STF repete procedimentos de Moro, diz
criminalista que sempre criticou Lava Jato
Numa sessão de
julgamento na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) em abril deste
ano, o ministro Alexandre de Moraes negou o pedido de um advogado para se
manifestar na tribuna em defesa de seu cliente.
Moraes disse que o
regimento do Supremo não previa a chamada sustentação oral naquela situação.
O criminalista Alberto
Toron, que é conselheiro federal da OAB, pediu a palavra. Ele afirmou que uma
lei de 2022, posterior ao regimento, regulamentou o tema e que, pela
cronologia, a norma deveria prevalecer.
O ministro discordou e
se queixou da manifestação, mas a discussão abriu espaço para que a OAB
anunciasse que iria ao Congresso para pedir aprovação de uma emenda à
Constituição que assegure de forma mais ampla as sustentações de advogados.
Toron, que sempre foi
um crítico da Lava Jato, também passou a ser uma das principais vozes da
advocacia contra possíveis quebras do devido processo legal em ações criminais
no Supremo --muitas delas sob a relatoria de Moraes--, e um dos poucos
representantes da classe a topar enfrentar e falar do tema publicamente.
Entre as pessoas que
defendeu estão a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o deputado Aécio Neves
(PSDB-MG) e o empresário Meyer Nigri, da Tecnisa, que foi alvo de inquérito de
Moraes sobre empresários bolsonaristas.
Em entrevista à Folha,
ele afirma que os réus do 8 de janeiro não deveriam estar sendo julgados pelo
STF, mas, sim, em primeira instância, e chama de "mandraque" a
operação feita para manter os casos na corte.
O advogado compara
ainda inquéritos "eternizados e que abrangem a tudo e a todos", como
o das fake news, às investigações da Lava Jato.
Ele se queixa da falta
de escuta por parte do Supremo, e diz que as posturas recentes atritam
"com uma visão democrática de Justiça".
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Plenário virtual
*Alberto Toron - A mim
me parece inadmissível que o Supremo Tribunal Federal julgue ações penais no
plenário virtual.
A fase de recebimento
de denúncia e a fase do julgamento propriamente dita, como foi no mensalão,
deve ser no plenário presencial, porque os advogados podem acompanhar os
debates entre os ministros, podem intervir com questões de ordem sobre matérias
de fato e, sobretudo, podem fazer a sustentação oral olhando para os ministros.
Você vai dizer,
"Toron, mas isso é meio poético, você vai olhar para os ministros".
Não, não é. Todo orador, quando olha para o seu interlocutor, modula um pouco a
fala quando percebe, por exemplo, que o seu interlocutor não recebe bem a fala.
Então, ele pode fazer um outro corte para a fala no meio do discurso.
Por outro lado, a
ideia de uma sustentação oral assíncrona, como eles chamam, na verdade é uma
fala diacrônica, porque ela se dá em dois tempos.
Você faz a gravação no
seu escritório, na sua casa, no quarto, na sala, no banheiro ou onde estiver, e
faz upload dela. Acho uma indecência. Então, você manda isso pela via digital
para o Supremo Tribunal Federal e quiçá alguém vai ouvir isso.
Eu tenho para mim, é
só um palpite, que se você não quer me ouvir no tempo real, no horário de
trabalho, por que vai querer me ouvir na sua casa, ao lado da sua mulher,
quando poderia ver um bom filme da Netflix?
Acho pouco provável
que alguém ouça isso. Pode ser que ouça, mas também fica sempre uma pulga atrás
da orelha. E esse cenário é muito ruim para o exercício do direito de defesa.
>>>> 8 de
janeiro
*Alberto Toron - Por
que esses caras estão sendo julgados no Supremo? A rigor, eles não têm foro por
prerrogativa de função e deveriam estar sendo julgados em primeira instância,
como aliás, o próprio Supremo decidiu na questão de ordem da ação penal 937
[que restringiu o foro].
Eles fizeram uma
operação mandraque de dizer, "olha, mas tem conexão com a apuração dos
atos democráticos de uma maneira geral, e, portanto, por conexão é
[responsabilidade do] Supremo".
Essa fixação de
competência por conexão, ela não poderia se sobrepor à competência
constitucional, ao juiz natural. As pessoas têm direito de serem julgadas em
primeira instância.
Você tem direito a um
apelo, você tem depois recurso especial, extraordinário, você tem um caminho
mais longo para firmar uma condenação. Eles estão todos sendo julgados no
próprio Supremo.
Agora, se você chamou
a si a competência para julgar esses casos, você tem que dar conta de julgar
como um manda o figurino.
Acho que todo cidadão,
por mais execrável que ele seja e por mais abjeto que seja o crime, tem direito
ao devido processo legal. O devido processo legal manda que essas pessoas sejam
julgadas em tempo real.
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Queixa de Moraes na 1ª turma
*Alberto Toron - Ele
me atropelou, não deixou falar. [Disse em tom de reclamação] "Todas as
vezes que nós vamos ter isso, vossa excelência vai vir aqui". Não achei
muito polido, para não dizer educado, mas é do jogo, enfim.
Fiquei incomodado com
aquilo, e disse: "vossa excelência me permite dizer mais uma coisa? O
tribunal se eleva quando ouve outras vozes". Obviamente, por via indireta,
o que eu estava dizendo? Quando não ouve, se apequena.
A gente precisa ter
muito claro: uma Suprema Corte, num Estado democrático de Direito, tem que
ouvir.
Às vezes ela vai ouvir
coisas absolutamente inúteis, vai ouvir tonterías, como dizem os espanhóis, mas
às vezes vai ouvir coisas importantes, coisas que têm escapado ao vislumbre
deles, ao alvitre deles, e isso pode ser útil para o julgamento.
O julgamento é uma
construção de pontos de vista, e o julgamento democrático supõe a interferência
das partes, também pela via oral. Eu acho que a negativa disso, ou decorre de
uma preocupação com a economia de tempo para julgar mais casos --embora não mudaria
a vida deles ouvir um advogado ou dois por 15 minutos--, ou eles se acham muito
sábios, numa espécie de despotismo esclarecido.
Numa vertente ou na
outra, no meu modo de ver, isso atrita com uma visão democrática de Justiça e
com a própria Constituição, que garante aos acusados em geral o direito à ampla
defesa. Eu acho que é isso que se está cerceando.
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Postura de Moraes com a advocacia
*Alberto Toron - Eu
acho que o ministro Alexandre Moraes, no trato, é uma pessoa muito boa. Eu, em
várias vezes, despachei com ele e é sempre muito atento. Eu me lembro que, uma
vez, eu fui despachar com ele e ele era recém-empossado e não tinha nenhum assessor
ao lado dele.
O ministro falou:
"Toron, eu não preciso disso. Fui secretário de estado, fui ministro, eu
estou acostumado a ouvir pessoas".
Ele é uma pessoa muito
atenta. Acho que é um cara muito preparado também, não tenho a menor dúvida
disso, mas nós temos recebido críticas de advogados que tem dificuldade tanto
de acesso a ele, como de acesso aos autos do inquérito, e são várias vozes reclamando
disso.
Eu tenho um caso [nos
inquéritos] e nunca tive esse problema, mas outros advogados têm se queixado na
OAB de problemas ligados ao acesso aos autos.
Eu não sei como isso
se resolveu, porque à medida que os advogados vão reclamando, a OAB vai
pedindo, eles vão conseguindo, imagino eu.
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Inquérito como o das fake news
Vejo de uma forma
péssima. É como se estivesse repetindo as mesmas críticas, o mesmo procedimento
que se fez em relação ao Moro. Como se ignorasse as mesmas críticas que se fez
em relação ao então juiz Sergio Moro, o Supremo está repetindo isso, eternizando
inquéritos e abrangendo a tudo e a todos.
Me parece que isso
fere de morte duas coisas. Primeiro, a garantia de ser processado e julgado
pelo juiz natural. A segunda coisa que me parece importante, que vem à baila, é
a questão da duração razoável do processo e da investigação. Isso não pode durar,
não pode se eternizar, e está se eternizando.
Esse inquérito das
fake news está aí desde o tempo que o ministro [Dias] Toffoli era presidente.
Já passou [a presidência de] Luiz Fux, a ministra Rosa Weber, e está quase
passando o ministro Luís Roberto Barroso. Essas coisas me causam preocupação.
Acho que o Supremo
teve um papel importantíssimo na defesa da democracia, mas essa defesa da
democracia encontra limites, [quando] ultrapassado o período crítico. Ou seja,
tem que ser respeitada a Constituição e também os princípios que guarnecem o
cidadão em relação ao poder punitivo estatal.
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Postura da OAB em relação ao Supremo
*Alberto Toron - Eu
tenho dificuldade de avaliar, à medida que eu integro o Conselho Federal da
OAB. Talvez o conselho deveria ser mais crítico, ter uma voz mais ativa, mais
elevada, subir um pouco a temperatura, porque, no meu modo de ver, eu vejo a
OAB muito silenciosa.
A meu ver, mas nisso
obviamente eu me submeto à maioria, a OAB deveria ter um papel mais ativo. Eu
vejo a OAB meio calada. Mas esse é um ponto de vista estritamente pessoal. Acho
que o presidente [da Ordem] é quem tem a medida disso. Se é bom, o tempo vai
dizer.
*RAIO-X*
Alberto Zacharias
Toron, 65
Advogado criminalista
e doutor em direito penal (USP), é especialista em direito constitucional
(Universidade de Salamanca), professor de processo penal (Faap) e conselheiro
federal da OAB
Fonte: FolhaPress
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