Maria Clara Bingemer: Como falar de Deus um
ano depois do 07/10
Aniversários macabros
não deveriam ser celebrados. Nem mesmo relembrados. Porém a memória é
ineludível quando se trata de vida e morte. Mais ainda quando se trata de um
passado que segue presente e que compromete todo um futuro. Futuro de gerações,
de pessoas reais. Futuro da própria esperança que parece distanciar-se cada vez
mais na medida em que as notícias chegam, piores e mais dolorosas.
Um ano se passou desde
7 de outubro de 2023 e o horror continua. Espalhou-se para além das cidades
fronteiriças a Gaza e do sul de Israel para a Cisjordânia e para o Líbano e o
norte de Israel. Tomou conta de toda a região. A Síria, o Iraque, o Irã e o Iêmen
também estão em chamas. Inúmeros mortos e feridos. Muitos sem-teto e famintos.
Tantos desesperados e perdidos. Tanta destruição. O ódio, a raiva e o desejo
interminável de vingança ainda não foram saciados.
Diante de nossos
olhos, o sombrio saldo de sempre: sangue, destruição, sofrimento, vítimas e
mais vítimas, sobretudo crianças e pessoas vulneráveis das vulnerabilidades
tantas que compõem o cenário da vida humana neste já avançado século XXI. O
ódio domina as discussões e envenena as relações. Sejam as diplomáticas ou as
pessoais. E predominando sobre as palavras que não conseguem fazer-se ouvir, o
único discurso audível são as bombas, as balas, as explosões e os gritos: de
medo, de terror, de indignação, de perplexidade.
Discute-se se a guerra
é justa ou não; quem tem razão e quem não tem; quais implicações tem esta ou
aquela tomada de posição; que organismos internacionais devem ou não intervir.
Uma guerra pode até ser desencadeada e manter-se por longo tempo vigente por
causas justas. Mas isto não a torna justa. Só pode haver justiça quando houver
disposição de limitar o desejo sem limites e os próprios impulsos nascidos de
ódio e rancor.
A violência não é
somente instrumento de opressão social ou de agressão militar. É também um
método de ação que parece às vezes necessário para defender a liberdade
ameaçada ou para conquistá-la. Ela pode, com efeito, ser empregada a serviço de
causas justas. Mas isso não a converte em justa. Se parece necessária para
combater a injustiça, para defender o que é defensável e denunciar o não
tolerável, a violência não permanece menos uma violência que machuca e fere a
humanidade, tanto daquele que a sofre como daquele que a exerce.
Ao aproximar-se o
aniversário daquele terrível 7 de outubro, não me vêm à cabeça palavras outras
senão as pronunciadas por Hans Jonas após a Segunda Guerra Mundial. “Como falar
de Deus depois de Auschwitz”? Como prosseguir com nosso discurso sobre um Deus
todo poderoso e que é amor infinito após o genocídio que fez a história da
humanidade girar sobre seus gonzos? Como falar de esperança e vida se o olhar
só se abre sobre desgraça, vazio e destruição?
Agora, um ano depois,
a pergunta que me parece ressoar é parecida. Como falar de Deus um ano depois
dos atentados de 7 de outubro? Como falar de um Deus que vem sendo
incessantemente invocado pelas vítimas e seus parentes, pelos reféns, pelas
mulheres violadas, pelas crianças assassinadas e que parece calar-se? Como
falar se o único ruído que se escuta é o da sede por poder que vai aumentando o
espectro da destruição e da morte?
E, no entanto, é
preciso persistir. Talvez não esperando que Deus se pronuncie com clareza sobre
os fatos que amedrontam. Mas não cessando de falar a Deus, de dirigir-se a ele,
de rezar enfim. Como saber se Deus ouve? A oração é na verdade, muitas vezes,
uma luta para encontrar palavras que ainda possam traçar um horizonte de
esperança em meio ao desespero. Há que buscar palavras de fé, palavras que
expressem a Deus sonhos de justiça e paz, liberdade e igualdade para todos, em
vez de gritos de raiva, gemidos de repulsa e o silêncio sombrio da depressão.
Se desse falar a Deus
emergir uma única palavra que chame ao cessar fogo, ao diálogo, ao entendimento
que parece impossível, a um passo sequer na direção da paz tão distante e
diminuída, a esperança voltará ao vocabulário humano, do qual parece ausente e
inalcançável. Que a passagem desse tão triste aniversário possa ser marcada por
uma esperança que se delineia no horizonte enquanto desejo de que a humanidade
não repita incessante e cegamente os erros de sua história e encontre caminhos
novos para abrir um futuro de vida.
¨ Religião e Estado — nas escrituras e no direito. Por Tarso Genro
Fascistas
e traidores da Carta de 1988 permanecem lado a lado, fortalecidos pelo medo e
assombrados por um perigo sobre o qual nem todos são conscientes
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Estado laico e religiões do dinheiro
Estamos começando a
recuperação dos valores da democracia e da República ou estamos no limiar do
acolhimento plebiscitário da sua traição? Já fui um otimista da primeira
hipótese, hoje não mais. Não podemos deixar de lembrar neste momento de Jorge
Luís Borges que dizia ser “o traidor um homem de lealdades sucessivas e
opostas”. O fascista, todavia, é um fanático coerente. Fascistas e traidores da
Carta de 1988 permanecem lado a lado, fortalecidos pelo medo e assombrados por
um perigo sobre o qual nem todos são conscientes.
Para acabar, na
prática, com a laicização do Estado prevista no artigo 5º, incisos VI, VII e
VIII, e no artigo 19, inciso I, da Constituição Federal, o discurso
fundamentalista religioso quer ser o discurso dominante na crítica ao Estado
laico. Para isso precisa colocar em pauta sem alarde o fim da “liberdade de
consciência” no Estado de Direito, já que esta só pode ser exercitada como
consciência individual, nos limites determinados pela Constituição: se esta
gera um direito público subjetivo que permite aos indivíduos sejam livres da
opressão estatal sobre a consciência religiosa no Estado laico, o Estado não
pode amparar ou representar uma religião dominante.
Se alguém puder
“forçar” que a sua religião seja dominante no Estado, todas as pessoas podem
fazer do Estado um “locus” especial de disputa, entre os fiéis de cada
fé, e assim construírem um discurso totalitário: o de uma fé religiosa que
suprime a liberdade e a legitimidade de outra fé religiosa. A confusão entre
política e religião nunca foi tão grande como é hoje em nosso país. E esta
“confusão”, no sentido da subsunção — de uma à outra — estimula a radicalização
das disputas políticas irracionais, na crise do sistema liberal-democrático
formal, posto que a subsunção da política à religião (ou vice-versa) tende a
anular o discurso da razão democrática.
Se o Estado permitir
esta subsunção ele permitirá a substituição do argumento pela fé, que pode,
assim, dominar e destruir as categorias democráticas da política no Estado de
direito, que é baseado em discursos minimamente racionais e argumentativos. As lições
da história mostram que a religião é uma transcendência atemporal e que, ao
contrário da política, não tem seu conteúdo centrado num presente histórico
verificável.
Sendo laico, o Estado
regula ambos os sistemas (o da política e da religião) mas o faz para
reconhecer o “direito à religião” do âmbito da sua regulação, para deixá-la
livre da tutela estatal e livre para não obedecer a fé dos governantes, que
eventualmente pretendam determinar, aos religiosos, “deveres” de fé em relação
ao Estado. Para coexistirem estas duas possibilidades de “práxis” na sociedade
— a práxis política e a religiosa — o espaço social do Estado moderno deve ser
dialógico, mas também deve ter poderes para, através de normas legítimas, não
permitir a pressão da política contra a religião, e desta sobre a natureza
civil da política.
As religiões do
dinheiro buscam a subjugação da vida privada das pessoas, não para orientá-las
a uma ideia transcendente, pois produzem ensinamentos que buscam principalmente
fragilizá-las para extorquir, delas, parte das suas pequenas economias. Ao invés
de lhes aproximarem das mensagens de generosidade e solidariedade contidas na
maioria das religiões, inclusive nas evangélicas, as religiões do dinheiro
aniquilam o espaço democrático na política.
Aqui cabe uma especial
atenção para a utilização do sentimento religioso como parte de uma prática
social que tem uma destinação nitidamente mercantil, cujo sentido se amplia
para o “ser” político-partidário. Ao proibir que o aparato de poder de Estado e
os seus recursos sejam monopolizados por uma religião, o Estado se torna
neutro, em relação às religiões, mas, ao mesmo tempo, também ativo para
defender a sua laicidade.
Para avaliar se as
práticas religiosas estão sendo práticas puramente políticas, no sentido de
partidarização eleitoral da expressão, é sempre necessário respeitar critérios
objetivos, que não passam pelo exame da doutrina ou da fé, que quaisquer
religiões propagam, mas pela verificação dos seus vínculos nitidamente
comerciais, alguns destes ligados inclusive ao exercício ilegal da medicina.
Atuando desta forma,
no sistema de classes do capitalismo, as religiões que se comportam como
instituições mercantis segregam para uma “segunda classe”, as demais religiões
que aceitam a diversidade, a livre vida civil dos humanos, bem como
desrespeitam as diferenças culturais de cada comunidade do gênero humano.
Não é gratuito que a
visão do “caminho único”, na economia, seja apropriada como “coisa sua” pelas
religiões do dinheiro, porque este caminho também é baseado numa dogmática
fundamentalista intolerante, que defende a supressão do Estado como organizador
da vida econômica e das relações entre o capital e o trabalho. Cabe lembrar
também que os partidos de extrema direita tendentes ao fascismo, sejam pródigos
em se apresentarem em nome de Deus, da pátria e da família, para escorar a sua
identidade totalitária, que busca fundar sua autoridade no domínio dos corpos e
das ideias.
Com o domínio do
fundamentalismo religioso mercantil, transformado em “fé”, quaisquer eleições
podem se tornar uma guerra, não porque a política necessariamente separe as
pessoas em bandos armados, mas porque nas disputas imperam o irracional, como
guerra provocada especialmente pelo fundamentalismo. Este fundamentalismo é o
materialismo exercitado pela fé, mantida pela relação com o dinheiro. O
discurso fundamentalista neoliberal encontra, por sua vez, um caminho comum com
as religiões, para acumulação privada irregular, transformando os pastores da
fé em “pastores” da acumulação de capital.
A vitória das
opressões de classe, que vem por dentro da dominação do rentismo ultraliberal e
das guerras mundiais “parciais”, é radicalmente avessa à razão, à liberdade de
espírito e às liberdades políticas da democracia liberal representativa. Não há
dissimulação que possa evitar que o Estado aja — dentro da democracia política
“contratual” hoje em crise — contra a naturalização do fascismo e a sua
passagem pelas religiões do dinheiro, para o culto do mercado, como consenso, e
a distorção da fé, como arma da hegemonia.
<><>
Os mercadores da fé contra o evangelho de Cristo
Revirando arquivos de
mais de meio século de magistério universitário, deparei-me com o “Anuário de
2004” da Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana
no Brasil (IECLB), onde lecionei por cinco anos. Revi, com emoção, as imagens e
os textos de minha Exposição Ecológica e li o artigo “Música, Religião, pouca
instituição”, do professor Oneide Bobsin, exímio pesquisador do tema religião e
política. Li depois o artigo de Joachim H. Fischer intitulado “Luteranos,
reformados, unidos, evangélicos: Quem são eles?”.
Explicitando o que são
as Igrejas Evangélicas, ele comenta: Evangélicas “são igrejas de orientação
evangelical” (…). O autor acrescenta a informação que mais diretamente se
relaciona com o tema deste artigo: “A “bancada dos evangélicos” no Congresso
Nacional é formada por membros de tais igrejas” que aqui não são citadas
nominalmente porque elas não tem práticas idênticas, em cada região do país.
Tal presença é do conhecimento de toda a sociedade brasileira, sendo amplamente
documentada na imprensa, de que há, no Congresso brasileiro, uma “Frente
Evangélica”, disputada e distribuída em vários partidos da direita.
Este artigo se propõe
a refletir sobre o que significa esta presença, em termos do Evangelho de
Cristo. O teólogo Oneide Bobsin, citado acima, numa entrevista declarou: “A
participação dos evangélicos na política desprivatiza as igrejas”. Como exemplo
de tal desprivatização podemos citar um relato jornalístico de como foi a posse
do ex-presidente Jair Bolsonaro. No jornal Zero Hora de 3 e 4
de novembro de 2018 (p. 10) está um destaque: “Assembleia de Deus Vitória em
Cristo”.
