Outubro Rosa: prevenir é melhor do que
remediar
Apesar de os testes
genéticos já estarem em uso com maior proporção em países de primeiro mundo há
décadas, no Brasil e outros países emergentes, o acesso a esses testes na saúde
pública ainda é limitado. Os benefícios da disponibilização dessa tecnologia na
população são múltiplos e, entre eles, está a maior capacidade de detecção
precoce de pessoas com alto risco para desenvolver câncer ao longo da vida,
incluindo o câncer de ovário e mama.
Pessoas com certas
alterações genéticas herdadas (chamadas de variantes patogênicas), apresentam,
desde o nascimento, risco maior de desenvolver um ou múltiplos tumores,
frequentemente em idade jovem. Formas hereditárias correspondem a 10% de todos
os tumores e o caso mais emblemático de prevenção do câncer a partir da
informação de um teste genético é o da atriz Angelina Jolie. Ela foi
diagnosticada com uma variante genética antes de desenvolver câncer por um
teste realizado com base em sua história familiar. A partir deste resultado,
realizou cirurgias de redução de risco e segue até hoje sem câncer. O teste é
realizado em amostras de sangue, saliva ou coleta de células da bochecha e as
pessoas com variantes genéticas de predisposição identificadas, além das
cirurgias redutoras de risco, podem ser acompanhadas com exames de rastreamento
(por exemplo mamografia e ressonância das mamas) desde cedo e com maior
frequência, o que aumenta muito as chances de detectar precocemente um tumor.
Um diagnóstico precoce
de câncer pode ser decisivo para a cura, para tratamentos menos agressivos, e
para assegurar uma maior qualidade de vida e sobrevida durante e após o
tratamento. Além disso, evitar a ocorrência de câncer em pessoas de alto risco
ou diagnosticar o câncer mais precocemente significa uma importante economia de
custos para o sistema de saúde. Parte da elevada carga financeira do câncer
sobre a sociedade pode ser explicada pelos diagnósticos tardios da doença
(infelizmente ainda muito frequentes), que minimizam as chances de recuperação
e oneram, em muito, o sistema de saúde.
É consenso na
literatura internacional que todas as pacientes com diagnóstico da forma mais
comum de câncer de ovário (tumores epiteliais), por exemplo, deveriam realizar
o teste genético. Para o câncer de mama, várias sociedades já sugerem que o
teste seja feito também em todos os casos. Mais recentemente, mas ainda sem
consenso de sociedades, este ano, nos Estados Unidos e no Canadá, duas
publicações de destaque no periódico JAMA demonstraram que é custo efetivo
realizar o teste genético para formas hereditárias de câncer de mama e ovário
em todas mulheres da população a partir dos 30 anos, independentemente do
histórico familiar. Ou seja, o estudo sugere que pagar o teste para todas as
mulheres em uma certa idade, identificando quem tem maior risco e atuando nesse
grupo, resulta em economias para o sistema de saúde e potenciais milhares de
mortes evitadas pela doença por proporcionar uma capacidade de diagnóstico
antecipada, ou até mesmo, prevenção da ocorrência de câncer.
No Brasil, a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), um órgão do Ministério da Saúde,
desenvolveu diretrizes para considerar obrigatória a cobertura de certos exames
pelos convênios de saúde. O teste genético de predisposição hereditária ao
câncer de mama e ovário foi incluído no ano de 2014 restringindo a indicação do
teste dos genes BRCA1 e BRCA2 para pessoas com critérios mais estritos de idade
e história familiar. Ao longo dos anos, ficou evidente que BRCA1 e BRCA2
correspondem a apenas 50% dos casos hereditários de câncer de mama e ovário e
que muitas mulheres sem os critérios mais estritos do teste, têm as variantes.
No entanto, o mais surpreendente é que dez anos após a disponibilização para
pacientes de convênio, o teste ainda não está disponível para a maioria das
mulheres brasileiras que são usuárias do SUS. Cabe ressaltar que alguns estados
da federação aprovaram leis regionais que proporcionam acesso ao teste no
sistema público, porém a execução plena do que está previsto, ainda é desafiadora
e apenas uma parcela pequena das mulheres com indicação para o teste é
efetivamente testada.
Os fatos relatados
elucidam o contraste: enquanto países
como o Canadá já demonstraram que realizar o teste genético preditivamente em
todas as mulheres em certa idade tende a ser um caminho custo-efetivo, no
Brasil o acesso é ainda restrito aos usuários da saúde suplementar,
independentemente do nível de risco das pacientes. Soma-se a esse cenário
contrastante, a dificuldade de entendimento por parte de gestores de saúde de
que permitir acesso ao teste genético é apenas o primeiro passo da jornada das
pacientes que venham a ter uma forma hereditária de câncer de mama ou ovário. O
teste é um sinalizador e, para que possa resultar em redução da carga do câncer
e melhora de qualidade de vida, requer que haja estrutura de aconselhamento e
opções terapêuticas eficazes e disponíveis às pacientes que são testadas e que
apresentam a variante genética. É preciso assegurar que os familiares das
mulheres com câncer de mama e ovário hereditários possam ser igualmente
testados, pois se forem familiares de primeiro grau terão 50% de chance de ter
a mesma variante genética. É preciso assegurar, para todas as mulheres com
variantes genéticas, o acesso às cirurgias redutoras de risco ou a um
acompanhamento específico preventivo, se
ainda não tiveram câncer. E, por fim, para aquelas já diagnosticadas com um
tumor, é preciso assegurar o melhor tratamento frente ao seu diagnóstico
individual, o que poderá implicar em uso de drogas específicas que não são
comumente usadas em quem não tem a forma hereditária da doença.
Hoje, em relação ao
câncer hereditário, estamos voando às cegas.
Apesar da tecnologia existente tornar possível identificar mulheres com
maior risco, chance de cura ou melhoria
de sobrevida, a sua indisponibilidade para a população brasileira impede que
possamos usá-la para direcionar as melhores estratégias de forma centrada nas
reais necessidades de cada indivíduo. Não faltam evidências para provar que
prevenir é melhor do que remediar quando se trata doenças oncológicas e o mesmo
vale para as formas hereditárias de câncer. Para que essa tese seja exequível
no Brasil, políticas integradas e multidisciplinares de cuidado, que sigam as
evidências clínicas e que sejam formatadas como uma linha de cuidado ao longo
prazo, devem ser valorizadas e implementadas no sistema de saúde.
• Ministério da Saúde lança cartilha de
cuidado integral da pessoa com câncer de mama
O Ministério da Saúde
lançou na quinta-feira, 17, uma cartilha voltada ao cuidado integral da pessoa
com câncer de mama. Elaborado pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde
(SAPS), o objetivo é orientar os profissionais da saúde na prevenção, diagnóstico
e tratamento da doença. A cartilha é composta por tópicos como encaminhamento
seguro, direitos sociais e reconstrução de mama, práticas integrativas e
complementares em saúde, cuidados paliativos, entre outros.
O câncer de mama é o
mais comum entre mulheres no Brasil, excluindo o câncer de pele não-melanoma,
de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA). Ainda segundo o instituto,
estima-se que o país terá cerca de 73.610 novos casos de câncer de mama entre
2023 e 2025. A cartilha surge para garantir melhores resultados de saúde e
qualidade de vida para a população. Entre as orientações, estão formas de como
realizar um encaminhamento seguro após a detecção do câncer de mama e quais os
direitos sociais das pessoas com câncer. O documento ainda inclui orientações
sobre a reconstrução mamária, uma ação para ampliar o conhecimento sobre o
direito disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes que tiveram
uma ou ambas as mamas amputadas em decorrência do câncer.
Em nota, o Ministério
da Saúde afirma que “a ideia é promover um acompanhamento mais proativo e
cuidadoso, onde a mulher se sinta amparada, compreendendo os sinais do seu
corpo, mas contando com o auxílio da equipe de saúde para a detecção precoce de
eventuais sinais de câncer”.
O material
“Orientações para profissionais da atenção primária à saúde no cuidado integral
da pessoa com câncer de mama” enfatiza que o processo do diagnóstico não é
inteira responsabilidade do paciente e cabe ao profissional de saúde
proporcionar o suporte necessário para isso. Os profissionais de saúde são
instruídos a fornecer um atendimento humanizado e acolhedor ao paciente,
estando preparados para oferecer informações claras e acessíveis e ajudarem no
monitoramento de recidivas, efeitos colaterais e questões relacionadas à saúde
mental.
O documento abrange
formas de detecção precoce do câncer de mama em mulheres que buscam as Unidades
Básicas de Saúde (UBS), mas também em homens – segundo o Inca, do total de
casos da doença, 1% acomete homens, que tendem a ter um diagnóstico tardio, cerca
de dez anos depois.
Fonte: Por Ana Paula
Beck da Silva Etges, em Futuro da Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário