A falácia das “metodologias ativas”
A pedagogia moderna,
que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a
questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
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Este ano, tive o
desprazer de deparar com um critério desagradável no edital de um Instituto
Federal (IF), localizado no Nordeste: exigia o uso de “metodologias ativas”.
Detesto-as.
Nem vou explorar o
fato de que “metodologias” se tornou um jargão pedantesco dos pedagogos, muitos
dos quais nunca lecionaram, embora insistam em vigiar o trabalho docente sob o
signo da gestão, marca do neoliberalismo. Este, como sabemos, considera a escola
como empresa e o aluno como cliente – e o cliente, é claro, tem sempre razão.
O cliente tem de
gostar do produto mercantil em forma de “aula”, e é exatamente por isso que as
falácias escolanovistas e construtivistas há uns cem anos estão sustentando,
“cientificamente”, as tais “metodologias” ativas, que supostamente dão
motivação inesgotável ao aluno, quer ele seja suficientemente inteligente e
empenhado nos estudos que tem de fazer em casa, quer não. Entretanto, para o
viés “progressista” da pedagogia, a culpa de qualquer fracasso só pode estar
nos procedimentos de ensino, que, por pedantismo, os pedagogos chamam de
“metodologias”.
Sempre uso a locução
procedimentos de ensino por considerá-la mais precisa, ainda que a precisão
seja uma consequência de sua abrangência. Contudo, mesmo se eu usasse a palavra
metodologias, que tem sido usada de modo cada vez mais leviano ao ponto de ficar
vazia de significado real, continuaria cabendo a seguinte pergunta: Quando
foram criadas as metodologias “passivas”? Em quais disciplinas e em quais
níveis elas são aplicáveis? Por que insistem em demonizar o ensino tradicional?
O ensino que a
pedagogia demonizou eu divido nas seguintes etapas: revisão do conteúdo da aula
anterior; lançamento de conteúdo; explicação e exemplificação do conteúdo novo;
fixação da matéria por meio da avaliação formativa; dúvidas dos alunos.
O esquema acima
permite a indução, a dedução, a analogia e a maiêutica, e está de acordo com a
didática tradicional e conteudística, centrada que é na análise dos dados.
Estes, no ensino, compõem a matéria, ao passo que, na pesquisa, compõem o
corpus. Esta é a única semelhança entre o ensino e a pesquisa: os procedimentos
de estudo giram em torno dos dados, de modo que são inseparáveis o ensino e a
pesquisa. Contudo, são práticas muito distintas. Todo bom professor é um bom
pesquisador. Daí a facilidade de concluir que o “argumento” de que o
pesquisador não sabe dar aula é uma falácia.
Trata-se de um
ressentimento contra os verdadeiros acadêmicos, que valorizam a organização dos
dados e a clareza, o que não exclui uma dose de vocabulário técnico-científico
nem o esforço do aluno. Estes dois últimos atributos a pedagogia moderna
rechaça, embora os mesmos defensores das “metodologias ativas” (que, como
integrantes de uma seita totalitária, não aceitam críticas aos seus dogmas)
reprovem sem dó os alunos que não mostram aptidão para o mestrado ou doutorado.
(Existem, é claro, pessoas aptas que são reprovadas por outros motivos. Um
deles é o fato de não bajularem os professores do programa de pós-graduação,
apesar de eu mesmo nunca ter presenciado isso no meu tempo de mestrando.)
O passo a passo de
cinco fases também está de acordo com a premissa de que o aluno nunca fica
passivo por assumir o que o linguista Mikhail Bakhtin considerava como sendo a
atitude responsiva-ativa. Enquanto o receptor da mensagem recebe o texto, ele
fica imaginando réplicas ou dúvidas, desde que ele preste atenção. Sendo assim,
não posso aceitar a pressuposição da existência de metodologias “ativas”.
Ocorre que é insustentável o conceito de metodologias “ativas”, porquanto nunca
tenham existido as metodologias “passivas”.
Além disso, temos de
levar em conta a origem do meu passo a passo, que é a didática de Herbart,
descrita da seguinte forma: “esse ensino tradicional estruturou-se por meio de
um método pedagógico, que é o método expositivo, que todos conhecem, todos passaram
por ele, e muitos estão passando ainda, cuja matriz teórica pode ser
identificada nos cinco passos formais de Herbart. Esses passos, que são o passo
da preparação, da apresentação, da comparação e assimilação, da generalização
e, por último, da aplicação, correspondem ao esquema do método científico
indutivo, tal como fora formulado por Bacon, método que podemos esquematizar em
três momentos fundamentais: a observação, a generalização e a confirmação.
Trata-se, portanto, daquele mesmo método formulado no interior do movimento
filosófico do empirismo, que foi a base do desenvolvimento da ciência moderna”
[SAVIANI, 2021, p. 35-6].
Ao fragmento acima
devemos adicionar outro: “se os alunos fizeram corretamente os exercícios, eles
assimilaram o conhecimento anterior, então eu posso passar para o novo. Se eles
não fizeram corretamente, então eu preciso dar novos exercícios, é preciso que
a aprendizagem se prolongue um pouco mais, que o ensino atente para as razões
dessa demora” [SAVIANI, 2021, p. 37].
Ademais, para o Sr.
Luckesi, “o método pode ser entendido dentro de uma concepção teórica ou de uma
compreensão técnica. O autor compreende Metodologia como a concepção segundo a
qual a realidade é abordada. Esta é uma concepção teórica do método. Porém,
afirma que há uma compreensão técnica do método que também atravessa o
conteúdo, visto que “são modos técnicos de agir que estão dentro do conteúdo
que se ensina” (p. 138). Exemplo: o modo de extrair raiz quadrada (Matemática)
ou o modo de proceder numa análise sintática (Língua Portuguesa). Tanto uma
quanto a outra perpassam os conteúdos tratados nas diferentes disciplinas
curriculares” [GRUMBACH e SANTOS, 2012, p. 33].
Com efeito: “Todo
conhecimento é atravessado por uma metodologia e é possível descobrir no
próprio conteúdo exposto o método com o qual ele foi construído [LUCKESI, 1995,
p. 138 apud GRUMBACH e SANTOS, 2012, p. 34]”.
Por que tantos
acadêmicos defendem as metodologias “ativas”? Por que insistem em defender essa
ficção pedagógica na educação básica e até no ensino superior? Posso listar
alguns fatores.
Antes de tudo, a
universidade, mesmo que seja pública, continua sendo um aparelho ideológico de
Estado. Uma vez que o Estado fica na mão do mercado, o meio acadêmico se torna
um capitão do mato do neoliberalismo, cujo eixo “moral” e cujo eixo epistemológico
são o individualismo extremo, ligado ao empreendedorismo. É ela (a
universidade) que, dentro do neoliberalismo, tem força equivalente ao poder que
a Igreja Católica tinha na Idade Média, conforme um dos arrazoados do sociólogo
Jessé Souza.
Sem o aval
“científico” da universidade, não seria possível uma pedagogia que rebaixasse o
professor, e, de fato, ela o rebaixa com a regularidade do sol. Basta ver o
assédio moral que os docentes sofrem nas escolas municipais e estaduais. Na
rede estadual do Espírito Santo, por exemplo, há uma portaria que impõe
vigilância na sala de aula e uma lista de descritores a serem aplicados pelo
professor, que é tratado como se fosse funcionário de uma lanchonete de
franquia. Se o professor não acatar esse despautério, responderá por isso.
Também responderá se não usar tecnologias ultrapassadas, compradas com o
dinheiro público. Esse gosto por tecnologia, que é usada como se fosse um fim,
e não um meio, é herança do tecnicismo, tendência pedagógica implantada no Brasil
no tempo da ditadura militar.
As verbas para as
“pesquisas” da pedagogia moderna estão condicionadas a linhas de pesquisa que
não melhoram o ensino nem a vida profissional dos docentes, porém é certo que
reforçam a “inclusão” escolar num país com esgoto a céu aberto, conforme a
cartilha do Banco Mundial.
Outro fator da
desonestidade intelectual dos doutores que defendem a baboseira em forma de
“metodologia ativa” é a necessidade de tornar “lúdico” e “atraente” o ensino
para que o aluno fique na escola, mesmo que ele não estude. É graças a essa
pseudoinclusão que políticos e burocratas incompetentes e incultos conseguem se
promover. “Assim”, escreve a sueca Inger Enkvist (2021, p. 83), “os políticos
arruinaram a escola pública enquanto se faziam passar por seus defensores”. Não
importa a altíssima temperatura das salas de aula, não importa a falta de
ventilador, não importa a falta de erudição, não importa a falta de bibliotecas
bem equipadas e protegidas por bibliotecários (profissionais raros): o que
importa é que o professor dê motivação aos alunos, mesmo que a saúde mental
dele esteja em frangalhos. E ai do professor que não usar os outros “espaços
pedagógicos” da escola para agradar aos “líderes” de turma, que vigiam o
professor tanto quanto os filhos vigiam os pais no romance 1984, de George
Orwell.
Não é de surpreender
que os pedagogos sejam contra o ensino conteudístico e transmissivo: eles não
têm conteúdo para transmitir: sua ladainha é desprovida de substância: é um
catecismo do nada. Se realmente acreditassem no poder transformador da educação,
acreditariam no esforço do aluno e no ensino baseado em conhecimento acadêmico,
e não em atividades práticas que exigem corte e colagem de papel ou desenhos de
matinho e florzinha. Tratam todos os alunos como se fossem crianças,
independentemente do nível do ensino e da modalidade.
No caso da educação
linguística, tudo se resume a uma visão superficial das tipologias ou tipos
textuais (que são cinco) e a gêneros textuais (que são praticamente
ilimitados). Ao aluno são oferecidos textos ruins, que falam de redes sociais e
outros temas que são do gosto do mercado. Os pedagogos adoram isso, porque não
percebem que estão acentuando a formação de consumidores para a indústria
cultural, eivada de senso comum e adolescentes falsos de séries televisivas da
Nickelodeon.
Isso tudo, porém, é
condizente com a visão intelectualmente desonesta dos sectaristas das
“metodologias ativas”. Com efeito: um professor que tenha feito uma formação
aligeirada é a justificativa perfeita para ele receber um baixo salário. Ele
pode ser um agente de “inclusão” social, um “facilitador” do aprendizado, mas
nunca poderá ser autoridade na matéria que leciona, a menos que queira correr o
risco de ser tachado de tirano. Quem não se dobra aos dogmas dos sectaristas é
perseguido a ponto de responder a um PAD (Processo Administrativo Disciplinar).
O professor não
leciona propriamente: o aluno faz “atividades” para ficar “ativo”, mas não faz
uma aventura intelectual, que esse tipo de exercício exige esforço e condições
que os gestores não oferecem ou por incompetência, ou por má vontade. Ora, se o
aluno tem de fazer “atividades” preenchendo papel em nome de avaliações
externas, o professor não tem de ser um modelo de como pensa e age um
intelectual.
Apesar de tudo, estou
convencido de que, muito embora seja impossível começar a inclusão só pela
escola num país onde alunos mal têm o que comer em casa – e defender o oposto
disso seria tão absurdo quanto dizer que cobrar mensalidades dos alunos “ricos”
das universidades públicas seria uma forma de igualdade e inclusão –, é fato
que os países que não seguiram a pedagogia moderna, cheia de ineptos projetos,
metodologias “ativas” e outras tolices que interessam tão só ao empresariado,
conseguiram mais igualdade e inclusão do que os que adotaram a pedagogia
moderna.
Quem mais precisa de
ensino tradicional é justamente quem é pobre. A Suécia é um exemplo do que a
pedagogia moderna faz: lá, o totalitarismo se consolidou, e isso porque o
sistema escolar tornou burros os seus cidadãos. Esses são os efeitos danosos do
escolanovismo e do construtivismo, correntes anticientíficas ignoradas por
muitos professores, acostumados que estão com o “status” de peões do ensino.
Se, no passado, todos tivessem se rebelado contra as falácias de Carl Rogers,
expoente da linha não-diretiva e do fato óbvio de que o aprendizado acontece no
cérebro do aluno, talvez tivessem conseguido exorcizar também o fantasma de
John Dewey. Ambos os autores estão obsoletos, e, no entanto, suas teses
“científicas” continuam se sobrepondo aos professores, que ignoram as
referências com as quais poderiam combater as falácias dos cientistas das
arábias.
Eu disse que somos
vigiados. Isso acontece há décadas! “Entre nosso corpo e nossa sexualidade”,
escreve Marilena Chauí (2018, p. 113-14), “interpõe-se a fala do sexólogo,
entre nosso trabalho e nossa obra, interpõe-se a fala do técnico, entre nós
como trabalhadores e o patronato, interpõe-se o especialista das ‘relações
humanas’, entre a mãe e a criança, interpõe-se a fala do pediatra e da
nutricionista, entre nós e a natureza, a fala do ecologista, entre nós e nossa
classe, a fala do sociólogo e do politólogo, entre nós e nossa alma, a fala do
psicólogo (muitas vezes para negar que tenhamos alma, isto é, consciência). E
entre nós e nossos alunos, a fala do pedagogo”.
Mas há mais: Vejamos o
que diz a sueca Inger Enkvist (2020, p. 275-6): “[…] os pedagogos não funcionam
de maneira científica nem democrática, mas como uma seita com uma fé especial
que não questiona as bases de sua crença. Autoproclamados especialistas do
ensino, apresentam-se como uma instância superior aos demais professores que
“apenas” ensinam suas matérias. A primeira fase foi a doutrinação dos
professores para justificar a presença dos pedagogos. Como não são responsáveis
por ensino algum, sua presença constitui um tipo de parasitismo nos sistemas
educacionais […]. Como é típico das seitas, desprezam os demais. Os pedagogos
são os bons, os que sabem a verdade, e introduziram uma nova linguagem para os
iniciados. Além de uma crença e de uma linguagem própria, uma seita também
precisa de dinheiro, e nesse caso os membros do grupo souberam instalar-se
dentro das estruturas do serviço público, e viver do dinheiro do contribuinte”.
Muitos pedagogos, sem
que nunca tenham lecionado, num total desrespeito ao Artigo 67 da LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação), tornam-se diretores escolares… perdão:
tornam-se gestores escolares – e o gestor, conforme o que aponta Marilena
Chauí, é análogo ao gângster dentro do neoliberalismo. Isso é tão absurdo
quanto colocar na direção de um hospital um não-médico ou um médico que nunca
tenha clinicado. Também há os que se tornam supervisores ou inspetores, que são
capitães do mato.
Precisamos nos
insurgir contra a pedagogia moderna: devemos fazer debates públicos
fundamentados na verdade, e a verdade é que não funcionam as tais “metodologias
ativas”: são um fracasso vergonhoso, e isso tem de ser exposto nos simpósios e
nas outras comunicações realizadas em eventos acadêmicos, mesmo que isso acabe
ferindo a vaidade dos doutores das arábias que veneram o Lattes.
Outro passo importante
é impugnar os editais que digam que o professor tem de ser avaliado em função
do uso das tais “metodologias” ativas. Por lei, cada um de nós, professores,
tem direito a diferentes concepções pedagógicas, e a que eu adotei é tradicional.
Não posso ser obrigado a distorcer anos de conhecimento acadêmico só porque os
próprios acadêmicos querem selecionar pessoas que compactuem com as tolices
deles.
Em agosto de 2024,
fiquei em segundo lugar na prova objetiva do concurso de um Instituto Federal,
localizado no Sudeste. Depois descobri que fui desclassificado na prova
didática: tirei 48 numa escala de 0 a 100. A menos que a banca aceite o meu
recurso, todo o tempo e todo o dinheiro investido em viagens e hospedagens
terão sido em vão. Não posso afirmar que o fato de eu ter inserido no cabeçalho
do plano de aula os excertos de Saviani e o conceito de Bakhtin para
fundamentar as oposições que naquele documento eu faço às “metodologias ativas”
me prejudicou, até porque o barema não apresentava o uso de tais “metodologias”
como critério de avaliação da prova didática, mas a subjetividade dos
avaliadores, a julgar pelo currículo deles, está eivada de tolices pedagógicas
do jaez das “atividades”.
Curiosamente, apesar
de todo o “progressismo”, a banca exigira conhecimentos que estão na gramática
de Evanildo Bechara, um autor que, para muitos, é extremamente conservador. As
questões objetivas também tinham exigido conhecimentos que só poderiam ser acumulados
por um professor cujo perfil fosse acadêmico, embora um bom professor pudesse
fracassar naquela etapa: caíram questões sobre o pensamento de autores cujos
livros não foram mencionados no edital, que nem sequer continha bibliografia.
Permanece a minha
sugestão: temos de nos insurgir contra as falácias pedagógicas. Isso quer dizer
que temos de fazer um movimento de baixo para cima, de modo que seja atingido o
meio acadêmico: é ele que dá o aval “científico” a toda a barbárie que nós, professores,
sofremos, e que é até mais perigosa do que a do tempo da ditadura militar
brasileira ou do que a da “Revolução” Cultural da China. Esta última perseguiu
abertamente professores e outros intelectuais.
Não devemos sentir
medo: na democracia, é salutar a contestação; na ciência, só pode haver verdade
quando questionamos os pressupostos e os métodos, ou seja: o conhecimento só é
confiável quando a epistemologia e o paradigma são contestados e testados. A
pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e
crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida.
Fonte: Por Márcio
Alessandro de Oliveira, em A Terra é Redonda
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