terça-feira, 22 de outubro de 2024

'A desigualdade desafia tudo, desafia o contrato fundamental das sociedades', diz Nobel de Economia

O economista James A. Robinson, que ganhou na segunda-feira, 14, o Prêmio Nobel de Economia, ao lado de Daron Acemoglu e Simon Johnson, disse que não esperava por isso. "Estou um pouco em choque", afirmou.

Robinson e seus colegas foram reconhecidos por seus estudos empíricos e teóricos para entender as disparidades na prosperidade entre as nações e sua análise da desigualdade.

Professor de estudos de conflitos globais e diretor do Instituto Pearson para o Estudo e Resolução de Conflitos Globais da Universidade de Chicago, nos EUA, ele se destacou por sua influente pesquisa sobre a relação entre o poder político, as instituições e a prosperidade.

O economista de 64 anos desenvolveu um interesse particular pelo estudo da África Subsaariana e da América Latina.

Isso o levou a ministrar cursos na Universidade dos Andes, em Bogotá, entre 1994 e 2022, e a realizar trabalhos de campo em países como Bolívia, Colômbia e Haiti, entre muitos outros.

Em parceria com Daron Acemoglu, Robinson publicou livros aclamados, como Origens Econômicas da Ditadura e da Democracia, Por que as nações fracassam: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza e O corredor estreito: Estados, sociedades e o destino da liberdade.

Robinson conversou com a BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, sobre a América Latina e os desafios que a região enfrenta.

LEIA A ENTREVISTA

·        Parabéns pelo prêmio. Você passou três décadas pesquisando o tema da desigualdade na esfera econômica, mas também social e política. Qual considera a principal contribuição da sua pesquisa?

James A. Robinson - A maior parte do nosso trabalho tem se concentrado em tentar entender a desigualdade, tentar entender por que o mundo está dividido entre países que são prósperos e outros que são pobres.

Nos perguntamos como surgiu historicamente esta diferença, e como se manteve apesar das enormes consequências para o bem-estar humano.

Esse tem sido o foco principal da nossa pesquisa nos últimos 30 anos.

Especificamente, tentamos entender como as instituições estabelecem as regras que influenciam a prosperidade e a pobreza em diferentes sociedades.

·        E, nas últimas décadas, a desigualdade melhorou? Houve progresso ou ainda estamos estagnados?

Robinson - Observamos grandes melhorias nos níveis de pobreza em algumas partes do mundo, como a China, mas isso não aconteceu em outras regiões, como a África Subsaariana e a América Latina.

E em países como os Estados Unidos, vemos ameaças à inclusão social e à prosperidade.

Ainda há enormes desafios para a criação de sociedades mais inclusivas, prósperas e democráticas no mundo.

·        Você mencionou a América Latina. Quais são os principais desafios que a região enfrenta atualmente?

Robinson - Trabalhei muito na América Latina, em países como Colômbia, Chile e Bolívia.

Me parece bastante oportuno que o prêmio seja concedido nestes dias em que se recorda a chegada de Cristóvão Colombo e seu encontro com os povos indígenas latino-americanos.

A nossa pesquisa mostra que a pobreza e a desigualdade na América Latina estão profundamente enraizadas no colonialismo, na exploração dos povos indígenas e na existência da escravidão.

Essas desigualdades se autorreproduzem de várias maneiras atualmente.

A América Latina tem grandes problemas de inclusão, marginalização e exploração. É por isso que é pobre, e ainda está tentando encontrar uma saída.

Por outro lado, grande parte do nosso trabalho analisa como os Estados Unidos diferem historicamente desses padrões.

·        Houve algum progresso na região em relação às questões de inclusão social?

Robinson - Houve progresso em países como o Chile nas últimas décadas, desde o colapso da ditadura. Podemos pensar na Costa Rica ou em países como a Bolívia no sentido da ascensão dos povos indígenas.

Mas outras partes da América Latina seguiram na direção oposta. Pense em países como a Venezuela ou a Argentina, que seguem padrões complicados, ou a Nicarágua e a consolidação de uma autocracia no país.

·        Você vê uma grande ameaça à democracia na América Latina devido à profunda desigualdade que existe na região? Há pesquisas que mostram que as pessoas estão dispostas a sacrificar a democracia em favor de líderes considerados populistas.

Robinson - A democracia é um sistema relativamente novo na América Latina. Pense na América Central, que só conseguiu criar sistemas mais democráticos a partir da década de 1990.

Um dos problemas é que foram feitas muitas promessas às pessoas na América Latina sobre a democracia, prometeram a elas que seus problemas acabariam e, obviamente, isso não era verdade.

A democracia tem sido decepcionante na América Latina, as pessoas se desesperam e buscam outras soluções.

É que leva tempo para criar instituições democráticas que trabalhem para mudar a vida das pessoas.

