Laís Martins: Como funciona a máquina de
campanha de Ricardo Nunes no WhatsApp
A campanha de Ricardo
Nunes, do MDB, à prefeitura de São Paulo criou e operou uma estrutura de
grupos de WhatsApp para pedir apoio e pressionar funcionários em cargos
comissionados a trabalharem pela eleição do prefeito.
O Intercept
Brasil recebeu denúncias que mostram que, em ao menos três secretarias
municipais, servidores foram convocados a fazer parte ou foram
involuntariamente colocados em grupos criados com o objetivo de trabalhar pela
reeleição de Nunes, inclusive nas redes sociais.
Tivemos acesso ao
histórico de conversas de um destes grupos, direcionado a servidores da
Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, a SMDHC, que foi usado
para divulgar ações da prefeitura e para convocar servidores a participarem de
eventos de campanha.
As mensagens mais
recentes, já durante o segundo turno das eleições, mostram uma série de pedidos
aos servidores que variam de comentários em publicações específicas e em
transmissões ao vivo no YouTube ao compartilhamento dos conteúdos com os
contatos. Muitos deles feitos durante o horário de expediente.
No dia 15 de outubro,
os administradores do grupo enviaram uma mensagem com um link para
um vídeo do Instagram de Nunes que
mostrava o trabalho conjunto do prefeito e do governador de São Paulo Tarcisio
de Freitas, do Republicanos. “Deixe seu comentário de apoio ao nosso prefeito”,
dizia a mensagem enviada às 11h43.
Dez minutos depois, às
11h53, um comentário com emoji de palminhas foi deixado no vídeo por Bárbara
Abib. Em 2 de outubro, uma pessoa com o mesmo nome foi nomeada para um cargo de
assessora na SMDHC.
A situação se repetiu
em outra publicação poucas horas depois. Às 14h22, uma mensagem foi enviada no
grupo da SMDHC com um link para
um vídeo na conta de Nunes com cortes do
jornalista Rodrigo Bocardi falando sobre a Enel. “Deixe o seu comentário contra
a Enel podem colocar a mensagem de #FORAENEL!”, dizia a mensagem.
Ao menos 13 servidores
de sete diferentes secretarias deixaram comentários na publicação, vários em
horário de expediente.
A postagem ainda teve
outras interações por volta do mesmo horário. Às 14h13, Vitor Sampaio, chefe de
gabinete de Ricardo Nunes, deixou seu comentário #ForaEnel. Às 14h14,
Gustavo Pires, presidente da SpTuris, também fez um comentário com a hashtag.
Cerca de 40 minutos depois, Micaelle Maestrello, assessora no gabinete de
Nunes, também deixou um comentário.
Colocar um servidor em
um grupo de WhatsApp de campanha sem sua anuência, somado a pedidos de
comentários e engajamentos, pode indicar uma prática ilícita e de coação dos
funcionários, explicou ao Intercept o advogado eleitoralista Guilherme
Barcelos, membro da Abradep, a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e
Político.
Além disso, a lei
eleitoral proíbe que servidores públicos ou empregados da administração direta
ou indireta sejam cedidos para uso em campanha durante o horário do expediente,
salvo se estiverem licenciados ou de férias. “Se ficar comprovado essa conduta
de uso, nós temos um ilícito aqui”, disse Barcelos, da Abradep.
Para ele, esse
conjunto de ações pode abrir margem para uma representação eleitoral por
conduta vedada, uma ação de investigação na justiça eleitoral ou até uma ação
de impugnação de mandato eletivo.
·
Constrangimento com ‘coisas de campanha’ de
Ricardo Nunes
Na Secretaria
Municipal de Cultura, um grupo foi criado em 17 de agosto, logo após o início
da campanha, pelo chefe de gabinete da pasta, Rogério Custódio. Foram colocadas
90 pessoas, a maioria servidores de cargos comissionados, segundo uma denúncia
recebida pelo Intercept.
“A finalidade deste
grupo é divulgar ações relativas às eleições 2024, especialmente voltadas à
mobilização pro Ricardo Nunes (15) e Aline Torres (15900)”, escreveu Custódio
na mensagem inicial, em 17 de agosto, dia que a campanha teve início. Torres
ocupou o cargo de titular na SMC até abril deste ano, quando deixou o posto
para concorrer ao cargo de vereadora em São Paulo pelo MDB – ela não foi
eleita.
Custódio pediu que os
servidores não compartilhassem “coisas de campanha” de segunda a sexta-feira
das 9h às 18h, durante o horário de trabalho.
Mas a iniciativa
constrangeu os funcionários. No mesmo dia em que o grupo foi criado, diversas
pessoas enviaram mensagens dizendo que preferiam manter uma “postura técnica e
neutra” e que, por isso, sairiam do grupo. Outros, no entanto, embarcaram na
campanha. No dia 22, Custódio disse que enviaria o link de um outro grupo que
já existia e que aquele seria desfeito.
“Há uma questão de
hierarquia muito clara e, naturalmente, a relação é pautada por uma espécie de
poder referencial”, pontuou Barcelos. “Imagina a seguinte situação: tu é a
minha chefe e me pede: ‘ó, vai lá e posta algo em favor do candidato A’ porque
tu apoia o cara. Não precisa nem dizer que se eu não fizesse ia me dar algum
problema”, disse o advogado. “Há naturalmente uma situação de
constrangimento.”
Segundo Barcelos, esse
tipo de comportamento poderia configurar abuso de poder político. “Eu não posso
me valer da minha condição hierárquica, de superioridade hierárquica, a coagir
ninguém a participar de grupo de campanha, de fazer propaganda ou comentário”,
observou.
Caso isso ocorresse, o
candidato ou campanha estaria se valendo da estrutura da administração pública
para interesses privados, complementou.
Ocupantes de cargos
comissionados de livre nomeação ficam mais vulneráveis a pressões em período
eleitoral, já que podem ser exonerados a qualquer tempo e por qualquer motivo,
explicou ao Intercept Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil,
organização da sociedade civil focada em transparência, controle e integridade
do poder público.
·
Formulário para registrar apoiadores de
Ricardo Nunes
Em 31 de agosto, a
prefeitura de São Paulo convocou servidores a participarem de um evento
presencial. Relatos de pessoas que participaram da reunião, aos quais o
Intercept teve acesso, citam que servidores comissionados foram obrigados a ir
e a preencher um formulário.
O formulário pedia a
identificação a partir de dados pessoais como nome, CPF e endereço, local de
trabalho e disposição em colaborar voluntariamente com a campanha. Outras
perguntas no formulário incluíam informação sobre filiação partidária e
vínculos com candidatos a vereadores. O formulário, que não está mais
disponível no link original, foi detalhado em uma reportagem no Brasil de Fato.
A existência do
formulário, por si só, já chama atenção. “Tu estás utilizando a estrutura do
serviço público municipal para obter pessoas, está usando o servidor para
maximizar a campanha ou o teu espectro de eleitores”, analisou Barcelos.
A coleta de dados
através do formulário pode ser também uma violação à legislação eleitoral sobre
propaganda, afirmou Atoji, da Transparência Brasil. “A resolução de 2024 do TSE
sobre o tema diz expressamente que a coleta de dados para distribuição de propaganda
deve seguir os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, o que
claramente não ocorreu no caso”, explicou Atoji.
Ela disse ainda que a
inclusão involuntária em meios de difusão é uma afronta à LGPD, ainda mais para
coletar dados sensíveis como filiação partidária, e que também deve ser
investigada e responsabilizada como abuso de poderes econômico e político.
A fonte que relatou ao
Intercept a existência do formulário preencheu o documento como se fosse
funcionário público lotado na Secretaria Municipal de Direitos Humanos e
Cidadania, a SMDHC. No dia 3 de setembro, uma pessoa identificada como Isis J.
entrou em contato com a pessoa que havia preenchido o formulário.
“Opa, tudo bem?! Sou
Isis e estou atuando na mobilização da campanha majoritária, este convite é
super importante! Participe de nosso grupo”. A mensagem vinha com um link de um
grupo nomeado “Engaja SMDHC”.
No formulário, o campo
“entidades” permitia a seleção de diversas entidades ligadas à prefeitura de
São Paulo. Isso sinaliza a possibilidade de que, assim como o grupo da SMDHC,
podem ter sido criados outros grupos para cada pasta ou entidade.
Em setembro, o
Intercept publicou reportagem com áudios que
mostravam dirigentes da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e
Trabalho de São Paulo orientando funcionários a fazerem campanha em prol de
Nunes.
Na ocasião, dirigentes
da pasta falaram sobre a criação de grupos para disseminar conteúdo positivo
sobre Nunes com o objetivo de que servidores o encaminhassem para familiares e
amigos e para avisar sobre “mobilizações”.
As denúncias de que
servidores em cargo de chefia e em cargos comissionados estariam sendo
mobilizados para fazer campanha em prol de Nunes foram objeto de uma ação de
investigação judicial eleitoral protocolada pela vereadora eleita Amanda
Paschoal, do PSOL, no fim de setembro.
O Intercept entrou em
contato com as secretarias citadas e com o gabinete do prefeito Ricardo Nunes.
Todos enviaram um mesmo texto em resposta ao contato da reportagem. Nenhum
deles negou a existência dos grupos no WhatsApp nem da estratégia de campanha.
O texto enviado pelas
secretarias e o gabinete de Nunes diz apenas que o “posicionamento eleitoral é
livre, desde que respeitada a legislação eleitoral em vigor, a qual impede a
utilização de recursos públicos”. Destaca ainda que a Controladoria Geral do
Município disponibilizou uma cartilha de condutas vedadas ao agente público
como parte de “esforço da administração a fim de evitar eventuais incorreções”.
Também procuramos a
coordenação de campanha de Ricardo Nunes, mas não tivemos resposta até a
publicação desta reportagem.
¨
O nome proibido da
eleição em SP. Por Paulo Motoryn
Osvaldo Cavalcante
Maciel. Se você é jornalista ou morador de São Paulo, onde o prefeito Ricardo
Nunes, do MDB, caminha para a reeleição, te faço um alerta: jamais pergunte
sobre Osvaldo Cavalcante Maciel para a equipe do candidato.
Eu fiz isso ontem – e
vou te explicar agora o perigo.
Para começar: Maciel é
um dos empresários presos e condenados por uma das maiores fraudes da história
do sistema bancário brasileiro, um caso que foi capa dos jornais em 1995. Ele
integrou uma quadrilha que desviou R$ 1,6 bilhão do Banco do Brasil, em valores
atualizados.
O caso teve ampla
cobertura da imprensa. Uma das reportagens menciona a relação de Maciel com
políticos da capital e da grande São Paulo.
Há cerca de dois
meses, a excelente série Endereços, do site De Olho nos Ruralistas, revelou uma
suposta ligação entre Maciel e Ricardo Nunes. Uma das reportagens, intitulada “Como o
prefeito de SP ficou subitamente milionário, em 1994”, ouviu um ex-vizinho de Nunes que afirmou que o prefeito era
empregado de Maciel.
Procurei uma a uma as
sabatinas e entrevistas de Nunes – com especial atenção para os relatos sobre
seu passado empresarial. Afinal, nunca tinha ouvido falar sobre essa
experiência profissional. E não encontrei nenhuma menção a isso.
É claro que resolvi
apurar. Fiz um mergulho nos processos judiciais e administrativos que tratavam
da fraude do BB e tentei contato com cada um dos envolvidos. Cheguei a falar
com um ex-servidor do BB condenado pelo caso, mas demorei a conseguir contato com
Maciel.
Até que, há duas
semanas, consegui falar ao telefone com Julianno Maciel. Hoje empresário na
zona sul de São Paulo, ele é filho de Osvaldo. Ele me disse que mostrou a
reportagem do De Olho nos Ruralistas ao pai – e que, apesar de condenado,
Maciel seria inocente.
Antes de desligar,
perguntei a ele: “O Ricardo Nunes era funcionário do seu pai? O que ele fazia
pro Maciel?”. E ouvi a seguinte resposta: “De fato, o Ricardo Nunes foi
funcionário do meu pai. Foi funcionário. Eu confirmo. A função dele na
companhia eu não sei”.
Aqui, pela integridade
da informação, é importante fazer as seguintes ponderações: i) Nunes nunca foi
investigado ou relacionado a qualquer tipo de crime associado à fraude no Banco
do Brasil; ii) não existem acusações ou provas de que ele teria se envolvido ou
beneficiado financeiramente do crime.
Fiz as seguintes
perguntas à assessoria de imprensa de Nunes: “Por quantos anos o prefeito
trabalhou com Maciel? Qual função? Entre 1994 e 1996, o prefeito foi remunerado
com parte do patrimônio de Maciel?”, questionei, com base nas alegações da
reportagem.
Como resultado, há
poucas horas, recebi uma das respostas mais violentas em anos cobrindo temas
como extremismo, corrupção e crime organizado. O texto foi assinado pelo
advogado criminalista Daniel Bialski – e anuncia “imediatamente” um processo
judicial contra os supostos caluniadores.
“O site Intercept
Brasil procurou a campanha de Ricardo Nunes, com acusações graves, caluniosas e
totalmente infundadas que tentam vincular o prefeito a um escândalo de fraude
bancária ocorrido em meados da década de 1990”, começa o texto.
Acho importante
saberem que o comunicado atacou o De Olho nos Ruralistas por uma suposta
ligação com uma familiar de Guilherme Boulos, do PSOL (o site, que já havia
sido alvo de intimidação semelhante, afirma
que mantém todas as informações publicadas, obtidas, em sua maior parte, em
documentos públicos, e não foi acionado judicialmente até o momento). Para nós,
o comunicado de Nunes anunciou, antes mesmo de publicarmos qualquer coisa, que
está ingressando com um processo criminal.
“[A defesa] adianta,
inclusive, que vai ingressar, imediatamente, na Justiça, e adotará as medidas
criminais contra os autores, asseclas e participes das acusações falsas,
caluniosas e inescrupulosas que procuram de forma criminosa envolver Nunes em
algo que não tem qualquer relação com a sua história ou com seus atos”, diz a
nota.
O comunicado assinado
por Bialski também insinua que as reportagens sobre o tema têm “mandantes”:
“Buscaremos a condenação por esses crimes também dos aloprados que atuam como
mandantes dessa tentativa desesperada de tumultuar e manchar a reputação e a dignidade
do prefeito – uma farsa que fere a democracia e desrespeita os
eleitores”.
Segundo o advogado,
“Ricardo Nunes jamais recebeu nenhum centavo do senhor Oswaldo Cavalcante
Maciel; jamais se beneficiou de qualquer parte do patrimônio dele”. No entanto,
o questionamento objetivo sobre o tempo em que Nunes trabalhou para Maciel
continuou aberto.
Não houve resposta
objetiva à pergunta: Ricardo Nunes de fato trabalhou para Maciel? Essa história
ainda estava em apuração. E mandar perguntas é passo básico nesse processo.
Diante da dúvida que persistiu, discutimos internamente e avaliamos que a não-resposta
do candidato – e a ameaça de processo diante de um questionamento simples – nos
obrigou a trazer essa informação ao conhecimento dos leitores. Afinal, Ricardo
Nunes é o líder na corrida eleitoral para a prefeitura da maior cidade da
América Latina.
Da minha parte, admito
que temos um mandante: você, leitor, que tem o direito inegociável de saber de
cada detalhe da história dos seus governantes. Nada mais. Este é o papel do
jornalismo. Não podemos nos curvar às ameaças de ninguém.
Fonte: The Intercept
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