quarta-feira, 29 de maio de 2024

Eleição municipal será novo teste para democracia e sistema de votação, avaliam organizações

A eleição de 2024 será "a de 2022 com roupa nova" e poderá servir de laboratório para a de 2026, na avaliação de organizações da sociedade civil que atuam em defesa do sistema eletrônico de votação, contra a desinformação e pelo engajamento democrático. O clima é de apreensão.

No cenário traçado pelas entidades, o pleito municipal será um teste, depois de uma eleição presidencial marcada por intensa polarização entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) e tumultuada com desconfiança sobre as urnas eletrônicas, violência política e contestação do resultado.

Os alertas são lançados por grupos como Pacto pela Democracia (rede com 200 organizações), Transparência Eleitoral Brasil e Politize!. Além de apontar problemas e gargalos, as entidades têm iniciativas para qualificar o debate e colaborar com autoridades, mas admitem dificuldades.

Representantes de movimentos que intensificaram suas atividades em 2022 --diante das dúvidas inverídicas lançadas por Bolsonaro e das ameaças dele de não reconhecer o resultado e tramar um golpe de Estado-- afirmam que o sistema saiu fragilizado.

O ex-presidente ficou inelegível após ser condenado por mentiras sobre o sistema de votação.

"O pleito deste ano acontece depois das eleições mais delicadas e decisivas para a democracia no Brasil, num contexto em que o ambiente segue muito imerso em desafios e ameaças", diz a coordenadora-executiva do Pacto pela Democracia, Flávia Pellegrino.

Uma das metas para 2024 é combater discursos de descredibilização das urnas eletrônicas.

Especialistas dizem que não tem se repetido a onda de mensagens sobre o assunto que inundou redes bolsonaristas no ciclo eleitoral passado, mas acreditam que a pauta possa ser retomada caso os pleitos municipais repitam a polarização entre candidatos de Lula e Bolsonaro e haja um acirramento.

O que preocupa é a infiltração do ceticismo em parte da sociedade, como vêm mostrando levantamentos.

Segundo pesquisa da empresa Quaest feita entre os dias 2 e 6 deste mês, 35% dos brasileiros concordam que as urnas foram fraudadas em 2022 para favorecer Lula. Apesar do índice elevado, a maioria da população (56%) discorda dessa afirmação, e 1% não opinou.

"Temos visto dados estarrecedores", diz Flávia. "A pergunta é como essa nova realidade vai ser mobilizada no pleito municipal. Isso ainda não está claro", segue a jornalista e mestre em ciência política, citando a "ascensão da extrema direita e do campo antidemocrático no país".

A ideia de que os resultados eleitorais possam não ser legítimos acaba minando, aos poucos, a confiança nas instituições e no processo de escolha dos governantes, analisa ela. "Ter discursos infundados ecoando de maneira tão ampla é perigoso para a democracia. Reverter isso é complexo e não existe bala de prata."

Para Ana Claudia Santano, coordenadora da Transparência Eleitoral, o resgate da confiança nas urnas é uma tarefa pendente para 2024 e que precisa estar no horizonte de 2026.

Ela afirma que é preciso pensar em alternativas porque campanhas de esclarecimento conduzidas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) têm tido alcance limitado, já que a Justiça Eleitoral "perdeu capacidade de comunicação com todos os grupos sociais" e sofre resistência de certos segmentos.

"Ainda não nos sentimos confortáveis para tirar do radar a questão da desconfiança na urna", diz a professora de direito e ativista. "Por causa da politização do tema, penso que campanhas de informação devam ser perenes, porque não é fácil reduzir essa lacuna de uma hora para outra."

Para Flávia, do Pacto, o 8 de janeiro foi resultado de uma série de medidas para corroer as bases da democracia e evidenciou o alto risco de radicalização na sociedade brasileira. Ela afirma que o esforço maior agora deve ser para garantir continuidade e estabilidade democráticas no país.

"Nós vivemos nos últimos anos um ataque explícito e sistemático às instituições", diz.

"Alguns dos maiores alvos do bolsonarismo foram justamente o sistema eleitoral e o TSE. O processo de desinformação foi a grande aposta para a tentativa de virada de mesa e de manutenção do Bolsonaro no poder, semeando descrédito para que pudesse questionar o resultado e mobilizar apoio popular."

