quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Argentina: a Universidade encara Milei

Nas paredes de uma universidade nacional, um grafite diz: “as redes não são as ruas”. A inscrição é acompanhada por um estêncil de uma imagem que se tornou icônica por ter sido a primeira reação ao veto do Congresso Nacional na quarta-feira, 9 de outubro: um youtuber libertário (um certo Fran Fijap) foge e se esconde aterrorizado em uma loja de empanadas depois que as pessoas que estavam lá repudiaram suas provocações contra universidades e estudantes.

“As redes não são as ruas” poderia, então, significar duas coisas. De um ponto de vista mais literal, que a “coragem” dos chamados “libertários” de atacar e difamar a educação pública nas redes sociais contrasta com uma rua que, de acordo com pesquisas recentes, rejeita os comentários de Milei sobre as universidades. Essa pesquisa mostra que 76% rejeitam a afirmação de que “os pobres não chegam às universidades públicas”. O que é interessante é que quase 60% dos que votaram em Milei também rejeitam essa ideia. Ao mesmo tempo, de acordo com seus próprios dados, 73% dos entrevistados têm uma imagem positiva da universidade pública.

Por outro lado, em um sentido talvez mais amplo, a frase significa que o que está mudando na situação política nacional e no clima social está nas ruas. Que a imagem de uma “juventude que virou à direita” está começando a ser eclipsada pelo ressurgimento do movimento estudantil.

Os cartões postais que refletem essa mudança vêm das mais de 100 assembleias e aproximadamente 80 aulas públicas que ocorreram em quase 30 universidades públicas em todo o país nos últimos dias. A enorme rebelião universitária está sacudindo diferentes cidades do país.

Na quarta-feira, horas após o veto no Congresso, os grupos de WhatsApp das universidades já estavam explodindo com mensagens: “Che, acabaram de tomar a universidade de La Matanza”, “sim, e agora Avellaneda”, “Na UBA estão convocando uma assembleia”, “também uma assembleia interprofissional em Jujuy”, “aqui na universidade de Comahue haverá uma assembleia intercampi”. As mensagens, vídeos e fotos não apenas congestionaram os telefones celulares, mas também chegaram como uma cruz ao queixo do governo, que nem sequer teve tempo de “comemorar” seu triunfo pírrico no Congresso. Ele havia escolhido o inimigo errado.

No dia seguinte, a greve dos professores e funcionários não docentes foi avassaladora. As universidades não funcionaram e o dia foi atravessado pela preparação dos dias seguintes, que teve seu epicentro na segunda e terça-feira desta semana, onde, como em um “efeito dominó”, assembleias, tomadas de posse e aulas públicas se espalharam por todos os cantos do país. Somente na província de Buenos Aires, 26 faculdades foram ocupadas e 12 na CABA. Mas o movimento abrange todo o país, em Córdoba, Santa Fé, Tucumán, Catamarca, Chubut, Jujuy, La Pampa, Neuquén, Río Negro, Salta, San Juan, San Luis a Santa Cruz e Tierra del Fuego. Não há nenhum canto do país onde essa rebelião não tenha abalado a comunidade educacional. A Universidade de Buenos Aires (UBA) foi um dos epicentros do conflito, juntamente com várias faculdades da Universidade Nacional de La Plata, bem como várias outras universidades em Córdoba, Tucumán, na região metropolitana de Buenos Aires e no interior da província de Buenos Aires, como Mar del Plata, Tandil e Bahía Blanca.