Ao lado de Jair
Bolsonaro, com a mão direita pateticamente estendida, o pastor Silas Malafaia
indica os dizeres: “com apoio de evangélicos”, como os da “Assembleia de Deus”:
Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia (foto). Jair Bolsonaro, então,
chega ao Palácio do Planalto amparado em forte discurso religioso que o coloca
diante da “missão de Deus” no comando a nação. Na quase meia página abaixo,
segue um artigo de Itamar Melo, com o título em maiúsculo, em letras mais que
garrafais: “O evangelho sobe a rampa”. No artigo, além de Silas Malafaia, são
citados os pastores: Valdemar Figueiredo e Magno Malta, que abriu a sessão de
posse de Bolsonaro com a oração: “A tua palavra diz que quem unge a autoridade
é Deus. E o Senhor ungiu Jair Bolsonaro”.
Antes de iniciar o
discurso, Jair Bolsonaro disse ao repórter da TV: “Com toda a certeza, esta é a
missão de Deus”. Dois dias depois da posse, realizou sua primeira aparição
pública, participando de um culto evangélico presidido pelo pastor Silas
Malafaia. No artigo do Zero Hora lemos: “Na ocasião, Jair
Bolsonaro referiu-se a si próprio como “escolhido do Senhor”. No meio de seu
artigo, Itamar Melo destaca, com um subtítulo: “bancada da bíblia avança no
Congresso”. No Congresso Nacional, portanto formou-se uma “Frente Evangélica”,
disputada e distribuída em vários partidos da direita.
Quanto à questão
teológico-bíblica cabe esclarecer que toda a pregação de Jesus, desde o
famoso Sermão da Montanha (Mt., 5-7; Lc., 20,45), é o anúncio
ou a proclamação do Reino de Deus, ou do Reino dos Céus. Na sua incomparável
pedagogia, Jesus foi explicando pacientemente, aos poucos, aquela que era a
mensagem central. A grande expectativa do Reino, era a promessa que perpassava
toda a história do Povo de Deus, e por isso todas as mensagens dos profetas. A
pregação de Jesus era muito clara, inconfundível: Reino de Deus, Reino dos
Céus. Nada de terreno.
Na entrevista do
teólogo Bobsin me impressionou uma frase: “Afinal, Jesus renegou a sua
religião, a fim de ser fiel a Deus”. Ele sabia muito bem que as confusões eram
muitas. Mesmo tendo escolhido, já, os seus discípulos mais próximos, que seriam
depois os seus doze apóstolos, a confusão foi evidente, quando a mãe de Tiago e
de João pediu a Jesus que reservasse, desde logo, para seus filhos, os
primeiros lugares: um à direita e o outro a esquerda. Os outros ficaram com
ciúme. A confusão foi durando. Mesmo quando Jesus foi preso, todos sumiram.
Pedro o havia negado três vezes. Judas o havia entregado. E os outros, onde
estavam? Só João o acompanhou até o Calvário. Talvez sentindo que alguém
precisava acompanhar a mãe de Jesus, em sua dor profunda, diante da morte certa
de seu filho Jesus crucificado.
Toda a trajetória de
Jesus, desde o início, até sua morte no Calvário, foi acompanhada pela mesma
tentação, que os profetas denunciavam. Tentação à qual se dobraram, até o fim,
os apóstolos que ele escolhera. E toda a grande multidão que viera para a festa
da Páscoa, sabendo que Jesus vinha a Jerusalém, tomou ramos de palmeira e saiu
ao seu encontro clamando: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor e rei de
Israel”.
A tentação de Jesus,
após os 40 dias de jejum no deserto, relatada nos Evangelhos, foi
uma alegoria, através da qual Ele assumia a tentação do povo de Israel,
relatada já no Deuteronômio, e denunciada pelos profetas, através
de toda a história, desde que Deus libertara o seu povo da escravidão do Egito.
Como Israel, também Jesus foi acompanhado pela mesma tentação, tanto dos
discípulos, quanto do povo que o seguia, achando que finalmente o Messias
prometido iria instaurar o Reino de Israel. A frase de Oneide Bobsin, citada
anteriormente é forte e desafiadora: “Afinal, Jesus renegou sua religião a fim
de ser fiel a Deus”. A religião oficial ele também “renegou” quando presenciou
o espetáculo escandaloso em que fora transformado o templo.
Para todos os seus
seguidores, incluindo os que escolhera como seus futuros apóstolos, segundo a
religião oficial era a crença de que o messias prometido seria o Rei que
libertaria finalmente o povo da dominação de outros impérios. Renegar a
religião oficial era também renegar a tríplice tentação do deserto, tentação
que o acompanhou até o julgamento de Pilatos. No mesmo dia que a multidão o
aclamava “Rei de Israel”. Ele renegou com toda a autoridade a religião oficial,
expulsando os vendedores do templo. Os quatro evangelistas relatam a corajosa e
solene expulsão, justificada com o brado, momento radical em que Ele separa a
religião à oração e a fé, de poder terreno: “A minha casa é casa de oração. Vós
porém fizestes dela um covil de ladrões” (Mt. 21, 13).
