quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Medo do fogo, temor da enchente: ansiedade climática é rotina no Acre, diz Angela Mendes

No Acre, as primeiras chuvas de outubro foram o bastante para suprir a necessidade de alguns municípios afetados drasticamente pela seca, ao mesmo tempo que despertou alerta na população, principalmente da capital Rio Branco, pelo temor de enchentes.

Em fevereiro deste ano, o estado amazônico passou por extremos relacionados às cheias, vivendo uma enchente histórica em alguns municipios. Por exemplo, Brasiléia, cidade na fronteira com a Bolívia, onde o rio Acre chegou a mais de 15 metros. 

Passados cinco meses, em setembro, a população viu o afluente alcançar apenas 67 centímetros. Agora, em outubro, passado o pior momento da seca, os moradores enfrentaram problemas com uma chuva de granizo que destruiu telhas na cidade. 

“Ansiedade climática”, define Angela Mendes, filha do seringueiro e líder sindical Chico Mendes, assassinado em 1988. “Esse termo já chegou nas bases, porque não é mais do que definir o que as pessoas veem sentindo, quem está recebendo maior impacto desses extremos climáticos".

“Se durante o período de chuva, que para nós a gente chama de inverno, as pessoas ficam ansiosas sem saber o que esperar, se vai ter enchente e como se preparar, durante o período de estiagem é a mesma coisa, só que com medo do fogo, porque a gente vem tendo recordes de focos de queimada”, explica em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (22).

Embora reconheça estar diante de um problema global, Angela Mendes cobra das prefeituras mais atitude de amparo para a população. Ao mesmo tempo que lamenta que o debate climático não tenha sido um assunto discutido durante as eleições na capital Rio Branco, que elegeu em primeiro turno o atual prefeito Tião Bocalom (PL).

“A gente não viu, por exemplo, agora nessa última eleição, nenhum debate aprofundado sobre essas questões climáticas. E o atual prefeito que foi reeleito tem um histórico de enchentes durante o mandato dele. E até então a gente não viu nenhuma medida mais concreta”.

Na entrevista, Angela Mendes celebrou candidaturas comprometidas com o clima que foram eleitas no Brasil, como é o caso de Eliete Paraguassu (Psol), primeira vereadora quilombola de Salvador.

<><> Confira a entrevista na íntegra

•        As chuvas que chegaram em outubro foram o suficiente para, ao menos, amenizar os problemas gerados pela seca nas comunidades da Amazônia?

A Amazônia é muito grande, às vezes chove bastante em algum lugar, não chove suficientemente no outro.

Eu acho que pelo menos amenizou algumas situações. Mas aí a questão agora é a preocupação com as enchentes, afinal vivemos extremos climáticos e é preciso também falar da ansiedade climática. A gente já começa a sentir a chegada das primeiras chuvas com preocupação.

As previsões, por exemplo, sobre temporais aqui no Acre não são nada boas. O início das chuvas vem acompanhada dos temporais. No sábado [19], a gente teve uma chuva de granizo principalmente no município de Brasileia e as pessoas tiveram prejuízos os enormes, com as telhas todas furadas das pedras de gelo.

•        Fale mais sobre ansiedade climática. É algo que a população já vem usando para expressar o que está sentido?

Esse termo já chegou nas bases, porque não é mais do que definir o que as pessoas veem sentindo, quem está recebendo maior impacto desses extremos climáticos. 

Esse sentimento de ansiedade, de preocupação que nos atinge. Eu, particularmente, sofro. Eu não moro na cidade, eu moro na zona de transição, então eu também tive que cavar poços, além disso convivo com o medo de que o fogo entre na minha área. 

Então se durante o inverno, período de chuva que para nós a gente chama de inverno, as pessoas ficam ansiosas sem saber o que esperar, se vai ter enchente, se não vai ter enchente quando ela vem como se preparar, durante o período de estiagem a mesma coisa também, só que com medo do fogo, porque a gente vem tendo recordes de focos de queimada. 

A gente sabe que o Estado não está preparado para atender todos esses focos, eles se alastram de forma incontrolável, entram em propriedades de pessoas que não são responsáveis por esse fogo.

Então [quando] vão se aproximando esses períodos, as pessoas vão ficando ansiosas e com medo, porque ninguém toma providência, as prefeituras que deveriam se preocupar, pouco debatem sobre isso.

A gente não viu, por exemplo, agora nessa última eleição, nenhum debate aprofundado sobre essas questões climáticas.

E o atual prefeito, que foi reeleito, tem um histórico de enchentes durante o mandato dele. E até então a gente não viu nenhuma medida mais concreta. 

A não ser criar abrigos durante os períodos de enchente, manter as pessoas em abrigos E aí, quando elas retornam para casa, distribuir bens ou comida, que normalmente vem através do governo federal, de programas do governo federal.

•        Como foram as eleições em Rio Branco? Foi frustrante ver tudo se resolver no primeiro turno, sem aprofundar um debate de ideias sobre mudanças climáticas, por exemplo?

Olha, a gente ainda vem de uma memória de muita criminalização do PT, da esquerda como todo.

Eu acho que na verdade são vários fatores. Por exemplo, o atual prefeito, ele criou programas que beneficiaram o público [apenas] no período de campanha.

Um programa, por exemplo, de calçamento de ruas, que ele fez de qualquer forma no período de pré-campanha para ganhar votos, o que é muito natural desses candidatos do centrão e de extrema direita.

Então a gente está cheio de obras eleitoreiras que não fazem o menor sentido. Os servidores são o nosso grande público eleitoral, os funcionários da prefeitura sejam servidores de carreira ou de empresas terceirizadas, como em todo Acre.

O principal empregador no Acre são os governos municipais estaduais e eles fazem pressão, eles fazem chantagem usando a máquina pública, principalmente. 

A gente ainda vive essa política de compra de votos, compra e venda de votos, porque o sistema mantém a nossa população tão alienada, tão aprisionada nas suas necessidades, nas suas dificuldades, é que isso sustenta.

Infelizmente, a gente vê mais uma vez a extrema direita ganhando força aqui no Acre. E a população não consegue entender a gravidade desse momento que a gente vive.

A gente foi para as urnas com a cidade coberta de fumaça. A gente ainda tinha muita fumaça, sabe? Fumaça pra caramba. A gente estava sem poder respirar direito, só engolindo fumaça mesmo.

Mas infelizmente ainda não há uma conexão entre esse cenário e a necessidade de começar a avaliar sobre o valor do nosso voto, a importância desse voto para o futuro. 

•        Mas houve vitórias no que diz respeito a vereadores e vereadoras eleitas pelo Brasil, certo?

Eu tive a grata oportunidade de estar em Salvador quando a Eliete Paraguassu lançou a campanha dela e eu jamais poderia deixar de participar de um momento tão importante simbólico. Nessa campanha de uma mulher negra, pescadora, marisqueira, uma ativista que sofre muitas ameaças.

E nós tínhamos mulheres também incríveis, candidatas em vários outros lugares. Aqui é nossa vizinha Neidinha Surui, em Rondônia, em Porto Velho, ou Antonia Cariongo em São Luís.

Agora, o que precisamos fazer é voltar às bases para fazer formação política de base,  movimentar a educação popular, porque não tem outra saída para a gente.

É trazer a educação popular como um pilar de transformação de pensamento da sociedade, como um hackeamento do sistema que nos coloca num sistema de educação que é precário

A gente precisa melhorar a nossa educação, porque é através da educação, da arte, da cultura que a gente vai transformar, sabe? Eu não acredito que seja por outro caminho que a gente vá despertar a consciência das pessoas. 

Mas ainda tem que superar muita coisa dentro dos próprios partidos, porque nós tivemos companheiras que foram muito prejudicadas dentro desse sistema eleitoral que muitas vezes privilegia homens brancos.

 

•        COP16 vai debater o papel das mulheres indígenas na preservação da biodiversidade

"Não é de hoje que as mulheres têm feito a diferença na conservação da biodiversidade. Elas sempre tiveram esse papel fundamental", afirma Angela Kaxuyana, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) da Bacia Amazônica. Ela é uma das palestrantes da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP da Biodiversidade), também chamada de COP16, que teve início nesta segunda-feira (21), em Cali, na Colômbia.

Angela conduzirá a palestra Mulheres e governança territorial na Amazônia: pela biodiversidade e pela proteção dos territórios indígenas tradicionais, realizada nesta terça-feira (22), ao lado de Valéria Paye, diretora executiva do Podaáli, o Fundo Indígena da Amazônia Brasileira. "A gente está num momento de agora perceber o quanto elas [as mulheres] têm um papel fundamental nos territórios, nas comunidades e nos espaços de fala", ressalta, em um resumo sobre o tema que irá abordar.

Além do foco no trabalho das mulheres, o papel dos povos indígenas na preservação da biodiversidade terá destaque do evento, conforme explica o coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri. "São os povos indígenas que mais preservam a biodiversidade no planeta, por meio de nossos conhecimentos ancestrais e relação única com a natureza", diz. 

Para ele, a contribuição dos povos indígenas para o debate sobre a biodiversidade é fundamental para garantir uma COP com resultados qualitativos. "Vamos compartilhar nossos saberes e experiências enquanto guardiões da floresta, reforçando a importância da demarcação dos territórios indígenas como política estratégica essencial na preservação da biodiversidade e enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas", afirma.

A COP16 é o principal fórum global de discussão e negociação de ações para a conservação da biodiversidade. Além da Coiab e da Podáali, a conferência tem a participação de representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Fórum Internacional dos Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (Caucus Indígena) América Latina e Caribe, além de outras lideranças indígenas da Bacia Amazônica.

A programação do evento é dividida entre Zona Azul, espaço oficial de negociação entre os países participantes; e Zona Verde, destinada à participação da sociedade civil, organizações não governamentais, setor privado e pessoas interessadas na proteção e conservação da diversidade biológica. A delegação indígena da Amazônia Brasileira participará dos dois espaços. A programação da COP16 vai até o dia 1º de novembro. 

Durante o evento, organizações indígenas da Bacia Amazônica lançarão a coalizão internacional G9 da Amazônia Indígena, grupo que tem como objetivo ampliar a participação em eventos internacionais. A coalizão tem representação dos oito países da Bacia Amazônica (Brasil, Colômbia, Bolívia, Peru, Venezuela, Equador, Suriname) mais a Guiana. 

<><> Maloca Amazônica 

Na manhã do primeiro dia de evento, a delegação da Amazônia brasileira participou na inauguração da Maloca Amazônica, espaço de reunião de lideranças indígenas da Bacia Amazônica e de debate pautas que envolvem os direitos dos povos indígenas com a perspectiva da biodiversidade.

"Foi um momento de ver a reafirmação do compromisso do estado colombiano em reconhecer o papel fundamental dos territórios indígenas na conservação da biodiversidade", diz Angela Kaxuyana.

O espaço é organizado pela Organización Nacional de los Pueblos Indígenas de la Amazonía Colombiana (Opiac), visando reunir as lideranças indígenas da Bacia Amazônica e debater pautas que envolvem os direitos dos povos indígenas com a perspectiva da biodiversidade.

Na ocasião, o presidente da Opiac, Oswaldo Muca Castizo, afirmou: "Representamos 64 povos indígenas que vivem na Amazônia colombiana, são oito povos em isolamento voluntário. Nossa missão é proteger os territórios, nós estamos em contato a natureza e somos os que mais estão vivendo conforme o tema da COP16, 'Paz com a natureza'. Nós somos fundamentais para salvar e ajudar a resgatar a natureza."

 

Fonte: Brasil de Fato

 

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