As ações continuaram durante a semana, demonstrando que o fenômeno tem poucos precedentes. Entre alguns dos destaques da semana, na quarta-feira, 16, em La Plata, ocorreu uma mobilização maciça de mais de 30 mil pessoas em defesa da educação universitária e contra as medidas de austeridade de Milei. Foi uma marcha universitária com características históricas, após uma semana de assembleias e ocupações em 14 das 17 faculdades da UNLP. Enquanto isso, em Tucumán, ocorreu uma grande mobilização universitária, organizada pela Interfacultades com base em mandatos de assembleias de base, pelas ruas da cidade. Foi uma resposta contundente à atitude arrogante da polícia do governador Jaldo, que no dia anterior tentou expulsar uma palestra pública em frente à Faculdade de Filosofia e Letras. Nesta quinta-feira, após um dia importante de aulas públicas e assembleias, milhares de estudantes e professores se reuniram na Reitoria para se mobilizarem até a Casa do Governo. Na CABA, na quarta-feira, protestos de rua foram realizados paralelamente em diferentes partes da cidade, perto das faculdades, que acabaram convergindo com a marcha para a Plaza Pizzurno, convocada durante a noite, com pouca preparação, pelas lideranças sindicais e estudantis do radicalismo e do peronismo. Nesta quinta-feira, o dia foi marcado por uma ampla greve nacional que, mais uma vez, foi fortemente sentida em todo o país, convocada pela Frente Nacional de Sindicatos Universitários, por 24 horas e sem atendimento nas universidades, enquanto em muitas faculdades continuaram as paralisações, aulas públicas e assembleias.

Como demonstramos em todo o país: só confiamos em nossa própria força!

Esse grande ator social, que estava relativamente adormecido nos últimos anos (pelo menos desde 2018 e com a pandemia, que desnaturalizou a sociabilidade nas universidades), ressurgiu. Muitas lideranças estudantis, sindicais e reitorias apostaram em barrar o veto do governo contando com o Congresso e desmobilizando a comunidade educacional. Pediram que ficássemos em casa e confiássemos nas autoridades e no Congresso (que traiu repetidamente as maiorias populares, a começar pelos aposentados). Por exemplo, no dia em que o veto foi votado, não houve greve, nem assembleias, nem convocações para enfrentá-lo.

Esse cenário de dureza nos ataques do governo e o desenvolvimento de uma vontade de enfrentá-lo por parte de um amplo setor estudantil deixaram em crise a estratégia das burocracias de “esperar e confiar”. O peronismo, dividido por suas feridas internas abertas em brasa, sempre por trás e buscando se reorganizar, longe de apostar na organização a partir de baixo, chegou ao ponto de propor, como disse explicitamente Máximo Kirchner, que é necessário esperar até 2025. Agora eles querem fazer com que toda essa luta gire em torno do orçamento de 2025, depositando sua confiança no Congresso, deixando de lado a urgência da universidade e a luta contra os efeitos do veto sobre a situação salarial dos professores e não professores.

Por sua vez, grupos libertários, setores do radicalismo e da direita começaram a se manifestar nas últimas semanas, buscando desacreditar as paralisações e ações, acusando os organizadores de serem “violentos” e de se oporem à realização das aulas. A Universidade de Quilmes foi um exemplo disso, com um grupo de liberais que chegou ao ponto de jogar spray de pimenta em uma assembleia.

Em lugares como a Universidade Nacional de Rio Cuarto ou faculdades como a de Direito da Universidade Nacional de Córdoba, nas assembleias, a “Franja” militou fortemente para evitar o debate de medidas de força, como as manifestações e outras, com o discurso de que isso é um “crime”. Ao contrário das falácias dos liberais que se opunham à possibilidade de fazer cursos com as paralisações, estas eram paralisações ativas com aulas públicas que se multiplicavam em cada faculdade. As mobilizações também expressaram apoio maciço à luta universitária e exploraram as redes sociais. Estamos apostando em continuar a desenvolver aulas públicas curriculares e assembleias para continuar a massificar a luta e as tomadas de posse. Não queremos que eles comecem a inviabilizar a luta com ações decididas burocraticamente de cima para baixo, ou “institucionalizando” nossa demanda. Queremos continuar a massificar nossa luta e fortalecer a organização de baixo para cima.

Mas a realidade mata a história: esses dias mostraram que há uma vanguarda que está começando a se organizar com apoio de massa, que entrou em cena nas faculdades de todo o país. A enorme chama que estava se formando de baixo para cima impôs um maior radicalismo nas ações, demonstrando que só podemos contar com nossa força organizada de baixo para cima com assembleias, ações e aulas públicas. Uma nova geração de estudantes (que não vivenciou grandes conflitos universitários) passou a ter uma intensa atividade política em que todos os dias, em suas faculdades, “desobedeciam” as autoridades, deliberavam e agiam politicamente.

