BB, Bradesco e Itaú lideram ranking dos que
financiam setores que desmatam
BANCO DO BRASIL (BB),
BRADESCO E ITAÚ UNIBANCO lideram um ranking global das 30 instituições
bancárias que mais concederam créditos para 159 empresas de produção de
commodities com risco de desmatamento que operam na América do Sul, Sudeste
Asiático e África Central e Ocidental entre janeiro de 2018 e junho de 2024.
Disparado na
liderança, o BB destinou, nesse período, mais de 95 bilhões de dólares,
especialmente para os setores de soja (47 bilhões de dólares) e carne bovina
(45 bilhões). Em seguida, vem o Bradesco (um total de mais de 14,5 bilhões de
dólares) e o Itaú Unibanco (12 bilhões de dólares no total).
Os dados estão
presentes no relatório “Financiando o colapso da biodiversidade. Rastreamento
de bancos e investidores que impulsionam o desmatamento tropical”, divulgado na
última quarta-feira (16) pela Coalizão Florestas & Finanças, aliança global
de organizações da sociedade civil da qual a Repórter Brasil faz parte e que
cobra o fim do financiamento a atividades predatórias em florestas tropicais.
O estudo analisou
fluxos de créditos e participações em financiamentos a 300 empresas de seis
setores de commodities – soja, carne, óleo de palma, papel e celulose,
borracha, soja e madeira – cuja produção representa altos riscos de
desmatamento de florestas tropicais, perda de biodiversidade e violações de
direitos humanos. Um levantamento inicial foi publicado em dezembro de 2023.
Mais cinco bancos
brasileiros aparecem na lista: Banco do Nordeste (5° lugar), Banco da Amazônia
(7º), Sicredi (20º), Banrisul (21º) e Grupo Safra (24º).
“A grande maioria dos
créditos – 70% – vai para a América do Sul, com as indústrias da soja e da
pecuária bovina recebendo a maior fatia. Esse financiamento alimenta
diretamente a destruição da floresta amazônica, um dos ecossistemas mais
importantes da Terra”, afirmou à Repórter Brasil Merel van der Mark,
coordenadora da Coalizão Florestas & Finanças.
Para Christian
Poirier, diretor de Programas da Amazon Watch, uma das organizações que
integram a Coalizão Florestas e Finanças, “os bancos brasileiros estão
particularmente expostos a esses riscos ao possibilitarem que algumas das
indústrias mais destrutivas que existem operem na Amazônia e em outros locais
de grande biodiversidade”. “Essas instituições precisam ser rigorosamente
reguladas e responsabilizadas por ameaçarem nosso futuro coletivo”, defende.
• O que dizem os bancos
À Repórter Brasil, o
BB afirmou que não financia empresas responsáveis por “dano doloso” ao meio
ambiente e que possui “um framework de finanças sustentáveis totalmente
alinhado ao Acordo de Paris e aos principais standards de sustentabilidade
internacionais”. Diz também que “todas as operações de Custeio e Investimento
contratadas pelo Banco passam por rigoroso processo de verificação
Socioambiental”.
O Bradesco respondeu
que todas as operações do programa de crédito rural do banco passam por um
rigoroso processo de análise que contempla aspectos socioambientais e que
cumpre integralmente todas as regras de concessão do programa. “A metodologia
utiliza restritivos cadastrais para sinalizar riscos identificados a partir do
cruzamento dos dados com listas públicas que dispõe sobre prática de
crimes/danos socioambientais, monitoramento das áreas financiadas por satélite
e visitas prévias de campo por engenheiros agrônomos para avaliação de
financiamentos concedidos em áreas localizadas na região Amazônica, entre
outras ferramentas de análise”, afirmou a instituição em nota enviada à
reportagem.
O Itaú Unibanco, por
sua vez, respondeu que segue “rigorosamente” o Código Florestal e que reafirma
o compromisso com o cumprimento das leis e práticas socioambientais. “O banco
mantém uma governança bastante criteriosa para a concessão de crédito para seus
clientes corporativos, em especial aqueles com classificação prévia de alto
risco, que passam por análises mais aprofundadas, com foco no risco
socioambiental e climático”, afirma.
