Execução de líderes do Hamas e Hezbollah
por Israel eleva a popularidade dos grupos, notam analistas
Em entrevista à
Sputnik Brasil, analistas apontam que, embora cause impacto inicial, a tática
de Israel de aniquilar lideranças reforça a solidariedade entre islâmicos em
torno dos grupos, uma vez que o martírio é visto como símbolo de resistência.
Após passar meses
engajado em uma campanha de bombardeios a civis na Faixa de Gaza, Israel agora
tem voltado suas ações para a execução de lideranças no Oriente Médio.
Entre os líderes
assassinados está Ismail Haniya, ex-chefe do gabinete político do movimento
palestino Hamas; Yahya Sinwar, ex-líder do grupo; e Hassan Nasrallah, ex-líder
do movimento libanês Hezbollah.
Em entrevista à
Sputnik Brasil, analistas apontam os impactos da nova abordagem e qual a
possibilidade de ela ter efeito contrário, resultando no fortalecimento dos
grupos atacados.
Issam Rabih Menem,
doutorando em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações
Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima), afirma que as baixas de lideranças colocaram
o Hamas e o Hezbollah no "pior momento desde suas constituições".
"Essas 'operações
de decapitação' [metáfora para o assassinato de chefes dos grupos] empregadas
por Israel causaram uma desorganização imediata, uma vez que a ausência de
líderes experientes gerou confusão, paralisia nas comunicações e dificuldades de
coordenação, reduzindo a capacidade de resposta do inimigo", afirma.
Segundo Menem, o duro
golpe no Hezbollah envolvendo os pagers e os rádios comunicadores e,
posteriormente, a rápida baixa de seus comandantes mais experientes perturbou
cognitivamente o grupo.
"O Hezbollah
expôs uma série de vulnerabilidades, assemelhando-se à figura de um 'queijo
suíço', suscetível a infiltrações de delatores e a vazamentos de informações
sensíveis. Qualquer outro grupo não estatal teria sua estrutura pulverizada
após esses ataques."
Por outro lado, ele
frisa que o assassinato dos líderes e a mobilização dos movimentos demonstra
estar reforçando ainda mais a popularidade e a solidariedade intra-islâmica com
esses atores. Ademais, em relação ao Hezbollah, ele afirma que não foi observada
uma reação violenta descontrolada, como muitos imaginavam, mas sim um
comportamento prudente e racional, em que o grupo eleva gradualmente seus
ataques conforme o conflito.
"Ao elevar o
nível de resposta, o Hezbollah registra importantes e inéditos feitos contra o
território israelense, por meio do emprego de munição vagante [drones], ao
atingir a casa de Netanyahu em Cesareia, no norte de Israel, e ao infligir
importantes baixas militares ao atingir um campo de treinamento."
Por sua vez, Gabriel
Mathias Soares, doutor em história social, mestre em estudos árabes pela
Universidade de São Paulo (USP) e ex-monitor de direitos humanos na
Cisjordânia, avalia que "é evidente que há um impacto com o assassinato de
lideranças, mas não são tão óbvios e diretos quanto se pode imaginar em
primeira instância".
Ele argumenta que, no
campo de batalha, essa estratégia até o momento não se mostrou decisiva, além
de ser uma tática há muito já usada contra o Hamas e o Hezbollah, que, em
grande medida, adaptaram-se a ela "utilizando uma estratégia
descentralizada nos confrontos", com várias unidades com alto grau de
autonomia e capacidade de operação.
"Em termos de
efeito moral, [a tática] é uma faca de dois gumes, pois o martírio,
particularmente do modo como vimos com Yahya Sinwar, enfrentando o Exército
israelense diretamente em batalha, pode servir como símbolo de resistência,
seja imediato ou no futuro, como é o caso do mártir que dá nome às brigadas do
Hamas, Al-Qassam", explica.
Ele acrescenta ainda
que, embora Israel tenha tido sucesso em localizar e identificar seus alvos
fora de Gaza, esse "não parece ter sido o caso de Yahya Sinwar, encontrado
mais ao acaso por um esquadrão em treinamento".
"Isso implica que
há pouca inteligência de Israel em Gaza, tanto a dificuldade enorme de
encontrar os cativos israelenses ali, exceto até agora uma meia dúzia, com
apenas uma operação de resgate que se pode confirmar como efetiva."
Ademais, ele aponta
que há alguns meses Israel alegou ter assassinado também Mohammed Deif,
comandante-chefe das Brigadas Al-Qassam.
Porém, não houve
nenhuma confirmação da parte do Hamas, como houve no caso de Yahya Sinwar, nem
de nenhum outro grupo político.
"A carência de
inteligência israelense na Faixa de Gaza é demonstrada pelos espetáculos de
alegações contra hospitais e escolas como centros do Hamas que nunca se
confirmam com evidência alguma, mesmo depois de forças israelenses ocuparem
esses locais e/ou destruírem parcialmente ou por completo."
Questionado se a
intenção de Israel ao adotar a estratégia seria justamente provocar uma reação,
Soares afirma que "a reação violenta é, sem dúvida, algo que Israel espera
como resultado de suas ações".
Ele afirma que essa
reação é definitivamente calculada por Tel Aviv, embora muitas vezes de forma
errônea, "visto a determinação e a efetividade de mísseis e drones do
Hezbollah e do Irã em penetrar o território israelense sem serem detidos pelo
sistema antimísseis".
"A questão é que
parece haver algum cálculo em que os assassinatos reduziram a capacidade de
reação, o que não tem se mostrado de fato, visto a escalada dos bombardeios e
das operações também da parte de Israel. Há quem alegue que o jogo político das
lideranças israelenses seja um grande fator na continuidade das hostilidades,
de modo a perpetuarem sua posição. Mas há desgastes que talvez não possam ser
remediados com toda a vasta ajuda estadunidense."
Questionado sobre a
forma como a estratégia israelense afeta uma possível negociação para o resgate
dos reféns levados para Gaza, Menem afirma que o diálogo nunca foi uma opção
para o governo de Benjamin Netanyahu.
"O líder político
de extrema-direita vem instrumentalizando o conflito para aumentar sua
popularidade política interna, visto as diferentes denúncias que miram seu
mandato."
A opinião é
compartilhada por Soares, que afirma que se em algum momento o resgate dos
reféns foi prioridade do governo Netanyahu, "certamente não é agora".
Ele enfatiza que, como dito por outros analistas, a estratégia adotada é uma
versão da doutrina Dahiya, utilizada em 2006, durante a última guerra no
Líbano, elevada à décima potência — ou seja, a destruição completa de qualquer
instituição e infraestrutura civil que possa servir direta ou indiretamente a
qualquer um desses grupos; o que, segundo ele, pode ser chamado "doutrina
de Gaza".
"[…] no modo como
está sendo executada essa estratégia na Faixa de Gaza, especialmente nesse
momento na região norte [Beit Lahiya, Beit Hanun e Jabalia], parece se tratar
de uma estratégia de terra arrasada e limpeza étnica. Ou seja, cria-se um cordão
de isolamento maior com a remoção forçada de populações inteiras de regiões
adjacentes ao território israelense, com a destruição da maior parte das
construções nesse perímetro", afirma.
Para Soares, não há
nada que demonstre que a situação atual possa ser solucionada por meio de uma
solução diplomática, visto que há questões em completa oposição. Ele aponta que
no Irã há possibilidade de envolvimento de outros atores, enquanto na Faixa de
Gaza a situação tende a se deteriorar, mesmo diante da redução das operações de
Israel ou de um cessar-fogo.
"Enquanto o
governo israelense permanecer diplomática e criminalmente blindado, como
subsidiado militarmente pela maior potência do planeta, os EUA, há poucas
chances de que a situação dos palestinos sequer pare de piorar."
¨ Hezbollah descarta negociações
O Hezbollah disse
nesta terça-feira (22) que não haverá negociações enquanto os combates
continuarem com Israel e reivindicou a autoria por um ataque de drone à casa de férias do
primeiro-ministro israelense, Benjamin
Netanyahu.
O grupo “assume total
e exclusiva responsabilidade” por atingir a casa de Netanyahu, afirmou Mohammad
Afif, chefe do escritório de mídia do grupo apoiado pelo Irã, em uma entrevista
coletiva nos subúrbios ao sul de Beirute.
“Se nossas mãos não
chegaram até você da última vez, então dias, noites e o campo de batalha ainda
estão entre nós”, adicionou.
Israel confirmou
que um drone atingiu casa de férias de
Netanyahu. O premiê não estava lá na hora, mas
descreveu o caso como uma tentativa de assassinato pelo Hezbollah e chamou a
ação de “erro grave”.
·
Captura de combatentes do Hezbollah
O grupo libanês também
reconheceu pela primeira vez que Israel capturou alguns de seus combatentes
desde que lançou uma ofensiva terrestre no sul do Líbano, e disse que Israel é
responsável pelos estados de saúde.
O Hezbollah não
capturou nenhum soldado israelense, mas chegou perto, segundo Afif. “Não vai
demorar muito para termos prisioneiros do inimigo [Israel]”.
Ele também negou que a
Associação Al-Qard Al-Hassan esteja envolvida no financiamento de salários ou
armas do Hezbollah e cumpriria suas obrigações com os clientes integralmente,
mesmo depois que Israel a atacou com cerca de 30 ataques no domingo.
Israel e os EUA
pontuam que a Al-Qard Al-Hassan, que tem mais de 30 pontos de venda no Líbano,
é usada pelo Hezbollah para lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo,
afirmações que o grupo nega.
Entenda a escalada nos
conflitos do Oriente Médio
O ataque com mísseis do Irã a Israel no dia 1º de outubro marcou uma nova etapa do
conflito regional no Oriente Médio. De um lado da guerra está Israel, com apoio dos Estados Unidos. Do outro, o Eixo da Resistência, que recebe apoio financeiro e militar do Irã e que conta
com uma série de grupos paramilitares.
São sete frentes de
conflito abertas atualmente: a República Islâmica do Irã; o Hamas, na Faixa de
Gaza; o Hezbollah,
no Líbano; o governo Sírio e as milícias que atuam no país; os Houthis, no Iêmen; grupos
xiitas no Iraque; e
diferentes organizações militantes na Cisjordânia.
Israel tem soldados em
três dessas frentes: Líbano, Cisjordânia e Faixa de Gaza. Nas outras quatro,
realiza bombardeios aéreos.
O Exército
israelense iniciou uma “operação terrestre limitada”
no Líbano no dia 30 de setembro, dias depois de
Israel matar o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em um bombardeio ao quartel-general do grupo, no subúrbio de
Beirute.
As Forças de Defesa de
Israel afirmam que mataram praticamente toda a cadeia de comando do Hezbollah
em bombardeios semelhantes realizados nas últimas semanas.
No dia 23 de setembro,
o Líbano teve o dia mais mortal desde a guerra de 2006, com mais de 500 vítimas fatais.
Ao menos dois adolescentes brasileiros
morreram nos ataques. O Itamaraty condenou a situação e pediu o fim das hostilidades.
Com o aumento das
hostilidades, o governo brasileiro anunciou uma operação
para repatriar brasileiros no Líbano.
Na Cisjordânia, os militares israelenses tentam
desarticular grupos contrários à ocupação de
Israel ao território palestino.
Já na Faixa de Gaza, Israel
busca erradicar o Hamas, responsável pelo ataque de 7 de outubro que deixou
mais de 1.200 mortos, segundo informações do governo israelense. A operação
israelense matou mais de 40 mil palestinos, segundo o Ministério da Saúde do
enclave, controlado pelo Hamas.
O líder do
Hamas, Yahya Sinwar, foi morto pelo Exército israelense no dia 16 de
outubro, na cidade de Rafah.
¨
De Gaza ao Líbano: um
mundo de impunidade. Por Paulo Sérgio Pinheiro
Uma perturbadora
erosão gradual e constante das normas universais do direito internacional tem
ocorrido nas últimas décadas. Diversos conflitos armados recentes têm
desintegrado completamente os sistemas de proteção da população civil.
No mais grave e
longevo desses conflitos, o Estado de Israel, à guisa de se defender do Hamas,
em um ano destruiu na Faixa de Gaza todas as escolas, hospitais, universidades,
mesquitas, igrejas, arquivos, museus.
Cerca de 1,9 milhão de
habitantes foram deslocados de suas casas. Quase 2% da população foi morta
pelos bombardeios israelenses — 60% dessas 42 mil vítimas são crianças,
mulheres e idosos a partir de 60 anos.
No final do mês de
setembro, a escalada de ataques, iniciada em 8 de outubro de 2023 entre Israel
e o grupo não estatal armado libanês Hezbollah, se agravou.
Em 27 de setembro
último, sem aviso prévio, Israel lançou mais de 80 bombas de 2.000 libras num
bairro no sul de Beirute, destruindo seis prédios de apartamentos e resultando
na morte do secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah.
Seguiram-se 1.700
bombardeios no Líbano, inclusive, recentemente, no centro de Beirute.
No total, 1,2 milhão
de pessoas foram deslocadas, 2.083 mortas e 10 mil feridas desde outubro
passado, a maioria nas últimas três semanas.
Israel atacou soldados
da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil) sob protestos de 40
países, inclusive do Brasil.
Tudo antes da morte do
líder do Hezbollah, considerada pelos EUA como “medida de justiça”, parece
ultrapassado. Mas, para as vítimas, o passado recente continua sendo o
presente.
Como foram as
explosões em 17 e 18 de setembro no Líbano, e também na Síria, em pagers e
walkie-talkies, atribuídas a Israel —visando o Hezbollah, mas que atingiram
3.500 libaneses, com 42 mortes.
Perderam ambos os
olhos 300 pessoas e, 500, uma das vistas. Houve registros de lesões graves na
cintura e no rosto das vítimas, além de mãos amputadas.
Os ataques, a quem
estava de posse dos dispositivos visados, violaram o direito internacional dos
direitos humanos e humanitário, avaliou o alto-comissário de direitos humanos
da ONU, Volker Turk.
Apesar disso, as
potências ocidentais que apoiam Israel não condenaram esses ataques. As reações
da mídia internacional foram de um fascínio indecente, com o feito considerado
“inovador” e “audacioso”.
Era de se esperar que
os ataques de Israel contra o Líbano gerassem protestos aqui, visto o Brasil
ter a maior comunidade de libaneses e descendentes fora do país do Oriente
Médio – entre 7 e 10 milhões de pessoas.
Ledo engano. Diante
desses horrores, as entidades da sociedade civil brasileira não se
manifestaram.
Caladas durante um ano
quanto ao genocídio em curso em Gaza —cuja plausibilidade foi constatada pela
Corte Internacional de Justiça—, guardam um obsequioso silêncio sobre a
desesperadora situação no Líbano.
Mas uma vez nos salva
desse constrangimento internacional o governo brasileiro, que condenou com
veemência os ataques aos pagers e denunciou as operações militares de Israel no
sul do Líbano como violação ao direito internacional, à Carta da ONU e a resoluções
do Conselho de Segurança.
Acontecimentos como os
ocorridos em Gaza, no Líbano e em diferentes partes do mundo solapam a
aplicabilidade universal de normas e mecanismos internacionais decisivos para a
proteção das populações civis.
Urge que a sociedade
civil brasileira se dê conta, como há dias disse António Guterres,
secretário-geral da ONU, do “mundo de impunidade” que ameaça os fundamentos da
lei internacional.
¨ Ataques com drones são ponto fraco da defesa aérea de Israel
A renomada defesa
antiaérea de Israel, que inclui o famoso Domo de Ferro, está enfrentando
desafios significativos diante de ataques com drones.
O analista
internacional Lourival Sant’Anna explicou durante o CNN Prime
Time desta terça-feira (22) que essa modalidade de ataque tem se revelado
um ponto fraco no sistema de defesa israelense.
Um exemplo recente
dessa vulnerabilidade foi o ataque bem-sucedido à casa de campo do
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Apesar das
sofisticadas camadas de defesa, como o Domo de Ferro para foguetes de curto
alcance e o “Estilingue de Davi” para mísseis de médio alcance, os drones
conseguiram penetrar essas barreiras.
<><>
Hezbollah reage à ofensiva israelense
O ataque à residência
de Netanyahu é visto como uma tentativa do Hezbollah de responder à intensa
campanha israelense de eliminação de lideranças do grupo.
Israel anunciou
recentemente que, em um bombardeio realizado em 3 de outubro contra uma unidade
de inteligência do Hezbollah em Beirute, teria eliminado Hashem Safieddine,
apontado como possível sucessor de Hassan Nasrallah na liderança do grupo.
Safieddine além de ser
primo de Nasrallah, tinha conexões importantes com o Irã, principal
patrocinador do Hezbollah.
Seu filho era casado
com a filha de Qassem Soleimani, o comandante da Guarda Revolucionária Islâmica
do Irã morto em um ataque americano no Iraque.
No mesmo ataque,
Israel afirma ter eliminado Ali Hussein Hazima, comandante da unidade de
inteligência do Hezbollah.
Essas baixas
representam um golpe significativo na estrutura de comando do grupo,
demonstrando a eficácia da estratégia israelense de “decapitação” da liderança
inimiga.
Fonte: Sputnik Brasil/Viomundo/CNN
Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário