Lauro Veiga Filho: O grande jogo de
manipulação das taxas básicas de juros no País
“O mercado financeiro
forma grupos que se organizam para ‘ajustar’ o Relatório Focus e influenciar as
decisões do Banco Central (BC). É tudo combinado. Eles já sabem o que fazer.
Essa é a grande farsa que ninguém expõe”. A declaração, até surpreendente a se
considerar a fonte, deveria ter ganhado manchetes por simplesmente desnudar o
jogo de manipulação que cerca as decisões supostamente técnicas tomadas pela
alta diretoria do BC, reunida no Comitê de Política Monetária (Copom), para
definir a política de juros. O autor do comentário não é um principiante e
muito menos um ingênuo analista financeiro, mas um escolado e experiente gestor
de ativos, conhecedor dos meandros desse mercado e fundador da Skopos
Investimentos, Pedro Cerize.
O gestor participou do
Convex Day 2024, realizado no Hotel Unique, em São Paulo, no dia 24 de setembro
deste ano, dedicado a investidores de alta renda, consultores e gestores,
empresários, advogados e influenciadores, organizado pela Convex Research. Em
seu site, a empresa, criada em 2018, se autodenomina como uma “casa de análise
independente, especializa em mercados voláteis, com experiência no mercado
financeiro, de trading e de commodities”. A Skopos por sua vez opera desde 2001
na gestão de ativos, fundos de investimentos e fundos de previdência.
O relatório Focus,
como se sabe, é operado pelo BC para aferir as expectativas do mercado
financeiro em relação à inflação, a tendências esperadas para o Produto Interno
Bruto (PIB), para os resultados fiscais do governo, para a dívida pública e
para o dólar, entre outras variáveis. O BC consulta semanalmente 120
instituições financeiras sobre suas expectativas frente a indicadores
econômicos relevantes, utilizando a mediana daquelas estimativas (na
matemática, mediana corresponde ao valor que está entre a metade maior e a
metade menor de uma amostragem qualquer).
Mas Cerize, que teve
passagem por outras casas de investimento, não parou por ali. Na sequência,
segundo texto divulgado no site da Convex, ele acrescentou: “E mesmo que eu
fale sobre isso, ninguém me chama para desmentir, porque eu sei quais são os
grupos e onde eles combinam: ‘Você ajusta o Relatório Focus, eu também ajusto…’
Está tudo articulado entre eles, e o BC, por dolo ou inocência, acaba sendo
conduzido”. Na sua visão, compartilhada por vários críticos da política
monetária e da atuação da autoridade monetária, o BC “não conduz o mercado. Ele
tem o controle de uma ferramenta, que é a taxa de juros de curto prazo. Mas no
Brasil, isso não acontece da mesma forma. Aqui, quem controla os juros de curto
prazo é o Relatório Focus e esses grupos que fazem as combinações”.
• Os erros de Campos Neto
Ainda conforme Cerize,
a atuação recente do presidente do BC, Roberto Campos Neto, contribuiu para
corroer a credibilidade da instituição dirigida por ele próprio. Afinal, afirma
ele, Campos Neto “errou ao desmanchar três ‘guidances’ consecutivas”. Numa tradução
mais literal, guidance significa orientação ou indicação da atuação futura do
BC em relação à política de juros. “Você nunca verá o Federal Reserve (Fed)
anunciar que vai cortar os juros na próxima reunião e não cumprir. O Fed jamais
faria isso. E o nosso Banco Central fez isso três vezes e ainda fala de
credibilidade? Ele não tem credibilidade nem para um planejamento de 30 dias”,
enfatiza Cerize.
Entre 2 de agosto do
ano passado e 20 de março deste ano, o Copom aplicou seis rodadas de cortes nos
juros básicos, todas de meio ponto percentual, somando, portanto, uma redução
acumulada de três pontos percentuais, com a taxa básica saindo de 13,75% para
10,75%, ainda uma enormidade, dadas as condições presentes na economia
brasileira naquele momento, com inflação bem-comportada e uma atividade
econômica em recuperação moderada.
A ata do Copom,
divulgada no dia 26 de março, registrava então: “O comitê avalia que o
cenário-base não se alterou substancialmente. Em função da elevação da
incerteza e da consequente necessidade de maior flexibilidade na condução da
política monetária, os membros do comitê, unanimemente, optaram por comunicar
que anteveem, em se confirmando o cenário esperado, redução de mesma magnitude
na próxima reunião. O Comitê avalia que essa é a condução apropriada para
manter a política monetária contracionista necessária para o processo
desinflacionário”.
Nas semanas seguintes,
o que se viu foi uma intensa movimentação de Campos Neto, com reuniões e
encontros reservados, aqui e lá fora, com grandes donos de empresas, banqueiros
e operadores do mercado para alardear, como se recorda, uma mudança de ânimo na
economia, supostamente associada a uma (levíssima) mudança nas metas fiscais, o
que exigiria a interrupção da política de cortes dos juros básicos. Não
satisfeito, o presidente do BC teria ligado para banqueiros com o objetivo de
consolidar a virada na política de juros, embora os indicadores macroeconômicos
no País mostrassem um cenário de relativa calmaria.
