terça-feira, 22 de outubro de 2024

BRICS é cada vez mais visto como grupo-chave para romper cadeias de dependência econômica

Líderes de dezenas de países emergentes vão se reunir na cidade de Kazan, ao sudoeste da Rússia, para discutir cooperação política, econômica e de segurança ao longo da próxima semana durante a cúpula dos BRICS.

A XVI Cúpula do BRICS começa a partir desta terça (22) e terá entre seus desafios a revisão de novas adesões ao bloco, bem como o estabelecimento de mecanismos que permitam a desdolarização e medidas necessárias para a consolidação da multipolaridade, consideraram especialistas entrevistados pela Sputnik.

A cúpula, a ser realizada na cidade russa de Kazan, teve a participação confirmada de um total de 32 países. O lema da presidência russa dos BRICS em 2024 é "Fortalecendo o Multilateralismo para o Desenvolvimento e Segurança Global Equitativos".

Cada vez mais isolada dos países ocidentais, a Rússia tem anunciado o encontro das economias emergentes como seu maior evento de política externa, mas analistas acreditam que não será fácil realizar qualquer acordo substancial.

Para analistas ouvidos pelo site South China Morning Post, a expectativa em torno do encontro dos BRICS envolve inclusive a possibilidade de se obter consenso e conquistas cooperativas, uma vez que as expectativas em torno de um grupo com mais membros, mercados e uma população maior são igualmente maiores.

Além disso, a cúpula ocorre no momento em que a governança global encontra-se “severamente enfraquecida” por conta da guerra em Gaza, e os BRICS podem ser uma “narrativa alternativa” para países asiáticos, africanos e latino-americanos que queiram se distanciar dos países ocidentais.

"Em um contexto global em que os países em desenvolvimento lutam para quebrar as cadeias da dependência econômica, o BRICS se apresenta como um grupo com um potencial fundamental para alcançar uma maior independência", considerou o analista boliviano Martín Moreira em entrevista à Sputnik.

Com isso, o BRICS seria um esforço para desafiar inclusive o papel arraigado do dólar norte-americano e o peso dos países ocidentais nas instituições internacionais – das instituições de Bretton Woods ao Conselho de Segurança da ONU.

A reunião também seria uma forma de a Rússia mostrar que continua sendo um país influente em termos globais – desde a invasão à Ucrânia em 2022, a economia e o sistema financeiro da Rússia passaram por diversas sanções por parte dos Estados Unidos e de outros mercados ocidentais.

Tais medidas incluem o banimento de instituições russas do Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (Swift), sistema de mensagens de pagamento internacional, que efetivamente negou a eles acesso a mercados internacionais – e a cúpula dos BRICS pode ser a abertura que a Rússia precisa para pressionar por um sistema de pagamentos alternativo.

A associação não só representa quase metade da população do planeta, mas também é responsável por mais de 37% do PIB mundial. Para Wilmer Depablos, analista internacional e ex-diplomata venezuelano, o grupo comercial já enfrenta o G7.

"A tendência para 2028, dita pelo próprio presidente Vladimir Putin, é que o BRICS se consolide e atrás estará o G7, atrás estará o dólar, atrás estará o SWIFT e atrás estará a hegemonia desse mundo unipolar que hoje enfrenta o nascimento do novo mundo multipolar e plural", destacou.

O analista internacional argentino Sebastián Schulz disse em diálogo com a agência que entre os membros do BRICS, há um consenso de que atravessam atualmente um "ponto de virada" a nível global.

"Não só a crise do Ocidente está piorando, [mas também] a crise da hegemonia norte-americana, com cada vez menos capacidade para disciplinar o mundo emergente e para fornecer o que se chama de bens públicos globais ao resto da ordem internacional", ele explicou.

Nesse sentido, o economista e professor venezuelano Jorge Pérez destaca o potencial da aliança para transcender o econômico e permitir alianças políticas, considerando os desafios representados pelas disparidades internas do grupo.

No mesmo sentido, pronunciou-se Schulz, destacou que apesar das disputas históricas que existem entre os países que são membros ou aspiram a aderir ao grupo, como é o caso entre Índia e Paquistão, há a convicção dos Estados sobre o papel da economia global que a associação está desempenhando.

"A quantidade de países que solicitaram adesão ao BRICS expressa a decisão de todas essas nações de fazerem parte do debate para a estruturação de uma nova ordem internacional e o reconhecimento do BRICS como um espaço legítimo para a realização desses debates naquele espaço", destacou o especialista.

Neste sentido, o especialista destacou que será necessário definir a forma como os países candidatos à adesão ao grupo BRICS poderão acessá-lo, ou seja, se será massivo, gradual, ou se uma nova categoria será emergir não como Estado-membro, mas como um Estado associado. Por exemplo, Cuba solicitou recentemente a adesão como "país parceiro".

Dora Isabel González, acadêmica da Faculdade Mexicana de Estudos Superiores Acatlán da UNAM, afirmou que o grupo está em um "processo de maturidade" em sua consolidação. "É um contrapeso, mas vai depender muito do movimento que eles fizerem porque também tem questões delicadas", afirma.

Na América Latina, o BRICS representou uma oportunidade para os países em desenvolvimento impulsionarem as suas economias.

"Um dos aspectos mais esperançosos é a possibilidade de mais países latino-americanos, como a Bolívia, entrarem no grupo. Este passo pode marcar o início de uma nova era de multilateralismo, onde os países em desenvolvimento terão uma plataforma de intercâmbio mais equitativa", considera Martín Moreira.

Para Schulz, a integração da região, a qual considera uma das mais desiguais do mundo, ainda é um desafio à cúpula do BRICS, devido aos processos de interferência dos EUA através da promoção de golpes de Estado ou "golpes suaves" e lawfare (guerra legal), entre outros.

<><> Passos para a desdolarização

Outro dos principais temas que serão abordados na cúpula será a consolidação dos mecanismos monetários para o comércio entre os membros com foco na desdolarização.

"[Os mecanismos monetários para conduzir o comércio sem depender do dólar devem ser] decididos, considerando opções como o uso do yuan, a criação de uma moeda digital lastreada em ouro ou de uma cesta de moedas, e um sistema de compensação semelhante ao SWIFT, como a BRICS Bridge", comentou Emilio Hernández, analista político, para a Sputnik.

Por sua vez, a analista mexicana Dora Isabel González considerou que o BRICS "está se distanciando do dólar e já procura modalidades mais frescas; estão saindo, digamos, desta fronteira muito sólida" imposta pelo Ocidente.

Embora o presidente da Rússia, Vladimir Putin, tenha expressado recentemente que neste momento não está na agenda discutir o surgimento de uma moeda comum, na cúpula, serão abordadas medidas para facilitar as transações.

¨      Brasil e Rússia discutem comércio e sistemas de pagamento no Conselho Empresarial do BRICS

Encontro do Conselho Empresarial do BRICS ocorreu neste sábado (19) em Moscou, na Rússia. O vice-presidente de Assuntos Corporativos, Jurídicos e Compliance da BRF Brasil, Bruno Ferla, representou o país e ressaltou também importância de parcerias na área da indústria de tecnologia e fertilizantes.

"As discussões foram realizadas basicamente em grupo, mas, em particular com a Rússia, discutimos muitas barreiras comerciais e a indústria de fertilizantes. Portanto, esses são tópicos que surgiram no grupo de trabalho de agronegócio", disse Bruno Ferla à Sputnik.

Sobre os sistemas de pagamento transfronteiriços, o representante brasileiro afirmou que o painel explorou "a forma de integrar os países do BRICS", destacando sua importância. "O sistema financeiro é algo que temos discutido muito. Mas precisamos materializar algumas dessas etapas. Então, durante 2025, acho que será o momento para fazermos isso", contou.

Ferla descreveu as sanções financeiras que o Ocidente impôs ao comércio internacional com a Rússia como um obstáculo para aumentar as exportações. Diante disso, defendeu que o Brasil precisa trabalhar com a China, além da Rússia, para resolver a questão.

"Muitos tópicos foram discutidos e acho que agora é o momento para as empresas também colocarem suas necessidades no papel e materializá-las. Mas não há nada a esse respeito que será assinado na cúpula da próxima semana", destacou.

<><> Brasil priorizará agricultura, tecnologia e finanças durante presidência do BRICS em 2025

"Acredito que as questões agrícolas são muito importantes para o Brasil e tentaremos colocá-las no topo da lista para discussão. Mas também a tecnologia. Temos uma indústria de tecnologia muito importante e todos os outros países do BRICS, especialmente a Rússia e a China, também se desenvolveram bastante em termos de tecnologia. Portanto, a tecnologia também estará presente", acrescentou.

Ferla destacou a presidência da Rússia no BRICS, que termina no fim do ano, como "impressionante". A cúpula dos líderes do grupo será realizada na cidade de Kazan de 22 a 24 de outubro.

¨      Países do BRICS possuem mais de 20% das reservas de ouro globais, calcula Sputnik

Mais de 20% das reservas de ouro do mundo pertencem aos países do BRICS, sendo que a Rússia e a China detêm a maior parte delas, calculou a Sputnik usando dados do Conselho Mundial do Ouro (WGC).

Assim, no final do segundo trimestre de 2024, o total das reservas mundiais de ouro era de 29,03 mil toneladas.

Dessas, 6,2 mil toneladas, ou 21,4%, estavam na posse dos países do BRICS, com exceção do Irã e da Etiópia, que não divulgaram seus dados.

A Rússia detém a maior quantidade de ouro entre os países do BRICS – 2,34 mil toneladas. Isso representa 8,1% das reservas mundiais e 37,6% das reservas do BRICS.

A China tem cerca de 2,26 mil toneladas, o que equivale a 7,8% do ouro mundial e 36,4% das reservas dos dez países do BRICS.

Barras de ouro (imagem de referência) - Sputnik Brasil, 1920, 06.09.2024

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Menos de 3% das reservas mundiais de ouro são mantidas pelos demais membros da associação – Índia, Arábia Saudita, Brasil, Egito, África do Sul e Emirados Árabes Unidos.

1.As reservas da Índia no final do segundo trimestre deste ano atingiram 840,76 toneladas (13,5% de participação no BRICS);

2.As reservas da Arábia Saudita são de 323 toneladas (5,2%);

3.As do Brasil são de 129,7 toneladas (2,1%);

4.As do Egito são de 126,57 toneladas (2,03%);

5.As da África do Sul são de 125,44 toneladas (2,02%);

6.As dos Emirados Árabes Unidos são de 74,5 toneladas (1,2%).

Barras de ouro (imagem referencial) - Sputnik Brasil, 1920, 03.09.2024

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3 de setembro, 18:51

Ao mesmo tempo, entre todos os países do mundo, as maiores reservas de ouro pertencem aos Estados Unidos – 8,1 mil toneladas, ou quase um terço de todas as reservas mundiais.

Em seguida, vêm:

a Alemanha – 3,35 mil toneladas (11,6%);

A Itália – 2,45 mil toneladas (8,5%);

A França – 2,44 mil toneladas (8,4%).

A Rússia completa os cinco primeiros.

A pesquisa foi efetuada às vésperas da 16ª Cúpula do BRICS em Kazan de 22 a 24 de outubro, o principal evento da presidência russa da associação.

O BRICS é uma associação interestatal criada em 2006. A Rússia assumiu a presidência do BRICS em 1º de janeiro de 2024.

O ano começou com a entrada de novos membros na associação: além da Rússia, Brasil, Índia, China e África do Sul, o BRICS agora inclui o Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.

 

¨      Ranking universitário do BRICS desafiará conceito ocidental da 'boa universidade', indicam analistas

A criação de rankings de universidades dos países do BRICS foi tema do Fórum de Reitores do BRICS, que ocorreu nesta sexta-feira (18) na cidade russa de Kazan. Pontos e princípios de uma plataforma comum para a classificação foram debatidos no encontro.

Professores universitários que estão acompanhando e participando desse processo conversaram com a Sputnik Brasil e ressaltaram que a iniciativa tem potencial inédito para alavancar transferências tecnológicas e projetos colaborativos emancipatórios.

Diretor do Escritório de Governança de Dados Institucionais (EGDI), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o professor Dawisson Lopes integra a delegação da universidade mineira que participa das discussões nos trabalhos preparatórios para a cúpula dos chefes de Estado do BRICS.

Segundo ele, a existência de um ranking do grupo tende a aumentar a visibilidade das instituições de educação superior dessas nações, que nem sempre aparecem nos rankings tradicionais, ocidentais, muito influentes no mundo atual.

"Serve também para criar novos parâmetros, propor novas balizas e também para desafiar uma visão muito estabelecida e forjada pelos europeus do que é ou do que deve ser a boa universidade. Temos uma chance importante com essa ferramenta que vai sendo proposta, de esculpir um novo conceito, uma nova ideia de boa universidade. Cada uma das nossas instituições de educação superior colocar o seu tijolo na construção, que deve ser coletiva", opinou o professor.

Doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e secretário de universidades e formação integral do Centro de Integração e Cooperação Rússia-América Latina (CICRAL), o cientista político Boris Perius Zabolotsky chamou a atenção para o viés parcial dos rankings universitários hegemônicos.

"Os rankings ocidentais e internacionais, como os QS World University Rankings e o Times Higher Education (THE), costumam dar preferência a universidades do Ocidente e anglo-saxônicas, espelhando práticas e prioridades acadêmicas focadas nos países desenvolvidos", pontuou ele.

Zabolotsky apontou que elementos como a publicação em periódicos em inglês e o financiamento para pesquisas tendem a favorecer universidades americanas e europeias.

"Um ranking voltado para o BRICS usaria critérios que considerem as particularidades desses países, tais como desigualdade social, inovação, transferência de conhecimento para o desenvolvimento nacional e o conhecimento dos povos originários", argumentou.

O ranking dos países do BRICS tende ainda a favorecer as publicações nos idiomas locais e reconhecer a relevância de projetos focados nas realidades de cada país, frisou o cientista político.

"A classificação BRICS poderia destacar a colaboração Sul-Sul e a função pública das universidades no reforço de políticas sociais e industriais nos países do grupo, espelhando uma estratégia mais ajustada às demandas específicas de cada país", afirmou Zabolotsky.

O professor da UFMG lembrou ainda que o incremento do intercâmbio entre parques técnicos, científicos e acadêmicos dos países do grupo trará trocas significativas e frutos concretos na seara do conhecimento tecnocientífico acadêmico.

"Quando se fala em BRICS, a gente envolve algumas das principais academias do mundo, sobretudo a chinesa e a russa, que têm universidades do mais alto nível, prêmios Nobel acumulados e saberes já muito consolidados. Mas há também uma emergência muito importante da academia iraniana, por exemplo, da academia indiana, da academia sul-africana. As trocas estabelecidas entre esses países auxiliarão o Brasil na busca pelo desenvolvimento socioeconômico da sua população […]. Países como Emirados Árabes Unidos têm internacionalizado muito sua academia, e, portanto, acho que as trocas que vão acontecer entre esses países levarão necessariamente a um estágio superior de desenvolvimento das academias dos países BRICS."

Lopes salientou que a UFMG tem desenvolvido uma série de iniciativas bilaterais com os países do BRICS, entre eles a Rússia, com visitas de cortesia dos reitores e iniciativas pontuais, como a de ensino da língua portuguesa para estudantes russos.

A Escola de Verão Brasil-China em Estudos Jurídicos é outra iniciativa criada neste ano, destacou também, que envolve estudantes da UFMG e de uma universidade chinesa, a Huazhong University of Science and Technology (HUST), para se concentrar nos conhecimentos jurídicos dos dois países.

Zabolotsky também destacou que a iniciativa pode fortalecer um senso de pertencimento a um "projeto comum de descolonização do internacional" e de multipolaridade, frente ao legado do poder colonial, moderno e eurocêntrico.

"Essa produção de conhecimento [ocidental] favorece as epistemologias e abordagens do Norte Global e, ao mesmo tempo, coloca os países do Sul Global como reféns de um modelo que não é feito para suas realidades", concluiu ele.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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