Medo do fogo, temor da enchente: ansiedade
climática é rotina no Acre, diz Angela Mendes
No Acre, as primeiras
chuvas de outubro foram o bastante para suprir a necessidade de alguns
municípios afetados drasticamente pela seca, ao mesmo tempo que despertou
alerta na população, principalmente da capital Rio Branco, pelo temor de
enchentes.
Em fevereiro deste
ano, o estado amazônico passou por extremos relacionados às cheias, vivendo uma
enchente histórica em alguns municipios. Por exemplo, Brasiléia, cidade na
fronteira com a Bolívia, onde o rio Acre chegou a mais de 15 metros.
Passados cinco meses,
em setembro, a população viu o afluente alcançar apenas 67 centímetros. Agora,
em outubro, passado o pior momento da seca, os moradores enfrentaram problemas
com uma chuva de granizo que destruiu telhas na cidade.
“Ansiedade climática”,
define Angela Mendes, filha do seringueiro e líder sindical Chico Mendes,
assassinado em 1988. “Esse termo já chegou nas bases, porque não é mais do que
definir o que as pessoas veem sentindo, quem está recebendo maior impacto desses
extremos climáticos".
“Se durante o período
de chuva, que para nós a gente chama de inverno, as pessoas ficam ansiosas sem
saber o que esperar, se vai ter enchente e como se preparar, durante o período
de estiagem é a mesma coisa, só que com medo do fogo, porque a gente vem tendo
recordes de focos de queimada”, explica em entrevista ao programa Bem Viver
desta terça-feira (22).
Embora reconheça estar
diante de um problema global, Angela Mendes cobra das prefeituras mais atitude
de amparo para a população. Ao mesmo tempo que lamenta que o debate climático
não tenha sido um assunto discutido durante as eleições na capital Rio Branco,
que elegeu em primeiro turno o atual prefeito Tião Bocalom (PL).
“A gente não viu, por
exemplo, agora nessa última eleição, nenhum debate aprofundado sobre essas
questões climáticas. E o atual prefeito que foi reeleito tem um histórico de
enchentes durante o mandato dele. E até então a gente não viu nenhuma medida
mais concreta”.
Na entrevista, Angela
Mendes celebrou candidaturas comprometidas com o clima que foram eleitas no
Brasil, como é o caso de Eliete Paraguassu (Psol), primeira vereadora
quilombola de Salvador.
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Confira a entrevista na íntegra
• As chuvas que chegaram em outubro foram
o suficiente para, ao menos, amenizar os problemas gerados pela seca nas
comunidades da Amazônia?
A Amazônia é muito
grande, às vezes chove bastante em algum lugar, não chove suficientemente no
outro.
Eu acho que pelo menos
amenizou algumas situações. Mas aí a questão agora é a preocupação com as
enchentes, afinal vivemos extremos climáticos e é preciso também falar da
ansiedade climática. A gente já começa a sentir a chegada das primeiras chuvas
com preocupação.
As previsões, por
exemplo, sobre temporais aqui no Acre não são nada boas. O início das chuvas
vem acompanhada dos temporais. No sábado [19], a gente teve uma chuva de
granizo principalmente no município de Brasileia e as pessoas tiveram prejuízos
os enormes, com as telhas todas furadas das pedras de gelo.
• Fale mais sobre ansiedade climática. É
algo que a população já vem usando para expressar o que está sentido?
Esse termo já chegou
nas bases, porque não é mais do que definir o que as pessoas veem sentindo,
quem está recebendo maior impacto desses extremos climáticos.
Esse sentimento de
ansiedade, de preocupação que nos atinge. Eu, particularmente, sofro. Eu não
moro na cidade, eu moro na zona de transição, então eu também tive que cavar
poços, além disso convivo com o medo de que o fogo entre na minha área.
Então se durante o
inverno, período de chuva que para nós a gente chama de inverno, as pessoas
ficam ansiosas sem saber o que esperar, se vai ter enchente, se não vai ter
enchente quando ela vem como se preparar, durante o período de estiagem a mesma
coisa também, só que com medo do fogo, porque a gente vem tendo recordes de
focos de queimada.
A gente sabe que o
Estado não está preparado para atender todos esses focos, eles se alastram de
forma incontrolável, entram em propriedades de pessoas que não são responsáveis
por esse fogo.
Então [quando] vão se
aproximando esses períodos, as pessoas vão ficando ansiosas e com medo, porque
ninguém toma providência, as prefeituras que deveriam se preocupar, pouco
debatem sobre isso.
A gente não viu, por
exemplo, agora nessa última eleição, nenhum debate aprofundado sobre essas
questões climáticas.
E o atual prefeito,
que foi reeleito, tem um histórico de enchentes durante o mandato dele. E até
então a gente não viu nenhuma medida mais concreta.
A não ser criar
abrigos durante os períodos de enchente, manter as pessoas em abrigos E aí,
quando elas retornam para casa, distribuir bens ou comida, que normalmente vem
através do governo federal, de programas do governo federal.
• Como foram as eleições em Rio Branco?
Foi frustrante ver tudo se resolver no primeiro turno, sem aprofundar um debate
de ideias sobre mudanças climáticas, por exemplo?
Olha, a gente ainda
vem de uma memória de muita criminalização do PT, da esquerda como todo.
Eu acho que na verdade
são vários fatores. Por exemplo, o atual prefeito, ele criou programas que
beneficiaram o público [apenas] no período de campanha.
Um programa, por
exemplo, de calçamento de ruas, que ele fez de qualquer forma no período de
pré-campanha para ganhar votos, o que é muito natural desses candidatos do
centrão e de extrema direita.
Então a gente está
cheio de obras eleitoreiras que não fazem o menor sentido. Os servidores são o
nosso grande público eleitoral, os funcionários da prefeitura sejam servidores
de carreira ou de empresas terceirizadas, como em todo Acre.
O principal empregador
no Acre são os governos municipais estaduais e eles fazem pressão, eles fazem
chantagem usando a máquina pública, principalmente.
A gente ainda vive
essa política de compra de votos, compra e venda de votos, porque o sistema
mantém a nossa população tão alienada, tão aprisionada nas suas necessidades,
nas suas dificuldades, é que isso sustenta.
Infelizmente, a gente
vê mais uma vez a extrema direita ganhando força aqui no Acre. E a população
não consegue entender a gravidade desse momento que a gente vive.
A gente foi para as
urnas com a cidade coberta de fumaça. A gente ainda tinha muita fumaça, sabe?
Fumaça pra caramba. A gente estava sem poder respirar direito, só engolindo
fumaça mesmo.
Mas infelizmente ainda
não há uma conexão entre esse cenário e a necessidade de começar a avaliar
sobre o valor do nosso voto, a importância desse voto para o futuro.
• Mas houve vitórias no que diz respeito a
vereadores e vereadoras eleitas pelo Brasil, certo?
Eu tive a grata
oportunidade de estar em Salvador quando a Eliete Paraguassu lançou a campanha
dela e eu jamais poderia deixar de participar de um momento tão importante
simbólico. Nessa campanha de uma mulher negra, pescadora, marisqueira, uma
ativista que sofre muitas ameaças.
E nós tínhamos
mulheres também incríveis, candidatas em vários outros lugares. Aqui é nossa
vizinha Neidinha Surui, em Rondônia, em Porto Velho, ou Antonia Cariongo em São
Luís.
Agora, o que
precisamos fazer é voltar às bases para fazer formação política de base, movimentar a educação popular, porque não tem
outra saída para a gente.
É trazer a educação
popular como um pilar de transformação de pensamento da sociedade, como um
hackeamento do sistema que nos coloca num sistema de educação que é precário
A gente precisa
melhorar a nossa educação, porque é através da educação, da arte, da cultura
que a gente vai transformar, sabe? Eu não acredito que seja por outro caminho
que a gente vá despertar a consciência das pessoas.
Mas ainda tem que
superar muita coisa dentro dos próprios partidos, porque nós tivemos
companheiras que foram muito prejudicadas dentro desse sistema eleitoral que
muitas vezes privilegia homens brancos.
• COP16 vai debater o papel das mulheres
indígenas na preservação da biodiversidade
"Não é de hoje
que as mulheres têm feito a diferença na conservação da biodiversidade. Elas
sempre tiveram esse papel fundamental", afirma Angela Kaxuyana,
representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
(Coiab) da Bacia Amazônica. Ela é uma das palestrantes da Conferência das
Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP da Biodiversidade), também
chamada de COP16, que teve início nesta segunda-feira (21), em Cali, na
Colômbia.
Angela conduzirá a
palestra Mulheres e governança territorial na Amazônia: pela biodiversidade e
pela proteção dos territórios indígenas tradicionais, realizada nesta
terça-feira (22), ao lado de Valéria Paye, diretora executiva do Podaáli, o
Fundo Indígena da Amazônia Brasileira. "A gente está num momento de agora
perceber o quanto elas [as mulheres] têm um papel fundamental nos territórios,
nas comunidades e nos espaços de fala", ressalta, em um resumo sobre o
tema que irá abordar.
Além do foco no
trabalho das mulheres, o papel dos povos indígenas na preservação da
biodiversidade terá destaque do evento, conforme explica o coordenador-geral da
Coiab, Toya Manchineri. "São os povos indígenas que mais preservam a
biodiversidade no planeta, por meio de nossos conhecimentos ancestrais e
relação única com a natureza", diz.
Para ele, a
contribuição dos povos indígenas para o debate sobre a biodiversidade é
fundamental para garantir uma COP com resultados qualitativos. "Vamos
compartilhar nossos saberes e experiências enquanto guardiões da floresta,
reforçando a importância da demarcação dos territórios indígenas como política
estratégica essencial na preservação da biodiversidade e enfrentamento dos
efeitos das mudanças climáticas", afirma.
A COP16 é o principal
fórum global de discussão e negociação de ações para a conservação da
biodiversidade. Além da Coiab e da Podáali, a conferência tem a participação de
representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Fórum
Internacional dos Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (Caucus Indígena)
América Latina e Caribe, além de outras lideranças indígenas da Bacia
Amazônica.
A programação do
evento é dividida entre Zona Azul, espaço oficial de negociação entre os países
participantes; e Zona Verde, destinada à participação da sociedade civil,
organizações não governamentais, setor privado e pessoas interessadas na
proteção e conservação da diversidade biológica. A delegação indígena da
Amazônia Brasileira participará dos dois espaços. A programação da COP16 vai
até o dia 1º de novembro.
Durante o evento,
organizações indígenas da Bacia Amazônica lançarão a coalizão internacional G9
da Amazônia Indígena, grupo que tem como objetivo ampliar a participação em
eventos internacionais. A coalizão tem representação dos oito países da Bacia
Amazônica (Brasil, Colômbia, Bolívia, Peru, Venezuela, Equador, Suriname) mais
a Guiana.
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Maloca Amazônica
Na manhã do primeiro
dia de evento, a delegação da Amazônia brasileira participou na inauguração da
Maloca Amazônica, espaço de reunião de lideranças indígenas da Bacia Amazônica
e de debate pautas que envolvem os direitos dos povos indígenas com a perspectiva
da biodiversidade.
"Foi um momento
de ver a reafirmação do compromisso do estado colombiano em reconhecer o papel
fundamental dos territórios indígenas na conservação da biodiversidade",
diz Angela Kaxuyana.
O espaço é organizado
pela Organización Nacional de los Pueblos Indígenas de la Amazonía Colombiana
(Opiac), visando reunir as lideranças indígenas da Bacia Amazônica e debater
pautas que envolvem os direitos dos povos indígenas com a perspectiva da biodiversidade.
Na ocasião, o
presidente da Opiac, Oswaldo Muca Castizo, afirmou: "Representamos 64
povos indígenas que vivem na Amazônia colombiana, são oito povos em isolamento
voluntário. Nossa missão é proteger os territórios, nós estamos em contato a
natureza e somos os que mais estão vivendo conforme o tema da COP16, 'Paz com a
natureza'. Nós somos fundamentais para salvar e ajudar a resgatar a
natureza."
Fonte: Brasil de Fato
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