Veja o que está acontecendo em El Salvador com o presidente Nayib Bukele. Há um motivo pelo qual as pessoas votam nele. Elas votam nele porque há muita insegurança.

Pense no presidente Andrés Manuel López Obrador, estes são tempos difíceis. Mas, por outro lado, pode-se dizer que existe uma verdadeira democracia no México.

Essa foi a decisão popular e devemos reconhecer que leva tempo para que a democracia funcione e mude a vida das pessoas.

A Colômbia provavelmente teve uma das suas eleições mais democráticas quando o presidente Gustavo Petro chegou ao poder, mas não é fácil, há muitos desafios pela frente.

·        Há mais de uma década, você publicou o aclamado livro  Por que as nações fracassam. O que mudou nos últimos anos desde que vocês fizeram essa análise?

Robinson - Eu vejo o mundo da mesma maneira. No entanto, no prólogo do livro, falamos sobre a "Primavera Árabe" e seu potencial para criar mais inclusão no Oriente Médio.

Mas vimos que isso fracassou completamente. Este é um exemplo interessante de como é difícil mudar o mundo no sentido da criação de instituições mais inclusivas.

·        Como você disse, é muito difícil construir um mundo mais inclusivo e reduzir a desigualdade. Qual o melhor caminho para avançar em direção a esse objetivo?

Robinson - Trata-se de construir instituições políticas e econômicas mais inclusivas. Este é o problema na América Latina, na África Subsaariana, nos Estados Unidos e em muitos outros lugares.

Ainda há muitos elementos do que chamamos de instituições extrativistas, em vez de instituições inclusivas.

Nos Estados Unidos, persistem os altos níveis de pobreza, um grande aumento na desigualdade e um declínio na mobilidade social.

Eu moro em Chicago, e você vê isso todos os dias. Portanto, trata-se de incluir as pessoas e dar a elas oportunidades na esfera política e econômica.

·        Analisando os desafios que este século nos traz a nível global, o que vem pela frente?

Robinson - A desigualdade desafia tudo, desafia o contrato fundamental das sociedades. É muito difícil ter uma sociedade culturalmente democrática quando há níveis enormes de desigualdade.

 

¨      A esquerda tem o que dizer. Por Mauro Luis Iasi

Diante da afirmação taxativa que tem se apresentado no debate político após o primeiro turno das eleições municipais, segundo a qual “a esquerda nada tem a dizer para a periferia e os mais pobres”, venho aqui, modestamente, alinhavar algumas coisas que acredito que consistem naquilo que temos a dizer aos trabalhadores (e que a esquerda tem dito já há bastante tempo)

“Temos que reconhecer a inteligência da reação,
que conseguiu fazer (das) posições defensivas mínimas
o objetivo fundamental de seu inimigo de classe.”
Che Guevara

1. Caros pobres, a pobreza não é uma sina, azar ou maldição, tampouco resulta da falta de esforço ou mérito, mas o resultado inevitável de uma forma particular de organizar a produção social da vida: o capitalismo, modo de produção que quanto mais produz riqueza, gera inevitavelmente mais pobreza e miséria no polo oposto da sociedade.

2. O fato da maioria dos pobres, e da classe trabalhadora em geral, não ter a menor ideia do que é o capitalismo não impede que este modo de produção determine suas vidas, inclusive, não saber como funciona nossa sociedade é um elemento importante para manter esta ordem injusta e desumana.

3. A existência de periferias nas grandes cidades não se dá por falta de planejamento ou gestões qualificadas, mas é o resultado direto da forma de cidade adequada ao capitalismo, isto é, uma cidade que se fundamenta em um sistema que concentra poder, riqueza e propriedades, concentra também espaços e territórios adequados a cada função industrial, comercial, financeira, moradia e outras. Cada uma das funções do capital precisa de seus trabalhadores (produção, circulação, consumo, reprodução, etc.) e estes trabalhadores têm que ser expropriados de todos os meios que permitiram a eles garantir sua existência, tendo que se vender no mercado de trabalho. Para garantir os salários baixos, o capital expropria mais do que aqueles que vai usar diretamente, formando uma superpopulação relativa. Uma vez organizada a expropriação do espaço necessário para o capital, este excedente de população é empurrado ao redor das cidades, geralmente, sem estrutura de moradia, saneamento, serviços públicos, transporte, etc., formando as periferias.

4. Para o capital, tudo tem que ser mercadoria, para que sua produção e venda gere lucro para os capitalistas. Desta maneira, tudo que satisfaz uma necessidade humana pode ser vendido na forma de mercadoria para gerar lucro, não apenas os objetos, alimentos, roupas, mas também serviços como saúde, educação, transporte, tratamento de água, energia elétrica e tudo mais. Nós, pobres, temos que trabalhar para ganhar dinheiro e comprar as mercadorias necessárias para garantir nossa vida e de nossas famílias. Os ricos que vendem as mercadorias ganham muito dinheiro, garantem uma qualidade de vida muitas vezes melhor e acumulam seus lucros formando fortunas.

5. Como tudo foi transformado em mercadoria, a cidade também é mercantilizada. Os serviços – o transporte, a saúde, o tratamento de água, a distribuição de energia – são prestados por empresas e o próprio espaço urbano vira objeto de mercantilização. Até mesmo aquele espaço para onde fomos expulsos, em algum momento, pode ser visto como possibilidade de lucro para o crescimento da cidade, expulsando-nos novamente.

6. Bairros nobres, bairros de classe média, bairros pobres, periferias e favelas dividem o espaço urbano entre as classes que compõe esta sociedade. A cidade é o desenho urbano da divisão social do trabalho. O que precisamos saber é que esta sociedade é uma sociedade de classes.

7. As classes não se dividem apenas pela riqueza e a propriedade, mas também entram em luta pelo fundo público, isto é, a parte da riqueza taxada por impostos. As classes dominantes, proprietárias das empresas que mercantilizam nossas vidas, graças ao seu grande poder econômico, influenciam as eleições, formam bancadas legislativas e elegem governantes que irão garantir que o fundo público seja utilizado prioritariamente para satisfazer seus interesses. Os trabalhadores e pobres, divididos e desorganizados, acabam ficando com a menor parte do fundo público, com medidas, na maioria, paliativas e que não dão conta de nossas necessidades.

8. Para que isto funcione, a massa de trabalhadores e pobres, não pode se organizar e votar de acordo com seus interesses de classe; por isso, existem poderosas máquinas eleitorais, controle de regiões e formas de manipulação que garantem que a maioria da população vote em uma minoria de privilegiados. É mais fácil comprar um pastor do que convencer cada ovelha.

9. A política é, fundamentalmente, uma correlação de forças. A classe dominante é poderosa economicamente, controla meios de comunicação, espaços políticos e meios repressivos. A maior força dos trabalhadores vem de seu número e de sua posição econômica, já que somos nós que de fato fazemos tudo funcionar. Nossa fraqueza é a divisão e a aceitação de ideias e valores de nossos inimigos como se fossem nossos. No fundo, não queremos lutar contra eles, mas sermos iguais a eles. Mas não há vaga nas classes dominantes, eles não gostam da gente e não nos querem ao seu lado, só querem usar alguns para manipular a maioria, como capachos e capitães do mato. Querem nos ver divididos, desorganizados e alienados, para votarmos como gado naqueles que nos exploram e dominam.

10. Trabalhadores e a maioria da população, com toda a diversidade que isto implica, organizados e conscientes do como funciona esta sociedade e das classes que dela se beneficiam nos explorando e dominando, podem mudar a sociedade para que ela atenda os interesses e necessidades da maioria, mudando as formas de produção da vida, de propriedade e de distribuição da riqueza socialmente produzida. No entanto, para isto, é necessário que compreendamos que não é possível mudar a sociedade sem derrotar aqueles que fazem de nossas vidas miseráveis a riqueza que neles se concentra.

11. Por isso, é fundamental que os trabalhadores, os pobres, os que foram expulsos para as periferias, os que sofrem com o machismo, a homofobia, o racismo, o ódio aos pobres, entendam que não se pode conciliar com aqueles que lucram às custas de nossa miséria. Entendam que os ricos farão tudo por nós, menos sair de nossas costas e parar de nos explorar para concentrar a riqueza social que produzimos e eles acumulam privadamente.

12. Se esta é a cidade do capital, da exploração, da mercadoria, como a forma adequada desta sociedade, ela pode ser a cidade dos que trabalham, moram, vivem, criam seus filhos e partilham igualmente a riqueza que todos nós produzimos, priorizando a vida, o meio ambiente e a coletividade.

13.  Por fim, entender que a conciliação de classes faz mal para a saúde, a educação, o transporte, a moradia, a segurança, o saneamento, a arte e a cultura, o lazer, o esporte, a sexualidade, o tratamento do lixo, o patrimônio histórico, as vias públicas, faz mal para a cidade… para o Estado… para o país e para o futuro que podia ser nosso.

Neste ponto, alguém podia argumentar que a esquerda não diz isto tudo. Aí que alguns analistas distraídos se enganam. A esquerda nunca parou de afirmar tudo isto e defender mudanças profundas. Quem anda esquecido destes pontos, se empenhou tanto em se disfarçar de centro e esconder seus princípios de esquerda que agora não os encontra mais.

Como já disse e volto a dizer: “nós podemos fazer desta desgraça um país, mas para isto temos que derrotar aqueles que ganham muito dinheiro, transformando este país em uma desgraça”.

“Como não considerar um embusteiro
Aquele que ensina aos famintos
Outra coisa que não acabar com a fome?”
Bertolt Brecht

 

Fonte: BBC News Brasil/Blog da Boitempo

 

Nenhum comentário: