Os riscos ambientais das medidas que
incentivam as florestas de eucalipto sem licenciamento
No dia 8 de maio,
quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou uma alteração na Política Nacional
do Meio Ambiente: o projeto de lei 1366/22, do Senado, que excluiu da lista de
atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais a silvicultura,
segmento agroindustrial que planta florestas como pinus e eucaliptos para
extrair celulose do rol de atividades potencialmente poluidoras e que utilizam
de recursos ambientais.
Na prática, se a
medida for sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o setor
não precisará mais de licenciamento ambiental, nem estará sujeito ao pagamento
da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TFCA).
A medida, comemorada
na ocasião por parlamentares como o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles
(PL-SP) e o deputado Domingos Sávio (PL-MG), foi bastante criticada por ambientalistas e
pesquisadores da área.
Embora as grandes
florestas de eucalipto tenham aspectos ambientais que podem ser considerados
positivos, como captar gases de efeito estufa da atmosfera, têm muitas das
desvantagens das demais atividades agrícolas da monocultura, voltadas à
produtividade em larga escala e que dependem de grande quantidade de água e
insumos, como pesticidas e agroquímicos, para crescer.
Reproduzidas em
técnicas de clonagem para acelerar a produção e qualidade da madeira e da
celulose, elas são imensas florestas de árvores homogêneas sem a biodiversidade
das florestas naturais e da mata nativa.
"No chão das
florestas de pinus elliottii ou de eucalipto, por exemplo, não tem nada: não
tem minhoca, não tem samambaia, os troncos não têm nem líquen; é realmente um
deserto verde. Esses arvoredos coíbem qualquer outra espécie, é uma monocultura
e liquida a biodiversidade. São os desertos verdes", afirma o pesquisador
Rualdo Menegat, geólogo, doutor em Ciências na área de Ecologia de Paisagem e
professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
No Rio Grande do Sul,
onde mais de meio milhão de pessoas foram desalojadas por enchentes, a expansão
acelerada e o afrouxamento de leis que incentivam a silvicultura preocupa
pesquisadores e ambientalistas.
A perspectiva é de que
o bioma Pampa, que segundo o MapBiomas é o que mais perdeu vegetação e área
natural nos últimos 38 anos, torne-se ainda mais vulnerável a inundações e a
eventos climáticos, como as chuvas extremas que serão cada vez mais frequentes.
Entre 1985 e 2022, a
área dedicada ao plantio comercial de árvores como pinus e eucalipto cresceu
mais de 17 vezes, chegando a para 1,195 milhão de hectares, segundo o
MapBiomas. No Brasil, a expansão foi de 7,3 milhões de hectares, sendo a maior
parte desse avanço (61%) realizada nas áreas de pastagem e agricultura.
O receio agora é que
esse processo e seus impactos sejam agora ampliados com a aprovação de leis em
âmbito federal e estadual que, segundo seus críticos, afrouxam o controle sobre
a silvicultura.
As empresas do setor
afirmam, por sua vez, que o que houve foi uma correção de uma distorção que
aplicava ao setor, que é agroindustrial, as mesmas regras impostas a indústrias
consideradas poluidoras.
Também argumentam que
a atividade investe em medidas voltadas à sustentabilidade e que só atuam em
áreas que já haviam sido degradadas pela agricultura, seguindo padrões de
regulação internacionais, com práticas certificadas por auditorias
independentes e externas.
As paisagens do bioma
Pampa, que cobre pouco mais de 2% do território brasileiro e foi o que mais
perdeu território nas últimas décadas, mudaram radicalmente nas últimas
décadas. Além das plantações e silos de soja, a silvicultura tem transformado
regiões de vegetação rasteira em grandes florestas.
"Nos últimos 20
anos é nítida a diferença do uso do solo e da intensificação da silvicultura,
de um milhão de hectares, que agora vão para 4 milhões de hectares. E com elas
também as papeleiras, as fábricas de celulose", diz Rualdo Menegat, geólogo,
doutor em Ciências na área de Ecologia de Paisagem e professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
"A escala deste
avanço se opõe à realidade ambiental do bioma", alerta Ana Paula Moreira
Rovedder, engenheira florestal e docente do Departamento de iências Florestais
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e coordenadora do Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas (Neprade/UFSM).
"Pode levar a uma
intensificação das consequências dos eventos climáticos extremos", diz.
·
Isenção nacional de
licenciamento ambiental e tributo
"A decisão da
Câmara vai na contramão do que deveria ser feito em tempos de extremos
climáticos", diz Ana Paula Moreira Rovedder, engenheira florestal e
docente do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de
Áreas Degradadas (Neprade/UFSM).
"Na verdade, o
que nós deveríamos estar fazendo é pedindo licenciamento para as outras
culturas de commodities, para as outras monoculturas em grandes
extensões."
A Indústria Brasileira
de Árvores (Ibá), que representa 50 empresas da silvicultura, argumenta que a
dispensa do licenciamento aprovada pela Câmara tramitava há quase dez anos e,
em sua visão, corrige um erro histórico que exigia da silvicultura licenciamentos
ambientais mais similares aos de áreas como mineração e siderurgia.
"Para plantar um
cafezal, por exemplo, você não precisa de um projeto de um órgão regulador
estadual, municipal ou federal para plantar na sua propriedade", diz José
Carlos da Fonseca Jr., relações Internacionais da Ibá e presidente da Associação
Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel).
"Nós somos uma
agroindústria, nós plantamos. Nenhuma outra atividade agrícola tinha o
tratamento que era dado a nós, por equívoco."
·
No RS, ampliação do
limite de áreas de florestas plantadas
No ano passado, uma
decisão do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do Rio Grande do Sul
ampliou o potencial de produção da silvicultura no Estado: o conselho aprovou
novas regras de zoneamento para plantio das florestas, elevando o limite para 4
milhões de hectares.
Críticos às novas
regras, como acadêmicos, ambientalistas e imprensa local viram conflito de
interesse: o estudo que baseou a decisão do Consema foi pago pela multinacional
chilena CMPC, que há dez anos produz celulose no Estado.
Em abril, a empresa
anunciou, ao lado do governador Eduardo Leite, um protocolo de intenções para
um novo projeto que prevê instalar uma nova fábrica com capacidade anual de 2,5
milhões de toneladas de celulose de eucalipto no município de Barra do Ribeiro,
a 60 quilômetros ao sul de Porto Alegre.
Nas discussões,
segundo a Assembleia Legislativa, documento produzido por um grupo de técnicos
da Fundação Estadual de Proteção do Meio Ambiente (Fepam) apontava que as novas
regras para o zoneamento poderiam resultar na extinção de espécies.
As regras anteriores
de zoneamento haviam sido instituídas em 2009, a partir de estudos promovidos
pela Fundação Zoobotânica, órgão técnico do governo estadual. Em 2018, a
fundação foi extinta pelo governo estadual.
Procurada pela BBC
News Brasil, a CMPC confirmou que financiou o estudo. "Por solicitação de
entidades de classe do Estado, a CMPC subsidiou estudo técnico realizado pela
consultoria Codex para o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). A companhia
informa que atendeu a todos os pré-requisitos necessários e não possui
absolutamente nenhum envolvimento com o conteúdo do relatório. A instituição
que representa a CMPC no Consema é a Federação das Indústrias do Estado do Rio
Grande do Sul (Fiergs)." (Leia a íntegra da nota a seguir)
"A
CMPC é uma instituição comprometida com as melhores práticas ambientais e de
sustentabilidade em todos os países onde possui operações. A empresa ratifica
que suas atividades no Rio Grande do Sul são alicerçadas pelo relacionamento
sólido e transparente com vizinhos, órgãos representativos e lideranças da
gestão pública. Por solicitação de entidades de classe do Estado, a CMPC
subsidiou estudo técnico realizado pela consultoria Codex para o Conselho
Estadual do Meio Ambiente (Consema).
A
companhia informa que atendeu a todos os pré-requisitos necessários e não
possuiu absolutamente nenhum envolvimento com o conteúdo do relatório. A
empresa ressalta que o estudo passou por revisão de duas câmaras técnicas,
formadas por representantes da academia, da sociedade civil, de setores
empresariais gaúchos, de entidades de classe e de lideranças da gestão pública.
O estudo
também passou por consulta pública e acompanhamento dos órgãos competentes até
chegar à validação final por parte do Consema. A instituição que representa a
CMPC no Consema é a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul
(Fiergs).
A
companhia informa ainda que a revisão do Zoneamento Ambiental para a Atividade
de Silvicultura (ZAS) está prevista na própria resolução e deve ocorrer a cada
cinco anos, com o objetivo de manter a norma atualizada conforme pesquisas e
dados científicos recentes. A CMPC reitera a idoneidade e transparência de suas
ações e que sua atuação é guiada por inegociáveis princípios morais e
éticos."
·
Menos 'esponjas'
contra inundações
Embora menos
exuberante que florestas como as da Amazônia ou da Mata Atlântica, os campos
naturais do Pampa tem papel ambiental importante, especialmente em tempos de
eventos climáticos extremos.
A vegetação nativa,
principalmente perto dos rios, funcionam como uma espécie de
"esponja", absorvendo parte da água das chuvas e evitando que toda a
água escoe para os rios, elevando seus níveis e causando inundações.
Conceito similar e
natural à das "cidades-esponja" construídas na China para
"filtrar" o excesso das águas.
"O que é a
esponja do planeta? São as áreas naturais, que prestam esse serviço
ecossistêmico de alta recarga dos aquíferos e do lençol freático de alta
precisão. Nós as suprimimos em uma escala muito acelerada e as substituímos por
monocultivos, principalmente", diz a engenheira florestal Ana Paula
Moreira Rovedder, que também integra a Sociedade Brasileira de Restauração
Ecológica e é coordenadora da Rede Sul de Restauração Ecológica.
"As mudanças
estaduais do código ambiental pelo governo do Estado foram todas no sentido de
desproteger. Nossos campos ficaram muito desprotegidos, é comum aqui no estado
conseguir licença para supressão de campo", diz Rovedder.
A pesquisadora cita,
inclusive, que outra decisão da Câmara ameaça a vegetação dos campos do Pampa:
a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou em março um
projeto que permite desmatar vegetações nativas não florestais em todos os
biomas brasileiros.
O projeto precisa
passar pelo Senado. "Os campos ainda não recebem o status necessário e
legítimo de formações naturais que precisam ser conservadas. Elas possuem alta
biodiversidade, fornecem serviços ecossistêmicos vitais", diz.
·
Mudança de paisagem e
animais em extinção
Adaptados a viver sob
forte exposição do sol nas paisagens naturais do Pampa, animais que precisam do
calor para sobreviver também são afetados pela sombra das florestas plantadas.
Um dos exemplos mais
conhecidos é o do Gato Palheiro Pampeano, animal endêmico do Pampa e ameaçado
de extinção em todo o mundo, porque depende dos campos para sobreviver e perdeu
seu habitat.
Um estudo publicado no
ano passado na revista internacional Frontiers of Biogeography apontou a
presença de mais de 12.500 espécies atualmente conhecidas no bioma Pampa, que
contém 9% da biodiversidade do país, entre plantas, animais, fungos e outros
microorganismos.
·
Os benefícios das
florestas plantadas
A Ibá, Indústria
Brasileira de Árvores (Ibá) que representa 50 empresas da silvicultura, diz que
o setor têm investido bastante nas últimas décadas para garantir redução de
impacto ambiental, com tecnologia em manejo adequado do solo, hídricos e dos
insumos, além de plantios em mosaico, monitoramento e preservação da
biodiversidade e rastreamento da madeira.
Ele cita que há muita
pesquisa em instituições conceituadas como a Embrapa e a Universidade Federal
de Santa Maria, principalmente voltados ao desenvolvimento agrário, que
subsidiam as boas práticas do setor.
"As empresas
foram se desenvolvendo e entendendo que é preciso um contrato social para
funcionar", afirma José Carlos da Fonseca Jr, presidente da Associação
Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel) e relações Internacionais da Ibá,
entidade presidida desde 2019 por Paulo Hartung, ex-governador do Espírito
Santo, estado que também tem programas de incentivo à sivicultura.
Relatório da entidade
aponta exemplo de boas práticas para preservar a fauna, como reposicionar
pilhas de madeira para não interromper o trânsito de animais, mudar ar áreas de
plantio onde são detectadas espécies raras ou interromper as atividades quando
há filhotes ou espécies em fase reprodutiva. "100% das empresas que
possuem base florestal fazem monitoramento da biodiversidade"
A dispensa do
licenciamento aprovada pela Câmara diz, tramitava há quase dez anos e, em sua
visão, corrige um erro histórico que exigia da silvicultura licenciamentos
ambientais similares aos de áreas como mineração e siderurgia, consideradas
poluidoras.
"Nós somos uma
agroindústria, nós plantamos. Nenhuma outra atividade agrícola tinha o
tratamento que era dado a nós, por equívoco", diz Fonseca Jr, que
argumenta que o plantio das empresas associadas ocorre exclusivamente em áreas
que já foram degradadas pela agricultura.
Ele cita o setor
atende aos altos padrões de exigências das regras ambientais da Europa e
Estados Unidos, e que as empresas são certificadas internacionalmente por meio
de auditorias independentes e externas, como o Forest Stewardship Council (FSC)
e o Programa Nacional de Certificação Florestal (Cerflor).
Rovedder, da UFSM, diz
que é "é inegável que a silvicultura comercial é um setor importante da
matriz econômica de um país, que produz dividendos, produtos, empregos",
diz.
"Mas é um dever
do governo do estado retomar o debate de uma série de medidas e possibilidades
que foram aprovadas antes de toda essa catástrofe s e que já se mostraram
ineficientes para a realidade atual."
Menegat diz que
proteger o Estado contra novos desastres ambientais envolve limitar a expansão
do monocultivo e restaurar a vegetação nativa que foi devastada.
"Com toda essa intensidade
do uso do solo, seja por silvicultura, seja por sojicultura, e monoculturas,
tudo que a natureza tinha para ajudar a escoar e evitar esse tipo de inundação
foi destruído. Temos que recuperar matas e plantar muito mato nativo",
diz.
Fonte: BBC News Brasil
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