terça-feira, 22 de outubro de 2024

Lauro Veiga Filho: O grande jogo de manipulação das taxas básicas de juros no País

“O mercado financeiro forma grupos que se organizam para ‘ajustar’ o Relatório Focus e influenciar as decisões do Banco Central (BC). É tudo combinado. Eles já sabem o que fazer. Essa é a grande farsa que ninguém expõe”. A declaração, até surpreendente a se considerar a fonte, deveria ter ganhado manchetes por simplesmente desnudar o jogo de manipulação que cerca as decisões supostamente técnicas tomadas pela alta diretoria do BC, reunida no Comitê de Política Monetária (Copom), para definir a política de juros. O autor do comentário não é um principiante e muito menos um ingênuo analista financeiro, mas um escolado e experiente gestor de ativos, conhecedor dos meandros desse mercado e fundador da Skopos Investimentos, Pedro Cerize.

O gestor participou do Convex Day 2024, realizado no Hotel Unique, em São Paulo, no dia 24 de setembro deste ano, dedicado a investidores de alta renda, consultores e gestores, empresários, advogados e influenciadores, organizado pela Convex Research. Em seu site, a empresa, criada em 2018, se autodenomina como uma “casa de análise independente, especializa em mercados voláteis, com experiência no mercado financeiro, de trading e de commodities”. A Skopos por sua vez opera desde 2001 na gestão de ativos, fundos de investimentos e fundos de previdência.

O relatório Focus, como se sabe, é operado pelo BC para aferir as expectativas do mercado financeiro em relação à inflação, a tendências esperadas para o Produto Interno Bruto (PIB), para os resultados fiscais do governo, para a dívida pública e para o dólar, entre outras variáveis. O BC consulta semanalmente 120 instituições financeiras sobre suas expectativas frente a indicadores econômicos relevantes, utilizando a mediana daquelas estimativas (na matemática, mediana corresponde ao valor que está entre a metade maior e a metade menor de uma amostragem qualquer).

Mas Cerize, que teve passagem por outras casas de investimento, não parou por ali. Na sequência, segundo texto divulgado no site da Convex, ele acrescentou: “E mesmo que eu fale sobre isso, ninguém me chama para desmentir, porque eu sei quais são os grupos e onde eles combinam: ‘Você ajusta o Relatório Focus, eu também ajusto…’ Está tudo articulado entre eles, e o BC, por dolo ou inocência, acaba sendo conduzido”. Na sua visão, compartilhada por vários críticos da política monetária e da atuação da autoridade monetária, o BC “não conduz o mercado. Ele tem o controle de uma ferramenta, que é a taxa de juros de curto prazo. Mas no Brasil, isso não acontece da mesma forma. Aqui, quem controla os juros de curto prazo é o Relatório Focus e esses grupos que fazem as combinações”.

•        Os erros de Campos Neto

Ainda conforme Cerize, a atuação recente do presidente do BC, Roberto Campos Neto, contribuiu para corroer a credibilidade da instituição dirigida por ele próprio. Afinal, afirma ele, Campos Neto “errou ao desmanchar três ‘guidances’ consecutivas”. Numa tradução mais literal, guidance significa orientação ou indicação da atuação futura do BC em relação à política de juros. “Você nunca verá o Federal Reserve (Fed) anunciar que vai cortar os juros na próxima reunião e não cumprir. O Fed jamais faria isso. E o nosso Banco Central fez isso três vezes e ainda fala de credibilidade? Ele não tem credibilidade nem para um planejamento de 30 dias”, enfatiza Cerize.

Entre 2 de agosto do ano passado e 20 de março deste ano, o Copom aplicou seis rodadas de cortes nos juros básicos, todas de meio ponto percentual, somando, portanto, uma redução acumulada de três pontos percentuais, com a taxa básica saindo de 13,75% para 10,75%, ainda uma enormidade, dadas as condições presentes na economia brasileira naquele momento, com inflação bem-comportada e uma atividade econômica em recuperação moderada.

A ata do Copom, divulgada no dia 26 de março, registrava então: “O comitê avalia que o cenário-base não se alterou substancialmente. Em função da elevação da incerteza e da consequente necessidade de maior flexibilidade na condução da política monetária, os membros do comitê, unanimemente, optaram por comunicar que anteveem, em se confirmando o cenário esperado, redução de mesma magnitude na próxima reunião. O Comitê avalia que essa é a condução apropriada para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário”.

Nas semanas seguintes, o que se viu foi uma intensa movimentação de Campos Neto, com reuniões e encontros reservados, aqui e lá fora, com grandes donos de empresas, banqueiros e operadores do mercado para alardear, como se recorda, uma mudança de ânimo na economia, supostamente associada a uma (levíssima) mudança nas metas fiscais, o que exigiria a interrupção da política de cortes dos juros básicos. Não satisfeito, o presidente do BC teria ligado para banqueiros com o objetivo de consolidar a virada na política de juros, embora os indicadores macroeconômicos no País mostrassem um cenário de relativa calmaria.

