'Limpeza da morte': a prática sueca de se
livrar de bens acumulados em vida
Um objeto a mais, um
objeto a menos, a grande maioria das pessoas vive cercada por coisas
absolutamente desnecessárias.
De roupas velhas a
peças que nem sequer foram usadas, de eletrodomésticos com usos questionáveis a
fotos de pessoas cujos nomes não lembramos mais, tendemos a acumular muito mais
do que precisamos para viver.
E se, às vezes, nós
mesmos não sabemos o que fazer com tanta tralha, imagine a dor de cabeça que
tudo isso pode ser para sua família no dia em que você deixar de existir.
Os suecos, no entanto,
parecem ter encontrado uma forma bastante pragmática de lidar com esta
situação: eles organizam e se desfazem de grande parte de seus pertences antes
de morrer.
Trata-se de uma
prática conhecida como döstädning — um termo relativamente recente para
designar um costume antigo — que combina a palavra dö (morte) e städning
(limpeza).
Esta "limpeza
antes da morte" consiste em se livrar de tudo o que é desnecessário antes
de deixar este mundo. Uma prática que a artista sueca nonagenária Margareta
Magnusson explica em detalhes no livro O que deixamos para trás: a arte sueca
do minimalismo e do desapego.
Basicamente, "a
ideia é não deixar um monte de lixo para trás quando você morrer. Lixo que
outras pessoas vão ter que dar um fim", explica Magnusson à BBC News
Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
"Nesta cultura
consumista em que vivemos, o döstädning é uma forma de ajudar aqueles que
deixamos para trás", acrescenta.
É uma ideia tão
simples que se poderia dizer que não precisa de explicação, se não fosse pelo
fato de que a morte de um ente querido deixa para muita gente uma montanha de
problemas não resolvidos, coisas para organizar, além de uma tristeza sem fim.
"Um dia, quando
você não estiver mais aqui, sua família vai ter que lidar com todas as suas
coisas, e não acho isso justo", explica Magnusson em um vídeo que gravou
com a filha.
"Pense nas suas
pessoas favoritas. Você quer colocar todo seu lixo no colo delas? E pense em
todas as suas coisas favoritas: elas deveriam acabar na lixeira?", diz ela
à BBC News Mundo.
"Tive que arrumar
tudo tantas vezes após a morte de outra pessoa que não obrigaria ninguém a
fazer isso após minha morte”, acrescenta a autora, que teve que cuidar de tudo
que seu pai, sua mãe e seu marido deixaram para trás após falecerem.
Ainda assim, a artista
reconhece que o processo não é fácil para todos.
"Fazer um
inventário de todos os nossos pertences antigos, lembrar da última vez que os
usamos, e dizer adeus a alguns deles, não é uma tarefa fácil para muita gente.
As pessoas são mais propensas a acumular coisas do que a jogá-las fora",
ela afirma.
Mas admite que está
sempre fazendo este tipo de limpeza, porque "gosto de ter tudo bonito e
arrumado ao meu redor".
"Gostei de rever
minhas memórias, minha vida. Dar coisas para meus netos e meus filhos."
"Não vejo isso
como algo triste", ela diz.
"Mas, sim, como
um alívio."
• Mãos à obra
Se este conceito
nórdico te agrada, e você acha que pode ser útil, Magnusson tem várias
sugestões sobre como colocar em prática.
Primeiro, comece
analisando o que você tem no sótão, no porão ou nos armários do corredor. Ou
seja, nos lugares que estão fora de vista, e onde costumam estar as coisas que
você não usa, aquelas com as quais você não sabe o que fazer e que talvez nem
se lembre que tem.
Você também pode
pensar em um parente ou amigo mais jovem, a quem pode dar coisas que não te
servem mais e que podem ser de grande utilidade para ele.
"Comece com as
coisas grandes. Mesas, cadeiras, móveis. Depois passe para coisas menores, como
roupas e panelas", diz ela à BBC News Mundo.
Em relação às roupas,
ela argumenta que o ideal é ter um guarda-roupa só com o que gostamos de usar,
com peças que possam ser combinadas entre si, que você possa escolher quase de
olhos fechados e sair sempre bem vestido.
Prova disso é a
maioria das fotos que você verá dela na internet, em que sempre aparece com uma
calça lisa e camiseta listrada.
Os itens que só te
dizem respeito, como souvenirs, cartas, diários ou fotos íntimas, podem ser
guardados em uma caixa etiquetada com o nome de alguém de confiança, e com
instruções claras para que descarte sem inspecionar seu conteúdo.
Ela também recomenda
adquirir uma fragmentadora de papel para destruir documentos muito
particulares, potencialmente prejudiciais ou simplesmente desnecessários.
Igualmente importantes
são os problemas ou situações não resolvidas com amigos e familiares: é uma boa
ideia tentar esclarecê-las antes que seja tarde demais.
As senhas de acesso a
sites e contas de plataformas digitais podem ser anotadas em algum lugar para
facilitar a vida de quem fica para trás, diz ela.
E, por fim, você pode
se dedicar a organizar (ou descartar) as fotos e lembranças.
É sempre melhor deixar
isso para o final, "porque se não você fica preso no baú das recordações,
e não consegue fazer nada", explica.
O melhor é fazer isso
sozinho, uma vez que o objetivo é justamente não sobrecarregar os outros.
• Conversa difícil
Qual é o momento ideal
para encarar esta tarefa?
"Se você está na
reta final, não espere demais…" escreve a artista.
Ela sugere começar aos
65 anos, no mínimo. Mas, na verdade, acredita que é melhor começar o mais cedo
possível.
"Comece cedo,
antes que você fique velho e fraco demais para fazer isso", recomenda
Magnusson, que diz fazer um pouco todos os dias.
"Nunca é cedo
demais. Só é tarde demais quando você já está morto", diz ela à BBC News
Mundo.
"Você não vai se
arrepender, tampouco seus entes queridos."
E se não estivermos
pensando em nós mesmos, mas em nossos pais, Magnusson sugere que tenhamos essa
conversa com eles em algum momento.
"Claro que não é
fácil, mas acho que se você não fizer isso enquanto eles estão vivos, vai ser
um inferno para você depois", explica.
"Você precisa ser
um pouco indelicado, e talvez possa ir com eles até o porão ou o sótão, e
perguntar o que eles querem fazer com isso ou aquilo, e se você pode ajudá-los
a reduzir seus pertences."
"Não acho que
eles vão ficar bravos com isso", conclui.
Fonte: BBC News Mundo
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