• Mudança de rumos
Em sua reunião de 8 de
maio, o Copom decidiu aplicar um freio nos cortes, contrariando o que havia
anotado em ata dois meses antes. Os juros baixaram mais uma vez, para 10,50%.
Desta vez, aplicou-se uma redução de 0,25 pontos percentuais. Insatisfeito, Campos
Neto retomou a carga e conseguiu colocar num corner os membros do Copom. Caso
decidissem prosseguir com a redução da chamada “taxa Selic” (abreviação de
Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), que define os juros básicos na
economia, seriam taxados pelo mercado como “lenientes” em relação ao combate à
inflação, gerando turbulências e fazendo elevar as expectativas inflacionárias.
O resultado desse jogo de sombras e manipulação veio na reunião seguinte: os
juros foram aumentados para 10,75% a partir de 18 de setembro, retomando os
níveis do final de março.
Não bastassem esses
fatos, a porta-giratória do BC em direção ao mercado financeiro e vice-versa
continua operando a todo vapor. Cerize retoma aqui sua avaliação ao lembrar que
um diretor do BC “ganha apenas R$ 12 mil por mês (atualizados para cerca de R$
18 mil sem desconto, ou R$ 14,5 mil líquidos). Para muitos, isso é como um MBA,
um estágio. Você passa um tempo ali, faz um sacrifício, e depois busca uma
posição melhor no mercado. Esse conflito precisa acabar. Não temos mais
funcionários de carreira no Banco Central”, afirma ele.
Na corrida para tentar
antecipar os movimentos seguintes do BC e seu Copom, agentes do mercado
chegaram a desenvolver algoritmos baseados em inteligência artificial para
coletar e analisar dados, “permitindo estimar a probabilidade indicada pelo
mercado de alteração na próxima reunião do Copom”, afirma o release distribuído
no final de setembro pela assessoria de uma casa de investimentos. O algoritmo
sugeria então uma probabilidade de 76,2% de um aumento da taxa Selic em mais
0,25 pontos na próxima reunião do comitê, agendada para os dias 5 e 6 de
novembro. Façam suas apostas, porque o jogo continua sendo jogado. Sem
pretensões técnicas, mas com muita malícia.
• Lula aos banqueiros: arrocho fiscal nos
pobres enfraquece a esquerda e fortalece a centro-direita em 2026. Por Cesar
Fonseca
No momento em que o
presidente Lula recebe a nata - a elite da elite nacional - dos banqueiros em
Brasília, os tecnocratas do Ministério da Fazenda preparam pacote para o
ministro Fernando Haddad levar ao presidente Lula cujas consequências políticas
para o lulismo e o petismo podem ser desastrosas no cenário da reeleição em
2026.
Pelos cálculos
tecnocráticos, os cortes fiscais especialmente sobre os gastos sociais e
programas emergenciais, para evitar morte por inanição dos socialmente
desocupados/excluídos, com idade de 60 anos em diante, alcançarão de R$ 30
bilhões a R$ 50 bilhões.
Muita revolta social
da base governista, do lulismo e do petismo, que já foram derrotados nas
eleições municipais, tende a emergir, especialmente, quando está à vista a
renovação do PT para uma nova jornada sob novo presidente.
Cortar na carne dos
mais pobres, para fazer ajuste fiscal neoliberal, é um presente político dos
deuses para a oposição ao governo, que perdeu a eleição municipal para os
partidos conservadores de direita e ultradireita.
Desde já os
oposicionistas, que dispõem de ampla maioria no Congresso para aprovar suas
emendas políticas a serem distribuídas às suas bases federativas, podem armar
seus discursos e suas estratégias para atacar os cortes de bilhões nos gastos
sociais saídos das verbas orçamentárias sob ataque dos credores.
Trata-se dos gastos
com os mais pobres que são implicitamente investimentos, pois com o dinheiro no
bolso os miseráveis consomem alimentos básicos para sua sobrevivência.
São
gastos-investimentos que puxam a demanda global no curtíssimo prazo.
Com eles, o governo
sustentaria taxa de desemprego baixa, elevaria a sua arrecadação, puxaria para
cima o PIB além das expectativas positivas, mediante inflação baixa que induz à
queda da taxa de juros e ao aumento dos investimentos.
Ocorrerá o contrário,
se prevalecer o ponto de vista da tecnocracia estatal, aliada da Faria Lima: o
dinheiro economizado com os mais miseráveis será canalizado para o pagamento
dos serviços da dívida, no esforço governamental de produzir déficit zero conforme
compromisso unilateral assumido pelo ministro Fernando Haddad.
Não haverá retorno
algum para a economia o pagamento do serviço da dívida, tendo, apenas,
endereço: o bolso dos especuladores.
IMPASSE POLÍTICO
O compromisso
unilateral de Haddad com o déficit zero pode, portanto, virar empecilho
político, se o seu cumprimento, a qualquer custo, implicar em maiores
dificuldades político-eleitorais que viessem atrapalhar a meta maior do
lulismo-petismo: a reeleição em 2026.
Valeria o sacrifício
de ter que apertar o bolso da população para extrair-lhe a renda necessária ao
seu consumo para servir a Faria Lima, se o preço a pagar pode ser o mesmo que
acaba de acontecer nas eleições municipais: a derrota eleitoral?
As resistências
políticas tendem a crescer, conforme crescem críticas por toda a mídia
alternativa de centro-esquerda.
A grande mídia, maior
beneficiária do arrocho fiscal, devido à sua aliança lucrativa com o mercado
financeiro especulativo, mantém-se calada, consentindo com o desvio do governo
para a direita, pois será a maior beneficiada.
O arrocho fiscal
fortalece, sobretudo, o semipresidencialismo que predomina no Congresso sob
comando do centro-direita.
Quanto maior o
desgaste político do presidente Lula, mais chances o centro-direita dispõe para
a disputa presidencial em 2026, com apoio decisivo da mídia conservadora
neoliberal.
O corte de gastos
sociais aprofunda a percepção econômica e social de que o governo faz opção
pelo neoliberalismo sob pressão da aliança do semipresidencialismo com a Faria
Lima.
A esquerda
antineoliberal viraria a casaca, transformando-se em esquerda neoliberal,
explicitamente?
Favoreceria ou não a
direita, engrossando suas fileiras com a esquerda descontente?
PRESSÃO INFLACIONÁRIAS
MANIPULADAS
Por sua vez, a pressão
bancocrática para aprofundar o corte nos gastos sociais enfraquece a economia e
aumenta a sensação de insegurança dos investidores.
Essa percepção
certamente será captada pela pesquisa Focus que interpretará o estado de ânimo
social como fator indutor da alta da taxa de juros.
A lei capitalista vale
no mundo todo: aumenta a desconfiança, aumenta o juro.
A pauta do mercado que
induz a cobertura econômica é a de que o governo está perdendo controle dos
gastos, o que levará o Banco Central Independente à reavaliação das
expectativas inflacionárias, puxando os juros.
Abstração econômica
fictícia.
É a armadilha na qual
caem os governos desde o Consenso de Washington, na Era FHC, anos 1994-2002, em
diante.
Predomina o discurso
de que a taxa de juro de equilíbrio somente é possível se a dívida pública
estiver, conforme entendimento do mercado, sob controle.
Se a dívida, ao juízo
da Faria Lima, sair do controle por conta dos gastos, que é o que ela está
propalando, é preciso juro mais alto, para que a taxa tenha condições de voltar
ao equilíbrio etc.
Tudo subjetivo.
ATAQUE AOS MAIS
FRACOS, À BASE DO PT
No momento, o discurso
é para cortar gastos previdenciários, que aumentaram com o reajuste do
salário-mínimo acima da inflação.
Todos os demais
benefícios são reajustados pelo salário-mínimo.
Os banqueiros querem
que os reajustes dos gastos sociais sejam descolados, desindexados, do reajuste
do mínimo, maior capital político de Lula.
Seriam reajustados
abaixo do salário mínimo.
Aumentaria o grau de
pobreza e miséria do lumpen-proletariado, para sobrar cerca de R$ 30 bilhões
para os especuladores da dívida pública a juros reais de 8% reais/ano.
A financeirização
econômica total da economia criou mecanismo de sobreacumulação de renda
ultraveloz cujas consequências é aceleração igualmente veloz da desigualdade
social, responsável maior por espantar investidores.
Quem investe em
cenário de subconsumo?
O centro-direita,
amplamente vencedor das eleições municipais, está assistindo de camarote o
dilema que o governo criou para si e que serve de lição para a oposição
repudiar: redução dos gastos sociais não ganha eleição, como demonstrou o
resultado eleitoral.
OPOSIÇÃO ESCAPA DO
ARCABOUÇO NEOLIBERAL
Não é à toa que os
conservadores majoritários no Congresso cuidam de assegurar suas próprias
verbas obtidas por emendas parlamentares obrigatórias, para não depender, como
antes, do executivo, sempre sujeito às instabilidades decorrentes dos ajustes
fiscais impostos pelos credores, como ocorre agora, com o arcabouço fiscal
neoliberal.
Com as emendas, os
parlamentares do centro-direita e ultradireita ficam livres dos efeitos
anti-sociais do arcabouço fiscal neoliberal.
Sua posição, na luta
de classe pelas verbas orçamentárias, é determinada pelo dito popular: farinha
pouca, meu pirão primeiro.
O presidente Lula está
diante do desafio que o Ministério da Fazenda, com seu viés neoliberal, está
lhe colocando.
Se der passo em falso,
poderá dar o ouro ao bandido, sacrificar os mais pobres para salvar os mais
ricos, conforme mandamento neoliberal antinacionalista.
O encontro do
presidente Lula hoje com os banqueiros, os filiados da Febraban, pontas de
lança da Faria Lima, seria ou não uma oportunidade para ele buscar um pacto com
a bancocracia, a fim de salvar os mais pobres para garantir a sobrevivência dos
mais ricos?
Fonte: Jornal
GGN/Brasil 247
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