A partir dos setores de esquerda e militantes do movimento estudantil, sabemos que a luta é agora e que as universidades podem ser um grande catalisador político-social para o mal-estar que está se acumulando em toda a sociedade com o governo de austeridade de Milei. O movimento estudantil está emergindo como um sujeito político-social com o potencial de mudar a dinâmica da luta de classes nacional e de ter um impacto sobre os setores do movimento dos trabalhadores.

Razões profundas para lutar. Uma universidade ampliada, mas baseada em classes

“Chame a peruca do Milei/ para que ele possa ver/ que essas pessoas não mudam de ideia, elas lutam e lutam pela educação”. A extensão da universidade e a luta estudantil estão entrelaçadas com sua realidade atual. No início da década de 1990, ou na década de 1970, em outras épocas em que o movimento estudantil atuava como sujeito político, a extensão das universidades era muito menor. Parte da mobilização maciça de hoje em dia pode ser explicada pelo peso específico da universidade na Argentina. De 1989 até hoje, foram criadas 32 universidades nacionais (sem contar as do setor privado), e isso inclui todas as regiões: nordeste, noroeste, centro, interior da província de Buenos Aires e Patagônia. O número de alunos vem aumentando nas últimas décadas e se expandiu social e geograficamente para as áreas periféricas das grandes cidades, pois setores que décadas atrás nem sonhavam em chegar à universidade agora fazem parte dela. Isso pode ser visto nos cartazes, intervenções e mensagens que chegam das manifestações respondendo a Milei. Uma publicação no Twitter dizia: “Minha mãe é enfermeira. Meu velho pedreiro corta grama ou qualquer outro trabalho que ele possa fazer. Enquanto estudava tive muitos empregos precários: construção, operadora, call center. Eu não sabia que ele era milionário. Universidade dos trabalhadores, quem não gosta que se ferre!”. Para dar um exemplo, na Universidade Nacional de La Matanza, onde, de acordo com as autoridades, há 75 mil estudantes, incluindo o ingresso, 80% são estudantes universitários de primeira geração em suas famílias. Esse número de estudantes universitários de primeira geração se repete em cidades como José C. Paz, onde chega a 75%; em Florencio Varela, 76%; e em Lanús, 70%.

O aumento da população com ensino superior e universitário de 1970 a 2021 foi de 275 mil, 1,2% da população, para 3,7 milhões, 8,1% da população. O grande salto ocorreu em meados dos anos 90 e tem a ver com a criação de novas universidades, especialmente nos subúrbios de Buenos Aires. O movimento estudantil excede em muito as clássicas “classes médias”. Para estabelecer uma comparação, no país existem 557 estudantes por 10 mil habitantes, enquanto no Brasil são 408 e no Chile, 355. Essa expansão, claro, não ocorreu sem contradições. Na Argentina são menos os que conseguem o diploma. Embora a luta do movimento estudantil tenha conseguido defender geralmente a educação pública quando quiseram privatizá-la, ela também se tornou precária, o que significa que hoje apenas 25% dos estudantes, 1 em cada 4, conseguem cursá-la.

Isso, por sua vez, é combinado com uma contradição estrutural da universidade (uma tendência global que continuou a se aprofundar e já foi apontada por Juan Carlos Portantiero na década de 1970) entre a expansão da renda e a incapacidade do capitalismo de absorver níveis mais altos de “mão de obra qualificada”. A ilusão de um setor da sociedade de que a universidade funciona como um veículo para a “ascensão social” encontra contradições com os níveis crescentes de precariedade entre os jovens. Assim como falamos dos “trabalhadores pobres” (em referência àqueles que, apesar de receberem um salário, não cobrem a cesta básica de bens), podemos falar de “estudantes universitários precários”: jovens com diplomas que não conseguem emprego, ou os que conseguem são precários. As tendências do capitalismo de aumentar a precariedade em todos os níveis se chocam com as expectativas de um amplo setor que busca obter diplomas para melhorar sua situação.

Como dissemos em abril deste ano, após a marcha universitária, o fato de que nos últimos 50 anos a possibilidade de acesso ao ensino superior se expandiu tem consequências políticas contraditórias. Por um lado, há essa ilusão de “ascensão social” que busca ser usada como forma de contenção das críticas ao sistema social que condena os jovens a ainda terem empregos precários. Mas, por outro lado, ela também tem seu caráter explosivo, pois pode se tornar uma força motriz para centenas de milhares, como foi demonstrado na marcha do dia 23 e novamente em outubro, que consideram o acesso ao ensino superior como um direito.

Essa situação só é exacerbada em um momento de crise como o atual e de ajustes como o que a Milei está realizando. Se acrescentarmos a isso o fato de que nas casas dos estudantes universitários certamente há um aposentado que recebe o salário mínimo, um pai ou uma mãe que teme perder o emprego ou um parente que não recebe salário há meses, entenderemos que o que ressoa nesse conflito são os ecos de uma situação social que não pode ser tolerada. Nosso compromisso com uma verdadeira universidade a serviço dos trabalhadores e do povo é produzir conteúdo para questionar a sociedade de classes, produzir de acordo com as necessidades sociais, para que os filhos dos trabalhadores possam realmente entrar e permanecer.

Defendemos consistentemente a universidade pública diante dos ataques do governo, o que significa lutar por um orçamento maior, contra a precariedade da universidade e por salários docentes e não docentes. Isso nos leva a questionar o plano global que o FMI e os grandes patrões têm (e que o peronismo com o governo de Alberto validou), propondo que esse dinheiro seja destinado à educação, à saúde, à moradia, e não ao pagamento da dívida ilegal e ilegítima.

Mas, ao mesmo tempo, questionamos a universidade atual, pois ela não pode ser separada de seu caráter de classe, que é o caráter de classe da sociedade na qual está inserida. Transformar a universidade atual implica estabelecer uma crítica e um plano de ação contra a sociedade de classes que sustenta os aspectos mais reacionários da instituição universitária, como forma de pensar em uma produção de conhecimento liberada dos obstáculos que o capitalismo impõe para seu verdadeiro desenvolvimento. Além disso, do nosso ponto de vista, implica colocar as ideias do marxismo na ofensiva contra a reação ideológica que apresenta esse sistema como a única alternativa possível ou contra as variantes que argumentam que devemos fazer um “capitalismo mais humano”, questões que estamos discutindo, no calor das ações da luta, nas Jornadas por um Futuro Comunista.

Ou seja, essa crítica implica lutar por uma universidade a serviço dos trabalhadores e das grandes maiorias, onde ser universitário não seja um privilégio nem uma forma de diferenciação social. Questionamos o fato de que nossa educação é projetada de acordo com as necessidades do “mercado”, para maximizar os lucros capitalistas, e que há acordos entre universidades e grandes empresas e empregadores (da Monsanto à Shell, da Bayer à Chevron). Essa é a política elitista que o governo quer aprofundar para as universidades.

·        Sempre com a mesma pedra

O movimento estudantil tem sido historicamente um ator importante na vida política argentina. Desde a Reforma Universitária de 1918 (que teve ecos latino-americanos, influenciando uma geração que incluía José Carlos Mariátegui, Antonio Mella, entre outros), os estudantes atuaram como um reflexo de algumas das contradições pelas quais a sociedade estava passando. O Cordobazo e os “azos” em geral (Rosariazo, Tucumanazo, Mendozado etc.) confirmaram essa ideia, deixando-nos com a imagem de uma geração que fez da “unidade estudantil-trabalhista” uma bandeira de luta que permaneceu gravada nas tradições combativas do movimento estudantil. Talvez seja por isso que hoje, nas passeatas, eles continuam cantando “universidade dos trabalhadores e quem não gostar que se foda”.

Essa é, em parte, a disputa atual. O governo quer reeditar o velho desejo neoliberal (que vem de governos anteriores) de ajustar, empobrecer e degradar ainda mais as universidades públicas, tendo como objetivo estratégico (embora saiba que não pode avançar nessa direção) a introdução de mensalidades. Esse era o espírito da LES menemista, votada em 1995 sob as coordenadas do Banco Mundial, e que nenhum governo posterior revogou. Mas, assim como agora, o governo do caudilho de La Rioja enfrentou o movimento estudantil que, com assembleias, bloqueios no Congresso e ações em massa, conseguiu pôr fim a alguns dos elementos mais regressivos dessa lei. Portanto, embora o menemismo tenha conseguido aprovar a LES, seus resultados foram reacionários, mas limitados. A tarifação e a privatização – os objetivos máximos – não puderam ser impostas, mas houve progresso com a comercialização, abrindo as portas para acordos com empresas, laboratórios e até mesmo fazendo parte do extrativismo com a mineração. Além de tornar os currículos mais voltados para os negócios, o conteúdo também foi reduzido para aumentar o número de cursos de pós-graduação pagos. A maior autarquia econômico-financeira negociada com o CIN fez com que os reitores radicais e peronistas tivessem mais poder enquanto aplicavam “autoajustes”, com maior precariedade e baixos salários para professores e funcionários das universidades. A ideia de gerar “seus próprios recursos” para pagar esse déficit foi outra maneira de as empresas terem voz ativa.

Hoje, as atuais medidas de austeridade buscam avançar ainda mais com esse plano por meio de um corte brutal no orçamento. De acordo com um relatório do Observatorio de Argentinos por la Educación (OAE), a queda no orçamento da educação entre 2024 e 2023 será de 40%. Isso só aprofunda a situação já crítica pela qual a educação pública estava passando durante o governo da Frente de Todos, no qual foram feitos cortes severos nos gastos com educação para garantir o pagamento de dívidas, principalmente com o FMI.

Nesse sentido, a luta por mais recursos às universidades não pode ser separada da luta contra o orçamento de 2025 a serviço do FMI. Como explica este artigo, 9% do orçamento estipulado é destinado ao pagamento de juros da dívida com especuladores e organizações internacionais, mais de US$ 10 bilhões. Isso é mais de duas vezes e meia o que vai para a educação universitária. E 40% a mais do que o orçamento da Saúde. Na Saúde, o que é destinado a quase todos os hospitais e institutos é reduzido em mais de 15%, demonstrando a ofensiva do governo sobre este setor, cujos trabalhadores têm resistido com grande coragem, como os do hospital Bonaparte, que com ações os protestos de rua e a coordenação com outros setores, como os trabalhadores do Hospital Garrahan, conseguiram evitar o encerramento do único hospital da CABA dedicado à saúde mental e às dependências, sem dúvida uma questão vital para a juventude.

Portanto, como o ataque de Milei é um ataque conjunto, a resposta deve ser coordenada e de baixo para cima. As diferentes medidas devem se concentrar na necessidade de ampliar e fortalecer a luta, com faculdades abertas, aulas públicas, deliberação e organização. Alguns setores buscam canalizar a luta para o parlamento e tirá-la das ruas, tentando deslegitimar os processos democráticos de luta e o método do assembleísmo. Mas não podemos ter nenhuma confiança nos legisladores radicais e peronistas que negociaram a lei de bases, o veto dos aposentados e o veto ao próprio financiamento das universidades.

Não queremos lutar por mais orçamento para a universidade às custas de outros setores. Ao lutarmos por uma universidade a serviço da grande maioria, também queremos uma universidade onde os filhos dos trabalhadores possam ingressar. A luta por outra universidade faz parte da luta por outra sociedade. A universidade não é uma ilha que pode se salvar, enquanto houver aposentados famintos, jovens desempregados, trabalhadores da saúde demitidos ou 60% das crianças vivendo na pobreza. Acreditamos que o movimento atual deve aspirar a deter os ataques do governo, mas também a fortalecer uma aliança entre trabalhadores e estudantes, retomando suas melhores tradições históricas, como a do Cordobazo, para mudar essa realidade em suas raízes. Eles não podem nos dividir. Com a força da rebelião universitária, nós, trabalhadores e aposentados, temos que enfrentar em unidade todo o ajuste orçamentário.

·        Continuar nas ruas, em unidade e por todas as nossas reivindicações

Como temos dito, o movimento atual avançará na medida em que puder continuar a se organizar a partir de baixo, massificando as ações e medidas de luta, coordenando-se com outros setores e, mais uma vez, saindo em massa às ruas para que o forte apoio à nossa luta se expresse em todo o país. As manifestações, palestras públicas e outras medidas de luta estão sendo desenvolvidas contra o veto de Milei e contra o ataque à universidade pública. É por isso que, como ponto de partida, estamos lutando por um orçamento maior para a universidade e por um aumento nos salários de professores e não professores. Temos que recuperar o que foi perdido devido à inflação, e nenhum professor deve estar abaixo da linha da pobreza, e temos que aumentar o número de professores ad honorem e contratados. Nós, estudantes, também temos que incorporar nossas reivindicações históricas, como o tíquete educacional, que está se tornando urgente diante das tarifas de transporte que nos impedem de sustentar os cursos e as bolsas de estudo abrangentes para podermos estudar, contra o esvaziamento do sistema de bolsas proposto pelo governo.

Como nossos companheiros da Juventude do PTS têm levantado em todo o país (muitos deles, como Luca Bonfante, tornaram-se verdadeiros porta-vozes de suas assembleias, aparecendo em dezenas de meios de comunicação, a ponto de Patricia Bullrich sair para atacar os “troskos”), para nós já foi demonstrado nos últimos meses que não podemos ter nenhuma confiança no Congresso. O parlamento é um ninho de ratos antidemocrático (onde uma minoria pode superar a maioria) onde Milei conseguiu aprovar seus vetos, com o apoio do PRO de direita (partido do ex-presidente Mauricio Macri) e de deputados radicais, peronistas e de partidos provinciais.

Também não confiamos nas autoridades universitárias que, depois da grande mobilização do 2 de outubro, tiveram a política de esperar, esvaziar as ruas e confiar no Congresso. A universidade também funciona de forma antidemocrática, sendo os seus órgãos de governo profundamente antidemocráticos: a representação dos professores é ponderada entre aqueles com estabilidade e aqueles que não o são (considerados sob a figura de “licenciados”, escondendo o facto de serem trabalhadores docentes na maioria dos casos). Por exemplo, na UBA apenas 10% dos professores votam no corpo docente (cerca de 2.500 num total de mais de 28 mil professores inscritos). É por isso que a luta em defesa da universidade não é alheia à luta pela democratização: maioria estudantil, corpo docente único, voz e voto para os não docentes. Só assim poderemos começar a questioná-la de forma abrangente e na unidade de toda a comunidade educativa.

Por último, mas não menos importante, assim como não confiamos em nenhum deles, também nos cansamos de centros [acadêmicos] que desmobilizam e não organizam a luta. Os centros geridos pela Faixa Roxa e pelo Peronismo, que durante anos reproduziram a lógica dos “shopping centers” onde a liderança política está associada à prestação de “serviços” (fotocópias, um bar, que nada mais são do que remendos para a precariedade do vida universitária) não são úteis para a luta, como já demonstraram. Temos que revolucionar estas organizações, encarregando as assembleias, as comissões de base, ou os órgãos de delegados dependendo da localização. Temos que coordenar entre as faculdades e com outros setores para massificar e ampliar a luta.

Nestas semanas queremos continuar a desenvolver assembleias e aulas públicas em todas as faculdades para continuar massificando e ampliando a nossa luta. Neste sentido, será importante o dia de aulas públicas convocado para a próxima terça-feira por diversas assembleias e pela Associação Sindical dos Professores na Plaza de Mayo. Ao mesmo tempo, temos que desenvolver órgãos inter-docentes para nos unirmos e coordenarmos entre todos os setores que temos lutado em cada lugar, que funcionam a partir dos mandatos básicos das assembleias docentes, e assembleias inter-claustros para unir as nossas lutas com as dos professores e não docentes. Queremos defender a nossa organização desenvolvida a partir de baixo, para que não procurem canalizar a nossa luta “de cima”, tendo as assembleias como instâncias de deliberação e resolução. Com a exigência de uma nova marcha educativa nacional até a Plaza de Mayo que se repita em todo o país para mais uma vez mostrar nossa força nas ruas!

O movimento estudantil está mostrando o caminho. Vamos redobrar a organização para que o potencial de que falamos no início se materialize numa grande força social de estudantes, trabalhadores, reformados e outros setores oprimidos para acabar com o ajustamento de Milei e do FMI.

 

Fonte: Por Gabriel Piro e Juliana Yantorno, no La Esquerda Diario - Tradução: Glauco Faria em Outras Palavras

 

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