terça-feira, 22 de outubro de 2024

Campo chinês: modernização sem latifúndio

Com o estabelecimento da República Popular da China, em 1949, o Partido Comunista liderado pelo presidente Mao substituiu o sistema feudal de propriedade da terra pela coletivização, um tipo de sistema de produção agrícola no qual vários agricultores seriam envolvidos em propriedades como uma empresa conjunta. Naquela época, a porcentagem da população rural era de 90%, enquanto a população urbana era de 10%, o que significa que o sistema de produção agrícola não era capaz de alimentar a população.

Durante o primeiro plano quinquenal (1953–1957), foi formado um conjunto completo de sistemas de serviços de suporte de máquinas agrícolas do nível central ao local e os camponeses foram mobilizados para participar ativamente do uso de máquinas agrícolas. No início da década de 1950, a China era uma aliada próxima da União Soviética e aceitava o modelo econômico soviético, incluindo a propriedade estatal de bens de capital, como matérias-primas, instalações, máquinas e ferramentas usadas na produção de bens e serviços, fazendas coletivas e manufatura industrial estatal. No entanto, o sistema econômico planejado centralmente administrou as fazendas mecanizadas estatais e as estações de tratores muitas vezes em contradição com a produção e gestão da economia camponesa coletiva. Em 1958, o Estado decidiu eliminar o sistema operacional centralizado das estações de tratores estatais e adotou um sistema descentralizado para distribuir as tarefas e responsabilidades às comunas populares. Em 1960, quase todas as estações de tratores foram transformadas em estações de tratores de comunas populares. No entanto, devido a uma base econômica fraca, muitas comunas não conseguiram atingir níveis de produção em larga escala.

No final da década de 1970, a China inicia uma série de reformas no campo, começando pelo desmantelando o sistema de terras comunais e a substituição pelo sistema de responsabilidade familiar, disseminando terras agrícolas para os agricultores com base em um princípio igualitário, resultando em milhões de pequenos agricultores com lotes pequenos e fragmentados. A produção e distribuição de máquinas agrícolas foram institucionalizados. Muitas novas indústrias nacionais de máquinas agrícolas foram estabelecidas. Todo município passou a ter que criar uma empresa municipal de tratores. A indústria de máquinas agrícolas foi liberalizada e os agricultores começaram a usar máquinas agrícolas de forma independente. O Estado reduziu e, às vezes, isentou os impostos as empresas de máquinas agrícolas, visando sustentar sua produção. Providenciou o fornecimento anual de milhões de litros de óleo diesel barato para reduzir o custo para os agricultores e incentivar o uso de máquinas agrícolas. Além disso, continuou a administrar o sistema financeiro sob uma economia planejada para fornecer máquinas agrícolas para áreas rurais a um preço mais baixo. Estima-se que, desde então, o agricultor tem subsídio de 70% no valor das máquinas.

A partir de 1978, a China começou importar tratores de empresas dos EUA, como da John Deere, Case e New Holland, bem como de japonesas como a Hitachi. A intenção do governo chinês era alavancar a produção interna e, para isso, incentivou também a importação de tecnologia. A estratégia de modernização da indústria chinesa de máquinas agrícolas se apoiou na formação de joint ventures com grandes multinancionais estrangeiras desse setor. Participaram deste movimento corporações como a John Deere, New Holland e Caterpillar (EUA), Fiat e Goldoni (Itália), Deutz (Alemanha), Yarman Farm (Japão), além da então União Soviética. Em todos os casos, a transferência de tecnologia a empresas chinesas foi condição essencial.

Durante as décadas de 1980 e 1990, o setor industrial nas áreas urbanas e costeiras apresentou um rápido crescimento, com aumento dos salários reais e uma quantidade significativa de mão de obra rural migrando para empregos não agrícolas. Com a transferência de grandes quantidades de mão de obra rural para as áreas urbanas e costeiras industrializadas para melhores oportunidades de emprego, a demanda por máquinas agrícolas teve grande expansão no campo. E a mecanização da agricultura em pequena escala passou a impulsionar a economia dos pequenos agricultores, proporcionando um aumento substancial em sua renda, reduzindo o custo de produção, acelerando e qualificando a operação agrícola e, assim, aumentando os rendimentos. A rápida aplicação de máquinas agrícolas liberou os agricultores a se transferirem para indústrias rurais fora da lavoura, gerando um aumento nos salários não agrícolas. A mecanização agrícola permitiu que os agricultores em empregos externos sustentem suas famílias em áreas rurais. Pequenos agricultores também passaram a ganhar uma renda com o aluguel de suas máquinas agrícolas.

Em 2004, a China formulou sua lei de mecanização. Esta lei tornou possível uma implementação total da mecanização para a produção de grãos. Seu principal objetivo era pressionar produtores agrícolas e organizações de operações a utilizar máquinas agrícolas avançadas. A lei declarou os procedimentos e medidas necessários para o governo em sua implementação de políticas de mecanização para a produção, inspeção, fornecimento, serviço pós-venda e utilização conjunta de máquinas agrícolas. Foram definidas as tarefas e deveres do governo nacional, dos governos provinciais, instituições de pesquisa, produtores de máquinas agrícolas, provedores de serviços e governos locais. A lei introduziu oficialmente uma política de subsídio direto de máquinas agrícolas para agricultores, organizações de operações agrícolas e instituições financeiras para comprar máquinas agrícolas avançadas. Vários subsídios de mecanização foram adotados para apoiar a distribuição, produção, marketing, inspeção, serviço pós-venda e treinamento do usuário final para máquinas agrícolas.

O estabelecimento de serviços de aluguel de máquinas agrícolas, iniciado pela primeira vez em 2004, passou a oferecer aos pequenos agricultores acesso a máquinas a custos razoáveis. Os provedores de serviços de máquinas agrícolas são cooperativas agrícolas, empresas e agentes especiais que alugam máquinas de aração, semeadoras e colheitadeiras para pequenos agricultores. Desde então, a China alcançou grandes melhorias na produtividade agrícola em termos de produção, condições e rendimentos, melhorando a rápida absorção de máquinas agrícolas para substituir a migração de trabalhadores agrícolas jovens e qualificados, além de praticamente acabar com a pobreza rural.

O aumento na mecanização agrícola aumentou a produtividade ao proporcionar o uso mais eficiente de insumos agrícolas, como terra, água, fertilizantes, herbicidas e pesticidas, induzindo precisão e pontualidade na aplicação. O índice de mecanização também aumentou a variabilidade das safras e, ao aumentar a pontualidade das operações agrícolas, a mecanização pode calcular a sazonalidade precisa das safras, aumentando a utilização da terra e o nível de cultivo. O padrão de produtos agrícolas verdes, de alta qualidade e de marca passou a ser continuamente melhorado, com a diminuição da aplicação de fertilizantes químicos e pesticidas.

A agricultura da China é predominantemente de pequena escala, mas isso não leva necessariamente a uma menor eficiência ou eficácia de sua produção agrícola. A China alimenta 22% da população mundial usando apenas 7% de suas terras agrícolas, sendo o maior produtor de grãos do planeta. O nível de mecanização abrangente do cultivo e da colheita de safras na China aumentou de 32% em 2000 para 68% em 2020, dobrando em duas décadas. A taxa de mecanização do cultivo e colheita das principais culturas excede 70%, e mais de 80% nas principais culturas de grãos. As taxas de lavoura, semeadura e colheita mecânica estão em 84%, 56% e 61%, respectivamente. Atualmente, cerca de 87% da agricultura camponesa na China tem mecanização. E planeja-se atingir um nível de mecanização abrangente completo (100%) do cultivo de safras já nos próximos anos.

O poder total das máquinas agrícolas na China evoluiu de apenas 184,000 kw em 1952, 117,5 milhões de kw em 1978 e 1,06 bilhões de kw em 2021. A indústria de máquinas agrícolas tem crescido constantemente nos últimos anos, com mais de 10.000 empresas de fabricação e 20.000 de distribuição, muitas voltadas ao pequeno produtor. Um sistema operacional abrangente foi estabelecido, cobrindo fabricação, componentes, peças, vendas e serviços. Ocorre o fortalecimento dos grandes grupos nacionais, inclusive a partir da formação de conglomerados controlados diretamente pelo governo central. E, nessas condições, as empresas chinesas têm conseguido controlar o seu mercado interno de tratores, colheitadeiras e outros equipamentos para a agricultura, além de passar a ser uma potência exportadora de diversas máquinas agrícolas.

A China está tentando mecanizar completamente a cadeia geral de produção agrícola, do pequeno ao grande. Trata-se de um processo complexo e ainda ocorrem irregularidades na cadeia de produção agrícola. O nível de mecanização no estágio de produção tem sido muito maior do que nos estágios de pré e pós-produção. Além disso, o nível de mecanização é desigual entre as regiões, sendo compreensivelmente maior nas regiões economicamente mais desenvolvidas do que nas áreas economicamente menos desenvolvidas (isso é, maior no sudeste do que no oeste da China), nos tipos de culturas (sendo maior no arroz do que no trigo e no milho) e nas práticas agrícolas (onde a aplicação de máquinas agrícolas na lavoura é muito maior do que na colheita e processamento). Apesar de desequilíbrios, nas últimas seis décadas, a China obteve incontestáveis avanços na mecanização rural, sendo uma ferramenta fundamental e um objetivo estratégico para a construção de um sistema agrícola socialista moderno no país.

Com base na experiência chinesa, os países em desenvolvimento nos estágios iniciais de mecanização com um grande número de pequenos agricultores (como o Brasil que não chega a 13% de mecanização da agricultura familiar), podem extrair algumas lições fundamentais sobre a mecanização da agricultura de pequena escala. Diversos países no Sul Global com agricultura de pequena escala ainda não exploraram o potencial da mecanização, principalmente devido a uma interpretação errônea de que apenas a mecanização em larga escala oferece benefícios. A mecanização é frequentemente vista como indigna na agricultura de pequena escala. Há uma perspectiva comumente aceita de que máquinas agrícolas são adequadas apenas para terras agrícolas de grande escala, impedindo que pequenos agricultores se beneficiem da mecanização. Se assim fosse, a probabilidade de possuir máquinas agrícolas estaria conectada ao tamanho das terras agrícolas. E, para tornar a situação mais difícil, os pequenos agricultores em países em desenvolvimento estão na extremidade inferior da escala econômica, frequentemente atingidos pela pobreza crônica e sua menor eficiência de produção resulta em menores rendas.

É preciso construir uma teoria de mecanização apropriada na agricultura de pequena escala. Máquinas agrícolas adequadas às condições locais, como o tamanho da terra, a inclinação da terra, características do solo, tipo de cultura ou com uma relação custo-eficácia para os agricultores influenciarão a decisão de adotar máquinas na agricultura de pequena escala. A escala da mecanização depende principalmente da escala das terras agrícolas: máquinas grandes para grandes fazendas e máquinas pequenas para pequenas fazendas. Otimizar a escala da máquina e da terra é uma das tarefas críticas no esforço para obter o melhor da mecanização, sendo uma das falhas mais críticas da mecanização na maioria dos países em desenvolvimento, devido a um equívoco de que as máquinas agrícolas só são lucrativas em grande escala.

Para concluir, é preciso enfatizar que a mecanização agrícola da agricultura de pequena escala é a chave para reduzir a subnutrição e a fome. É crucial uma intervenção consistente dos governos para aumentar a produtividade das áreas rurais desta forma. Em primeiro lugar, o desenvolvimento da mecanização deve se basear em um sistema de autossuficiência. O estabelecimento de uma indústria de fabricação de máquinas agrícolas locais deve ser a prioridade para o desenvolvimento da mecanização, em especial máquinas compactas. Os governos precisam encorajar os fabricantes locais por meio de vários incentivos. Em segundo lugar, as cooperativas de serviços agrícolas que alugam máquinas representam um modelo adequado que permite que pequenos agricultores acessem máquinas para suas necessidades a um preço razoável. Leis, políticas de subsídios e incentivos de serviços de aluguel de máquinas agrícolas são todos mecanismos eficazes para aumentar a acessibilidade de máquinas agrícolas para pequenos agricultores. Em terceiro lugar, instituições de treinamento, como universidades, devem trabalhar em estreita colaboração com os agricultores, os formuladores de políticas e outras partes interessadas para facilitar uma rápida introdução de máquinas agrícolas. Essas lições podem ser adaptadas e aplicadas em outros contextos, contribuindo para o desenvolvimento da agricultura familiar e de pequena escala em diferentes regiões.

Apesar de muitos defenderem que o benefício total da mecanização pode ser obtido apenas aplicando-a à agricultura em larga escala, vemos que a China realiza uma mecanização bem-sucedida na agricultura em pequena escala por meio da aplicação de políticas, estratégias e medidas de incentivo. Para outros países, fica o desafio de aplicar firmemente políticas mecanização agrícola apropriada à escala, desempenhando um papel vital na melhoria da segurança alimentar, combate à inflação, erradicação da pobreza rural e contribuir para o desenvolvimento econômico nacional.

 

¨      Brasil se torna 'nova Índia' na oferta de serviços de tecnologia para mercado internacional

O Brasil, agora visto como um destino estratégico para offshoring de tecnologia da informação (TI), atrai investimentos de grandes players globais e está se posicionando como a "nova Índia" em serviços de tecnologia, dizem profissionais do setor.

O país está se consolidando como um importante polo para o offshoring de serviços de tecnologia, com mais de 20 aquisições de empresas brasileiras do setor desde 2020, totalizando quase R$ 9 bilhões.

Offshoring de TI é a prática de contratar serviços de TI de companhias localizadas em outros países. Isso inclui atividades como desenvolvimento de software, suporte técnico, infraestrutura e outros serviços tecnológicos, realizados por profissionais de fora da empresa contratante.

De acordo com o jornal O Globo, o movimento é impulsionado pela qualidade da mão de obra e proximidade cultural e geográfica com os principais mercados, como Estados Unidos e Europa, tornando o país sul-americano uma alternativa à Índia.

Companhias globais, como a japonesa NTT DATA e a indiana Marlabs, têm adquirido empresas brasileiras para expandir suas operações no país. A mídia cita que o conflito na Ucrânia e a fragilidade de outras regiões durante a pandemia também contribuíram para a expansão do Brasil nesse mercado.

A igc partners, uma boutique especializada em fusões e aquisições, tem sido responsável por intermediar muitas dessas transações. Nos últimos quatro anos, a companhia concluiu 17 operações no setor de tecnologia, movimentando R$ 4,48 bilhões. Até o início de 2024, a IGC planeja finalizar mais duas transações com investidores estrangeiros.

"O Brasil está se transformando na nova Índia para serviços de tecnologia offshoring", disse Daniel Milanez, CEO e co-fundador da igc partners, ouvido pelo jornal.

Empresas brasileiras de tecnologia, que antes estavam fora do radar dos investidores, agora atraem grande interesse, especialmente com a crescente demanda por soluções tecnológicas inovadoras em setores como bancos digitais.

Até o começo do ano que vem, o igc partners deve concluir pelo menos mais duas transações nessa área, com um fundo e uma companhia estrangeira estratégica que ainda não está presente no Brasil.

"Já temos quatro conversas com memorandos de entendimento assinados, preço e estrutura definidos em fase de diligência. E outras dez conversas em andamento", afirmou Rafael Frugis, sócio do igc e responsável pelos negócios na área de serviços de tecnologia.

A transformação no setor bancário e a necessidade de modernizar seus sistemas contribuíram para o aquecimento do mercado, com grandes aquisições, como a da Zup pelo Itaú. Além disso, empresas como Boticário, Ambev e Alpargatas também entraram no mercado fazendo aquisições estratégicas, acrescenta a mídia.

 

Fonte: Por Fernando Marcelino, em Outras Palavras/Sputnik Brasil

 

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