O Sicredi afirma que
“possui processos e regras para liberação e manutenção de crédito em
conformidade com as melhores práticas de gestão do mercado, amparados por uma
Política de Sustentabilidade e por uma Política de Gerenciamento de Riscos
Sociais, Ambientais e Climáticos”.
Já o Banco da Amazônia
informou que adota uma postura rigorosa, não concendendo crédito rural a
empreendimentos localizados em imóveis rurais com embargos de órgãos ambientais
e que utiliza dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal
por Satélite para monitorar e avaliar o desmatamento. “Esta política visa
garantir que nossos financiamentos não contribuam para a degradação ambiental,
especialmente em Áreas de Proteção Permanente (APP), matas nativas ou áreas de
reserva legal”.
A íntegra das
respostas dos cinco bancos pode ser lida aqui. Os demais bancos foram
procurados, mas não retornaram aos questionamentos da reportagem. O espaço
segue aberto para futuras manifestações.
• Soja e carne
Segundo o levantamento
da Coalizão Florestas & Finanças, desde a aprovação do Acordo de Paris, em
2015, as maiores instituições bancárias do mundo financiaram em mais de 395
bilhões de dólares os seis setores pesquisados. Mais de um quinto desse total
(77 bilhões de dólares) foi desembolsado apenas entre janeiro de 2023 e junho
de 2024.
Em relação à produção
de soja no Brasil, o estudo menciona os problemas socioambientais causados por
gigantes do setor como Cargill e Bunge, empresas ligadas ao desmatamento e à
expulsão de comunidades tradicionais na Amazônia e no Cerrado em razão da expansão
de suas operações.
Um dos conflitos
lembrados pelo relatório é a luta do povo indígina Munduruku em defesa de seu
território no Pará contra a construção da ferrovia conhecida como Ferrogrão –
promovida por ambas as empresas –, o que, segundo o relatório, poderia resultar
em desmatamento em grande escala e em violações dos direitos de indígenas e
comunidades locais.
Ainda de acordo com o
documento, comunidades tradicionais do Pará acionaram judicialmente a Cargill
diante de sua intenção de construir um porto em suas terras tradicionais. Além
disso, a companhia é objeto de uma queixa apresentada pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no ano passado por conta de
violações ambientais e de direitos humanos.
Em resposta
encaminhada à Repórter Brasil, a Bunge afirma estar comprometida em desenvolver
práticas agrícolas sustentáveis em todas suas cadeias de suprimentos e “apoiar
projetos que protejam o meio ambiente, respeitem os direitos humanos e melhorem
o bem-estar econômico de agricultores, colaboradores e comunidades locais”.
“Usamos recursos disponíveis para garantir que cumpramos nossos compromissos,
incluindo tecnologia de satélite de ponta para monitorar áreas prioritárias na
América do Sul”, diz. A íntegra do posicionamento pode ser lida aqui.
A reportagem também
enviou questionamentos à assessoria de imprensa da Cargill, mas não obteve
retorno até a publicação desta matéria.
Outro exemplo
“gritante” destacado pelo estudo é o da JBS, maior processadora de carnes do
mundo. Entre 2018 e junho de 2024, a empresa recebeu mais de 1,1 bilhão de
dólares em créditos, e em julho de 2024 contava com 719 milhões de dólares em
investimentos. “O fracasso da empresa em rastrear suas cadeias de fornecimento
de gado contribuiu para a pecuária ilegal em terras indígenas, incluindo a
destruição de 477 quilômetros quadrados da Terra Indígena Parakanã, no Pará”,
diz o relatório.
A JBS respondeu que
desde 2009 avalia, por meio de monitoramento geoespacial, “milhares de
potenciais fazendas fornecedoras de bovinos diariamente”. “A Política de
Compras de Matéria-Prima da JBS proíbe a compra de propriedades com
desmatamento ilegal, áreas de embargo ambiental, unidades de conservação e
terras indígenas ou quilombolas, entre outros requisitos, como estar na Lista
Suja do Trabalho Escravo”, afirma a nota à reportagem.
• Marco Global da Biodiversidade
Para a Coalizão
Florestas & Finanças, os números revelam como, sob a inação dos governos,
as finanças globais têm impulsionado a degradação de ecossistemas tropicais e,
assim, contribuído para a aceleração da crise global de biodiversidade, apesar
da existência de acordos internacionais como o Marco Global da Biodiversidade
(GBF, na sigla em inglês), aprovado em 2022 durante a 15ª Conferência das
Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15), realizada em Montreal,
no Canadá.
De acordo com o
relatório, o “financiamento atual está alimentando a crise que está levando as
florestas tropicais na Amazônia, na Bacia do Congo e no Sudeste Asiático ao
colapso ecológico”. “As evidências indicam que, desde a adoção do GBF em 2022,
a Meta 14 – que exige o alinhamento dos fluxos financeiros com as metas de
biodiversidade – tem sido amplamente ignorada”.
A Coalizão Florestas e
Finanças defende que é preciso alterar o fluxo de financiamentos de atividades
ambientalmente destrutivas para soluções sustentáveis. “Os povos indígenas,
guardiões de longa data da biodiversidade, são fundamentais nesses esforços, e
devem ser apoiados por proteções legais e financeiras mais fortes.”
• ‘Greenwashing’
O relatório chama a
atenção, ainda, para o que classifica como “uma falsa narrativa de
sustentabilidade” das instituições financeiras, cujas práticas apresentam uma
lacuna crescente entre compromissos e ações. De acordo com o documento, mais da
metade dos 30 principais bancos que financiam setores ligados ao desmatamento
integram iniciativas voluntárias voltadas para uma atuação que leve em conta a
preservação ambiental.
No entanto, segundo os
pesquisadores, não foi possível encontrar evidências que sugiram que essas
iniciativas tenham restringido fluxos financeiros prejudiciais. Assim, “tais
estruturas voluntárias permitem que as empresas pareçam sustentáveis enquanto continuam
com práticas destrutivas”.
A Bunge é citada pelo
estudo como um exemplo desta situação. Líder no comércio de soja no Cerrado
brasileiro, ela integra a “Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras
Relacionadas à Natureza” (TNFD, na sigla em inglês). “Apesar de estar ligada a
mais de 60 mil hectares de desmatamento e abusos de direitos humanos, a Bunge
usa a estrutura da TNFD para relatar de forma seletiva sobre os riscos
relacionados à natureza, mascarando seus danos ambientais”, alerta a Coalizão
Florestas e Finanças.
O relatório critica
também sistemas de certificação que não garantem exigências básicas, como a de
que empresas excluam de sua cadeia produtiva qualquer elo que promova
desmatamento ou violações de direitos humanos. “As instituições financeiras que
dependem dessas certificações são cúmplices dessa lavagem verde (greenwashing),
que perpetua ainda mais os danos ambientais”, afirma o documento.
“As instituições
financeiras e seus clientes corporativos têm bastante experiência na fraude do
‘greenwashing’. Ao promoverem falsas soluções, como, por exemplo, créditos de
carbono e de biodiversidade, aparentam estar promovendo ações relacionadas a
questões climáticas e de biodiversidade, quando, na realidade, apenas
encontraram uma nova forma de continuarem lucrando com a destruição”, critica
Merel van der Mark.
• Organização cobra fim de financiamento a
atividades predatórias em florestas tropicais
AS REGULAMENTAÇÕES do
setor financeiro são inadequadas para impedir o financiamento de atividades
predatórias nas florestas tropicais.
A conclusão é de um
estudo publicado na última quarta-feira (16) pela Coalizão Florestas &
Finanças, uma aliança global de entidades da sociedade civil, entre elas a
Repórter Brasil.
O levantamento “A
regulamentação do financiamento para a biodiversidade. Uma análise para o Marco
Global da Biodiversidade (GBF)” avaliou como cinco países e regiões-chave se
protegem para restringir o financiamento de setores com alto risco de desmatamento
tropical.
Foram examinadas leis,
regulamentações e diretrizes governamentais de: Brasil, Indonésia, China, União
Europeia e Estados Unidos. O parâmetro utilizado foi o cumprimento de metas do
Marco Global da Biodiversidade (GBF, na sigla em inglês), acordo firmado por
196 países na Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade de 2022.
“O setor financeiro
tem ignorado totalmente o GBF, adotado por simplesmente todas as nações do
mundo, exceto Estados Unidos e Vaticano, assim como [ignora] chamados para
alinhar os fluxos financeiros com metas de biodiversidade. Em vez disso, vem
ativamente intensificando a crise da biodiversidade”, diz Merel van der Mark,
coordenadora da Coalizão Florestas & Finanças.
O relatório recomenda
“a adoção urgente de regulamentações robustas para o setor financeiro,
orientadas para resultados, bem como regimes de sanções claros em caso de não
cumprimento”. A coalizão vê como indispensável para a conservação da natureza a
aplicação de regras que “eliminem os fluxos financeiros que impulsionam o
desmatamento e as violações de direitos humanos associadas”.
Segundo o estudo, os
investimentos públicos e privados que “contribuem diretamente” para os danos à biodiversidade
foram estimados em 7 trilhões de dólares (R$ 39,5 trilhões) em 2023, enquanto
apenas 200 bilhões de dólares (R$ 1,1 trilhão) foram gastos em sua conservação
ou restauração.
Os cinco países e
regiões pesquisados são algumas das principais fontes de financiamento e
investimentos que contribuem decisivamente para destruição ambiental e
violações de direitos em áreas tropicais, conforme apontado em outro estudo da
Coalizão Florestas & Finanças, também divulgado nesta quarta.
De acordo com esse
segundo levantamento, as maiores instituições bancárias do mundo destinaram
mais de 395 bilhões de dólares desde a aprovação do Acordo de Paris, em 2015,
para seis setores econômicos cuja produção apresenta altos riscos de
desmatamento de florestas tropicais, perda de biodiversidade e violações de
direitos humanos: soja, carne bovina, óleo de palma, papel e celulose, borracha
e madeira. O Banco do Brasil e o Bradesco foram considerados os maiores
financiadores de negócios antiambientais, entre todos os países. Confira na
íntegra o posicionamento dos bancos.
Os estudos da coalizão
revelaram ainda que o sistema bancário brasileiro responde por 48% de todo o
crédito destinado nos últimos oito anos às seis commodities mencionadas.
Subsidiárias de instituições bancárias estrangeiras no Brasil são responsáveis
por 9% do total. Além disso, em julho de 2024, um total de 187 bilhões de
dólares (R$ 1 trilhão) estava investido no agronegócio brasileiro.
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Destruição de florestas tropicais
Para a Coalizão
Florestas & Finanças, o alto fluxo financeiro tem relação direta com a
destruição de florestas tropicais. A taxa global de desmatamento “permaneceu
perigosamente alta desde 2018, com 3,7 milhões de hectares eliminados somente
em 2023, liberando cerca de 2,4 gigatoneladas de dióxido de carbono na
atmosfera. Se as tendências atuais continuarem, uma área de floresta tropical
do tamanho da Guiana será destruída nos próximos cinco anos, emitindo o
equivalente a 2,5 vezes as emissões anuais de carbono dos EUA”, analisa o
relatório.
Para a organização, o
agronegócio e a exploração madeireira são os principais responsáveis pelo
desmatamento tropical e estão ligados, inclusive, ao assassinato de defensores
do direito à terra. Mas, “em vez de abordar seu próprio papel prejudicial na perpetuação
da crise da biodiversidade, o setor financeiro está promovendo iniciativas que
são, em grande parte, egoístas e com falhas estruturais”, diz o estudo.
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Conclusões
A análise classifica
os resultados como “extremamente preocupantes, indicando uma integração
deficiente da biodiversidade na regulamentação e fiscalização do setor
financeiro”.
Embora possua uma
legislação insuficiente, o Brasil, por adotar algumas restrições ao
financiamento de empresas envolvidas na destruição da biodiversidade, teve um
desempenho um pouco melhor do que Estados Unidos – que não possui “nenhuma
consideração relevante sobre biodiversidade em suas regulamentações do setor
financeiro” –, Indonésia e China – que apresentam algumas referências em suas
regras.
Já a União Europeia
obteve um desempenho ligeiramente superior. No entanto, o bloco “ainda isenta o
setor financeiro de certas regulamentações relacionadas à biodiversidade, o que
reflete uma proteção geral inadequada”, diz o estudo.
Nesse sentido, a
Coalizão Florestas & Finanças afirma ser fundamental que os governos
realizem reformas significativas no setor financeiro. “Devem deixar claro que a
proteção da biodiversidade faz parte do mandato de bancos centrais, reguladores
financeiros e supervisores e que estes devem adotar critérios de biodiversidade
e direitos humanos.”
Fonte: Repórter Brasil
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