quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Execução de líderes do Hamas e Hezbollah por Israel eleva a popularidade dos grupos, notam analistas

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que, embora cause impacto inicial, a tática de Israel de aniquilar lideranças reforça a solidariedade entre islâmicos em torno dos grupos, uma vez que o martírio é visto como símbolo de resistência.

Após passar meses engajado em uma campanha de bombardeios a civis na Faixa de Gaza, Israel agora tem voltado suas ações para a execução de lideranças no Oriente Médio.

Entre os líderes assassinados está Ismail Haniya, ex-chefe do gabinete político do movimento palestino Hamas; Yahya Sinwar, ex-líder do grupo; e Hassan Nasrallah, ex-líder do movimento libanês Hezbollah.

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam os impactos da nova abordagem e qual a possibilidade de ela ter efeito contrário, resultando no fortalecimento dos grupos atacados.

Issam Rabih Menem, doutorando em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima), afirma que as baixas de lideranças colocaram o Hamas e o Hezbollah no "pior momento desde suas constituições".

"Essas 'operações de decapitação' [metáfora para o assassinato de chefes dos grupos] empregadas por Israel causaram uma desorganização imediata, uma vez que a ausência de líderes experientes gerou confusão, paralisia nas comunicações e dificuldades de coordenação, reduzindo a capacidade de resposta do inimigo", afirma.

Segundo Menem, o duro golpe no Hezbollah envolvendo os pagers e os rádios comunicadores e, posteriormente, a rápida baixa de seus comandantes mais experientes perturbou cognitivamente o grupo.

"O Hezbollah expôs uma série de vulnerabilidades, assemelhando-se à figura de um 'queijo suíço', suscetível a infiltrações de delatores e a vazamentos de informações sensíveis. Qualquer outro grupo não estatal teria sua estrutura pulverizada após esses ataques."

Por outro lado, ele frisa que o assassinato dos líderes e a mobilização dos movimentos demonstra estar reforçando ainda mais a popularidade e a solidariedade intra-islâmica com esses atores. Ademais, em relação ao Hezbollah, ele afirma que não foi observada uma reação violenta descontrolada, como muitos imaginavam, mas sim um comportamento prudente e racional, em que o grupo eleva gradualmente seus ataques conforme o conflito.

"Ao elevar o nível de resposta, o Hezbollah registra importantes e inéditos feitos contra o território israelense, por meio do emprego de munição vagante [drones], ao atingir a casa de Netanyahu em Cesareia, no norte de Israel, e ao infligir importantes baixas militares ao atingir um campo de treinamento."

Por sua vez, Gabriel Mathias Soares, doutor em história social, mestre em estudos árabes pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-monitor de direitos humanos na Cisjordânia, avalia que "é evidente que há um impacto com o assassinato de lideranças, mas não são tão óbvios e diretos quanto se pode imaginar em primeira instância".

Ele argumenta que, no campo de batalha, essa estratégia até o momento não se mostrou decisiva, além de ser uma tática há muito já usada contra o Hamas e o Hezbollah, que, em grande medida, adaptaram-se a ela "utilizando uma estratégia descentralizada nos confrontos", com várias unidades com alto grau de autonomia e capacidade de operação.

"Em termos de efeito moral, [a tática] é uma faca de dois gumes, pois o martírio, particularmente do modo como vimos com Yahya Sinwar, enfrentando o Exército israelense diretamente em batalha, pode servir como símbolo de resistência, seja imediato ou no futuro, como é o caso do mártir que dá nome às brigadas do Hamas, Al-Qassam", explica.

Ele acrescenta ainda que, embora Israel tenha tido sucesso em localizar e identificar seus alvos fora de Gaza, esse "não parece ter sido o caso de Yahya Sinwar, encontrado mais ao acaso por um esquadrão em treinamento".

"Isso implica que há pouca inteligência de Israel em Gaza, tanto a dificuldade enorme de encontrar os cativos israelenses ali, exceto até agora uma meia dúzia, com apenas uma operação de resgate que se pode confirmar como efetiva."

Ademais, ele aponta que há alguns meses Israel alegou ter assassinado também Mohammed Deif, comandante-chefe das Brigadas Al-Qassam.

Porém, não houve nenhuma confirmação da parte do Hamas, como houve no caso de Yahya Sinwar, nem de nenhum outro grupo político.

"A carência de inteligência israelense na Faixa de Gaza é demonstrada pelos espetáculos de alegações contra hospitais e escolas como centros do Hamas que nunca se confirmam com evidência alguma, mesmo depois de forças israelenses ocuparem esses locais e/ou destruírem parcialmente ou por completo."

Questionado se a intenção de Israel ao adotar a estratégia seria justamente provocar uma reação, Soares afirma que "a reação violenta é, sem dúvida, algo que Israel espera como resultado de suas ações".

Ele afirma que essa reação é definitivamente calculada por Tel Aviv, embora muitas vezes de forma errônea, "visto a determinação e a efetividade de mísseis e drones do Hezbollah e do Irã em penetrar o território israelense sem serem detidos pelo sistema antimísseis".

"A questão é que parece haver algum cálculo em que os assassinatos reduziram a capacidade de reação, o que não tem se mostrado de fato, visto a escalada dos bombardeios e das operações também da parte de Israel. Há quem alegue que o jogo político das lideranças israelenses seja um grande fator na continuidade das hostilidades, de modo a perpetuarem sua posição. Mas há desgastes que talvez não possam ser remediados com toda a vasta ajuda estadunidense."

Questionado sobre a forma como a estratégia israelense afeta uma possível negociação para o resgate dos reféns levados para Gaza, Menem afirma que o diálogo nunca foi uma opção para o governo de Benjamin Netanyahu.

"O líder político de extrema-direita vem instrumentalizando o conflito para aumentar sua popularidade política interna, visto as diferentes denúncias que miram seu mandato."

A opinião é compartilhada por Soares, que afirma que se em algum momento o resgate dos reféns foi prioridade do governo Netanyahu, "certamente não é agora". Ele enfatiza que, como dito por outros analistas, a estratégia adotada é uma versão da doutrina Dahiya, utilizada em 2006, durante a última guerra no Líbano, elevada à décima potência — ou seja, a destruição completa de qualquer instituição e infraestrutura civil que possa servir direta ou indiretamente a qualquer um desses grupos; o que, segundo ele, pode ser chamado "doutrina de Gaza".

"[…] no modo como está sendo executada essa estratégia na Faixa de Gaza, especialmente nesse momento na região norte [Beit Lahiya, Beit Hanun e Jabalia], parece se tratar de uma estratégia de terra arrasada e limpeza étnica. Ou seja, cria-se um cordão de isolamento maior com a remoção forçada de populações inteiras de regiões adjacentes ao território israelense, com a destruição da maior parte das construções nesse perímetro", afirma.

Para Soares, não há nada que demonstre que a situação atual possa ser solucionada por meio de uma solução diplomática, visto que há questões em completa oposição. Ele aponta que no Irã há possibilidade de envolvimento de outros atores, enquanto na Faixa de Gaza a situação tende a se deteriorar, mesmo diante da redução das operações de Israel ou de um cessar-fogo.

"Enquanto o governo israelense permanecer diplomática e criminalmente blindado, como subsidiado militarmente pela maior potência do planeta, os EUA, há poucas chances de que a situação dos palestinos sequer pare de piorar."

¨      Hezbollah descarta negociações

O Hezbollah disse nesta terça-feira (22) que não haverá negociações enquanto os combates continuarem com Israel e reivindicou a autoria por um ataque de drone à casa de férias do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

O grupo “assume total e exclusiva responsabilidade” por atingir a casa de Netanyahu, afirmou Mohammad Afif, chefe do escritório de mídia do grupo apoiado pelo Irã, em uma entrevista coletiva nos subúrbios ao sul de Beirute.

“Se nossas mãos não chegaram até você da última vez, então dias, noites e o campo de batalha ainda estão entre nós”, adicionou.

Israel confirmou que um drone atingiu casa de férias de Netanyahu. O premiê não estava lá na hora, mas descreveu o caso como uma tentativa de assassinato pelo Hezbollah e chamou a ação de “erro grave”.

·        Captura de combatentes do Hezbollah

O grupo libanês também reconheceu pela primeira vez que Israel capturou alguns de seus combatentes desde que lançou uma ofensiva terrestre no sul do Líbano, e disse que Israel é responsável pelos estados de saúde.

O Hezbollah não capturou nenhum soldado israelense, mas chegou perto, segundo Afif. “Não vai demorar muito para termos prisioneiros do inimigo [Israel]”.

Ele também negou que a Associação Al-Qard Al-Hassan esteja envolvida no financiamento de salários ou armas do Hezbollah e cumpriria suas obrigações com os clientes integralmente, mesmo depois que Israel a atacou com cerca de 30 ataques no domingo.

Israel e os EUA pontuam que a Al-Qard Al-Hassan, que tem mais de 30 pontos de venda no Líbano, é usada pelo Hezbollah para lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, afirmações que o grupo nega.

Entenda a escalada nos conflitos do Oriente Médio

ataque com mísseis do Irã a Israel no dia 1º de outubro marcou uma nova etapa do conflito regional no Oriente Médio. De um lado da guerra está Israel, com apoio dos Estados Unidos. Do outro, o Eixo da Resistência, que recebe apoio financeiro e militar do Irã e que conta com uma série de grupos paramilitares.

São sete frentes de conflito abertas atualmente: a República Islâmica do Irã; o Hamas, na Faixa de Gaza; o Hezbollah, no Líbano; o governo Sírio e as milícias que atuam no país; os Houthis, no Iêmen; grupos xiitas no Iraque; e diferentes organizações militantes na Cisjordânia.

Israel tem soldados em três dessas frentes: Líbano, Cisjordânia e Faixa de Gaza. Nas outras quatro, realiza bombardeios aéreos.

O Exército israelense iniciou uma “operação terrestre limitada” no Líbano no dia 30 de setembro, dias depois de Israel matar o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em um bombardeio ao quartel-general do grupo, no subúrbio de Beirute.

As Forças de Defesa de Israel afirmam que mataram praticamente toda a cadeia de comando do Hezbollah em bombardeios semelhantes realizados nas últimas semanas.

No dia 23 de setembro, o Líbano teve o dia mais mortal desde a guerra de 2006, com mais de 500 vítimas fatais.

Ao menos dois adolescentes brasileiros morreram nos ataques. O Itamaraty condenou a situação e pediu o fim das hostilidades.

Com o aumento das hostilidades, o governo brasileiro anunciou uma operação para repatriar brasileiros no Líbano.

Na Cisjordânia, os militares israelenses tentam desarticular grupos contrários à ocupação de Israel ao território palestino.

Já na Faixa de Gaza, Israel busca erradicar o Hamas, responsável pelo ataque de 7 de outubro que deixou mais de 1.200 mortos, segundo informações do governo israelense. A operação israelense matou mais de 40 mil palestinos, segundo o Ministério da Saúde do enclave, controlado pelo Hamas.

O líder do Hamas, Yahya Sinwar, foi morto pelo Exército israelense no dia 16 de outubro, na cidade de Rafah. 

 

¨      De Gaza ao Líbano: um mundo de impunidade. Por Paulo Sérgio Pinheiro

Uma perturbadora erosão gradual e constante das normas universais do direito internacional tem ocorrido nas últimas décadas. Diversos conflitos armados recentes têm desintegrado completamente os sistemas de proteção da população civil.

No mais grave e longevo desses conflitos, o Estado de Israel, à guisa de se defender do Hamas, em um ano destruiu na Faixa de Gaza todas as escolas, hospitais, universidades, mesquitas, igrejas, arquivos, museus.

Cerca de 1,9 milhão de habitantes foram deslocados de suas casas. Quase 2% da população foi morta pelos bombardeios israelenses — 60% dessas 42 mil vítimas são crianças, mulheres e idosos a partir de 60 anos.

No final do mês de setembro, a escalada de ataques, iniciada em 8 de outubro de 2023 entre Israel e o grupo não estatal armado libanês Hezbollah, se agravou.

Em 27 de setembro último, sem aviso prévio, Israel lançou mais de 80 bombas de 2.000 libras num bairro no sul de Beirute, destruindo seis prédios de apartamentos e resultando na morte do secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah.

Seguiram-se 1.700 bombardeios no Líbano, inclusive, recentemente, no centro de Beirute.

No total, 1,2 milhão de pessoas foram deslocadas, 2.083 mortas e 10 mil feridas desde outubro passado, a maioria nas últimas três semanas.

Israel atacou soldados da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil) sob protestos de 40 países, inclusive do Brasil.

Tudo antes da morte do líder do Hezbollah, considerada pelos EUA como “medida de justiça”, parece ultrapassado. Mas, para as vítimas, o passado recente continua sendo o presente.

Como foram as explosões em 17 e 18 de setembro no Líbano, e também na Síria, em pagers e walkie-talkies, atribuídas a Israel —visando o Hezbollah, mas que atingiram 3.500 libaneses, com 42 mortes.

Perderam ambos os olhos 300 pessoas e, 500, uma das vistas. Houve registros de lesões graves na cintura e no rosto das vítimas, além de mãos amputadas.

Os ataques, a quem estava de posse dos dispositivos visados, violaram o direito internacional dos direitos humanos e humanitário, avaliou o alto-comissário de direitos humanos da ONU, Volker Turk.

Apesar disso, as potências ocidentais que apoiam Israel não condenaram esses ataques. As reações da mídia internacional foram de um fascínio indecente, com o feito considerado “inovador” e “audacioso”.

Era de se esperar que os ataques de Israel contra o Líbano gerassem protestos aqui, visto o Brasil ter a maior comunidade de libaneses e descendentes fora do país do Oriente Médio – entre 7 e 10 milhões de pessoas.

Ledo engano. Diante desses horrores, as entidades da sociedade civil brasileira não se manifestaram.

Caladas durante um ano quanto ao genocídio em curso em Gaza —cuja plausibilidade foi constatada pela Corte Internacional de Justiça—, guardam um obsequioso silêncio sobre a desesperadora situação no Líbano.

Mas uma vez nos salva desse constrangimento internacional o governo brasileiro, que condenou com veemência os ataques aos pagers e denunciou as operações militares de Israel no sul do Líbano como violação ao direito internacional, à Carta da ONU e a resoluções do Conselho de Segurança.

Acontecimentos como os ocorridos em Gaza, no Líbano e em diferentes partes do mundo solapam a aplicabilidade universal de normas e mecanismos internacionais decisivos para a proteção das populações civis.

Urge que a sociedade civil brasileira se dê conta, como há dias disse António Guterres, secretário-geral da ONU, do “mundo de impunidade” que ameaça os fundamentos da lei internacional.

 

¨      Ataques com drones são ponto fraco da defesa aérea de Israel

A renomada defesa antiaérea de Israel, que inclui o famoso Domo de Ferro, está enfrentando desafios significativos diante de ataques com drones.

O analista internacional Lourival Sant’Anna explicou durante o CNN Prime Time desta terça-feira (22) que essa modalidade de ataque tem se revelado um ponto fraco no sistema de defesa israelense.

Um exemplo recente dessa vulnerabilidade foi o ataque bem-sucedido à casa de campo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Apesar das sofisticadas camadas de defesa, como o Domo de Ferro para foguetes de curto alcance e o “Estilingue de Davi” para mísseis de médio alcance, os drones conseguiram penetrar essas barreiras.

<><> Hezbollah reage à ofensiva israelense

O ataque à residência de Netanyahu é visto como uma tentativa do Hezbollah de responder à intensa campanha israelense de eliminação de lideranças do grupo.

Israel anunciou recentemente que, em um bombardeio realizado em 3 de outubro contra uma unidade de inteligência do Hezbollah em Beirute, teria eliminado Hashem Safieddine, apontado como possível sucessor de Hassan Nasrallah na liderança do grupo.

Safieddine além de ser primo de Nasrallah, tinha conexões importantes com o Irã, principal patrocinador do Hezbollah.

Seu filho era casado com a filha de Qassem Soleimani, o comandante da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã morto em um ataque americano no Iraque.

No mesmo ataque, Israel afirma ter eliminado Ali Hussein Hazima, comandante da unidade de inteligência do Hezbollah.

Essas baixas representam um golpe significativo na estrutura de comando do grupo, demonstrando a eficácia da estratégia israelense de “decapitação” da liderança inimiga.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Viomundo/CNN Brasil

 

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