Na visão de Luiza Wosgrau Câmara, da Politize!, o problema é mais amplo. "Hoje há uma parcela grande da população que descredibiliza e tem uma visão estigmatizada da política. A tecnologia trouxe desafios ao colocar as pessoas em bolhas informacionais e sob vieses de confirmação", diz.

A organização da qual Luiza é porta-voz atua justamente no ambiente digital para difundir conteúdos didáticos e diz ter projetos com oito governos estaduais para levar conhecimento a professores e estudantes --já atingiu 180 mil adolescentes e adultos com oficinas de educação política.

Segundo ela, a intenção é fazer com que os eleitores votem "de forma consciente e bem informados".

A Politize! também fez campanhas nos últimos meses para incentivar a retirada e regularização do título eleitoral. Em São Paulo, uma coalizão com a participação do Instituto Lamparina e do labExperimental distribuiu sorvetes em cartórios eleitorais para estimular o alistamento de jovens.

Também na trincheira de medidas práticas, o Pacto pela Democracia vem fazendo nos últimos meses reuniões com os parceiros. Ficou decidido que as prioridades para este ano são o combate à desinformação e a recuperação da credibilidade das urnas, pensando num ciclo contínuo até 2026.

Segundo Flávia, a ordem é usar o pleito para reforçar que o sistema é seguro e traçar estratégias que cheguem até a próxima eleição geral. Pelo plano, será estabelecida uma agenda de trabalho "coordenada, criativa e bastante assertiva", em colaboração também com a Justiça Eleitoral.

Outro pleito é reivindicar espaços permanentes de participação da sociedade civil no TSE, para que a interlocução seja mantida mesmo com mudanças no comando da corte. O tribunal, que a partir de junho será presidido pela ministra Cármen Lúcia, terá Kassio Nunes Marques à sua frente em 2026.

A Transparência Eleitoral terá em algumas cidades missões de observadores, formadas por acadêmicos e voluntários, para monitorar a integridades das eleições e a prática de ilícitos como compra de voto. A porta-voz do grupo lembra que 2020 marcou o prenúncio da narrativa crítica às urnas.

"Ao olharmos de perto o que se passará neste ano, podemos ver o que nos espera em 2026 e atuar para evitar os piores cenários, mas estamos esperando algo tão desafiador quanto 2022", diz Ana Cláudia. "Os discursos mais extremistas não desapareceram, muito pelo contrário."

<<<< Conheça os métodos de segurança e auditoria das urnas

<><> Teste público de segurança

Todos os anos anteriores a uma eleição, o TSE realiza o Teste Público de Segurança, quando uma série de profissionais de tecnologia da informação vão à sede da corte eleitoral e tentam atacar atacar a urna

<><> Cerimônia de lacração e código-fonte

O TSE ainda torna disponível o código que forma o sistema usado pela urna eletrônica aberto a todos por um ano para fiscalização

<><> Votação paralela

No dia do pleito, o TSE realiza uma votação paralela com cerca de 2.000 cédulas de papel preenchidas por representantes dos partidos

<><> No momento da eleição

Os mesários acompanham a inicialização do equipamento e a série de verificações internas que a própria máquina realiza. Nenhuma urna eletrônica é conectada à internet

<><> Boletim de urna e apuração

Terminado o período de votação, a urna eletrônica imprime o boletim de urna, relatório com a quantidade de votos que cada candidato recebeu. Depois, o mesário rompe um dos lacres da urna e remove a mídia de resultado, um pendrive que carrega o total de votos. Os votos são transmitidos em rede segura para o TSE

 

        Candidatos a suceder Lira enfrentam resistências na Câmara e geram indefinição

Os pré-candidatos à sucessão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara dos Deputados acumulam obstáculos para viabilizar seus nomes na disputa. A eleição ocorre em fevereiro de 2025, e a corrida pela sucessão do alagoano está indefinida.

Hoje, há ao menos quatro deputados que se apresentam: Elmar Nascimento (União Brasil-BA), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Antonio Brito (PSD-BA) e Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL).

Lira, que não pode concorrer à reeleição, tenta transferir seu capital político a um parlamentar de sua escolha. Ele afirmou a deputados que pretende definir o nome de seu candidato até agosto, antes das eleições municipais.

Nos bastidores, avalia que nenhum dos nomes colocados tem hoje os votos necessários. Por isso, tem buscado o apoio do governo Lula (PT) ao seu sucessor. Como mostrou a Folha, o alagoano ofereceu ao petista a possibilidade de o presidente da República vetar um dos candidatos para consolidar essa aliança.

Um dos motivos para a preocupação são as resistências aos atuais pré-candidatos.

Elmar Nascimento é considerado o mais próximo de Lira, o que gera apreensão em parlamentares. Os deputados do chamado baixo clero também criticam a postura do líder da União Brasil por repetir o estilo ríspido do presidente da Câmara no trato do dia a dia.

Ele também sofre resistência no Palácio do Planalto. Ainda na transição de governo, foi vetado por membros do PT da Bahia para ocupar um ministério na Esplanada de Lula.

Também pesa contra Elmar o fato de o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) ser o favorito para a presidência do Senado. Políticos se opõem a um mesmo partido comandar as duas Casas do Legislativo.

Além disso, Elmar votou contra a manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), preso sob suspeita de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). Ele fez corpo a corpo com parlamentares defendendo sua posição, contrariando parlamentares governistas.

Aliados de Elmar dizem, no entanto, que ele tem condições de agregar apoio e se tornar o candidato de Lira à sucessão.

Já Marcos Pereira (SP), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e presidente do Republicanos, enfrenta críticas da própria bancada evangélica da Casa e de parlamentares do PL mais alinhados a Jair Bolsonaro.

Recentemente, foi atacado por deputados bolsonaristas por defender o andamento de matérias relacionadas ao combate às fake news e à regulação da inteligência artificial (IA).

As declarações deixaram "um gosto ruim", nas palavras de um aliado de Bolsonaro, mas não necessariamente farão com que o ex-presidente vete o nome de Pereira na disputa.

Pereira também enfrenta resistência entre parlamentares de partidos de esquerda por ser ligado à Universal --ele foi vice-presidente da TV Record, de propriedade do bispo Edir Macedo, líder da igreja. Por outro lado, deputados dizem que ele pode aproximar Lula do segmento evangélico.

Pereira viajou com Lula, a convite do presidente, para um evento em Santos (SP) no começo do ano. Segundo uma pessoa próxima ao parlamentar, um novo encontro poderá ocorrer em breve.

Líder do PSD na Câmara, Antonio Brito (BA) é considerado hoje o nome mais próximo do Planalto, o que causa apreensão entre membros da oposição. Conta a seu favor um bom trânsito com parlamentares e líderes da direita, assim como entre diferentes bancadas da Casa.

encontro com Brito em suas redes sociais. À Folha, naquele momento, ele disse que o deputado é um "bom candidato" e que membros do PL respeitam o parlamentar.

Deputados afirmam que pesa contra Brito o fato de ele ser próximo ao presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab. Eles dizem que Kassab, hoje secretário de Governo e Relações Institucionais de São Paulo, ganharia poder excessivo na Câmara com a eventual eleição de Brito.

Isnaldo Bulhões Jr., por sua vez, integra em Alagoas o grupo do senador Renan Calheiros (MDB-AL), adversário de Lira, o que representa um importante obstáculo para suas pretensões.

Cardeais do centrão dizem que Isnaldo poderá crescer na disputa se for atribuída a ele a imagem de um candidato "anti-Lira".

Além dos quatro nomes, também são lembrados como potenciais candidatos os líderes do PP, Doutor Luizinho (RJ), e do Republicanos, Hugo Motta (PB).

Luizinho tem o respaldo do presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), mas deputados do centrão dizem que ele não tem apoio necessário em outros partidos para se tornar um candidato viável.

Já Hugo Motta, apesar de ser uma opção para o próprio Lira, é do mesmo partido de Marcos Pereira e só entrará na disputa se o presidente da legenda desistir --possibilidade considerada difícil hoje.

Pereira ofereceu entregar a presidência da legenda a Motta caso seja eleito presidente da Câmara, o que daria projeção ao aliado nas eleições de 2026.

PRÉ-CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA CÂMARA

<<< Elmar Nascimento (União Brasil-BA)

É considerado o mais próximo de Lira, mas há dúvidas sobre a viabilidade da candidatura

<<< Marcos Pereira (Republicanos-SP)

Possui boas relações com membros do governo e com a oposição, mas enfrentou críticas de bolsonaristas

<<< Antonio Brito (PSD-BA)

Líder do PSD, é apontado como o mais alinhado ao governo Lula até agora, mas há receio de poder excessivo de Kassab

<<< Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL)

Líder do MDB, tem agido nos bastidores da Casa; congressistas avaliam que ele pode ser o candidato "anti-Lira"

 

Fonte: FolhaPress

Nenhum comentário: