quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Paulo Kliass: O risco Haddad

Desde a divulgação dos resultados das eleições de outubro de 2022 tornou-se sistemático o questionamento a respeito de quais seriam as verdadeiras intenções de Lula no que se refere à política econômica de seu terceiro mandato. Por vários momentos havia dúvidas quanto ao alinhamento do Presidente com relação à agenda tipicamente ajustada com os interesses do financismo, tal como têm sido propostas e encaminhadas as medidas de seu Ministro da Fazenda (MF). Fernando Haddad convenceu o chefe quanto à necessidade de não revogar o teto de gastos introduzido na Constituição por Temer em 2016, tal como debatido durante a campanha eleitoral. A solução final foi a inclusão de um dispositivo na PEC da Transição, ainda no final de 2022, por meio do qual o novo governo se comprometia em aprovar uma Lei Complementar tratando daquilo que passou a ser conhecido por Novo Arcabouço Fiscal (NAF).

Haddad tentou convencer Lula, no começo de 2023, a não incluir no reajuste do salário mínimo os ganhos de crescimento do PIB, para além da reposição inflacionária. Mas nesse caso, o responsável pela área econômica foi obrigado a obedecer ao Presidente, que não aceitou o recuo proposto em relação a uma de suas promessas mais simbólicas. Em compensação, o chefe do governo não avançou em suas ponderações quanto às dificuldades de cumprir com a meta de zerar o déficit primário em 2024. Em um momento no ano passado Lula chegou a dizer que seria muito complicado o governo perseguir tal objetivo de política fiscal. Esse foi um dos assuntos em um café da manhã com jornalistas realizado no mês de outubro do ano passado.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

(…) Tudo que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal a gente vai cumprir. O que eu posso dizer é que ela não precisa ser zero, o país não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias para esse país. Eu acho que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida. E se o Brasil tiver déficit de 0,5%, de 0,25%, o que é? Nada” (…)

Lula tem muita experiência acumulada no comando de equipes de governo e sabe exatamente os riscos e as consequências envolvidas com esse tipo de programa de austeridade. No entanto, ele optou por deixar o barco seguir e no final de tudo a equipe da Fazenda foi vitoriosa nas disputas internas palacianas. Ou seja, além de manter o NAF intacto, Haddad conseguiu obter de Lula o aval para perseguir uma meta fiscal inexequível. Valem todas as hipóteses para tentar explicar as razões de tal postura passiva do chefe do governo. A mais recorrente refere-se à tal da “correlação de forças” no interior do Congresso Nacional. Mas se é verdade que a atual composição do nosso parlamento é das mais conservadoras das últimas décadas, o fato é que não seria uma meta contemplando um déficit, como ponderava Lua na conversa acima descrita, que iria complicar avida do governo. Inclusive pelo fato de 2024 ser um ano com eleições municipais e os parlamentares de todos as tendências veem com bons olhos mais recursos para serem aplicados em suas bases.

·        Lula hesita e Haddad avança com a austeridade.

Mais à frente, tendo em vista a obsessão do Presidente do Banco Central (BC) com a manutenção da SELIC em níveis estratosféricos, um grupo cada vez mais amplo de economistas progressistas lançou uma proposta para minorar o arrocho monetário. Tratava-se simplesmente de flexibilizar meta de inflação pelo voto do Conselho Monetário Nacional (CMN). Como o Comitê de Política Monetária (COPOM) utiliza esse índice para estabelecer a taxa referencial de juros, tratava-se de tornar a meta para o crescimento dos preços mais realista com a realidade da inflação. Com isso, retirar-se-ia o principal argumento das forças do financismo em sua batalha permanente por uma SELIC elevada. Caso Lula quisesse também se valer de tal estratégia, bastaria orientar seus 2 ministros membros do CMN (Fazenda e Panejamento) a votarem nesta direção. Mas nada foi feito neste sentido.

