Como consumo de produtos preferidos pelos
argentinos, como carne, mate e leite, mudou desde a posse de Milei
A Argentina atravessa
atualmente, segundo seu próprio governo, "o maior ajuste da história".
Um dos efeitos mais
visíveis do processo é a redução do consumo de três dos alimentos mais
emblemáticos do país: a carne, o leite e a erva-mate.
Assim que chegou à
presidência da Argentina, em dezembro de 2023, o economista "libertário" Javier Milei ligou –
metaforicamente falando – a famosa motosserra que o acompanhou
em alguns atos de campanha.
Nos três primeiros
meses de governo, o presidente reduziu os gastos públicos em
13% do Produto Interno Bruto (PIB), o que diminuiu de imediato o enorme déficit
fiscal enfrentado pelo país.
O governo afirma que
"não existem antecedentes mundiais" de um ajuste desta magnitude em
tão pouco tempo. E a medida serviu para reduzir um dos maiores flagelos da
Argentina: sua inflação – a mais alta do mundo, próxima de 290% ao ano.
Em março, os aumentos
de preços caíram pelo terceiro mês consecutivo e, confirmando a maioria dos
prognósticos privados e oficiais, os números de abril mostraram nova queda da
inflação, que passou a ser de um dígito por mês. É um sinal de que as medidas tomadas
pelo governo parecem estar funcionando.
Mas existe o outro
lado da moeda: uma fortíssima recessão, que foi agravada por muitas das medidas
tomadas por Milei, como a desvalorização da moeda local pela metade, a drástica
redução das taxas de juros e, principalmente, a contenção dos aumentos dos salários
e aposentadorias, que foram mantidos abaixo da taxa de inflação.
O Fundo Monetário
Internacional (FMI) havia previsto crescimento de 2,8% para o país em 2024, mas
reverteu suas expectativas após os anúncios do novo presidente. O órgão agora
estima que a economia argentina sofrerá retração de 2,8% este ano, para crescer
novamente em 5% em 2025.
A desregulamentação de
diversos setores econômicos e a "acomodação dos preços", que haviam
ficado defasados durante os governos kirchneristas, fizeram com que os valores
de muitos bens e serviços disparassem. Estes aumentos pressionaram ainda mais o
bolso dos argentinos, que já recebiam um dos salários mais baixos da América
Latina.
Um relatório do Centro
de Pesquisa e Formação da Central de Trabalhadores da Argentina (Cifra-CTA, na
sigla em espanhol), publicado em abril, indicou que o poder aquisitivo do
salário mínimo caiu em um terço (34,1%) desde a posse de Milei.
Com isso, o consumo de
massa despencou. Março registrou o quarto mês consecutivo de queda, com redução
de 19% sobre o mesmo mês do ano passado, segundo a consultoria Focus Market.
E o sinal mais claro
desta crise pode ser observado na queda das vendas de três dos produtos mais
consumidos pelos argentinos.
·
Leite – queda no 1º
trimestre: 18,7%
A Argentina é um país
pecuarista. Por isso, o leite e seus derivados – incluindo o tão popular doce
de leite – não podem faltar na mesa dos argentinos.
Mas o preço do leite
mais que dobrou em apenas três meses. O aumento foi de 123% entre dezembro e
março, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos da República
Argentina (Indec). Com isso, muitas pessoas simplesmente precisaram deixar de
consumir laticínios, como queijo, iogurte e manteiga.
Um relatório do
Observatório da Cadeia Láctea Argentina (OCLA), com base em dados do painel das
indústrias lácteas, demonstra que a queda do volume de venda de laticínios no
mercado interno foi de 18,7% nos três primeiros meses do ano, em comparação com
o mesmo período de 2023.
Paradoxalmente, depois
de muitos anos em crise, a situação dos produtores de leite melhorou nos
últimos tempos com a exportação de leite em pó, o principal produto da
indústria para o mercado externo.
Sua cotação
internacional é de mais de US$ 3,2 mil (cerca de R$ 16,4 mil) por tonelada.
Este valor fez com que o preço de referência pago aos pecuaristas pelo leite em
nível nacional aumentasse em mais de 300% em um ano, segundo o OCLA. Este
índice é mais alto que a inflação anual da Argentina, de 288%.
O organismo estima
ainda que, no primeiro trimestre, as exportações de laticínios aumentaram em
6,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Elas representam 30% de todo o
leite produzido no país.
Enquanto muitos
empresários leiteiros observam com preocupação a crise do mercado interno, uma
pesquisa realizada em março pela associação rural Consórcios Regionais de
Experimentação Agrícola (CREA) demonstrou que a maioria deles mantém otimismo
sobre o futuro dos seus negócios – 73% deles são da opinião de que os
resultados econômicos irão melhorar até o ano que vem.
·
Carne – queda no 1º
trimestre: 17,6%
A Argentina é famosa
pela qualidade da sua carne. Qualquer pessoa que já tenha visitado o país sabe
que o "bife" e o "assado" fazem parte habitual da
alimentação dos argentinos.
Mas, este ano, muitas
pessoas precisaram abandonar o tradicional churrasco de domingo.
Segundo a Câmara da
Indústria e Comércio de Carnes e Derivados da República Argentina (Ciccra), o
consumo de carne bovina per capita no país caiu de 50,5 kg em março de 2023
para 42,6 kg em março deste ano – uma redução de 18,5%.
No acumulado do
primeiro trimestre, a queda do consumo foi de 17,6%. Segundo a Ciccra, este foi
o "registro mais baixo das últimas três décadas".
Mas, como no caso do
leite, nem tudo foi prejuízo para o setor. A redução do consumo interno foi
compensada por um forte aumento das exportações, que representam cerca de 30%
da produção total.
Um relatório da Ciccra
indica que, nos primeiros três meses do ano, as exportações aumentaram em
22,9%, em relação ao mesmo período de 2023. E fontes do Instituto de Promoção
da Carne Bovina Argentina informaram que 80% dessa carne foi vendida para a China.
·
Erva-mate – queda no
1º trimestre: 9,2%
O chimarrão é uma parte tão
essencial dos costumes argentinos que a demanda de erva-mate é considerada
estável – ou seja, mesmo quando os preços aumentam, as pessoas continuam
comprando a erva, sem substituí-la por outros produtos.
É por isso que alguns
consideram que queda das vendas de erva-mate é a evidência mais clara dos
dramáticos efeitos dos ajustes para muitos argentinos.
O Instituto Nacional
da Erva-Mate (INYM, na sigla em espanhol), que é um organismo não
governamental, revelou que, em março, a quantidade de erva-mate destinada ao
mercado interno caiu em 30%, em relação a 2023.
Considerando-se todo o
primeiro trimestre, a retração foi de 9,2% sobre o mesmo período do ano
passado.
A maioria dos
participantes do setor atribui a queda à perda de poder aquisitivo das famílias
com menos recursos. Um trabalho da Universidade Di Tella indicou que mais de 3
milhões de argentinos caíram abaixo da linha da pobreza no primeiro trimestre
deste ano.
Mas o INYM destaca que
a baixa também pode ter ocorrido porque muitos supermercados e comércios
compraram grandes quantidades de erva-mate no final de 2023. Eles aumentaram
seus estoques prevendo o possível aumento da cotação do dólar após a posse de
Milei, o que encareceria o produto.
O organismo também
informou que houve um forte aumento das exportações de erva-mate no primeiro
trimestre do ano, da ordem de 23%. As vendas para o mercado externo representam
apenas 10% da produção.
No início de abril, o
governo desregulamentou o mercado da erva-mate, eliminando o poder do INYM de
fixar preços de referência. A intenção é incentivar a concorrência para baixar
os preços internos.
Mas os críticos
advertem que esta medida pode ter efeito totalmente contrário, já que apenas
uma dezena de grandes empresas concentra 70% da preparação da erva-mate no
país. E, sem os preços de referência, elas poderão usar seu poder de mercado
para controlar tanto o preço de venda ao consumidor, quanto o valor pago aos
produtores agrícolas.
¨
Milei promete reduzir
impostos se projetos de lei que enviou ao Congresso forem aprovados
O presidente da
Argentina, Javier Milei, prometeu neste sábado (25) reduzir a carga tributária
em troca da aprovação pelo Senado de sua polêmica Lei de Bases e o pacote
fiscal. Ele pretendia usar o evento como marco para as mudanças que pretende
implantar no país, mas o atraso na votação do texto no Senado o obrigou a
recuar.
"Aproveitaremos
também, uma vez aprovada a Lei de Bases e o pacote fiscal, para avançar na
redução significativa de impostos", disse neste sábado, no Dia da Pátria,
na cidade de Córdoba, que comemora o 25 de maio de 1810, início do processo de independência
da Coroa espanhola.
Milei usou tom
conciliador para buscar acordo com os governadores das 23 jurisdições do país e
anunciou ainda que após a aprovação de seus projetos no Congresso, criará um
Conselho de Maio, composto por representantes de diferentes setores, para
trabalhar no "Pacto de Maio", que ele propôs em 1º de março no
Parlamento argentino. Na ocasião ele pediu aos governadores para que fundassem
um pacto de dez princípios com a condição de que as Bases Legais e os Pontos de
Partida para a Liberdade dos Argentinos fossem aprovados no Congresso.
A Lei Bases e Pontos
de Partida para a Liberdade dos Argentinos, mais conhecida como "lei
bases' ou 'lei omnibus", propõe ampla reforma do Estado com
desregulamentações em diversas áreas. Os regulamentos conferem poderes
legislativos ao presidente, permitem a privatização de empresas públicas e
introduzem numerosas reformas de longo alcance e de natureza regressiva, tais
como uma reforma laboral, fiscal.
Os projetos estão em
debate no plenário das comissões do Senado e foram aprovados na Câmara dos
Deputados em 30 de abril.
A lenta tramitação no
Senado mostra a resistência do Congresso em aprovar as propostas de Milei.
"Não pode haver
causa legítima para se opor à sagrada tarefa de reconstruir a nação. Não há
especulação nem ambição que justifique o empobrecimento de nossa nação",
argumentou o líder ultraliberal na busca pelos apoios políticos.
Um dos impostos a
serem baixados seria o Para uma Argentina Inclusiva e Solidária (PAÍS), criado
em 2019 sob a administração do governo do peronista de Alberto Fernández
(2019-2023) para taxar a compra de moeda estrangeira.
Fonte: BBC News Mundo/Sputnik
Brasil
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