Edmar Bulla: ‘ELEIÇÕES MUNICIPAIS - Se cobrir, vira circo’
Superficialidade
gerada pelo consumo rápido de informações limita a capacidade do eleitor de se
engajar em debates significativos. Ao contrário, alimenta o ódio, constrói
ídolos, forma mitos
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Disputas políticas têm se tornado um
fenômeno de espetacularização. As
táticas agressivas de marketing político, muitas vezes centradas na polarização
e em críticas infundadas, refletem uma dinâmica perigosa que corrói os limites
éticos e a própria definição de democracia. A informação, que é viral nas redes
sociais, é capaz de afrouxar os freios éticos e morais e contaminar milhões de
pessoas, simultânea e instantaneamente, apelando para medos primitivos e
reações emocionais que moldam o comportamento do eleitorado.
O medo de perder, a
defesa contra o inimigo, rotinas mais básicas do nosso cérebro, disparam em
eleitores conectados mecanismos de sobrevivência. Para sobreviver, é preciso
aniquilar o outro, e o combustível para isso é o ódio. Os algoritmos, baseados
em dados, são incapazes de capturar a complexidade da experiência humana, mas
seguem potentes em sua trajetória e formam discursos acalorados, rompantes de
emoções, reações destrutivas. Para além da estatística multivariada dos
algoritmos que parte da premissa da prevalência e do hedonismo que dita a
necessidade de respostas imediatas, a empatia, a intuição, a solidariedade e o
altruísmo ficam fora do jogo, literalmente de escanteio.
As redes sociais
empobrecem as nossas decisões. Isso é um fato. E o condicionamento excessivo
por essas decisões binárias, suportadas por algoritmos, empobrece a capacidade
de julgamento e de promover debates sérios. Eleitores ficam então suscetíveis a
comportamentos de manada e deles não conseguem mais se livrar. A
espetacularização das campanhas eleitorais intensifica ainda mais essa
vulnerabilidade. Táticas que priorizam ataques diretos aos adversários e
promessas exageradas alienam eleitores moderados e indecisos e inflamam os
ortodoxos, que não pensam em parar e refletir, ponderar, avaliar, discernir e
conciliar, porque a janela de atenção e raciocínio é reduzida em TikToks e
Instagrams, que demandam reações sempre imediatas e impulsivas.
Toda essa
superficialidade gerada pelo consumo rápido de informações limita a capacidade
do eleitor de se engajar em debates significativos. Ao contrário, alimenta o
ódio, constrói ídolos, forma mitos. Cria toda a sorte de personagens, menos
políticos em sua essência. E a complexidade de questões sociais se converte em
memes simplistas, que trafegam bem distantes de uma análise crítica e fiel à
realidade.
A crise ética na
política é um espelho da crise ética no mundo. O que vemos ali é um reflexo do
empobrecimento de funções importantíssimas do nosso cérebro. Valores morais e necessidades sociais são
deixados de lado em favor de respostas rápidas e facilmente digeríveis, memes
petardos alimentados pelo ódio do oponente, visto como inimigo que precisa ser
destruído. E ninguém é poupado: familiares,
amigos de longa data, conexões digitais, pessoas do trabalho… Quem pensa
diferente é odiado e precisa ser eliminado, cancelado, bloqueado, menos ouvido.
A neurociência nos alerta para os perigos dessa dinâmica. À medida que nos
tornamos mais dependentes de interações digitais, a interação humana rica e
diversa, que antes moldava nosso julgamento, está sendo substituída por
experiências limitadas, mais “burras”, menos empáticas e mais pasteurizadas.
Como resultado, a capacidade de tomar decisões ponderadas está se deteriorando
e o discurso político se torna, assim, igualmente agressivo.
A análise da
espetacularização e do ódio na política revela que táticas agressivas negativas
não vão, jamais, produzir efeitos positivos. Acredito que candidatos que
conseguem combinar elementos impactantes com um conteúdo genuíno e propostas
claras tendem a estabelecer conexões mais profundas com os eleitores. Essa
abordagem contrasta fortemente com a mera agressão, permitindo que candidatos
se apresentem como autênticos e comprometidos com a resolução de problemas. No
entanto, não sejamos ingênuos, porque a crise ética que emergiu desse ambiente
requer um novo enfoque na comunicação política, que valorize a profundidade, a
empatia e a construção de um discurso que ressoe verdadeiramente com as
preocupações da população. A verdadeira vitória nas urnas, portanto, não está
apenas na capacidade de atrair a atenção, mas em engajar e mobilizar o
eleitorado de maneira significativa e, não custa lembrar, mais humana.
¨ Política municipal: eleições, espantalhos e ausência de crítica. Por Maurício Brugnaro Júnior
A cultura está
no cotidiano e é construída através das relações sociais em seus múltiplos
níveis, continuamente, sendo desenvolvida pelas ações e sedimentadas em
estruturas ao longo da história. Dizer isso é compreender, desde logo, que
estruturas são dotadas de mobilidade, ou seja, são capazes de se transformar
através das ações coletivas. Da mesma forma, as relações, quando construídas —
estruturadas — em diferenças de poder ao longo da história, reservam
perpetuações de assimetrias e distinções a diversos grupos sociais, o que, de
forma alguma, implica em sua aceitação ingênua, mas deveria servir de motivação
para horizontalizar os direitos humanos, constituídos e transpassados por
questões políticas, sociais, econômicas, ambientais, entre outras que compõem
nossa realidade.
Os desenvolvimentos
histórico-sociais desiguais estipulam a disputa por regras, recursos e
formas de acessos a poderes políticos, conferindo hierarquias e modos de
distinção legitimados por categorias de prestígio e status sociais. Apesar
disso — ou, justamente por isso — partes de camadas populares acabam por ser
marginalizadas e, de certa forma, excluídas socialmente. Nunca é demais relatar
o histórico de poder estruturado ao redor da figura do homem branco, cis e
heterossexual. O acesso a política e, assim, aos poderes políticos é facilitado
por vários motivos e condicionamentos sociais, o que também não descartamos
questões e barreiras de classe — estigmas, em geral.
Ao acompanhar os desenvolvimentos, planos e agendas políticas se
torna óbvio o ponto de observação direcionado aos próprios interesses e ao
aumento de formas de poder, capitais políticos, econômicos e sociais. Junta-se a isso, na época atual, o elemento midiático das
redes sociais — atualização da sociedade do espetáculo, fetichizado pelo
capital. Em contraposição, as lutas e participações sociais na política — e a
própria cultura continuam em movimento, desestabilizando antigas estruturas,
adaptando-as e estruturando novas. Ou seja, a movimentação e a criação cultural
são fatos sociais totais inevitáveis, negar tal sentido histórico é negar a
própria movimentação dialética da vida.
Neste cenário de
transformação constante, é preciso apontar a falta de preparo da classe
política em larga escala, atravessando as três casas dos poderes políticos,
pois apenas as utilizam como meios de ascensão pessoal e de sua comunidade
restrita: igrejas, profissões e grupos privados. Quando, na realidade, a
política democrática deve ser o exercício do bem comum, de todos. Assim, vale
dizer, que nem mesmo os ditos “conservadores” compreendem sua autodenominação,
uma vez que conservar não é ser estático ou o retorno
romântico ao passado, mas acompanhar a mudança histórica
conservando em adaptações estrutura sociais bem estabilizadas. (Isso sem
mencionar a incongruência intelectual dos ditos “conservadores nos costumes,
liberais na economia”, revelando mais uma vez as limitações mentais dessa
classe política contemporânea despreparada). A ameaça a construção de algo novo
sobre os escombros do passado apenas seria possível com um horizonte
revolucionário, que sempre encontrou muitas barreiras nesta cidade, o que nos
leva a luta de setores majoritários da política municipal: “conservadores”
contra espantalhos políticos.
Aqueles da classe
política a quem serve a carapuça mencionada camuflam sua incapacidade política
com a espetacularização de espantalhos e negações da realidade. Aqui, espantalhos políticos são
compreendidos como a criação ou a manutenção de pautas distorcidas — falácias
informacionais — que ignoram o posicionamento de adversários políticos e mesmo
a realidade social, com o fim de obter benefícios próprios e agradar a base
eleitoral pessoal, mesmo que vá contra interesses e movimentos sociais
legítimos. Em seu cerne, carecem de capacidade para compreensão da política,
independente da corrente teórica e caracterização adotadas, e, se conscientes,
atuam na maldade e no oportunismo. De Maquiavel e a política como disputa e
manutenção do poder à Rancière e a política enquanto modo de
conhecer quais os sujeitos e objetos visados a esse poder e quem vai ser apto a
discuti-los, a política comporta transformações culturais e participações
populares, assumindo candidatos interessados na ampla realidade social.
Com a
espetacularização da política em mídias sociais, nas quais mais importam
‘likes’ e engajamento, chovem projetos de nomeações de ruas — com
personalidades de seu próprio círculo social —, nomeações de cidadania, e,
junto a esses, projetos de retrocesso contra moinhos de vento. Pautas que
caminham para o esquecimento e a lata de lixo da história, como os recentes:
“escolas sem partido”, proibição da linguagem neutra — que desconsidera e
violenta, mais uma vez, grupos minorizados socialmente —, e o investimento
de discurso religioso em espaço institucionalmente laico, a própria política.
Um grande volume de conteúdo — agora em meios digitais — não implica,
necessariamente, em absorção e transformação de conhecimento e pensamento
crítico.
Dito isso, não é
preciso dar nomes aos gados. Disputas eleitorais municipais parecem adentrar em
lógicas espirais, nas quais permanece o passado enquanto a troca periódica de
cadeiras assume a mesma “persona”, mantendo os elos e heranças políticas antiquadas,
acorrentadas ao passado e cegas ao futuro, fundadas em discursos vazios de
prazer a curto prazo de políticos estéreis social, histórica e politicamente.
Face de tais discursos encontram materialidade nas violências que carregam os
cansativos e ofensivos jargões de origem fascista, como conceitos esvaziados
intencionalmente de “família”, “deus” e “pátria”. Espantalhos de todos os
lados, os que são armados e contra os quais lutam, orientados pelos sentidos
individualistas da história.
Como é possível
acompanhar nos desenvolvimentos linguísticos — culturais — da sociedade, a
língua sempre está em modificação, pronomes de tratamento se transformaram de
“vossa mercê” até alcançar a forma “você”, obviamente não sem conflitos e
disputas. Como expôs de forma exemplar Rô Vicente, artista e ativista, “a
linguagem neutra e não-binária é uma forma natural do avanço da sociedade”.
Em suma, negar a
mudança cultural e adaptação linguística, reiterando, é negar a própria
movimentação da vida cotidiana e do futuro possível. A carência de pautas
importantes, como: inclusão, direitos humanos, meio ambiente e programas
educacionais, não comporta espaço para as vivências e o desenvolvimento
municipal. Desenvolvimento no sentido de qualidade de vida, com transportes
públicos de qualidade, acessíveis à população e implementação de ciclovias —
público crescente na cidade —; respeito e dignidade as formas de vida humana e
não humanas; a integralidade identitária com o meio ambiente, sua conservação e
combate à degradação e poluição (incluída a redução de consumo e circulação de
carros movidos por combustíveis fósseis); adaptação e instauração tecnológica e
atração de empregos conscientes, por exemplo. No nível legislativo, vale
lembrar que os políticos não votam apenas pela pauta que os elegeu, mas outras
que não são da sua área ou de seu eleitorado, sendo os partidos ótimos filtros
de orientações futuras.
Embora o discurso
político de capitais domine os debates, como coaches criminosos e padrinhos
políticos de extrema-direita, para recolocar as políticas nos eixos da
realidade é preciso não fazer política apenas em períodos eleitorais, mas no
cotidiano, no qual o engajamento ocorre no consumo cultural e crítico,
considerando a realidade municipal. O levante crítico da população diariamente
violentada (a capacidade de ação) não há de ser confundido com a violência
(física e discursiva com implicações práticas) das oligarquias modernas da
política municipal. Enquanto isso não acontece, não há de se esperar nada além
de monocultura, elemento estrutural do histórico sistema de
plantation com implicações políticas diretas.
Fonte: Le Monde
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