do país antes.

Em 2007, o "banqueiro dos pobres" tentou formar um partido, o que não agradou a agora ex-primeira ministra Sheikh Hasina.

Depois que Hasina recuperou o poder em 2009, o economista sofreu represálias, segundo fontes próximas a ele.

Em dezembro de 2010, a então primeira-ministra acusou Yunus de tratar o Grameen Bank como "propriedade pessoal" e afirmou que ele estava "sugando o sangue dos pobres".

Em 2011, o Banco Central de Bangladesh obrigou o economista a demitir-se do Grameen Bank, usando sua idade como desculpa - ele estava com 73 anos.

E o ataque não parou por aí. Em 2013 ele foi acusado por autoridades locais de evasão fiscal. No mesmo ano, um tribunal condenou-o a seis meses de prisão por violar as leis trabalhistas do país.

"O objetivo era prejudicar sua reputação internacional", denunciaram os defensores do economista na época.

Mais de uma centena de personalidades internacionais, incluindo o cantor Bono e o empresário britânico Richard Branson, saíram em defesa de Yunus e pediram que as autoridades de Bangladesh colocassem um fim à perseguição "orquestrada e politicamente motivada" contra ele.

Em junho, Yunus e outras 13 pessoas foram acusadas de desviar o equivalente a cerca de US$ 2 milhões do fundo de bem-estar dos trabalhadores de uma empresa de telecomunicações fundada por ele.

Com esse histórico, não surpreende que Yunus tenha comemorado a renúncia e a subsequente fuga da primeira-ministra para a vizinha Índia.

"A sensação é de um segundo Dia da Independência", disse ele à agência AFP.

O governo de Sheikh Hasina entrou em colapso na segunda-feira, após mais de um mês de protestos da população, sobretudo dos jovens, contra uma lei que estabelecia cotas para atribuição de postos de trabalho na Administração Pública.

Os estudantes consideravam a lei discriminatória e pediam sua revogação.

Mas a dura repressão estatal às manifestações, que deixou cerca de 400 mortos, fez com que o objetivo das mobilizações deixasse de ser apenas a anulação da regra, mas também a demissão da primeira-ministra.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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