Retaliações israelenses se transformaram
num genocídio ao vivo, afirma Isabela Agostinelli
Em outubro de 2023,
Israel entrou em guerra contra o grupo Hamas em Gaza, após um ataque-surpresa
ao país que resultou em mortes e captura de reféns. Desde então, houve uma
escalada de violência na região, que contou com uma nova ofensiva em Beirute,
capital do Líbano, expandindo os confrontos para além da Faixa de Gaza.
Uma comissão da
Organização das Nações Unidas (ONU) criada em 2021 para investigar o conflito
israel-palestina apresentou
em junho deste ano um relatório que aponta crimes de guerra e contra a
humanidade nas operações militares de Israel,
que já ultrapassam um ano.
Para falar sobre essa
retaliação massiva e desproporcional contra a população palestina, liderada
pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, o Pauta Pública desta
semana recebeu Isabela Agostinelli, doutora em relações internacionais e especialista
em estudos sobre Palestina/Israel. Agostinelli analisa como esta guerra
desencadeou uma crise humanitária sem precedentes na região, o papel das
grandes potências, especialmente dos Estados Unidos, no apoio à guerra, e a
fragilidade das instituições internacionais diante da situação que tem levado o
enfrentamento de Israel à governança global.
Para a pesquisadora,
as retaliações israelenses se transformaram num genocídio. Ela descreve a
situação como um “desafio moral, no nosso próprio dia a dia, de concepção
de mundo que a gente quer e qual [atuação] internacional que nós defendemos.
[Já que] esse internacional [que temos] está apoiando um genocídio em curso
temunhamos ao vivo.”
Leia os principais
pontos:
·
No começo, a guerra
era “contra o Hamas”, agora é “contra o Hezbollah”. Agora que o Exército
israelense anunciou que vai expandir a invasão por terra no Líbano, pra além
dos discursos, é possível entender qual o objetivo real do Estado de Israel com
as atitudes nesse conflito? Como você vê isso?
São três grandes
níveis, o local, o regional e o internacional. No nível local, eu acho que o
interesse israelense fica mais claro quando a gente olha para a perspectiva
histórica.
Ao longo do tempo,
como que Israel vem lidando com os palestinos, que para aquele Estado são
vistos como uma população indesejável? indesejável no sentido de construir um
Estado de maioria étnica judaica, que é o grande projeto de autodeterminação
nacional do sionismo, que data desde o final do século XIX, mas que só foi
possível ser concretizado às custas da expulsão da população indígena
palestina.
Expulsão física ou
eliminação simbólica, por exemplo, de assimilação dos palestinos à sociedade
israelense. Eles vão ser assimilados a partir do momento em que eles abandonam
as suas características étnicas, identitárias, culturais e se assimilam à sociedade
do colono, que seria o israelense. Então, ao longo do tempo, temos visto uma
expansão territorial de Israel, às custas da desapropriação das terras
palestinas, e isso aconteceu principalmente na Cisjordânia, em Gaza também, até
2005. Aqui já faço também um recorte temporal importante para a gente entender
o que é Gaza hoje.
Em 2005, Israel pela
primeira vez retira os seus colonos de um território ocupado palestino, que, no
caso, seria a Faixa de Gaza. Desde 2005 até 7 de outubro de 2023, não tinha
nenhum israelense dentro da Faixa de Gaza, e sim só nas fronteiras, com as forças
armadas controlando tudo que entra e tudo que sai daquele espaço. Nesse
sentido, a gente pode dizer que a ocupação de Gaza nunca acabou, ela só mudou
de meios, mudou de táticas. A verdade é que Gaza sempre foi vista como esse
espaço indesejado pelos israelenses […] ela sempre foi uma região empobrecida,
então é uma região que poderia ser deixada assim aos palestinos, e uma região
em que eles poderiam criar um Estado palestino futuramente. Então, isso faz
parte desse projeto colonial israelense do sionismo, enquanto movimento
político e ideológico.
O que eu estou
tentando dizer é que não podemos analisar Gaza de uma forma essencialista […]
Depois do 7 de outubro, depois dos ataques do Hamas, as retaliações israelenses
se transformaram, na verdade, num genocídio. Desde o 7 de outubro, já tinha
muitos especialistas falando que já se tratava de um genocídio, e agora o que a
gente vê também é a retomada da ocupação física israelense do território de
Gaza, com soldados ali dentro. Então, esse seria um nível, a dimensão local,
que é e interesse de Israel de conquistar cada vez mais territórios, nesse
grande território da Palestina histórica […].
No campo regional, o
que eu daria destaque é a questão das relações com outros poderes ou potências
médias, no caso o Irã, principalmente. O Irã, que até a década de 70, antes da
Revolução Iraniana, era o parceiro preferencial dos Estados Unidos no Oriente
Médio. Eles tinham relações muito próximas, e isso garantia, por exemplo, o
acesso dos Estados Unidos aos recursos energéticos, principalmente o petróleo.
Aí vem a Revolução de 79, a Revolução Iraniana, o projeto de revolução que
ganha é o projeto islâmico. Depois vão dizer que se trata de uma revolução
islâmica, e, a partir de então, o Irã vai ser considerado o grande inimigo dos
Estados Unidos naquela região, e o é até hoje.
Nesse momento é que os
Estados Unidos trocam de parceiro estratégico e passam a adotar o Estado de
Israel como o grande parceiro, a grande aliança importante dos interesses
americanos no Oriente Médio. Essa aliança já existe desde a própria criação do
Estado de Israel, mas ela foi adquirindo mais força ao longo do tempo. A década
de 70 vai ser o ponto-chave para sedimentar essa aliança tão especial, que vai,
ao longo do tempo, como a gente pode ver hoje a postura do Biden muito
semelhante à postura do Donald Trump. Como dois presidentes com ideologias
opostas, um democrata e o outro republicano, mantêm a mesma posição em relação
ao Estado de Israel?
·
Então os Estados
Unidos estão dentro desta guerra?
Essa pergunta me ajuda
a finalizar a resposta anterior, entrando no terceiro nível de análise, que
seria o nível internacional. Os Estados Unidos de fato já estão envolvidos
nessa fase da guerra, que não começa no 7 de outubro de 2023, mas é quando ela
ganha um novo patamar, inclusive o patamar do genocídio. Os Estados Unidos,
então, vão ser essa grande potência que já estava presente no Oriente Médio de
forma hegemônica, então o único ator grande, com grande poder, principalmente a
partir do fim da Guerra Fria na década de 90. […]
Desde a Primavera
Árabe, ou as revoltas árabes, né?, como também são chamadas na década de 2010,
começamos a ver uma mudança nessa posição dos Estados Unidos, principalmente
por conta da entrada da Rússia. A entrada da Rússia na guerra da Síria, e esse
fortalecimento militar da Rússia e das suas alianças com os países do Oriente
Médio, principalmente os países do Golfo, as grandes monarquias que são os
atores mais poderosos economicamente ali naquela região. Então mudou um pouco
ali, os Estados Unidos não estavam mais tão sozinhos nesse sentido.
Depois também, ao
longo da década de 2010, começa a entrar a China como um parceiro econômico e
estratégico muito importante, a China que no ano passado conseguiu mediar o
acordo da normalização das relações entre a Arábia Saudita e Irã, que eram
inimigos ferrenhos há muito tempo. Isso já também estava apontando para um tema
que inclusive eu estou pesquisando agora no meu pós-doutorado, se a gente
estaria entrando no Oriente Médio pós-americano. Mas aí o genocídio vai mostrar
que, em termos militares, não é possível a gente firmar isso, porque, em termos
militares, os Estados Unidos continuam sendo o ator hegemônico naquela região,
com muito poder de armamento, de troca de tecnologia com o Estado de Israel, e
que consegue apoiar Israel em tudo que faz.
Por isso que, também,
as próprias instituições internacionais têm visto muitos limites na sua própria
atuação em relação àquele território. Porque tem muito apoio e envolvimento
direto dos Estados Unidos, enquanto um ator muito poderoso. Foram bilhões de
dólares em ajuda militar e ajuda financeira em relação ao Estado de Israel. E
aí pode-se argumentar, mas os Estados Unidos também enviam ajuda humanitária
para Gaza. Enfim, são cenas distópicas que a gente viu nos últimos meses
também, da ajuda humanitária dos Estados Unidos chegando por helicóptero e
descendo por paraquedas, porque é impossível entrar em Gaza e é impossível sair
também. Então, eu diria que sim, os Estados Unidos estão envolvidos nessa
guerra diretamente.
·
Existe um componente
novo nesses conflitos que é não apenas a transmissão ao vivo de torturas e
mortes de civis e, portanto, provas documentadas de diversos crimes de guerra
sendo cometidos, mas também a criação de conteúdo para redes sociais, como os
vídeos de soldados israelenses dançando em meio a escombros, destruindo casas,
vestindo as roupas das pessoas que assassinaram ou desalojaram, além de vídeos
de jovens israelenses cantando que vão queimar aldeias até o chão em festas, ou
“fantasiados” de palestinos em vídeos para o TikTok. De que maneira você
acha que isso influencia na visão do mundo sobre esse genocídio ou que
interfere na própria guerra?
Isso tudo faz parte
dessa tradição e dessa técnica do Estado de Israel desumanizar o povo
palestino, de uma forma geral, e o povo árabe também. Com isso, muitas pessoas
vão tratar palestino, árabe, muçulmano como tudo a mesma coisa, e todos seriam,
por exemplo, terroristas. [Nesta lógica] eles não são passíveis da nossa
comoção, não são passíveis de luto, e, portanto, essas mortes não vão ser
sentidas.
Isso fica muito claro
quando a gente vê o acompanhamento da mídia sobre quando acontece um bombardeio
em Gaza, que é todos os dias, quase a todo momento, e quando acontece o envio
de um foguete do Hamas, por exemplo, para Israel. Aparecem nos grandes noticiários
os israelenses ouvindo as sirenes em Tel Aviv, conseguindo se esconder
nos bunkers, e esses foguetes nunca chegam porque o Israel tem
um sistema de defesa muito forte, que é o domo de ferro, que consegue
interceptar diversos mísseis, diversos foguetes.
Quando tem um
bombardeio em Gaza, a gente vê nas redes sociais, inclusive muitas pessoas
postando fotos de crianças assassinadas, crianças faltando uma mão ou com
vários cortes. Isso não gera comoção? Gera, mas, depois de ser tão replicado e
de acontecer tantos dias, acaba sendo normalizado e ficamos meio que
anestesiados em relação a essas imagens.
Isso tudo faz parte
desse processo histórico de desumanização do povo palestino em particular e do
povo árabe em geral. […] A criação imagética e de representação do que é o
Oriente de acordo com os olhares do Ocidente. Aquele que é visto como bárbaro,
como atrasado, como o não civilizado. Israel se vale dessa narrativa desde a
sua fundação, que vai se colocar ali como o pequeno país que tem as suas
características da Europa moderna, ocidental, e, portanto, está cercado de
inimigos, de não civilizados, bárbaros, loucos, muçulmanos. Isso acaba, de
certa forma, justificando essa não comoção por parte de grande parte da
comunidade internacional em relação às vidas palestinas.
¨ Os EUA e sua acumulação militarizada. Por Alexandre Aragão de
Albuquerque
A guerra da Otan
contra Rússia na Ucrânia é uma imposição dos Estados Unidos à Europa. Uma nova
fase da exploração capitalista, denominada de “acumulação militarizada”
(William I. Robinson), por meio da corrida armamentista capaz de impulsionar a
economia estadunidense a entrar numa nova onda de crescimento, tendo como
referência novos padrões tecnológicos baseados na nanotecnologia, bioengenharia
e inteligência artificial.
William I. Robinson,
renomado teórico sobre o capitalismo, é professor de sociologia na
Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara. Ele usa o termo “acumulação
militarizada” para descrever um fenômeno onde a acumulação capitalista se torna
cada vez mais dependente da militaMilitarismoMilitarismorização e dos
conflitos. Robinson alerta que quanto mais a economia global se torna
militarizada, há um aumento dos focos de guerra e de conflitos armados,
alimentados pelos interesses dos donos do capital transnacional.
Foi estratégico para
os EUA promover a guerra em solo europeu, na Ucrânia, para disparar a produção
massiva de armamentos produzidos pelo seu complexo militar – como Raytheon,
General Dynamics, Lockheed Martin, Northrop Grumman e Boeing – impondo compras
à Europa, gerando mais dependência comercial e monetária dos países daquele
continente com os EUA.
Já em 1990, o governo
de George W. Bush prometera verbalmente a Mikhail Gorbachev,
Secretário-Geral da União Soviética, que não haveria expansão da Otan.
Entretanto, com o fim da Guerra Fria, tal promessa foi quebrada em 1994
quando Bill Clinton deu início à política de Estado de expansão da
Otan ao Leste Europeu, a qual absorveu quatorze países da Europa
Central e Oriental: 1) em 1999, República Checa, Hungria e Polônia;
2) em 2004, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e
Eslovênia; 3) em 2009, Albânia e Croácia; 4) em 2017, Montenegro; 5) em 2020,
Macedônia.
Como já afirmara
anteriormente o primeiro secretário-geral da Otan, Hastings Ismay (1952-1957):
“O objetivo da Aliança do Tratado do Atlântico Norte é manter a União Soviética
[Rússia] fora da Europa, os americanos dentro e os alemães embaixo”.
Eis o centro do confronto em solo europeu atual. A força militar
intervencionista dos EUA-Otan sobrepôs-se e destruiu a possibilidade da união
entre as nações, no caso, da integração da Rússia com a União Europeia.
O renomado jornalista
investigativo Seymour Hersh ganhou, em 1970, o Prêmio Pulitzer pelo papel que
desempenhou ao revelar para a opinião pública internacional o covarde massacre
de soldados estadunidenses a cerca de 500 civis desarmados, cujas vítimas foram
homens, mulheres, crianças e idosos, o qual ficou conhecido como o Massacre de
My Lai, ocorrido em 16 de março de 1968, durante a Guerra do Vietnã.
Em 8 fevereiro de
2023, Seymour publicou um artigo (How America Took Out The Nord Stream
Pipeline) descrevendo
minuciosamente como a Marinha estadunidense bombardeou o Nord Stream que
transportava gás natural, a preços baixíssimos, da Rússia para a Alemanha.
Segundo o renomado jornalista, o
conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jack Sullivan, havia convocado, em
dezembro de 2021, antes do início da guerra na Ucrânia, uma reunião da
força-tarefa formada pelos Chefes do Estado Maior Conjunto, a CIA, os
Departamentos do Estado e do Tesouro, requerendo que o grupo apresentasse um
plano para a destruição dos dois dutos do Nord Stream.
Com a sabotagem
militar aos dutos, obrigou-se a Alemanha a manter-se na guerra da Ucrânia e a
comprar GNL (Gás Natural Liquefeito), embarcado em navios dos EUA, a preços e
fretes infinitamente superiores.
Entre os danos
causados pela destruição, houve uma forte redução no fornecimento de gás
natural, resultando em aumento de preços de energia na Alemanha e em toda a
Europa, afetando tantos as populações como as empresas, que tiveram que arcar
com custos muito mais altos para aquecimento dos lares e para a produção de
bens e serviços.
Consequentemente,
acarretou um desarranjo na economia alemã, reduzindo a competitividade de suas
empresas em função do aumento dos custos de produção, provocando de forma
incisiva a queda do consumo doméstico pela alta da inflação. A destruição dos
gasodutos gerou incerteza e instabilidade no mercado de energia, dificultando o
planejamento e tomada de decisões.
Não é diferente com o
genocídio que acontece na Palestina pelos ataques indiscriminados de Bibi
Netanyahu, há mais de um ano, provocando um morticínio covarde e insano de
populações civis – mulheres e crianças em sua maioria – visando ao extermínio
étnico do povo palestino. Atualmente, numa nova fase de sua guerra, amplia-se o
horror para as populações civis do Líbano, incluindo ataques a bases das tropas
de paz plurinacional da ONU, Força Interina das Nações Unidas no Líbano
(Unifil), contestados por diversos Estados-Nação, inclusive o Brasil.
Não nos enganemos:
essas guerras, na Europa e no Médio Oriente, são imposição imperialista dos EUA
Fonte: Por Andrea DiP,
Clarissa Levy, Claudia Jardim, Ricardo Terto, Stela Diogo, na Agencia Pública/Outras
Palavras
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