Para entendermos
objetivamente certos detalhes dos Evangelhos, é conveniente ou até
necessário conhecermos determinados fatos históricos. Neste sentido, dei-me
conta que a Wikipédia traz várias palestras ou entrevistas de caráter
histórico. Algumas resgatando minuciosamente a história de Pôncio Pilatos, seu
cargo como prefeito da Judéia, uma das muitas províncias do Império Romano. Um
detalhe básico é sua responsabilidade na condenação de Jesus. Tanto a Judéia,
quanto a Galileia, governada por Herodes Antipas, a Samaria, e outras
províncias, eram espaços de frequentes e violentas revoltas de povos que
tentavam libertar-se da cruel dominação romana.
Pôncio Pilatos tivera,
durante os dez anos de seu governo, o desafio de enfrentar, em geral de forma
cruel, diferentes revoltas dos judeus. Diante de um personagem que lhe é
apresentado, pelas lideranças judaicas, para que seja julgado e condenado,
Pilatos, ao interrogar Jesus, estava preocupado se ele seria mais um dos
líderes revolucionários que lhe davam dor de cabeça. Esta preocupação de
Pilatos explica a sua pergunta: “És tu o Rei dos Judeus?” (Mt., 27,11). Jesus
responde: “Tu o dizes”. Diante das acusações repetidas, e do silêncio de Jesus,
“… o governador ficou muito impressionado” (Mt., 27, 14). Ele estava, de fato,
convencido de que não estava, diante deles, nenhum dos zelotes ou
revolucionários que tivera de reprimir, pra garantir seu cargo.
O silêncio de Jesus é
testemunhado tanto por Mateus, quanto por Marcos e Lucas. Só João escreverá
que, diante da insistência de Pilatos, Jesus garante: “Meu reino não é deste
mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus súditos teriam combatido para que eu
não fosse entregue aos judeus. Mas meu reino não é daqui” (Jo, 18, 36).
Assim mesmo Pilatos não estava tranquilo. A multidão gritava: “Se tu não o
condenas não és amigo de César”. Sua preocupação não era se a condenação de
Jesus era justa, mas de se livrar de qualquer ameaça que chegasse aos ouvidos
de César. E por isso, depois de lavar covardemente as mãos, Pilatos o entregou
à fúria cruel da multidão.
A tabuleta que Pilatos
mandou fixar, ironicamente, no alto da cruz: “Jesus o Rei dos Judeus”, provocou
a reclamação geral de que ele tirasse. A mesma multidão que o aclamara, na
entrada de Jerusalém, gritava, diante de Pilatos: “Crucifica-o! Crucifica-o!”.
Durante três anos o haviam seguido, ouvindo com entusiasmo a sua pregação,
achando que iria livrá-los da dominação romana, instaurando, enfim o Reino que
Israel, aguardava havia 2000 anos.
Para os apóstolos, era
o fim. Somente com a vinda do Espírito Santo, na Festa de Pentecostes, eles
entenderam o verdadeiro sentido do seu anúncio, desde o Sermão da Montanha e
através dos três anos de sua pregação. E a multidão que viera de vários países,
para a festa, ouvindo-os falar em suas próprias línguas, entendeu qual o Reino
que Jesus anunciara. E a Igreja do Reino de Deus, do Reino dos Céus se
constitui naquele dia.
De acordo com o artigo
de Itamar Melo no jornal Zero Hora, citado anteriormente: “A Bancada da Bíblia,
avança no Congresso”, e com as citações quase teatrais da posse do Jair
Bolsonaro, denuncia com total clareza que a afirmação de Cristo: “Meu Reino não
é deste mundo”, não vale para as Igrejas evangélicas, pentecostais ou
neopentecostais”, pois a estratégia destas é a luta pelo poder político, de
acordo com a “teologia da prosperidade”, que poderá, com o tempo, transformar o
Brasil, república democrática e laica, num país teocrático e perpassado pelo
sectarismo, como é o Irã nos dia de hoje.
Fonte: Jornal do
Brasil/A Terra é Redonda
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