Chris Hedge: A escolha nesta eleição nos
EUA é entre o poder corporativo e o poder oligárquico
A escolha nas eleições
[nos EUA] é entre o poder corporativo e o poder oligárquico. O poder
corporativo precisa de estabilidade e de um governo tecnocrático. O poder
oligárquico prospera no caos e, como diz Steve Bannon, na “desconstrução do
estado administrativo.” Nenhum dos dois é democrático. Ambos compraram a classe
política, a academia e a imprensa. Ambos são formas de exploração que
empobrecem e desabilitam o público. Ambos canalizam o dinheiro para as mãos da
classe bilionária. Ambos desmantelam regulamentações, destroem sindicatos,
dilapidam serviços públicos em nome da austeridade, privatizam todos os
aspectos da sociedade estadunidense, desde utilidades até escolas, perpetuam
guerras permanentes, incluindo o genocídio em Gaza, e neutralizam uma mídia que
deveria, se não fosse controlada por corporações e ricos, investigar seus
saques e corrupção. Ambas as formas de capitalismo destroem o país, mas o fazem
com ferramentas diferentes e têm objetivos diferentes.
Kamala Harris, ungida
pelos maiores doadores do Partido Democrata sem receber um único voto nas
primárias, é o rosto do poder corporativo. Donald Trump é o mascote bufão dos
oligarcas. Esta é a divisão dentro da classe dominante. É uma guerra civil
dentro do capitalismo que se desenrola no palco político. O público é pouco
mais do que um adereço em uma eleição onde nenhum dos partidos avançará os seus
interesses nem protegerá os seus direitos.
George Monbiot e Peter
Hutchison, em seu livro “Invisible Doctrine: The Secret History of
Neoliberalism” (“Doutrina Invisível: A História Secreta do Neoliberalismo”),
referem-se ao poder corporativo como “capitalismo domesticado.” Os capitalistas
domesticados precisam de políticas governamentais consistentes e de acordos
comerciais fixos porque fizeram investimentos que levam tempo, às vezes anos,
para amadurecer. As indústrias de manufatura e agricultura são exemplos de
“capitalismo domesticado.”
Você pode ver minha
entrevista com Monbiot aqui.
Monbiot e Hutchison
referem-se ao poder oligárquico como “capitalismo de guerra.” O capitalismo de
guerra busca a erradicação total de todos os impedimentos à acumulação de
lucros, incluindo regulamentações, leis e impostos. Ele ganha dinheiro cobrando
aluguel, erguendo pedágios para cada serviço que precisamos para sobreviver e
coletando taxas exorbitantes.
Os campeões políticos
do capitalismo de guerra são os demagogos da extrema direita, incluindo Trump,
Boris Johnson, Giorgia Meloni, Narendra Modi, Viktor Orbán e Marine Le Pen.
Eles semeiam dissensão propagando absurdos, como a teoria da grande substituição,
e desmantelando estruturas que proporcionam estabilidade, como a União
Europeia. Isso cria incerteza, medo e insegurança. Aqueles que orquestram essa
insegurança prometem, se renunciarmos a ainda mais direitos e liberdades civis,
que nos salvarão de inimigos fantasmas, como imigrantes, muçulmanos e outros
grupos demonizados.
Os epicentros do
capitalismo de guerra são as firmas de private equity. Empresas de private
equity como Apollo, Blackstone, o Grupo Carlyle e Kohlberg Kravis Roberts
compram e saqueiam negócios. Eles acumulam dívidas. Recusam-se a reinvestir.
Reduzem o pessoal. Deliberadamente levam empresas à falência. O objetivo não é
sustentar negócios, mas colher ativos para obter lucros de curto prazo. Aqueles
que dirigem essas empresas, como Leon Black, Henry Kravis, Stephen Schwarzman e
David Rubenstein, acumulam fortunas pessoais de bilhões de dólares.
O grupo de apoiadores
do Vale do Silício de Trump, liderado por Elon Musk, eram o que o The New York
Times escreve: “acabaram com os democratas, reguladores, estabilidade, tudo
isso. Eles optaram, em vez disso, pelo caos gerador de fortunas que conheciam
do mundo das startups.” Eles planejavam “implantar dispositivos no cérebro das
pessoas, substituir moedas nacionais por tokens digitais não-regulamentados,
[e] substituir generais por sistemas de inteligência artificial.”
O bilionário Peter
Thiel, fundador do PayPal e apoiador de Trump, travou uma guerra contra os
“impostos confiscatórios.” Ele financia um comitê de ação política anti-imposto
e propõe a construção de nações flutuantes que não imporiam impostos sobre a
renda.
A bilionária
israelense-estadunidense Miriam Adelson, viúva do magnata dos cassinos Sheldon
Adelson - com uma fortuna estimada em 35 bilhões de dólares - deu 100 milhões
de dólares a Trump para a sua campanha. Embora Adelson, que nasceu e foi criada
em Israel, seja uma sionista fervorosa, ela também faz parte do clube de
oligarcas que buscam cortar impostos para os ricos, impostos que já foram
reduzidos pelo Congresso, ou diminuídos por meio de uma série de brechas
legais.
O economista Adam
Smith advertiu que, a menos que a renda dos rentistas fosse fortemente taxada e
reinvestida no sistema financeiro, ele se autodestruiria.
Os danos causados
pelas firmas de private equity e pelos oligarcas são sustentados pelos
trabalhadores, que são forçados a trabalhar na economia gig e que viram
salários estáveis e benefícios serem erradicados. Isso é sustentado por fundos
de pensão que estão esgotados devido a taxas usurárias, ou são abolidos. Isso
afeta a nossa saúde e segurança. Residentes de casas de repouso, por exemplo,
de propriedade de firmas de private equity, experimentam 10% a mais mortes —
sem mencionar taxas mais altas — devido à escassez de pessoal e à redução da
conformidade com os padrões de cuidado.
As firmas de private
equity são uma espécie invasiva. Elas também são onipresentes. Elas adquiriram
instituições educacionais, empresas de utilidade pública e redes de varejo,
enquanto sangram os contribuintes em centenas de bilhões em subsídios,
viabilizados por promotores, políticos e reguladores comprados e pagos. O que é
particularmente revoltante é que muitas das indústrias adquiridas por essas
firmas — água, saneamento, redes elétricas, hospitais — foram financiadas com
fundos públicos. Elas canibalizam a nação, deixando para trás indústrias
fechadas e falidas.
Gretchen Morgenson e
Joshua Rosner documentam como o private equity funciona no livro “These are the
Plunderers: How Private Equity Runs-and Wrecks-America” (“Estes são os
Saqueadores: Como o Private Equity Administra e Destrói os EUA”).
“Rotineiramente
exaltados pela imprensa financeira por seus negócios e aplaudidos por sua
‘caridade’, esses capitalistas desenfreados montaram campanhas de lobby caras
para garantir o enriquecimento contínuo a partir de leis fiscais favoráveis,”
eles escrevem.“Doações generosas lhes garantiram posições de poder em conselhos
de museus e think tanks. Eles publicaram livros sobre liderança, exaltando ‘a
importância da humildade e humanidade’ no topo, enquanto destroem os que estão
na base. Suas empresas organizam formas de evitar o pagamento de impostos sobre
os bilhões em ganhos gerados por suas ações. E, claro, eles raramente mencionam
que as empresas que possuem estão entre as maiores beneficiárias de
investimentos governamentais em rodovias, ferrovias e educação básica, colhendo
enormes benefícios de subsídios e políticas fiscais que lhes permitem pagar
impostos substancialmente mais baixas sobre seus ganhos,” explicam.“Esses
homens são os barões-ladrões dos EUA modernos. Mas, ao contrário de muitos de seus
predecessores no século XIX, que acumularam riquezas estonteantes extraindo os
recursos naturais de uma nação jovem, os barões de hoje extraem a sua riqueza
dos pobres e da classe média por meio de transações financeiras complexas.”Você
pode ver minha entrevista com Morgenson aqui.
Os capitalistas
domesticados são representados por políticos como Joe Biden, Kamala Harris,
Barack Obama, Keir Starmer e Emmanuel Macron. Mas o "capitalismo
domesticado" não é menos destrutivo. Ele promoveu o Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (NAFTA), a maior traição da classe trabalhadora
americana desde a Lei Taft-Hartley de 1947 - que impôs restrições debilitantes
à organização sindical. Revogou a Lei Bancária de 1933 (Glass-Steagall), que
separava os bancos comerciais dos bancos de investimento. Derrubar o firewall
entre bancos comerciais e bancos de investimento levou ao colapso financeiro
global em 2007 e 2008, incluindo o colapso de quase 500 bancos. Ele promoveu a
eliminação da Doutrina da Imparcialidade pela Comissão Federal de Comunicações
sob Ronald Reagan, bem como a Lei de Telecomunicações durante a presidência de
Bill Clinton, permitindo que um punhado de corporações consolidasse o controle
sobre os meios de comunicação. Ele destruiu o antigo sistema de bem-estar
social, 70% dos quais eram crianças. Ele dobrou a nossa população carcerária e
militarizou a polícia. No processo de deslocar a manufatura para países como
México, Bangladesh e China, onde os trabalhadores trabalham em fábricas
exploradoras, 30 milhões de estadunidenses foram submetidos a demissões em
massa - segundo dados compilados pelo Instituto do Trabalho. Enquanto isso,
acumulou déficits massivos — o déficit orçamentário federal subiu para $1,8
trilhões em 2024, com a dívida nacional total se aproximando de $36 trilhões —
e negligenciou a nossa infraestrutura básica, incluindo redes elétricas,
estradas, pontes e transporte público, enquanto gastava mais em nosso exército
do que todas as outras grandes potências da Terra juntas.
