quarta-feira, 23 de outubro de 2024

A incrível história de Shyamala Gopalan, a mãe de Kamala Harris

A pessoa mais importante da sua vida.

É assim que Kamala Harris define sua mãe, Shyamala Gopalan, uma indiana que migrou para os Estados Unidos no fim dos anos 1950, com apenas 19 anos, e foi uma grande influência e inspiração na vida da candidata democrata à Casa Branca.

Em quase todos os discursos, pronunciamentos e entrevistas, a atual vice-presidente americana cita uma lembrança ou história em que sua mãe é a protagonista.

Harris atribui a ela a frase "você pode ser a primeira a fazer muitas coisas, mas certifique-se de não ser a última", uma referência às conquistas e às "primeiras vezes" que a candidata democrata alcançou algo ao longo da carreira.

Às vezes, nos grandes momentos de sua vida, Harris se emociona ao evocar a mãe, desejando claramente estar ao seu lado.

"Minha mãe, Shyamala Gopalan Harris, foi uma força da natureza, e a maior fonte de inspiração na minha vida", escreveu Harris no Instagram, em 2020.

"Ela ensinou a minha irmã, Maya, e a mim a importância de trabalhar duro, e de acreditar em nosso poder de corrigir o que está errado."

"Quando minha mãe veio da Índia para cá, aos 19 anos, talvez ela não imaginasse este momento", disse Harris ao assumir o cargo de vice-presidente, em janeiro de 2021.

"Mas ela acreditava profundamente em um Estados Unidos em que um momento como este seria possível."

Nessa ocasião, Harris fez história ao se tornar a primeira mulher e a primeira americana negra com ascendência asiática a assumir a vice-presidência dos Estados Unidos.

E agora ela quer dar um passo adiante: ser a primeira mulher eleita presidente do país.

·        Uma jovem imigrante

A história da ascensão de Harris não poderia ser escrita se não fosse pela viagem ousada que sua mãe fez em 1958, quando saiu da Índia para os Estados Unidos em busca de seus sonhos.

Shyamala Gopalan, que tinha pouco mais de 1,5 metro de altura, era a mais velha dos quatro filhos de um alto funcionário público e de uma dona de casa.

R. Rajaraman, colega de turma de Gopalan quando eram adolescentes, a descreveu como "uma pessoa incomum".

Na turma de 40 alunos, as meninas e os meninos se sentavam separados na sala de aula, e havia pouca interação entre os gêneros.

"Mas ela não tinha vergonha de conversar com os meninos. Tinha confiança em si mesma", ele relembra.

Gopalan se formou em Ciências Domésticas pelo Lady Irwin College, em Nova Déli, um centro de estudos que, naquela época, era conhecido "como um lugar especializado em preparar meninas para o casamento, para serem boas esposas".

"Meu pai e eu costumávamos tirar sarro dela", disse Gopalan Balachandran, irmão de Shyamala, à BBC há alguns anos.

"Perguntávamos a ela: 'O que eles ensinam lá? Como botar a mesa? Onde colocar a colher?' Ela ficava muito brava com a gente'."

Na verdade, Gopalan almejava o ensino superior e, com a bênção do pai, viajou para Berkeley, na Califórnia.

"Meu pai não tinha nenhum problema com a ida dela para o exterior, embora estivesse preocupado porque não conhecíamos ninguém nos EUA, mas ele acreditava na importância da educação, e a deixou ir", contou o tio de Harris.

Assim, a jovem Gopalan trocou a Índia por um país que nunca havia visitado, e onde não conhecia ninguém, para fazer doutorado em nutrição e endocrinologia.

Kamala Harris escreveu sobre a jornada da mãe em seu livro autobiográfico As verdades que nos movem, publicado em 2019.

"Mal consigo imaginar como deve ter sido difícil para os pais dela a deixarem ir", ela escreveu.

"A aviação comercial estava começando a se espalhar pelo mundo. Não seria simples manter contato. Mas quando minha mãe pediu permissão para ir morar na Califórnia, meus avós não se opuseram."

Nas décadas seguintes, Gopalan ganhou reconhecimento por sua pesquisa sobre o câncer de mama.

Ela publicou mais de 100 artigos de pesquisa em revistas acadêmicas e arrecadou US$ 4,76 milhões em subsídios para seu trabalho.

·        Ativista convicta

Shyamala Gopalan chegou aos EUA em uma época interessante.

O movimento pelos direitos civis estava no auge, e Berkeley estava no centro dos protestos contra a discriminação racial.

Assim como muitos outros estudantes estrangeiros, Gopalan se juntou à luta para tornar os Estados Unidos e o mundo um lugar melhor.

"Minha mãe foi criada em um lar em que o ativismo político e a liderança civil aconteceram naturalmente", escreveu Harris em seu livro de memórias.

"Por causa dos pais dela, minha mãe desenvolveu uma consciência política apurada. Ela possuía consciência da história, das lutas, das desigualdades. Nasceu com uma noção de justiça marcada na alma."

No entanto, participar do movimento pelos direitos civis era algo incomum para uma estudante indiana naquela época.

Margot Dashiell, que a conheceu em 1961 no campus, afirmou: "Tinha a sensação de que ela podia se identificar pessoalmente com as lutas que os alunos negros estavam processando e enfrentando, porque ela vinha de uma sociedade que conhecia a opressão do colonialismo".

Os amigos a descrevem como "uma pessoa pequena" que era "uma estudante brilhante, articulada, assertiva e intelectualmente perspicaz".

Ninguém questionava sua presença em um círculo que era quase exclusivamente negro, lembra Aubrey LaBrie, que conheceu Gopalan em Berkeley, em 1962, e fez uma amizade para a vida toda.

"Todos nós estávamos interessados no desenvolvimento do movimento pelos direitos civis neste país. É claro que o víamos como parte dos movimentos de libertação no [então chamado] Terceiro Mundo, e suponho que essa era a base de sua participação neste grupo."

·        Donald Harris, o pai de Kamala

Foi o ativismo que mudou o rumo da sua vida.

Harris conta que sua mãe deveria voltar à Índia após concluir os estudos e ter um casamento arranjado, assim como seus pais, "mas o destino tinha outros planos".

Em 1962, Shyamala Gopalan conheceu Donald Harris — que tinha saído da Jamaica para estudar economia em Berkeley — durante uma reunião de estudantes negros, na qual ela o abordou para se apresentar.

Em sua autobiografia, Harris conta que seus pais "se apaixonaram enquanto participavam do movimento pelos direitos civis".

Eles se casaram em 1963 e, um ano depois, aos 25 anos, Gopalan concluiu seu doutorado e deu à luz Kamala Devi. Dois anos depois, nasceu Maya Lakshmi, a segunda filha do casal.

Devi é a deusa mãe hindu. Lakshmi é a deusa de lótus da riqueza, beleza e boa sorte.

Gopalan disse ao jornal Los Angeles Times, em 2004, que deu às filhas nomes derivados da mitologia indiana para ajudar a preservar sua identidade cultural.

"Uma cultura que adora as deusas produz mulheres fortes", ela afirmou.

Harris conta que seus pais costumavam levá-la às manifestações em um carrinho de bebê.

O casamento de Shyamala Gopalan e Donald Harris não durou muito. O casal se separou quando Harris tinha 5 anos e, embora ela e a irmã visitassem o pai durante as férias, a mãe dela as criou basicamente sozinha.

Ela trabalhava dia e noite, conduzindo pesquisas de ponta sobre o câncer, enquanto cuidava das filhas.

·        Cientista brilhante

Gopalan, que morreu em fevereiro de 2009, aos 70 anos, de câncer de cólon, obteve reconhecimento mundial por fazer descobertas importantes sobre o papel dos hormônios no câncer de mama.

Ela começou sua carreira pesquisando no Departamento de Zoologia de Berkeley e no Laboratório de Pesquisa do Câncer, depois trabalhou na França, na Itália e no Canadá, antes de voltar para o Laboratório Lawrence Berkeley, na Califórnia, para sua última década de trabalho.

O cientista Joe Gray, chefe de Gopalan no Laboratório Lawrence Berkeley, a descreveu como "uma pesquisadora muito séria, muito disposta a participar de intercâmbios científicos durante as discussões".

Gray observou que ela foi muito aberta em relação ao seu próprio diagnóstico de câncer. "Ela simplesmente disse: 'É isso, e vou continuar enquanto puder'".

De acordo com o relato do irmão dela, à medida que o câncer se espalhava, Gopalan decidiu voltar à Índia para passar o fim da vida na companhia reconfortante da mãe e da família.

Mas foi uma viagem que nunca chegou a fazer.

·        O aprendizado para Kamala Harris

Além do afeto e da gratidão que Harris expressa quando fala sobre a mãe, a admiração e respeito que sente por ela são evidentes, e atribui a ela um profundo comprometimento com o serviço ao próximo.

"Ela foi forte, corajosa e pioneira na luta pela saúde da mulher", afirmou Harris na Convenção Nacional Democrata, em agosto.

Mas também reconhece que foi firme e exigente na criação dela e da irmã.

"Minha mãe entendia muito bem que estava criando duas filhas negras", escreveu Harris em sua autobiografia.

Com a mãe, ela diz que aprendeu a não desistir, a se levantar após cada queda, a assumir o controle de sua vida e a assumir a responsabilidade por contratempos e erros.

"Minha mãe nos ensinou que tínhamos a capacidade de ação e reação, que as coisas não acontecem simplesmente com você", explicou Harris em entrevista recente ao podcast Call Her Daddy.

"Se eu chegasse em casa com um problema, a primeira coisa que ela fazia era olhar para mim e dizer: 'E o que você fez?' Ela me ensinou a pensar quais eram minhas opções, a tomar as rédeas do momento."

"'Você decide como reagir, não deixe ninguém tirar seu poder', essa foi a grande lição que ele me deu."

 

¨      Aumento das tensões no Oriente Médio: fraqueza ou estratégia da política externa dos EUA?

Os aparentes "rompantes" do governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, com ataques massivos e desproporcionais a vários países do Oriente Médio, têm aumentado em número e grau nas últimas semanas.

Seja no massacre na Faixa de Gaza, que já matou cerca de 43 mil pessoas, de acordo com autoridades locais, nos bombardeios contra o Líbano, na Síria ou nas ameaças às usinas nucleares do Irã, é unanimidade entre analistas ouvidos pela Sputnik Brasil que tal postura e violência tem ocorrido sobretudo devido ao aval e, às vezes, ao apoio do principal aliado do Estado sionista: os Estados Unidos.

Entretanto, o temor global de uma escalada das tensões para uma potencial guerra global vem crescendo, assim como as suspeitas divulgadas pela imprensa mundialmente de que os EUA perderam o controle sobre Israel.

Para debater esse tema, o podcast da Sputnik Brasil Mundioka, no episódio desta terça-feira (22), ouviu os professores Thiago Oliveira, mestre e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI); e Gabriel Mathias Soares, doutor em história social, mestre em estudos árabes pela Universidade de São Paulo (USP) e professor na Habib University, em Karachi, Paquistão.

Ambos os estudiosos destacaram que o apoio "irrestrito" dos EUA existe há décadas, tornando-se mais evidente com a escalada do conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas, iniciada em 7 de outubro de 2023.

Oliveira pontuou que a política externa norte-americana historicamente "adota quase que uma posição acrítica a algumas políticas adotadas por Israel na região", com diversos episódios de desrespeito sistemático de direitos humanos.

"Desde 1948, Israel recebeu US$ 150 bilhões [R$ 855,4 bilhões] em auxílio militar apenas dos Estados Unidos, e desde o início do conflito, no ano passado, em 7 de outubro, da intensificação desse conflito na região, os Estados Unidos já despenderam mais de US$ 17,9 bilhões [R$ 102 bilhões] em auxílio militar para Israel", ressaltou o pesquisador do NEAI.

Para Soares, no governo Joe Biden houve inclusive um revigoramento das relações com Israel sem precedentes:

"As munições, a parte de inteligência, tudo tem sido de grande apoio dos Estados Unidos. Eles têm, na realidade, mantido uma relação de muita proximidade. […] por mais que haja, em alguns discursos, alguma iniciativa de que isso mude, na prática há muito mais acordo do que divergência", pontuou Soares.

Ele salientou que desde o último ataque do Irã, os EUA enviaram sistemas de defesa dos mais avançados que existem: "Só existem sete, eles estão enviando dois para Israel, então a relação é de muito apoio e muita proximidade".

O especialista em Oriente Médio também lembrou que o próprio governo do ex-presidente Donald Trump mudou a embaixada americana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, entre outras medidas pró-israelenses:

"Por exemplo, a questão nas Colinas de Golã, o governo Trump reconheceu a anexação de Israel das Colinas de Golã, e até agora Biden não reverteu isso, apesar de ter mostrado alguma reticência em relação ao status final. Aqui e ali, discursos, mas, na prática, nada dessas posições que mudaram a prática anterior dos governos americanos […]."

Entretanto, ponderou Oliveira, a desproporcionalidade da força que Israel desempenha nos recentes embates bélicos tem impactado negativamente a imagem e a presença dos Estados Unidos naquela região.

Ele argumenta que o governo Biden subestimou Netanyahu frente ao conflito com o Hamas, "o quanto ele estaria disposto a sistematicamente desrespeitar decisões dentro da própria ONU, até mesmo acusar a própria ONU, o próprio secretário-geral de antissemitismo".

As contradições criadas pelo apoio incoerente dos EUA a Israel têm limitado a capacidade do país de atuar como mediador principal nessa região do Oriente Médio, opinou Oliveira.

"Desde o 7 de outubro do ano passado, a gente vê uma permissividade clara do governo norte-americano a diversas atitudes sistemáticas tomadas pelo governo de Israel", disse Oliveira.

Entre as várias contradições que envolvem o apoio estadunidense a Israel está o fato de que os EUA são um dos financiadores e apoiadores do Exército libanês:

"Ou seja, armas dos americanos, provavelmente munição dos Estados Unidos, foram usadas para matar quem também é armado e treinado pelos Estados Unidos", ponderou Soares. "Inclusive no Irã é essencial o apoio dos Estados Unidos para poder monitorar uma região que está tão longe fisicamente de Israel."

Tal posicionamento tem criado um vácuo que outros players internacionais, como China e Rússia, têm aproveitado para ocupar.

"Então, por conta disso, está também criando um vácuo de atuação, e você está tendo, por exemplo, uma Rússia hoje muito mais próxima do Irã. Você está tendo uma China que está visando, pela via mais econômica, adentrar ainda mais aquela região, e tudo isso com um apelo muito mais positivo para vários países da região do que o apelo que os Estados Unidos estão trazendo", disse ele.

Tendo em vista o posicionamento dos candidatos à presidência dos EUA nas eleições de novembro, tudo indica que a atual política externa pouco mudará com a troca de mandatário:

"Porque não é, evidentemente, só o Biden, é toda uma estrutura. Existe o Pentágono, existe toda a infraestrutura que alimenta inclusive Israel. Depende do próprio sistema militar", comentou Soares.

 

Fonte: BBC News Mundo/Sputnik Brasil

 

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