quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Outubro Rosa: prevenir é melhor do que remediar

Apesar de os testes genéticos já estarem em uso com maior proporção em países de primeiro mundo há décadas, no Brasil e outros países emergentes, o acesso a esses testes na saúde pública ainda é limitado. Os benefícios da disponibilização dessa tecnologia na população são múltiplos e, entre eles, está a maior capacidade de detecção precoce de pessoas com alto risco para desenvolver câncer ao longo da vida, incluindo o câncer de ovário e mama.

Pessoas com certas alterações genéticas herdadas (chamadas de variantes patogênicas), apresentam, desde o nascimento, risco maior de desenvolver um ou múltiplos tumores, frequentemente em idade jovem. Formas hereditárias correspondem a 10% de todos os tumores e o caso mais emblemático de prevenção do câncer a partir da informação de um teste genético é o da atriz Angelina Jolie. Ela foi diagnosticada com uma variante genética antes de desenvolver câncer por um teste realizado com base em sua história familiar. A partir deste resultado, realizou cirurgias de redução de risco e segue até hoje sem câncer. O teste é realizado em amostras de sangue, saliva ou coleta de células da bochecha e as pessoas com variantes genéticas de predisposição identificadas, além das cirurgias redutoras de risco, podem ser acompanhadas com exames de rastreamento (por exemplo mamografia e ressonância das mamas) desde cedo e com maior frequência, o que aumenta muito as chances de detectar precocemente um tumor.

Um diagnóstico precoce de câncer pode ser decisivo para a cura, para tratamentos menos agressivos, e para assegurar uma maior qualidade de vida e sobrevida durante e após o tratamento. Além disso, evitar a ocorrência de câncer em pessoas de alto risco ou diagnosticar o câncer mais precocemente significa uma importante economia de custos para o sistema de saúde. Parte da elevada carga financeira do câncer sobre a sociedade pode ser explicada pelos diagnósticos tardios da doença (infelizmente ainda muito frequentes), que minimizam as chances de recuperação e oneram, em muito, o sistema de saúde.

É consenso na literatura internacional que todas as pacientes com diagnóstico da forma mais comum de câncer de ovário (tumores epiteliais), por exemplo, deveriam realizar o teste genético. Para o câncer de mama, várias sociedades já sugerem que o teste seja feito também em todos os casos. Mais recentemente, mas ainda sem consenso de sociedades, este ano, nos Estados Unidos e no Canadá, duas publicações de destaque no periódico JAMA demonstraram que é custo efetivo realizar o teste genético para formas hereditárias de câncer de mama e ovário em todas mulheres da população a partir dos 30 anos, independentemente do histórico familiar. Ou seja, o estudo sugere que pagar o teste para todas as mulheres em uma certa idade, identificando quem tem maior risco e atuando nesse grupo, resulta em economias para o sistema de saúde e potenciais milhares de mortes evitadas pela doença por proporcionar uma capacidade de diagnóstico antecipada, ou até mesmo, prevenção da ocorrência de câncer.

No Brasil, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), um órgão do Ministério da Saúde, desenvolveu diretrizes para considerar obrigatória a cobertura de certos exames pelos convênios de saúde. O teste genético de predisposição hereditária ao câncer de mama e ovário foi incluído no ano de 2014 restringindo a indicação do teste dos genes BRCA1 e BRCA2 para pessoas com critérios mais estritos de idade e história familiar. Ao longo dos anos, ficou evidente que BRCA1 e BRCA2 correspondem a apenas 50% dos casos hereditários de câncer de mama e ovário e que muitas mulheres sem os critérios mais estritos do teste, têm as variantes. No entanto, o mais surpreendente é que dez anos após a disponibilização para pacientes de convênio, o teste ainda não está disponível para a maioria das mulheres brasileiras que são usuárias do SUS. Cabe ressaltar que alguns estados da federação aprovaram leis regionais que proporcionam acesso ao teste no sistema público, porém a execução plena do que está previsto, ainda é desafiadora e apenas uma parcela pequena das mulheres com indicação para o teste é efetivamente testada.

Os fatos relatados elucidam o contraste:  enquanto países como o Canadá já demonstraram que realizar o teste genético preditivamente em todas as mulheres em certa idade tende a ser um caminho custo-efetivo, no Brasil o acesso é ainda restrito aos usuários da saúde suplementar, independentemente do nível de risco das pacientes. Soma-se a esse cenário contrastante, a dificuldade de entendimento por parte de gestores de saúde de que permitir acesso ao teste genético é apenas o primeiro passo da jornada das pacientes que venham a ter uma forma hereditária de câncer de mama ou ovário. O teste é um sinalizador e, para que possa resultar em redução da carga do câncer e melhora de qualidade de vida, requer que haja estrutura de aconselhamento e opções terapêuticas eficazes e disponíveis às pacientes que são testadas e que apresentam a variante genética. É preciso assegurar que os familiares das mulheres com câncer de mama e ovário hereditários possam ser igualmente testados, pois se forem familiares de primeiro grau terão 50% de chance de ter a mesma variante genética. É preciso assegurar, para todas as mulheres com variantes genéticas, o acesso às cirurgias redutoras de risco ou a um acompanhamento específico  preventivo, se ainda não tiveram câncer. E, por fim, para aquelas já diagnosticadas com um tumor, é preciso assegurar o melhor tratamento frente ao seu diagnóstico individual, o que poderá implicar em uso de drogas específicas que não são comumente usadas em quem não tem a forma hereditária da doença.

Hoje, em relação ao câncer hereditário, estamos voando às cegas.  Apesar da tecnologia existente tornar possível identificar mulheres com maior risco,  chance de cura ou melhoria de sobrevida, a sua indisponibilidade para a população brasileira impede que possamos usá-la para direcionar as melhores estratégias de forma centrada nas reais necessidades de cada indivíduo. Não faltam evidências para provar que prevenir é melhor do que remediar quando se trata doenças oncológicas e o mesmo vale para as formas hereditárias de câncer. Para que essa tese seja exequível no Brasil, políticas integradas e multidisciplinares de cuidado, que sigam as evidências clínicas e que sejam formatadas como uma linha de cuidado ao longo prazo, devem ser valorizadas e implementadas no sistema de saúde.

 

•        Ministério da Saúde lança cartilha de cuidado integral da pessoa com câncer de mama

O Ministério da Saúde lançou na quinta-feira, 17, uma cartilha voltada ao cuidado integral da pessoa com câncer de mama. Elaborado pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), o objetivo é orientar os profissionais da saúde na prevenção, diagnóstico e tratamento da doença. A cartilha é composta por tópicos como encaminhamento seguro, direitos sociais e reconstrução de mama, práticas integrativas e complementares em saúde, cuidados paliativos, entre outros.

O câncer de mama é o mais comum entre mulheres no Brasil, excluindo o câncer de pele não-melanoma, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA). Ainda segundo o instituto, estima-se que o país terá cerca de 73.610 novos casos de câncer de mama entre 2023 e 2025. A cartilha surge para garantir melhores resultados de saúde e qualidade de vida para a população. Entre as orientações, estão formas de como realizar um encaminhamento seguro após a detecção do câncer de mama e quais os direitos sociais das pessoas com câncer. O documento ainda inclui orientações sobre a reconstrução mamária, uma ação para ampliar o conhecimento sobre o direito disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes que tiveram uma ou ambas as mamas amputadas em decorrência do câncer.

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que “a ideia é promover um acompanhamento mais proativo e cuidadoso, onde a mulher se sinta amparada, compreendendo os sinais do seu corpo, mas contando com o auxílio da equipe de saúde para a detecção precoce de eventuais sinais de câncer”.

O material “Orientações para profissionais da atenção primária à saúde no cuidado integral da pessoa com câncer de mama” enfatiza que o processo do diagnóstico não é inteira responsabilidade do paciente e cabe ao profissional de saúde proporcionar o suporte necessário para isso. Os profissionais de saúde são instruídos a fornecer um atendimento humanizado e acolhedor ao paciente, estando preparados para oferecer informações claras e acessíveis e ajudarem no monitoramento de recidivas, efeitos colaterais e questões relacionadas à saúde mental.

O documento abrange formas de detecção precoce do câncer de mama em mulheres que buscam as Unidades Básicas de Saúde (UBS), mas também em homens – segundo o Inca, do total de casos da doença, 1% acomete homens, que tendem a ter um diagnóstico tardio, cerca de dez anos depois.

 

Fonte: Por Ana Paula Beck da Silva Etges, em Futuro da Saúde

 

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