quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Thomaz Mill: ‘O pobre de direita afundou a esquerda?’

As eleições municipais no Brasil, no início de outubro, foram um desastre para a esquerda. A centro-direita saiu como grande vencedora, com o PSD de Gilberto Kassab à frente de todos, seguido pelo PL e os Republicanos, que a esquerda costuma classificar como extrema direita. Nomes como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, encontram-se nessa ala.

PT, por sua vez, aparece combalido, em nono lugar. Um resultado que faz pensar, ao mostrar que continua avançando a perda de significado do partido, iniciada nos anos 2010.

A previsível derrota de seu aliado Guilherme Boulos (Psol), em São Paulo – antigo bastião petista – no segundo turno, no próximo domingo (27/10), completa esse cenário desanimador para a esquerda. Aparentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou Boulos à própria sorte na campanha, ao notar que não havia chance de ganhar a disputa.

Enquanto na ala direitista vários candidatos se alinham para as presidenciais de 2026 – governadores como Freitas, Romeu Zema (MG) ou Ronaldo Caiado (GO) –, e novas personagens de projeção naciona l– como Pablo Marçal em São Paulo – despontam, na esquerda não se vê nenhuma nova figura de liderança. Embora o atual terceiro mandato devesse ser seu último, tudo aponta para uma nova candidatura de Lula, prestes a fazer 79 anos.

<><> "Cada um por si" derrotando o coletivismo

Numa entrevista, poucos dias atrás, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, – que em 2018 perdeu de longe para Jair Bolsonaro – acusou a esquerda de não ter desenvolvido nenhum novo modelo de futuro. Desde a crise financeira mundial de 2008, ela não conseguiu, nem no Brasil, nem em nível global, esboçar um "horizonte utópico que guie as pessoas". A esquerda brasileira precisa urgentemente de "oxigênio novo", afirmou Haddad. Mas de onde é que ele vai vir?

Em declarações recentes, o filósofo Vladimir Safatle, da Universidade de São Paulo (USP), traçou um quadro igualmente sombrio: a esquerda "não tem nada a dizer para a periferia", no Brasil ela estaria "morta" e, se nada mudar logo, em 2026 a direita vai estar de volta no poder. Com seu "cada um por si", ela dominaria o atual espírito do tempo. Enquanto isso na esquerda, à sombra do dominante Lula, não pôde haver nenhuma renovação.

Esse "cada um por si" caracteriza sobretudo o universo das igrejas pentecostais, com sua promessa de prosperidade, em contraponto crasso ao discurso católico, para o qual é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus, e em que o coletivo deveria estar acima dos egoísmos individuais. É desse contexto do operariado católico que emergiu, na época, o PT – assim como o social-democrata PSDB, que já está alguns passos adiante do PT no processo de autodissolução.

As promessas de prosperidade da social-democracia fracassaram. Diante da falta de perspectivas, a juventude da periferia agora toma seu destino nas próprias mãos, mesmo que isso signifique tentar a sorte como entregador de pizza, motorista de Uber ou influenciador. Ao que tudo indica, a esquerda não tem mais como fincar pé nesse universo.

<><> Burros demais para saber o que querem?

Em seu livro mais recente, O pobre de direita, o sociólogo Jessé Souza tenta dar uma explicação para esse esvaziamento de sentido. Ele vê no racismo o motor da "virada moralista" no Brasil, que catapultou a centro-direita e a extrema direita para o poder.

Assim, os pobres, eternamente oprimidos, se deixaram manipular pelo discurso direitista a apoiar uma política que, no fim das contas, agrava a própria opressão que sofrem: é o pobre que elege seu próprio algoz, é a "barata" escolhendo o "chinelo".

Por trás das conclusões de Souza está a tese de que, na realidade, os pobres são burros demais para perceber a manipulação pela direita. É uma tese paternalista não considerar a população pobre "maior de idade", do momento que não vote do jeito que a intelligentsia esquerdista esperava. É o mesmo sentimento de superioridade moral por trás das reivindicações para impedir os beneficiários de participarem de apostas online com o dinheiro de sua Bolsa Família.

"A voz de Deus é a voz do povo", dizia o jingle da campanha de Lula em 2006. Mas parece que o princípio só valeu enquanto "o povo" votava na esquerda. Esse paternalismo esquerdista, aliado à prepotência, contribuiu decisivamente para se afastar da realidade do cidadão comum. Enquanto não reconhecer isso, a esquerda estará entregando o campo à direita.

 

¨      Arnóbio Rocha: “Pobres de direita” - quando o preconceito vence a política

Algumas formulações políticas para caracterizar classes, grupos sociais, estamentos, muitas vezes criam estigmas que vão no sentido oposto ao desejado, ou trazem uma imprecisão ainda maior sobre questões sociais, quando não se consegue explicar determinados fenômenos, aparecem essas fórmulas, que mais atrapalham do que ajudam, servem para lacração.

Uma das piores que vi nesses últimos anos é a afirmação: “Pobres de Direita”, que no limite revela um profundo preconceito (de classe), se aproxima da aporofobia, a rejeição aos mais pobres. Essa tese carece de cientificismo, vinculado ao voto ou ao comportamento (circunstancial), que não prova nada, muito menos dialoga com o baixo nível político ou de consciência de classe.

Parte significativa da esquerda adotou esse jargão “Pobres de Direita” como explicação para a perda de influência (política) sobre parcela significativa da população mundial. Ademais que, do meu ponto de vista, virou uma muleta à (falta de) política, de projetos estratégicos e táticos justamente para os mais pobres, os mais explorados pelo sistema capitalista cada vez mais concentrado e excludente.

A ausência da esquerda nessas lutas reais, ou a recusa de se voltar ao trabalho de base, de conhecer as necessidades (presentes) combinado com a incapacidade de se enfrentar a luta ideológica imposta pelo Capital, que usa de todas as antigas ferramentas, educação, igreja, com as novíssimas ferramentas das redes sociais (algoritmos, IA) para captar os desejos elementares e fornecer suas próprias respostas, ganhando corações e mentes para sua continua escravidão.

Deste lado, precisamos repensar nossas práticas políticas, ou se realmente temos elaboração política para enfrentar uma realidade tão cinza, com as mudanças significativas da realidade, a diminuição da concentração fabril, mesmo nos serviços, o que não fez desaparecer o TRABALHO, a mais valia, o Capital e sua taxa de lucros.

A esquerda tem que se atualizar não por que a luta de classes, a exploração, mas como transmutou-se, não vale repetir fórmulas batidas ou tentar justificar nossos limites políticos e ideológicos, criando culpados, onde deveria ser a nossa solução de enfrentamento, a razão de um programa para superar o capitalismo.

É um debate político árido e necessário.

 

¨      Eduardo Guimarães: Extrema-direita está levando goleada

Se a disputa política no Brasil fosse um jogo de futebol, poder-se-ia dizer que a extrema-direita está perdendo pelo doloroso placar de 7 a 1. E em alguns meses será rebaixada para a segunda divisão -- ou menos.

Por quê? Como? Quando? Onde? Ora, quem está morrendo é o PT, que teve um desempenho pífio na eleição municipal, diriam os "bolsonaristas moderados" midiáticos, que acham que os termos selvageria e moderação cabem na mesma frase. 

Dizem os analistas voluntaristas que o PT -- e quando falamos em PT, falamos indiretamente de toda esquerda -- elegeu apenas 251 deputados e nenhum prefeito de capital. E que o bolsonarismo está tendo um grande desempenho.

De fato, o PL, partido de Jair Bolsonaro, aumentou em 179 o número de prefeituras — 523 no primeiro turno de 2024 contra 344 no total de 2020. Mas isso significa o quê? 

Analistas da imprensa corporativa garantem que a "derrota" da esquerda em 2024 ameaça a reeleição de Lula em 2026... Uau!

Será mesmo? Uma ova! Em 2020 a derrota da esquerda foi muito pior; o PT tampouco elegeu prefeito de capital -- e ainda pode eleger um ou mais neste ano -- e o total de prefeitos eleitos foi ainda menor que neste ano: 182 prefeituras naquele ano contra 251 neste. 

A previsão dos tais "analistas" cheios de doutorados e outros bichos foi a de que a derrota da esquerda naquele ano pavimentava sua derrota em 2022...

Precisa dizer mais? "Ah, Eduardo, mas Lula venceu com uma frente ampla". Sim, verdade, mas que outro candidato teria vencido com frente ampla? A mídia até ensaiou com Moro e outros balões de ensaio e nenhum decolou. Sim, a frente ampla ajudou, mas quem venceu foi Lula. 

E a vitória da frente ampla de Lula só não foi mais ampla, por assim dizer, porque Bolsonaro gastou 2% do PIB em compra de votos de todos os tipos, cores e formatos, dando dinheiro até para taxista -- e nem tramita alguma ação penal contra ele por isso. 

Em 2026, a máquina estará na mão de um certo pernambucano de Garanhuns que já avisou que presidente que não se reelege mesmo tendo a máquina na mão é "incompetente". 

Como se não bastasse, o bolsonarismo está com os dias contados. Por quê? Ora, porque Bolsonaro está a um passo de ir ver o sol de Brasília nascer quadrado pela janela de uma cela do mesmo QG do Exército que serviu de palco para sua tentativa de golpe. 

Senão, vejamos: a Primeira Turma do Supremo acaba de desferir três diretos no queixo de Bolsonaro numa única sessão: negou pedido para se comunicar com outros investigados no inquérito do golpe, indeferiu devolução do passaporte dele e negou acesso de sua defesa ao conteúdo da delação de Mauro Cid.

Outra: a menos de uma semana da votação decisiva para o segundo turno, diversos candidatos bolsonaristas viram o sinal de alerta acender nesta semana. Em nove capitais, aliados de Bolsonaro estão em desvantagem. 