Essas duas formas de
capitalismo são espécies de capitalismo totalitário, ou o que o filósofo
político Sheldon Wolin chama de "totalitarismo invertido." Em cada
forma de capitalismo, os direitos democráticos são abolidos. O público está sob
constante vigilância. Os sindicatos são desmantelados ou desarmados. A mídia
serve aos poderosos e as vozes dissidentes são silenciadas ou criminalizadas.
Tudo é mercantilizado, desde o mundo natural até os nossos relacionamentos.
Movimentos populares e de base são proibidos. O ecocídio continua. A política é
uma farsa.
A servidão por dívida
e a estagnação salarial garantem o controle político e a consolidação da
riqueza. Bancos e financiadores corporativos escravizam não apenas indivíduos
com a servidão por dívida, mas também cidades, municípios, estados e o governo
federal. O aumento das taxas de juros, combinado com a queda das receitas
públicas, especialmente por meio da tributação, é uma forma de extrair os
últimos vestígios de capital dos cidadãos, assim como do governo. Uma vez que
indivíduos, estados ou agências federais não conseguem pagar as suas contas — e
para muitos cidadãos estadunidenses isso muitas vezes significa contas médicas
— ativos são vendidos para corporações ou confiscados. Terras, propriedades e
infraestrutura públicas, juntamente com planos de aposentadoria, são
privatizados. Indivíduos são empurrados para fora de suas casas e para a
angústia financeira e pessoal.
"O chefe do
Goldman Sachs veio e disse que os trabalhadores do Goldman Sachs são os mais
produtivos do mundo," me contou o economista Michael Hudson, autor
de Killing the Host: How Financial Parasites and Debt Destroy the
Global Economy [Matando o Hospedeiro: Como os Parasitas Financeiros a as
Dívidas Destroem a Economia Global]. "É por isso que eles são pagos o
que ganham. O conceito de produtividade nos EUA é a renda dividida pelo
trabalho. Então, se você é o Goldman Sachs e se paga $20 milhões por ano em
salário e bônus, você é considerado como tendo adicionado $20 milhões ao PIB, e
isso é enormemente produtivo. Então estamos falando com tautologia. Estamos
falando com um raciocínio circular aqui."
"Então a questão
é se Goldman Sachs, Wall Street e empresas farmacêuticas predatórias realmente
acrescentam 'produto' ou se estão apenas explorando outras pessoas,"
continuou ele. "É por isso que usei a palavra parasitismo no título do meu
livro. As pessoas pensam em um parasita como simplesmente tirar dinheiro, tirar
sangue de um hospedeiro ou tirar dinheiro da economia. Mas na natureza isso é
muito mais complicado. O parasita não pode simplesmente entrar e levar algo.
Primeiro de tudo, precisa entorpecer o hospedeiro. Tem uma enzima para que o
hospedeiro não perceba que o parasita está lá. E então os parasitas têm outra
enzima que toma conta do cérebro do hospedeiro. Faz com que o hospedeiro
imagine que o parasita é parte de seu próprio corpo, na verdade parte de si
mesmo e, portanto, deve ser protegido. Isso é basicamente o que Wall Street
fez. Ela se retrata como parte da economia. Não como uma embalagem ao seu
redor, não como algo externo a ela, mas como a parte que está ajudando o corpo
a crescer, e que na verdade é responsável pela maior parte do crescimento. Mas,
na verdade, é o parasita que está assumindo o crescimento."
"O resultado é
uma inversão da economia clássica," disse Hudson. "Isso vira Adam
Smith de cabeça para baixo. Afirma que o que os economistas clássicos diziam
ser improdutivo – o parasitismo – é na verdade a verdadeira economia. E que os
parasitas são o trabalho e a indústria que atrapalham o que o parasita quer –
que é se reproduzir, não ajudar o hospedeiro, ou seja, o trabalho e o
capital."
A weimarização da
classe trabalhadora estadunidense é intencional. Trata-se de criar um mundo de
mestres e servos, de elites oligárquicas e corporativas empoderadas e de um
público desprovido de poder. E não é apenas a nossa riqueza que está sendo
tirada de nós. É a nossa liberdade. O chamado mercado autorregulador, como
escreve o economista Karl Polanyi em A Grande Transformação, sempre
termina em capitalismo mafioso e um sistema político mafioso. Um sistema de
autorregulação, adverte Polanyi, leva à "demolição da sociedade."
Se você votar em
Harris ou Trump — não tenho intenção de votar em qualquer candidato que
sustente o genocídio em Gaza — você está votando por uma forma de capitalismo
predatório em vez de outra. Todas as outras questões, desde direitos de ter
armas até o aborto, são tangenciais e usadas para distrair o público da guerra
civil dentro do capitalismo. O pequeno círculo de poder que essas duas formas
de capitalismo incorporam exclui o público. Esses são clubes elitistas, clubes
onde membros ricos habitam cada lado da divisão, ou às vezes vão de um lado
para o outro, mas são impenetráveis para os de fora.
A ironia é que a
ganância desenfreada dos corporativistas, os capitalistas domesticados, criou
um pequeno número de bilionários que se tornaram seus nemeses, os capitalistas
senhores da guerra. Se o saque não for interrompido, se não restaurarmos, por
meio de movimentos populares, o controle sobre a economia e o sistema político,
então o capitalismo senhorial triunfará. Os capitalistas senhores da guerra
cimentarão o neo-feudalismo enquanto o público é distraído e dividido pelas
palhaçadas de palhaços assassinos como Trump.
Não vejo nada no
horizonte que evite esse destino.
Trump, por enquanto, é
a figura de proa do capitalismo senhorial. Mas ele não o criou, não o controla
e pode ser facilmente substituído. Harris, cujas divagações sem sentido podem
fazer Biden parecer focado e coerente, é o terno vazio que os tecnocratas adoram.
Escolha o seu veneno.
Destruição pelo poder corporativo ou destruição pela oligarquia. O resultado
final é o mesmo. Isso é o que os dois partidos que governam os EUA oferecem nas
eleições de novembro. Nada mais.
¨ Campanha presidencial nos EUA ganhou tom de “disputa
existencial”
A corrida presidencial
nos Estados Unidos está se mostrando extremamente acirrada, conforme revela uma
recente pesquisa Reuters/Ipsos de intenção de voto.
A candidata democrata
Kamala Harris lidera com 46% das intenções, seguida de perto pelo ex-presidente
republicano Donald Trump, com 43%.
A analista de
Internacional Fernanda Magnotta comentou durante o CNN 360° desta
terça-feira (22) o cenário eleitoral, destacando a incerteza que paira sobre o
pleito a apenas 15 dias da votação.
“Se tem uma palavra
que está orientando a eleição americana é a incerteza”, afirmou, ressaltando
que o resultado está em um empate técnico tanto em nível nacional quanto nos
estados-pêndulo.
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Polarização e temas prioritários
A analista enfatizou a
profunda polarização do eleitorado americano, citando pesquisas recentes do Pew
Research Center e da Gallup. Segundo ela, os temas prioritários para os
eleitores de Trump e Harris são diametralmente opostos.
“Para o eleitor do
Trump, o que está levando esse cara para urna é economia, imigração, crimes
violentos e política externa. Do lado da Harris, os assuntos que mais mobilizam
são, em primeiro lugar, sistema de saúde, em segundo lugar, indicações para a Suprema
Corte, em terceiro lugar, aborto, em quarto lugar, mudança climática”,
explicou.
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Disputa existencial
Magnotta argumenta que
a campanha ganhou um tom de “disputa existencial”, o que deve levar a um
comparecimento mais expressivo às urnas.
“A tendência é que as
bases estejam mais presentes, até porque a campanha ganhou um tom de disputa
existencial”, disse.
A analista também
destacou que, além dos fatores econômicos, a eleição americana é sobre
pertencimento e identidade.
“Quem está olhando a
eleição e não está entendendo por que esses números estão tão embaralhados é
porque não compreendeu essa complexidade da sociedade americana”, concluiu,
ressaltando as transformações profundas enfrentadas pelos Estados Unidos nas
últimas décadas.
Fonte: Brasil 247/CNN
Brasil
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