•        Mudança de rumos

Em sua reunião de 8 de maio, o Copom decidiu aplicar um freio nos cortes, contrariando o que havia anotado em ata dois meses antes. Os juros baixaram mais uma vez, para 10,50%. Desta vez, aplicou-se uma redução de 0,25 pontos percentuais. Insatisfeito, Campos Neto retomou a carga e conseguiu colocar num corner os membros do Copom. Caso decidissem prosseguir com a redução da chamada “taxa Selic” (abreviação de Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), que define os juros básicos na economia, seriam taxados pelo mercado como “lenientes” em relação ao combate à inflação, gerando turbulências e fazendo elevar as expectativas inflacionárias. O resultado desse jogo de sombras e manipulação veio na reunião seguinte: os juros foram aumentados para 10,75% a partir de 18 de setembro, retomando os níveis do final de março.

Não bastassem esses fatos, a porta-giratória do BC em direção ao mercado financeiro e vice-versa continua operando a todo vapor. Cerize retoma aqui sua avaliação ao lembrar que um diretor do BC “ganha apenas R$ 12 mil por mês (atualizados para cerca de R$ 18 mil sem desconto, ou R$ 14,5 mil líquidos). Para muitos, isso é como um MBA, um estágio. Você passa um tempo ali, faz um sacrifício, e depois busca uma posição melhor no mercado. Esse conflito precisa acabar. Não temos mais funcionários de carreira no Banco Central”, afirma ele.

Na corrida para tentar antecipar os movimentos seguintes do BC e seu Copom, agentes do mercado chegaram a desenvolver algoritmos baseados em inteligência artificial para coletar e analisar dados, “permitindo estimar a probabilidade indicada pelo mercado de alteração na próxima reunião do Copom”, afirma o release distribuído no final de setembro pela assessoria de uma casa de investimentos. O algoritmo sugeria então uma probabilidade de 76,2% de um aumento da taxa Selic em mais 0,25 pontos na próxima reunião do comitê, agendada para os dias 5 e 6 de novembro. Façam suas apostas, porque o jogo continua sendo jogado. Sem pretensões técnicas, mas com muita malícia.

 

•        Lula aos banqueiros: arrocho fiscal nos pobres enfraquece a esquerda e fortalece a centro-direita em 2026. Por Cesar Fonseca

No momento em que o presidente Lula recebe a nata - a elite da elite nacional - dos banqueiros em Brasília, os tecnocratas do Ministério da Fazenda preparam pacote para o ministro Fernando Haddad levar ao presidente Lula cujas consequências políticas para o lulismo e o petismo podem ser desastrosas no cenário da reeleição em 2026.

Pelos cálculos tecnocráticos, os cortes fiscais especialmente sobre os gastos sociais e programas emergenciais, para evitar morte por inanição dos socialmente desocupados/excluídos, com idade de 60 anos em diante, alcançarão de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões.

Muita revolta social da base governista, do lulismo e do petismo, que já foram derrotados nas eleições municipais, tende a emergir, especialmente, quando está à vista a renovação do PT para uma nova jornada sob novo presidente.

Cortar na carne dos mais pobres, para fazer ajuste fiscal neoliberal, é um presente político dos deuses para a oposição ao governo, que perdeu a eleição municipal para os partidos conservadores de direita e ultradireita.

Desde já os oposicionistas, que dispõem de ampla maioria no Congresso para aprovar suas emendas políticas a serem distribuídas às suas bases federativas, podem armar seus discursos e suas estratégias para atacar os cortes de bilhões nos gastos sociais saídos das verbas orçamentárias sob ataque dos credores.

Trata-se dos gastos com os mais pobres que são implicitamente investimentos, pois com o dinheiro no bolso os miseráveis consomem alimentos básicos para sua sobrevivência.

São gastos-investimentos que puxam a demanda global no curtíssimo prazo.

Com eles, o governo sustentaria taxa de desemprego baixa, elevaria a sua arrecadação, puxaria para cima o PIB além das expectativas positivas, mediante inflação baixa que induz à queda da taxa de juros e ao aumento dos investimentos.

Ocorrerá o contrário, se prevalecer o ponto de vista da tecnocracia estatal, aliada da Faria Lima: o dinheiro economizado com os mais miseráveis será canalizado para o pagamento dos serviços da dívida, no esforço governamental de produzir déficit zero conforme compromisso unilateral assumido pelo ministro Fernando Haddad.

Não haverá retorno algum para a economia o pagamento do serviço da dívida, tendo, apenas, endereço: o bolso dos especuladores.

IMPASSE POLÍTICO

O compromisso unilateral de Haddad com o déficit zero pode, portanto, virar empecilho político, se o seu cumprimento, a qualquer custo, implicar em maiores dificuldades político-eleitorais que viessem atrapalhar a meta maior do lulismo-petismo: a reeleição em 2026.

Valeria o sacrifício de ter que apertar o bolso da população para extrair-lhe a renda necessária ao seu consumo para servir a Faria Lima, se o preço a pagar pode ser o mesmo que acaba de acontecer nas eleições municipais: a derrota eleitoral?

As resistências políticas tendem a crescer, conforme crescem críticas por toda a mídia alternativa de centro-esquerda.

A grande mídia, maior beneficiária do arrocho fiscal, devido à sua aliança lucrativa com o mercado financeiro especulativo, mantém-se calada, consentindo com o desvio do governo para a direita, pois será a maior beneficiada.

O arrocho fiscal fortalece, sobretudo, o semipresidencialismo que predomina no Congresso sob comando do centro-direita.

Quanto maior o desgaste político do presidente Lula, mais chances o centro-direita dispõe para a disputa presidencial em 2026, com apoio decisivo da mídia conservadora neoliberal.

O corte de gastos sociais aprofunda a percepção econômica e social de que o governo faz opção pelo neoliberalismo sob pressão da aliança do semipresidencialismo com a Faria Lima.

A esquerda antineoliberal viraria a casaca, transformando-se em esquerda neoliberal, explicitamente?

Favoreceria ou não a direita, engrossando suas fileiras com a esquerda descontente?

PRESSÃO INFLACIONÁRIAS MANIPULADAS

Por sua vez, a pressão bancocrática para aprofundar o corte nos gastos sociais enfraquece a economia e aumenta a sensação de insegurança dos investidores.

Essa percepção certamente será captada pela pesquisa Focus que interpretará o estado de ânimo social como fator indutor da alta da taxa de juros.

A lei capitalista vale no mundo todo: aumenta a desconfiança, aumenta o juro.

A pauta do mercado que induz a cobertura econômica é a de que o governo está perdendo controle dos gastos, o que levará o Banco Central Independente à reavaliação das expectativas inflacionárias, puxando os juros.

Abstração econômica fictícia.

É a armadilha na qual caem os governos desde o Consenso de Washington, na Era FHC, anos 1994-2002, em diante.

Predomina o discurso de que a taxa de juro de equilíbrio somente é possível se a dívida pública estiver, conforme entendimento do mercado, sob controle.

Se a dívida, ao juízo da Faria Lima, sair do controle por conta dos gastos, que é o que ela está propalando, é preciso juro mais alto, para que a taxa tenha condições de voltar ao equilíbrio etc.

Tudo subjetivo.

ATAQUE AOS MAIS FRACOS, À BASE DO PT

No momento, o discurso é para cortar gastos previdenciários, que aumentaram com o reajuste do salário-mínimo acima da inflação.

Todos os demais benefícios são reajustados pelo salário-mínimo.

Os banqueiros querem que os reajustes dos gastos sociais sejam descolados, desindexados, do reajuste do mínimo, maior capital político de Lula.

Seriam reajustados abaixo do salário mínimo.

Aumentaria o grau de pobreza e miséria do lumpen-proletariado, para sobrar cerca de R$ 30 bilhões para os especuladores da dívida pública a juros reais de 8% reais/ano.

A financeirização econômica total da economia criou mecanismo de sobreacumulação de renda ultraveloz cujas consequências é aceleração igualmente veloz da desigualdade social, responsável maior por espantar investidores.

Quem investe em cenário de subconsumo?

O centro-direita, amplamente vencedor das eleições municipais, está assistindo de camarote o dilema que o governo criou para si e que serve de lição para a oposição repudiar: redução dos gastos sociais não ganha eleição, como demonstrou o resultado eleitoral.

OPOSIÇÃO ESCAPA DO ARCABOUÇO NEOLIBERAL

Não é à toa que os conservadores majoritários no Congresso cuidam de assegurar suas próprias verbas obtidas por emendas parlamentares obrigatórias, para não depender, como antes, do executivo, sempre sujeito às instabilidades decorrentes dos ajustes fiscais impostos pelos credores, como ocorre agora, com o arcabouço fiscal neoliberal.

Com as emendas, os parlamentares do centro-direita e ultradireita ficam livres dos efeitos anti-sociais do arcabouço fiscal neoliberal.

Sua posição, na luta de classe pelas verbas orçamentárias, é determinada pelo dito popular: farinha pouca, meu pirão primeiro.

O presidente Lula está diante do desafio que o Ministério da Fazenda, com seu viés neoliberal, está lhe colocando.

Se der passo em falso, poderá dar o ouro ao bandido, sacrificar os mais pobres para salvar os mais ricos, conforme mandamento neoliberal antinacionalista.

O encontro do presidente Lula hoje com os banqueiros, os filiados da Febraban, pontas de lança da Faria Lima, seria ou não uma oportunidade para ele buscar um pacto com a bancocracia, a fim de salvar os mais pobres para garantir a sobrevivência dos mais ricos?

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil 247

 

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