Reconhecimento da Palestina por europeus
não muda ocupação nem assentamentos, diz analista
Isolamento diplomático
de Israel se intensifica com reconhecimento do Estado da Palestina por Espanha,
Noruega e Irlanda e retirada do embaixador do Brasil de Tel Aviv. Mas sem apoio
dos EUA e com continuada ocupação dos territórios palestinos, pressão internacional
sob Israel tem efeitos limitados, acreditam analistas ouvidos pela Sputnik
Brasil.
Nesta quarta-feira
(29), o Ministério das Relações Exteriores do Brasil emitiu nota de apoio ao
reconhecimento do Estado da Palestina por Espanha, Irlanda e Noruega. Para o
Itamaraty, reconhecimento "constitui notável avanço histórico que
contribui para responder aos anseios de paz, liberdade e autodeterminação
daquele povo".
O anúncio oficial foi
feito no mesmo dia em que o Brasil decidiu retirar permanentemente o seu
embaixador Frederico Meyer de Israel, aprofundando a grave crise diplomática
entre os países. Apesar de não ter emitido justificativa oficial para a
retirada do diplomata, o presidente Lula demonstrou frustração quanto ao avanço
da operação israelense na cidade de Rafah, na Faixa de Gaza.
"Queria pedir a
solidariedade às mulheres e crianças que estão morrendo na Palestina pela
irresponsabilidade do governo de Israel. A gente não pode se calar diante de
aberrações", disse o presidente Lula, conforme reportou a Agência Brasil.
O reconhecimento do
Estado da Palestina por países europeus e a deterioração nos laços entre
Brasília e Tel Aviv são sinais claros do crescente isolamento diplomático de
Israel na arena internacional, atestaram analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
"A atuação de
Israel em Gaza está isolando o país internacionalmente de maneira
inédita", disse a professora de Relações Internacionais e assessora do
Instituto Brasil-Israel, Karine Calandrin, à Sputnik Brasil. "Alguns
especialistas apontam que Israel se tornará um Estado pária, por estar se
afastando de seus aliados mais ferrenhos, como EUA e Alemanha."
Para o professor de
Relações Internacionais da PUC-MG, Jorge Lasmar, o reconhecimento do Estado da
Palestina é recebido de forma positiva na Cisjordânia e Faixa de Gaza. No
entanto, o ato tem o intuito de enviar mensagens para outros atores
internacionais, como EUA, União Europeia e Israel.
"Espanha, Irlanda
e Noruega estão enviando várias mensagens com esse reconhecimento: primeiro, a
de questionar os EUA e sua posição de apoio incondicional a Israel. Segundo, de
enviar um recado interno à Europa, de que não estão alinhados com a política
majoritária do bloco para Israel – o que é muito relevante, considerando que
estamos em intenso ano eleitoral no continente", disse Lasmar à Sputnik
Brasil.
Para o professor, o
reconhecimento do Estado da Palestina "tampouco deixa de ser uma mensagem
de isolamento diplomático para o Estado de Israel. Mas não esqueçamos que não
houve ruptura de relações diplomáticas nem a suspensão de acordos comerciais."
Reação de Israel
O governo israelense
reagiu à decisão de Espanha, Irlanda e Noruega de forma negativa. Nesta
segunda-feira (27), Israel chegou a exigir que a Espanha deixasse de oferecer
serviços consulares para palestinos residentes na Cisjordânia em seu consulado
em Jerusalém Oriental. De acordo com a legislação internacional aprovada sob os
auspícios da ONU, Jerusalém Oriental é um território ocupado por Israel.
O ministro das
Relações Exteriores do país, Israel Katz, anunciou que pretendia adotar
"medidas preliminares punitivas" contra o consulado espanhol em
Jerusalém, após o reconhecimento de um Estado palestino pelo governo da
Espanha". De acordo com o jornal The Times of Israel, Katz declarou que
"aqueles que nos prejudicarem, nós também prejudicaremos", lembrando
ao governo espanhol que "os dias da Inquisição acabaram".
