Thomaz Mill: ‘O pobre de direita afundou a
esquerda?’
As eleições municipais no Brasil,
no início de outubro, foram um desastre para a esquerda. A centro-direita saiu
como grande vencedora, com o PSD de Gilberto Kassab à frente de todos, seguido
pelo PL e os Republicanos, que a esquerda costuma classificar como extrema
direita. Nomes como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas,
encontram-se nessa ala.
O PT, por sua vez, aparece combalido, em nono
lugar. Um resultado que faz pensar, ao mostrar que continua avançando a perda
de significado do partido, iniciada nos anos 2010.
A previsível derrota
de seu aliado Guilherme Boulos (Psol), em São Paulo – antigo bastião
petista – no segundo turno, no próximo domingo (27/10), completa esse cenário
desanimador para a esquerda. Aparentemente, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva deixou Boulos à própria sorte na
campanha, ao notar que não havia chance de ganhar a disputa.
Enquanto na ala
direitista vários candidatos se alinham para as presidenciais de 2026 –
governadores como Freitas, Romeu Zema (MG) ou Ronaldo Caiado (GO) –, e novas
personagens de projeção naciona l– como Pablo Marçal em São Paulo – despontam,
na esquerda não se vê nenhuma nova figura de liderança. Embora o atual terceiro
mandato devesse ser seu último, tudo aponta para uma nova candidatura de Lula,
prestes a fazer 79 anos.
<><>
"Cada um por si" derrotando o coletivismo
Numa entrevista,
poucos dias atrás, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, – que em
2018 perdeu de longe para Jair Bolsonaro –
acusou a esquerda de não ter desenvolvido nenhum novo modelo de futuro. Desde a
crise financeira mundial de 2008, ela não conseguiu, nem no Brasil, nem em
nível global, esboçar um "horizonte utópico que guie as pessoas". A
esquerda brasileira precisa urgentemente de "oxigênio novo", afirmou
Haddad. Mas de onde é que ele vai vir?
Em declarações
recentes, o filósofo Vladimir Safatle, da Universidade de São Paulo (USP),
traçou um quadro igualmente sombrio: a esquerda "não tem nada a dizer para
a periferia", no Brasil ela estaria "morta" e, se nada mudar
logo, em 2026 a direita vai estar de volta no poder. Com seu "cada um por
si", ela dominaria o atual espírito do tempo. Enquanto isso na esquerda, à
sombra do dominante Lula, não pôde haver nenhuma renovação.
Esse "cada um por
si" caracteriza sobretudo o universo das igrejas pentecostais, com sua
promessa de prosperidade, em contraponto crasso ao discurso católico, para o
qual é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar
no reino de Deus, e em que o coletivo deveria estar acima dos egoísmos
individuais. É desse contexto do operariado católico que emergiu, na época, o
PT – assim como o social-democrata PSDB, que já está alguns passos adiante do
PT no processo de autodissolução.
As promessas de
prosperidade da social-democracia fracassaram. Diante da falta de perspectivas,
a juventude da periferia agora toma seu destino nas próprias mãos, mesmo que
isso signifique tentar a sorte como entregador de pizza, motorista de Uber ou
influenciador. Ao que tudo indica, a esquerda não tem mais como fincar pé nesse
universo.
<><>
Burros demais para saber o que querem?
Em seu livro mais
recente, O pobre de direita, o sociólogo Jessé Souza tenta dar uma
explicação para esse esvaziamento de sentido. Ele vê no racismo o motor da
"virada moralista" no Brasil, que catapultou a centro-direita e a
extrema direita para o poder.
Assim, os pobres,
eternamente oprimidos, se deixaram manipular pelo discurso direitista a apoiar
uma política que, no fim das contas, agrava a própria opressão que sofrem: é o
pobre que elege seu próprio algoz, é a "barata" escolhendo o "chinelo".
Por trás das
conclusões de Souza está a tese de que, na realidade, os pobres são burros
demais para perceber a manipulação pela direita. É uma tese paternalista não
considerar a população pobre "maior de idade", do momento que não
vote do jeito que a intelligentsia esquerdista esperava. É o mesmo sentimento
de superioridade moral por trás das reivindicações para impedir os
beneficiários de participarem de apostas online com o dinheiro de sua Bolsa Família.
"A voz de Deus é
a voz do povo", dizia o jingle da campanha de Lula em 2006. Mas parece que
o princípio só valeu enquanto "o povo" votava na esquerda. Esse
paternalismo esquerdista, aliado à prepotência, contribuiu decisivamente para se
afastar da realidade do cidadão comum. Enquanto não reconhecer isso, a esquerda
estará entregando o campo à direita.
¨ Arnóbio Rocha: “Pobres de direita” - quando o preconceito vence
a política
Algumas formulações
políticas para caracterizar classes, grupos sociais, estamentos, muitas vezes
criam estigmas que vão no sentido oposto ao desejado, ou trazem uma imprecisão
ainda maior sobre questões sociais, quando não se consegue explicar
determinados fenômenos, aparecem essas fórmulas, que mais atrapalham do que
ajudam, servem para lacração.
Uma das piores que vi
nesses últimos anos é a afirmação: “Pobres de Direita”, que no limite revela um
profundo preconceito (de classe), se aproxima da aporofobia, a rejeição aos
mais pobres. Essa tese carece de cientificismo, vinculado ao voto ou ao comportamento
(circunstancial), que não prova nada, muito menos dialoga com o baixo nível
político ou de consciência de classe.
Parte significativa da
esquerda adotou esse jargão “Pobres de Direita” como explicação para a perda de
influência (política) sobre parcela significativa da população mundial. Ademais
que, do meu ponto de vista, virou uma muleta à (falta de) política, de projetos
estratégicos e táticos justamente para os mais pobres, os mais explorados pelo
sistema capitalista cada vez mais concentrado e excludente.
A ausência da esquerda
nessas lutas reais, ou a recusa de se voltar ao trabalho de base, de conhecer
as necessidades (presentes) combinado com a incapacidade de se enfrentar a luta
ideológica imposta pelo Capital, que usa de todas as antigas ferramentas,
educação, igreja, com as novíssimas ferramentas das redes sociais (algoritmos,
IA) para captar os desejos elementares e fornecer suas próprias respostas,
ganhando corações e mentes para sua continua escravidão.
Deste lado, precisamos
repensar nossas práticas políticas, ou se realmente temos elaboração política
para enfrentar uma realidade tão cinza, com as mudanças significativas da
realidade, a diminuição da concentração fabril, mesmo nos serviços, o que não fez
desaparecer o TRABALHO, a mais valia, o Capital e sua taxa de lucros.
A esquerda tem que se
atualizar não por que a luta de classes, a exploração, mas como transmutou-se,
não vale repetir fórmulas batidas ou tentar justificar nossos limites políticos
e ideológicos, criando culpados, onde deveria ser a nossa solução de enfrentamento,
a razão de um programa para superar o capitalismo.
É um debate político
árido e necessário.
¨ Eduardo Guimarães: Extrema-direita está levando goleada
Se a disputa política
no Brasil fosse um jogo de futebol, poder-se-ia dizer que a extrema-direita
está perdendo pelo doloroso placar de 7 a 1. E em alguns meses será rebaixada
para a segunda divisão -- ou menos.
Por quê? Como? Quando?
Onde? Ora, quem está morrendo é o PT, que teve um desempenho pífio na eleição
municipal, diriam os "bolsonaristas moderados" midiáticos, que acham
que os termos selvageria e moderação cabem na mesma frase.
Dizem os analistas
voluntaristas que o PT -- e quando falamos em PT, falamos indiretamente de toda
esquerda -- elegeu apenas 251 deputados e nenhum prefeito de capital. E que o
bolsonarismo está tendo um grande desempenho.
De fato, o PL, partido
de Jair Bolsonaro, aumentou em 179 o número de prefeituras — 523 no primeiro
turno de 2024 contra 344 no total de 2020. Mas isso significa o quê?
Analistas da imprensa
corporativa garantem que a "derrota" da esquerda em 2024 ameaça a
reeleição de Lula em 2026... Uau!
Será mesmo? Uma ova!
Em 2020 a derrota da esquerda foi muito pior; o PT tampouco elegeu prefeito de
capital -- e ainda pode eleger um ou mais neste ano -- e o total de prefeitos
eleitos foi ainda menor que neste ano: 182 prefeituras naquele ano contra 251
neste.
A previsão dos tais
"analistas" cheios de doutorados e outros bichos foi a de que a
derrota da esquerda naquele ano pavimentava sua derrota em 2022...
Precisa dizer mais?
"Ah, Eduardo, mas Lula venceu com uma frente ampla". Sim, verdade,
mas que outro candidato teria vencido com frente ampla? A mídia até ensaiou com
Moro e outros balões de ensaio e nenhum decolou. Sim, a frente ampla ajudou, mas
quem venceu foi Lula.
E a vitória da frente
ampla de Lula só não foi mais ampla, por assim dizer, porque Bolsonaro gastou
2% do PIB em compra de votos de todos os tipos, cores e formatos, dando
dinheiro até para taxista -- e nem tramita alguma ação penal contra ele por
isso.
Em 2026, a máquina
estará na mão de um certo pernambucano de Garanhuns que já avisou que
presidente que não se reelege mesmo tendo a máquina na mão é
"incompetente".
Como se não bastasse,
o bolsonarismo está com os dias contados. Por quê? Ora, porque Bolsonaro está a
um passo de ir ver o sol de Brasília nascer quadrado pela janela de uma cela do
mesmo QG do Exército que serviu de palco para sua tentativa de golpe.
Senão, vejamos: a
Primeira Turma do Supremo acaba de desferir três diretos no queixo de Bolsonaro
numa única sessão: negou pedido para se comunicar com outros investigados no
inquérito do golpe, indeferiu devolução do passaporte dele e negou acesso de sua
defesa ao conteúdo da delação de Mauro Cid.
Outra: a menos de uma
semana da votação decisiva para o segundo turno, diversos candidatos
bolsonaristas viram o sinal de alerta acender nesta semana. Em nove capitais,
aliados de Bolsonaro estão em desvantagem.
Mais uma: Evangélicos
começam a ceder aos encantos de Lula. Os donos de igrejas evangélicas não
aguentam mais permanecer tanto tempo distantes do governo federal e não veem
razão para isso enquanto o ex-Bolsonaro caminha em marcha batída rumo ao
cárcere.
Mais outra: pela
primeira vez, o PGR diz claramente que a batata de Bolsonaro está mais do que
assada. Disse na resposta a enésimo pedido de revogação de restrições do
ex-presidente que tem provas de que ele está envolvido no 8 de janeiro.
Enquanto isso, Moraes já marcou o fim da linha para ele: 27 de novembro.
Bolsonaro e o
bolsonarismo estão morrendo porque esse estilo de fazer política está levando
seu autor ao cárcere. Só falta, agora, escolherem as palavras a ser inscritas
em suas lápides políticas. Alguma sugestão?
¨
Troca-se a democracia
por um carguinho aí. Por Paulo José Cunha
A definição mais
genérica da palavra “política” é a capacidade de criar diretrizes com o
objetivo de organizar o modo de vida dos cidadãos.
Fazer política, ao fim e ao cabo, é buscar o bem público e cuidar dele – tanto
o patrimônio como a qualidade de vida dos integrantes de uma comunidade. Uma
outra definição possível da palavra “política” é a arte da negociação. Pois é
através dela que se alcança o consenso, ou seja, o acordo entre os membros de
um grupo ou entre grupos, com todos os lados cedendo um pouco para que se
alcance um acordo.
Difere
substancialmente do resultado obtido por maioria, porque o consenso não implica
na aceitação por uma minoria que discorda. Embora as duas formas de decisão
façam parte da atividade política, o consenso é a mais nobre forma de decisão.
É o ápice da humanização das relações humanas.
Daí porque chega a ser
acintosa, para não dizer indecente e até pornográfica, a condição proposta pelo
presidente do PL, Valdemar Costa Neto, de seu partido dar apoio a candidatos à
presidência da Câmara e do Senado em troca do compromisso deles de defenderem o
projeto de lei da anistia que pretende livrar a cara dos golpistas do 8 de janeiro. E, de quebra,
reverter a inelegibilidade de Bolsonaro, abrindo caminho para sua candidatura à
presidência em 2026.
Até outro dia seria
inimaginável que alguém tivesse o desplante de apresentar uma proposta dessas.
Mas, como a qualidade da atividade política no Brasil desceu ladeira abaixo,
não se viu até agora quem pelo menos se ruborizasse com a proposta cretina de Valdemar.
Porque, na essência, o que ele está propondo é simplesmente a troca do valor
mais alto da convivência humana civilizada – a democracia – por um cargo.
Simples assim. Não se nega que se trata de uma proposta para negociação. Mas é
uma proposta indecorosa na origem, pelos resultados que o proponente pretende
atingir.
Publicidade
Em primeiro lugar,
passar um pano no mais agressivo ato golpista dos novos tempos – a invasão das
sedes dos três Poderes da República com a vandalização dos espaços e das peças
históricas do mobiliário que abrigam, ato que teve apoio de Bolsonaro, frise-se.
Depois, abrir a porta para que o próprio Bolsonaro volte à cena política.
Valdemar, cinicamente, compara Bolsonaro a Lula, argumentando que o atual
presidente também enfrentou restrições legais antes de concorrer à Presidência.
E que Bolsonaro apenas “conversou com embaixadores e disse que era contra as
urnas”.
Mentira. Em primeiro
lugar, Bolsonaro foi condenado à inelegibilidade por oito anos por abuso do
poder político e econômico. E por ter chamado embaixadores ao Palácio do Planalto
para que coonestassem um plano golpista que seria a anulação da eleição que
elegeu Lula sob o argumento fajuto de que teria havido fraude nas urnas
eletrônicas, sem apresentar qualquer prova. A propósito, curiosa e
oportunisticamente, nem Valdemar nem Bolsonaro disseram até uma palavra contra
as urnas usadas nesta última eleição. Pudera. Os candidatos da direita
bolsonarista obtiveram a maioria das prefeituras e disputam com muitas chances
de vitória em várias delas onde vai ter segundo turno. Logo, as urnas,
milagrosamente, de uma hora para outra tornaram-se… legítimas.
Valdemar é uma figura,
no mínimo, ridícula, não se tratasse de um oportunista político da pior
espécie. É bom lembrar que ele está proibido por decisão judicial de se
encontrar com Bolsonaro, porque tanto ele quanto o ex-presidente foram alvo da
operação Tempus Veritatis, que investiga a organização criminosa que teria
atuado no ato golpista do 8 de janeiro de 2023.
Isto posto, vale
lembrar: se os postulantes à presidência da Câmara e do Senado se dispuserem a,
pelo menos, discutir a proposta de Valdemar, estarão se rebaixando a ela. E
simplesmente, repita-se, trocando o valor mais alto de uma nação
civilizada – a democracia – por um cargo. Simples assim.
Fonte: DW Brasil/Fórum/Brasil
247/Congresso em Foco
Nenhum comentário:
Postar um comentário