Espécies invasoras ameaçam os manguezais do
Brasil
Durante uma saída de
campo em maio de 2023 aos manguezais de Cubatão, em São Paulo, um cacho de
flores brancas intrigou os biólogos Geraldo Eysink e Edmar Hatamura. Elas
floresciam em árvores diferentes de todas que eles tinham visto em 30 anos de
pesquisa na região. Coletaram amostras e, com a experiência da oceanógrafa e
especialista em manguezais Yara Schaeffer-Novelli, identificaram a planta como
a Sonneratia apetala, uma espécie nativa dos manguezais do sul da Ásia. Pela
primeira vez, ela era registrada em algum lugar das Américas.cons
A importância da
descoberta rapidamente ficou clara. A S. apetala é uma espécie invasora com
potencial para causar grandes estragos nesse ecossistema. Nos meses seguintes,
Eysink e Hatamura encontraram outras 80 árvores dessas, e o número já
ultrapassou 250, com novos espécimes surgindo cada vez que eles exploram os
manguezais.
“Os manguezais servem
de berçário para muitas espécies de peixes, caranguejos, ostras e mexilhões. Se
vier a se espalhar, a Sonneratia apetala pode prejudicar a reprodução de toda
essa fauna e a vida de mais de 400 mil pescadores ao longo do litoral brasileiro”,
diz Eysink.
Nativa da Índia, de
Bangladesh, do Sri Lanka e de Mianmar, a S. apetala foi introduzida na China em
1985 para a restauração de manguezais. Pesquisadores acreditam que ela chegou
ao Brasil por meio da água de lastro de navios que viajavam da China ao porto
de Santos, a apenas 2 quilômetros dos manguezais. Usada para estabilidade, a
água de lastro é esvaziada quando os navios recebem a carga, liberando
organismos estranhos no ecossistema próximo. Acredita-se que a água liberada
tenha trazido as sementes flutuantes de S. apetala para os manguezais por meio
de correntes estuarinas.
A planta é uma espécie
de rápido crescimento e altamente adaptável. Uma única árvore pode dar mais de
2 mil frutos semelhantes a maçãs, cada um contendo cerca de 60 sementes. Em um
teste preliminar de germinação realizado em uma estufa, o índice de sobrevivência
dessas sementes foi de 14,7%. “Essa viabilidade é muito elevada. É assustador;
essa semente é um monstro”, diz Schaffer-Novelli.
Na China, a S. apetala
está presente em cerca de 95% das áreas de mangue restauradas, um esforço
iniciado na década de 1990 para conter o declínio de 70% nos manguezais desde a
década de 1960. No entanto, um estudo de 2023 concluiu que a espécie desloca manguezais
e sufoca o crescimento das plantas nativas. Na baía de Hong Kong, o
Departamento de Agricultura, Pesca e Conservação remove a S. apetala
regularmente para proteger manguezais nativos.
Nos manguezais de
Cubatão, em São Paulo, essas árvores são quatro vezes mais altas que as
espécies nativas, podendo chegar a 12 metros. Especialistas alertam que sua
presença provocará graves danos ambientais, tanto em nível local quanto em
outros manguezais.
“Espécies exóticas em
manguezais podem causar profundos impactos ecológicos e econômicos,
desestruturando a restauração de ecossistemas nativos”, de acordo com um estudo
de 2023 de autoria de Eysink, Hatamura e Schaffer-Novelli. “A invasão nos
manguezais da região de Cubatão pela S. apetala pode alterar significativamente
a estrutura biológica desses ecossistemas e servir como ponto de dispersão para
outras áreas.”
<><> Um
retrocesso para os manguezais
O manguezal de Cubatão
faz parte de uma área de 12 mil hectares de mangue na região da Baixada
Santista, há muito afetada pela expansão urbana descontrolada. Na década de
1970, esse manguezal era conhecido por ser um dos mais poluídos do mundo.
Desde 1994, Eysink e
uma equipe de biólogos da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb),
além de pescadores locais, têm trabalhado para reabilitar os manguezais de
Cubatão, e já conseguiram restaurar 1.200 hectares. No entanto, a recente descoberta
da invasora S. apetala ameaça esse avanço, pois a espécie pode deslocar plantas
nativas, comprometendo a biodiversidade da região.
Os pesquisadores
alertaram as autoridades ambientais, incluindo o Ibama e a Fundação Florestal,
sobre a descoberta da S. apetala em 2023. Eles também falaram com especialistas
dos Estados Unidos e da China, que recomendaram a “erradicação urgente dessa espécie”,
disse Eysink, com o objetivo de proteger os manguezais nativos. De acordo com o
biólogo, Hong Kong tem tentado remover essa espécie nos últimos oito anos, sem
sucesso.
Mais de um ano após o
primeiro reconhecimento oficial da espécie no Brasil, a Fundação Florestal
anunciou em um comunicado divulgado em agosto que, tendo avaliado a magnitude
do problema com o Ibama e pesquisadores locais, contratou uma empresa para remover
as árvores entre agosto e novembro, mas os métodos a ser usados não foram
especificados.
Como os manguezais são
protegidos, o Ibama deve autorizar a retirada de qualquer árvore na região. O
órgão não respondeu ao pedido de esclarecimento da Mongabay sobre a remoção
dessa espécie ou se esse processo havia começado.
Eysink e Novelli
criticaram o atraso nas ações oficiais para remover a S. apetala, o que,
segundo disseram à Mongabay, provavelmente se deveu à falta de conhecimento
sobre como lidar com espécies exóticas, bem como à dificuldade de assimilar
integralmente o problema representado pelas espécies invasoras. Em uma nota, a
Fundação Florestal afirmou que as árvores foram identificadas pela primeira vez
em fevereiro deste ano, sem reconhecer as evidências da descoberta de maio do
ano passado.
Os cientistas estão
preocupados porque, se não for removida de forma rápida e completa, a S.
apetala pode se espalhar pelo litoral de São Paulo e possivelmente para além
dele.
“[As sementes]
continuam se espalhando”, diz Schaffer-Novelli. “O pior cenário possível é elas
chegarem a Cananeia, um manguezal e estuário próximo [no estado de São Paulo],
reconhecido pela Unesco”. Ela acrescentou que os pesquisadores estão em contato
com outros cientistas da região, alertando-os para que estejam atentos a
árvores incomuns com flores brancas.
<><>
Melhores métodos de remoção
Embora os
especialistas enfatizem que erradicar a espécie é a melhor aposta para proteger
os manguezais de Cubatão contra grandes perdas de biodiversidade, não é fácil
encontrar o método mais eficaz de remoção. Pesquisadores do Brasil fizeram
vários testes com possíveis metodologias, que foram discutidos com
especialistas da China.
Eles concluíram que
apenas cortar as árvores é ineficaz, pois elas voltavam a crescer rapidamente.
O anelamento, ou seja, a retirada da casca para interromper o fluxo de
nutrientes, acabará matando a S. apetala, embora isso leve alguns meses. Outro
método é cobrir o toco que resta do corte com lama para evitar que os brotos
cresçam. Embora eficaz, esse método exige muito trabalho, pois a maré
geralmente lava a lama, exigindo reaplicação frequente.
De acordo com os
especialistas, o método mais eficaz tem sido o que usa produtos químicos.
“É claro que o uso de
produtos químicos é sempre questionável, principalmente se esses produtos
atingirem a água”, diz Eysink. “[Mas] os resultados e a eficiência desse método
são maiores do que o impacto de qualquer gota desse produto sobre o meio ambiente;
um paradigma que precisa ser aceito pelos órgãos agências ambientais.”
Para minimizar o risco
de contaminação, os pesquisadores perfuraram o tronco da espécie, injetaram o
produto químico e depois selaram os furos. “Nem uma gota atingiu a água, mesmo
na maré alta, porque os furos foram feitos acima da linha da maré alta. Os
resultados foram fantásticos”, diz Eysink.
Pesquisadores de Hong
Kong encontraram resultados semelhantes. De acordo com um estudo de 2009, o
método mais eficaz foi o de cortar e cobrir tocos com lama para evitar o
rebrote. Embora tenham concluído que o herbicida glifosato também era eficaz,
eles alertaram contra seu uso. “A aplicação de herbicida deve ser evitada
devido ao seu impacto desconhecido sobre a flora e a fauna nativas.”
Apesar das
recomendações dos pesquisadores sobre seu uso, os produtos químicos não foram
aprovados pelos órgãos ambientais. Eysink diz que ele e outros pesquisadores
estão discutindo alternativas com o Ibama, inclusive o uso de herbicidas
específicos, desde que não prejudiquem outras espécies. Mas especialistas
lamentam a demora e pedem ação urgente, enfatizando a necessidade de
monitoramento imediato dos manguezais e a rápida erradicação de espécies
invasoras assim que forem identificadas.
“Seria uma pena e uma
desgraça se não fizéssemos essa erradicação total em Cubatão, porque [esse
manguezal] se tornaria o fornecedor de novas sementes, colocando em risco os
mangues de todo o Brasil”, diz Eysink.
Os pesquisadores
também defendem melhores formas de esvaziar a água de lastro, pois ela pode
transportar outras espécies prejudiciais, como moluscos e peixes, que
ameaçariam os manguezais brasileiros. Eles recomendam uma inspeção urgente de
outros portos do país para determinar se estão ocorrendo problemas semelhantes.
De acordo com Eysink,
a presença de espécies invasoras representa um perigo imediato para os
manguezais vulneráveis do Brasil. “Se esse problema não for combatido, a
mudança e o empobrecimento da nossa biodiversidade serão fatais.”
Fonte: Mongabay
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