Além disso, Israel
convocou os embaixadores dos três países para consultas – ocasião amplamente
reportada pela mídia local, durante a qual foram mostrados aos diplomatas
vídeos inéditos de violência durante os ataques de 7 de outubro.
"Para o atual
governo israelense, o reconhecimento do Estado palestino seria uma premiação ao
Hamas pelas suas ações no 7 de outubro", relatou Calandrin. "Na minha
opinião, a decisão [de Espanha, Noruega e Irlanda] deveria ser bem recebida por
Israel, afinal reconhece a solução de dois Estados, que reafirma a
autodeterminação tanto palestina, quanto judaica."
A despeito das boas
intenções, a ação diplomática de Espanha, Noruega e Irlanda poderá ter o efeito
contrário do esperado na política interna israelense. Ao sentir-se acuado, o
governo local poderá ampliar sua distância da comunidade internacional, apontou
Lasmar.
"Internamente, o
reconhecimento tem o efeito contrário ao desejado [por Espanha, Noruega e
Irlanda], fortalecendo a liderança de Netanyahu e a ideia de inimigos externos
ao Estado de Israel", notou o professor da PUC-MG.
Ato simbólico
Apesar do furor, o
reconhecimento do Estado da Palestina por países europeus não terá implicações
práticas para o palestino comum, que continuará a viver ou sob ocupação
estrangeira na Cisjordânia, ou em uma zona de guerra como a Faixa de Gaza,
disse Calandrin.
"Infelizmente, o
reconhecimento é simbólico. Mais de 60% do território da Cisjordânia está sob
total controle israelense", explicou Calandrin. "O reconhecimento do
Estado palestino não muda a ocupação, nem a situação dos assentamentos na Cisjordânia,
que é uma questão essencial para a soberania palestina."
A especialista ainda
nota a inviabilidade econômica do Estado palestino, em função da ausência de
contiguidade territorial e bloqueio terrestre, marítimo e aéreo da Faixa de
Gaza, em vigor desde 2005.
"A situação na
Faixa de Gaza é pior do que a da Cisjordânia e muito mais restrita em termos de
liberdade. Mesmo antes da guerra, a situação era de falta de infraestrutura
básica e falta de emprego", disse Calandrin. "Por isso, o Estado da Palestina
só será efetivo quando Israel o reconhecer. O reconhecimento israelense e o fim
da ocupação deveriam vir em primeiro lugar."
Lasmar concorda que o
reconhecimento tem valor simbólico, mas nota as "mudanças administrativas
imediatas", como a intenção norueguesa de elevar o status de sua
representação comercial na Cisjordânia e da Irlanda de abrir uma embaixada em
Jerusalém Oriental. "Mas, na prática, pouco muda, afinal o território
ainda é controlado por Israel."
Para o professor da
PUC-MG, a pressão internacional pelo fim da operação israelense em Gaza e pelo
reconhecimento do Estado da Palestina precisaria ser acompanhado de medidas
econômicas.
"O isolamento
diplomático pode ser um instrumento efetivo para modificar o comportamento dos
Estados quando combinam medidas políticas e econômicas", explicou Lasmar.
"Um caso clássico é o da queda do regime do Apartheid na África do Sul, após
campanha de pressão internacional, conduzida inclusive pelo Conselho de
Segurança da ONU."
No caso de Israel, o
apoio dos EUA impede que medidas de isolamento diplomático tenham impacto
efetivo no conflito em Gaza ou na criação de um Estado palestino, acredita
Lasmar, que é doutor em Relações Internacionais pela London School of Economics
na Inglaterra.
"Como a maioria
das instituições financeiras transacionam em dólar e seguem as regras
norte-americanas, sem o apoio dos EUA, medidas de pressão econômica contra
Israel seriam praticamente inócuas", disse Lasmar. "Lembremos que até
agora as manifestações de países como Brasil, Espanha, Noruega e Irlanda contra
Israel são políticas. Nenhum Estado chegou a decretar embargo econômico a
Israel."
·
Posição brasileira
O Brasil reconheceu o
Estado da Palestina ainda em 2010, durante o segundo governo Lula. Após a
decisão, o Itamaraty atuou de forma significativa pelo reconhecimento da
Palestina como Estado observador não membro da ONU, em 2011. O status garante
direito a voz, mas não a voto, às autoridades palestinas na organização.
O contraste entre a
reação israelense ao reconhecimento brasileiro do Estado da Palestina em 2010 e
as retaliações atuais contra Espanha, Noruega e Irlanda evidenciam mudanças
significativas na política interna israelense, considerou Calandrin.
"Atualmente temos
um governo Netanyahu que é muito mais irascível a esse tipo de ação. O
reconhecimento brasileiro [do Estado da Palestina em 2010] foi importante pela
liderança do Brasil na América Latina, o que encorajou outros países a fazerem
o mesmo", disse Calandrin. "Na época, isso não gerou controvérsias
com o governo em Israel. Mas precisamos considerar que o cenário era muito
diferente, já que não havia uma guerra em curso."
No mesmo contexto, os
governos petistas promoveram a assinatura do acordo de livre comércio
Mercosul-Israel e, durante o governo de Dilma Rousseff, negociou a compra de
equipamentos militares israelenses para a vigilância das fronteiras do Brasil.
"Posteriormente
um acordo de livre comércio também foi assinado com a Palestina, sempre nesse
cuidado brasileiro de reconhecer dois Estados para dois povos. [...] O
princípio da autodeterminação dos povos na política externa brasileira leva ao
reconhecimento do Estado da Palestina, mas também ao reconhecimento da
autodeterminação do povo judaico", concluiu a especialista.
¨ MSF: Israel deve pôr fim à sua campanha de morte e destruição em
Gaza
Enquanto o Conselho de
Segurança das Nações Unidas se reúne, depois de Israel ter atacado acampamentos
que abrigavam pessoas deslocadas em “zonas humanitárias” designadas no sul de
Gaza, Médicos Sem Fronteiras (MSF) pede o fim imediato da ofensiva em Rafah e
das atrocidades em curso na Faixa de Gaza. A estratégia militar de Israel de
lançar repetidamente ataques em áreas densamente povoadas conduz
inevitavelmente ao assassinato em massa de civis.
“Civis estão sendo
massacrados. Eles estão sendo empurrados para áreas que lhes disseram que
seriam seguras, apenas para serem submetidos a ataques aéreos implacáveis e
combates intensos”, diz Chris Lockyear, secretário-geral de MSF. “Famílias
inteiras, compostas por dezenas de pessoas, estão amontoadas em tendas e
vivendo em condições extremamente difíceis. Mais de 900 mil pessoas foram
novamente deslocadas à força, quando as forças israelenses intensificaram a sua
ofensiva sobre Rafah no início de maio”.
Hoje (28/5), 21
palestinos foram mortos e 64 feridos, segundo as autoridades de saúde locais,
depois que as forças israelenses bombardearam outro acampamento para pessoas
deslocadas em Al-Mawasi, a oeste de Rafah, no sul de Gaza.
A equipe médica e os
pacientes de um ponto de estabilização de traumas apoiado por MSF em Tal
Al-Sultan, em Rafah, também foram forçados a fugir na noite de 27 de maio, à
medida que as hostilidades na área se intensificavam, interrompendo
efetivamente todas as atividades médicas.
A evacuação forçada de
mais uma unidade de saúde ocorre 24 horas após as forças israelenses terem
realizado um ataque aéreo onde definiram e designaram como “zona
segura”. Pelo menos 49 pessoas foram mortas e mais de 250 feridas. A
equipe do ponto de estabilização de MSF registrou um fluxo em massa de 180
feridos e 31 mortos. Os pacientes sofreram queimaduras graves, ferimentos
por estilhaços, fraturas e outras lesões por traumas. Estes pacientes
foram estabilizados e encaminhados para hospitais de campanha localizados em
Al-Mawasi, mais a oeste, uma vez que não existem hospitais de trauma
funcionando que sejam capazes de lidar com um evento tão grande de vítimas.
“Durante toda a noite
passada ouvimos confrontos, bombardeios e lançamentos de foguetes. Ninguém sabe
exatamente o que está acontecendo”, diz a Dra. Safa Jaber, ginecologista de
MSF, que mora no acampamento de Tal Al-Sultan com sua família. “Estamos com medo
por nossos filhos, com medo por nós mesmos. Não esperávamos que isso
acontecesse de repente. Para onde nós devemos ir? Estamos lutando para
encontrar o básico que todo ser humano precisa para permanecer vivo”.
Na semana passada, a
Corte Internacional de Justiça (CIJ) ordenou a Israel que suspendesse
“imediatamente” a sua ofensiva militar em Rafah e permitisse a entrada de ajuda
humanitária desesperadamente necessária, garantindo que chegasse àqueles que
necessitam. Mas a ofensiva de Israel no sul de Gaza intensificou-se desde
então. Nenhuma quantidade significativa de ajuda entrou no enclave desde 6 de
maio e o padrão de ataques sistemáticos às instalações de saúde continuou.
Todos os países que apoiam as operações militares de Israel nestas
circunstâncias são moral e politicamente cúmplices. Apelamos aos países,
especialmente aos Estados Unidos, ao Reino Unido e aos Estados-membros da União
Europeia para que façam tudo o que estiver ao seu alcance para influenciar
Israel a pôr fim ao cerco em curso e aos ataques contínuos a civis e à
infraestrutura civil em Gaza.
Quase oito meses após
o início desta guerra, já não existe uma única unidade de saúde em Gaza que
tenha capacidade para lidar com um evento com vítimas em massa como o do dia 27
de maio. No mesmo dia, logo após o fechamento do posto de trauma apoiado por
MSF em Tal Al-Sultan, um ataque aéreo ao hospital kuwaitiano, em Rafah, matou
dois funcionários e colocou o hospital fora de serviço. Quase todos os
hospitais em Rafah foram evacuados à força, eles não estão oferecendo serviços
de saúde ou estão funcionando muito precariamente, não deixando qualquer
possibilidade de prestação ou acesso a cuidados médicos.
“Centenas de milhares
de civis estão sendo submetidos a uma demonstração brutal e implacável de
punição coletiva”, diz Karin Huster, referente médica do projeto de MSF em
Gaza. “Juntamente com os bombardeios, os graves bloqueios à ajuda humanitária
estão nos impossibilitando de ajudar de uma forma significativa. As pessoas
também estão morrendo, porque os trabalhadores humanitários estão sendo
impedidos de realizar o seu trabalho”.
Os bombardeios
israelenses e os combates intensos também continuam a devastar o norte do
enclave, que é quase inacessível para os trabalhadores humanitários. Os
hospitais no norte estão sob fogo e foram sujeitos a extensa destruição,
incluindo os hospitais Al-Awda e Kamal Adwan, o último foi bombardeado pelas
forças israelenses, ainda hoje. Outros hospitais, como o hospital Al-Aqsa em
Deir al Balah e o hospital Nasser, em Khan Younis, relataram a escassez de
combustível e poderão em breve não conseguir mais funcionar.
Apelamos a todas as
partes em conflito para que respeitem e protejam as instalações médicas, o seu
pessoal e os pacientes.
Apelamos a Israel que
pare imediatamente a sua ofensiva em Rafah e abra o ponto de passagem de Rafah
para permitir a entrada de ajuda humanitária e médica em grande escala.
Apelamos por um
cessar-fogo imediato e sustentado em toda a Faixa de Gaza.
Fonte: Sputnik Brasil/Imprensa-Rio
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