Mais uma: Evangélicos começam a ceder aos encantos de Lula. Os donos de igrejas evangélicas não aguentam mais permanecer tanto tempo distantes do governo federal e não veem razão para isso enquanto o ex-Bolsonaro caminha em marcha batída rumo ao cárcere.

Mais outra: pela primeira vez, o PGR diz claramente que a batata de Bolsonaro está mais do que assada. Disse na resposta a enésimo pedido de revogação de restrições do ex-presidente que tem provas de que ele está envolvido no 8 de janeiro. Enquanto isso, Moraes já marcou o fim da linha para ele: 27 de novembro. 

Bolsonaro e o bolsonarismo estão morrendo porque esse estilo de fazer política está levando seu autor ao cárcere. Só falta, agora, escolherem as palavras a ser inscritas em suas lápides políticas. Alguma sugestão?

 

¨      Troca-se a democracia por um carguinho aí. Por Paulo José Cunha

A definição mais genérica da palavra “política” é a capacidade de criar diretrizes com o objetivo de organizar o modo de vida dos cidadãos.  Fazer política, ao fim e ao cabo, é buscar o bem público e cuidar dele – tanto o patrimônio como a qualidade de vida dos integrantes de uma comunidade. Uma outra definição possível da palavra “política” é a arte da negociação. Pois é através dela que se alcança o consenso, ou seja, o acordo entre os membros de um grupo ou entre grupos, com todos os lados cedendo um pouco para que se alcance um acordo.

Difere substancialmente do resultado obtido por maioria, porque o consenso não implica na aceitação por uma minoria que discorda. Embora as duas formas de decisão façam parte da atividade política, o consenso é a mais nobre forma de decisão. É o ápice da humanização das relações humanas.

Daí porque chega a ser acintosa, para não dizer indecente e até pornográfica, a condição proposta pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, de seu partido dar apoio a candidatos à presidência da Câmara e do Senado em troca do compromisso deles de defenderem o projeto de lei da anistia que pretende livrar a cara dos golpistas do 8 de janeiro. E, de quebra, reverter a inelegibilidade de Bolsonaro, abrindo caminho para sua candidatura à presidência em 2026.

Até outro dia seria inimaginável que alguém tivesse o desplante de apresentar uma proposta dessas. Mas, como a qualidade da atividade política no Brasil desceu ladeira abaixo, não se viu até agora quem pelo menos se ruborizasse com a proposta cretina de Valdemar. Porque, na essência, o que ele está propondo é simplesmente a troca do valor mais alto da convivência humana civilizada – a democracia – por um cargo. Simples assim. Não se nega que se trata de uma proposta para negociação. Mas é uma proposta indecorosa na origem, pelos resultados que o proponente pretende atingir.

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Em primeiro lugar, passar um pano no mais agressivo ato golpista dos novos tempos – a invasão das sedes dos três Poderes da República com a vandalização dos espaços e das peças históricas do mobiliário que abrigam, ato que teve apoio de Bolsonaro, frise-se. Depois, abrir a porta para que o próprio Bolsonaro volte à cena política. Valdemar, cinicamente, compara Bolsonaro a Lula, argumentando que o atual presidente também enfrentou restrições legais antes de concorrer à Presidência. E que Bolsonaro apenas “conversou com embaixadores e disse que era contra as urnas”.

Mentira. Em primeiro lugar, Bolsonaro foi condenado à inelegibilidade por oito anos por abuso do poder político e econômico. E por ter chamado embaixadores ao Palácio do Planalto para que coonestassem um plano golpista que seria a anulação da eleição que elegeu Lula sob o argumento fajuto de que teria havido fraude nas urnas eletrônicas, sem apresentar qualquer prova. A propósito, curiosa e oportunisticamente, nem Valdemar nem Bolsonaro disseram até uma palavra contra as urnas usadas nesta última eleição. Pudera. Os candidatos da direita bolsonarista obtiveram a maioria das prefeituras e disputam com muitas chances de vitória em várias delas onde vai ter segundo turno. Logo, as urnas, milagrosamente, de uma hora para outra tornaram-se… legítimas.

Valdemar é uma figura, no mínimo, ridícula, não se tratasse de um oportunista político da pior espécie. É bom lembrar que ele está proibido por decisão judicial de se encontrar com Bolsonaro, porque tanto ele quanto o ex-presidente foram alvo da operação Tempus Veritatis, que investiga a organização criminosa que teria atuado no ato golpista do 8 de janeiro de 2023.

Isto posto, vale lembrar: se os postulantes à presidência da Câmara e do Senado se dispuserem a, pelo menos, discutir a proposta de Valdemar, estarão se rebaixando a ela. E simplesmente, repita-se,  trocando o valor mais alto de uma nação civilizada – a democracia – por um cargo. Simples assim.

 

Fonte: DW Brasil/Fórum/Brasil 247/Congresso em Foco

 

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