A partir do início do presente ano ganhou espaço nos grandes meios de comunicação o debate a respeito da sucessão de Roberto Campos Neto na presidência do BC. Ao invés de pautar uma discussão efetiva a respeito das alternativas de política monetária e também quanto às próprias funções do órgão regulador e fiscalizador do sistema bancário e financeiro, Haddad se limitou a fazer campanha aberta para que o nome escolhido pelo chefe para o cargo fosse o seu Secretário Executivo no MF. Lula chegou a considerar publicamente a possibilidade de outros nomes, com mais experiência

(…) “Na hora que eu tiver que escolher o presidente do Banco Central vai ser uma pessoa madura, calejada, responsável, alguém que tenha respeito pelo cargo que exerce e alguém que não se submeta a pressões de mercado, e que faça aquilo que for de interesse de 213 milhões de brasileiros” (…)

E convenhamos que uma pessoa com apenas 42 anos de idade e que nunca havia assumido nenhuma função no governo federal antes deste mandato não se encaixa exatamente nas definições oferecidas por Lula na entrevista acima. Houve muita especulação a respeito de quem estaria dentre as opções, em especial no quesito maturidade. Um dos nomes sempre lembrados para o cargo era o do economista André Lara Resende. Porém, mas uma vez, Lula se curvou à sugestão de Haddad e indicou o nome de Gabriel Galípolo para ser sabatinado pelo Senado Federal. Trata-se de alguém com ampla aceitação junto aos representantes do sistema financeiro e que apenas tem endossado nos últimos tempos as propostas do pessoal da Faria Lima a respeito de suas futuras funções. Ou seja, com muita certeza teremos um presidente no BC com mandato de 4 anos que, ao contrário do que pretendia Lula, estará permanente submetido às pressões do mercado das finanças.

·        Acenos e agrados ao financismo local e global.

Ainda por influência de Haddad, Lula tem dado sinais efusivos e entusiasmados com pautas de agrado e interesse do financismo local e global. Esse foi o caso, por exemplo, do encontro fora da agenda oficial que o presidente brasileiro manteve em Nova Iorque com dirigentes das agências de risco. Na viagem tradicional para marcar o início dos trabalhos da assembleia geral da ONU em setembro, ele se reuniu com representantes das empresas Moody’s e da Standard & Poor’s. Não restam dúvidas de que tal gesto inusitado teve por intenção prestigiar a política de austeridade fiscal de seu governo e solicitar uma melhora nas notas atribuídas por tais empresas de rating aos papéis brasileiros no mercado financeiro.

Em outra jogada de grande envergadura, o Ministro da Fazenda convenceu Lula a receber em audiência os presidentes dos principais bancos privados do País. O encontro foi marcado por uma distribuição farta de elogios da banca ao trabalho da equipe econômica, em especial a Fernando Haddad. Ao conceder, de forma excepcional, um tratamento tão diferenciado ao povo do parasitismo financeiro, o Presidente da República decidiu por sinalizar para o conjunto da sociedade sua opção preferencial. Ao contrário dos tempos passados em que começou sua militância no movimento sindical, ao lado dos setores progressistas da Igreja Católica, agora a sua opção mais relevante não está sendo pelos pobres.

Ora, com esse balanço parcial de quase 2 anos deste terceiro mandato, o Ministro da Fazenda tem todas as razões para seguir apostando que está muito bem cotado e prestigiado junto ao Chefe do Palácio do Planalto. Até o presente momento, com exceção de um ou outro puxão de orelhas, Lula tem assegurado a Haddad o essencial das demandas apresentadas pelo colaborador. Esta suposta tranquilidade tem permitido ao ocupante da pasta da Fazenda caminhar com autonomia ainda maior em temas polêmicos e controversos.

·        Haddad se sente fortalecido e solta o verbo.

Em entrevista concedida com exclusividade a uma jornalista da Folha de São Paulo, tudo indica que Haddad tenha se sentido mais à vontade para avançar avaliações e pautas. As perguntas eram formuladas sem a preocupação de lhe criar nenhuma saia justa. Pelo contrário, as questões eram aquilo que se chama no jargão do voleibol de “levantadas de bola” generosas para ele apenas cortar. A tranquilidade era tanta que o ministro até se permitiu cometer alguns sincericídios. Esse foi o caso do arcabouço fiscal, quando ele reconheceu aquilo que seus críticos sempre alertamos, mas os defensores chapas brancas nunca aceitaram. Ele assumiu, por exemplo, que o NAF é, na verdade, um teto de gastos.

(…) Nós estabelecemos um teto de gastos determinando que a despesa não pode crescer acima de 70% da receita. E dentro do limite de 2,5%. (…)

Indagado a respeito do suposto problema com o crescimento da dívida pública, Haddad assume o lado da banca sem nenhuma dificuldade nem ponderação:

(…) A Faria Lima [avenida de SP onde se concentram agentes do mercado financeiro] está, com razão, preocupada com a dinâmica do gasto daqui para a frente. E é legítimo considerar isso com seriedade. (…) O que a Faria Lima está apontando —na minha opinião, com algum exagero em relação ao preço dos ativos brasileiros — é que a dinâmica [dos gastos] para a frente é preocupante. Pode ter impacto na dívida [que a União tem que fazer para financiar seus gastos]. E o governo tem que tomar providências. A Fazenda está com isso na mesa, 100%. (…)

Ora, se agregarmos a tais afirmações todas as declarações oferecidas por integrantes do segundo escalão dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, fica mais do que claro que a estratégia é mesmo a de atacar os pisos constitucionais para saúde educação, além da desvinculação dos benefícios previdenciários em relação ao salário mínimo. A jornalista perguntou se o Ministro levava a Lula as suas preocupações. Haddad não vacilou um segundo sequer em exibir sua opção austericida e ainda colocou Lula a seu lado na edição das maldades. Na verdade, trata-se de um reconhecimento a posteriori da natureza conservadora e restritiva do NAF, além do fato por nos alertado desde o início de que havia uma bomba implícita no modelo que não tardaria muito tempo a explodir.

(…) Falo o seguinte: o mercado está entendendo que a soma das partes – a soma do salário mínimo, saúde, educação, BPC – é maior do que o todo. Ou seja, vai chegar uma hora em que esse limite de 2,5% [de crescimento da despesa em relação ao da receita] não vai ser respeitado. Ainda que a receita responda, o arcabouço fiscal não vai funcionar se a despesa não estiver limitada. Eu falo para o presidente exatamente o que estou falando para você. (…)

Enfim, este é – em toda a sua plenitude – o risco Haddad. O fator de perigo que pode conduzir o Brasil a um ponto de não retorno às esperanças apontadas pelos constituintes na Carta aprovada em 1988. O Ministro da Fazenda está convencido da necessidade e da correção da pauta ortodoxa e liberaloide do povo da Faria Lima. Na verdade, trata-se de retomar a linha de continuidade dos sucessivos programas de ajustes e reformas estruturais que foram iniciados logo depois da promulgação da nova Constituição. Os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso lançaram as bases da privatização, da liberalização e da institucionalização da austeridade fiscal. Os governos Lula e Dilma pouco fizeram para reverter tal quadro. Depois do “golpeachment” de Roussef, Temer e Bolsonaro retomaram o tema da destruição do Estado e do desmonte das políticas públicas.

·        Lula precisa isolar o risco Haddad.

Infelizmente, até o presente momento Lula 3.0 tampouco fez alguma coisa para reverter o quadro do desastre anterior. Pelo contrário, a depender da pauta conduzida pelo Ministro da Fazenda, estamos estendendo a ponte para a continuidade do elo perdido do neoliberalismo. A linha implementada atualmente é quase um copiar/colar do nada saudoso programa do PMDB, a Ponte para o Futuro. Um desastre que o Partido dos Trabalhadores e as forças progressistas sempre criticaram. Aí é que reside o risco Haddad. Finalizar o trabalho de retirar as bases estruturais que possam sustentar algum modelo de arremedo de Estado de Bem Estar social em nossas terras para o Brasil.

Na condição de Presidente da República, a última palavra sempre estará com Lula. Se ele continuar bancando o risco Haddad, o futuro lhe cobrará, em termos políticos e eleitorais, as consequências nefastas de tal opção equivocada.

 

¨      Ideologia e gestão. Políticas compensatórias e políticas estruturantes. Por Francisco Celso Calmon

Assertivas do Lula: “A fome no mundo não é falta de dinheiro. É falta de vergonha na nossa cara “.

“Há trilhões de dólares navegando pelos céus, enquanto 733 milhões de pessoas vão dormir sem ter o que comer. O que falta não é dinheiro, mas vergonha dos que governam o mundo”.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

 “A fome não se resolve com caridade, mas com políticas públicas sólidas e investimento no povo pobre. O Bolsa Família foi a prova disso, e continuamos a usá-lo para acabar com a fome novamente no Brasil”.

##

Será que a questão é subjetiva, moral, de caráter e personalidade? Ou objetiva, do sistema econômico capitalista e sua democracia burguesa? Será que líderes com vergonha na cara resolveriam o problema mundial da fome?

Discursos que tocam e emocionam os povos, porém, não tocam na estrutura do problema e o caminho para reformas estruturantes.   

A sociedade no sistema capitalista não tem condições e capacidade de auto-organização, daí porque o Estado é necessário. E qual é o seu papel senão o de garantir o desenvolvimento para a satisfação de todos, conforme suas necessidades e capacidades, à luz do que estabelece a Constituição e as leis do Estado de direito.

As forças produtivas e o modo de produção não conseguem planejar autonomamente o desenvolvimento e crescimento econômico do país, não há mecanismos para isso.

Sobreviver abraçado ao mercado ou morrer asfixiado pelos juros, o governo deve sair fora desse jogo perde, perde.

Cercado por fora, minado por dentro, Lula permanece sem estratégia.

A sociologia de esquina que afirma que os novos trabalhadores não querem carteira assinada, estão se referindo aos trabalhadores que ficaram tanto tempo em situação precária de sobrevivência e que não sabem os direitos que uma carteira assinada assegura, como: férias, 13o salário, previdência social, FGTS, seguro-desemprego, e estão fazendo da via encontrada de sobrevivência como única boia de salvação. Também os terceirizados que não tiveram escolhas, ou aceitavam ou demissão.

Num cenário de 120 milhões de brasileiros na insuficiência alimentar e 33 milhões na miséria, reformas enfiadas goela abaixo pelo traidor Temer e pelo genocida Bolsonaro, precarizaram o mundo do trabalho, produziram traumas, marcas, fraquezas, desesperanças, e com quase dois anos de governo o povo não voltou a sonhar com um projeto de nação – pois não há, nem produzido pelo governo e nem pelos partidos do campo progressista.

É absolutamente falsa a dicotomia entre gestão e ideologia, suscitada pelo prefeito reeleito de Recife.

Gestão é a capacidade político-administrativa, enquanto ideologia são os valores e concepções de sociedade e mundo.

A ideologia orienta a gestão em princípios, valores e vetores, mas não substitui a gestão, assim como a gestão não É ISENTA DE IDEOLOGIA, mesmo que não visível, a gestão inexoravelmente está a serviço de alguma ideologia.

A chamada gestão pragmática é uma forma de encobrir a política e a ideologia que convém, geralmente, às classes dominantes.

Se a disputa for de capacidade de gestão, voltaremos ao tecnocratismo que dominou uma época o Brasil, e nada mais foi do que a técnica a serviço do sistema e de suas elites mandatárias.

A disputa de concepções e ideias é a única maneira de fazer o contraditório explícito com o neonazifascismo bolsonarista.

O anseio da pequena burguesia de uma sociedade sem contradições, conflitos de classes, é uma quimera perigosa e pelega, principalmente por parte de uma juventude política, formada em institutos e escolas criadas por milionários americanos.

A práxis bolsonarista é impregnada de ideologia.

Desde a queda do muro de Berlim, a burguesia e seus representantes vêm pregando o fim da história, o fim das contradições e fim da luta de classes, a diluição do contraponto à ideologia das classes dominantes, de forma a que não haja alternativa ao capitalismo, a sua política neoliberal, ao imperialismo, como se tudo fosse normal e inevitável, e do qual não há saída senão mertiolates e band aids para as chagas que o sistema produz.

A polarização só não interessa a Globo e o seu sonho da 3ª via.

Os candidatos de esquerda neste segundo turno deveriam assumir a polarização entre a extrema-esquerda bolsonarista e a esquerda democrática, entre o fascismo e a social-democracia, entre o crime organizado/milicianos e a segurança da população periférica abandonada pelo estado. Entre uma PM que mata mais de 20 jovens, pretos e periféricos, por dia no Brasil e a necessidade de uma polícia desmilitarizada e protetora da cidadania.

No Brasil não há falta de dinheiro, o que há é gasto exorbitante com pagamento dos juros. Consciente disso e com o Lula tem vergonha na cara, desejamos e esperamos uma política de desconcentração e distribuição de rendas em cumprimento aos mandamentos CONSTITUCIONAIS.

No ensejo de vitórias, desejo ao presidente Lula pronta e total recuperação.

 

Fonte: Jornal GGN

 

Nenhum comentário: