Gestão de filas e transparência de dados
podem melhorar cena do câncer no Brasil
O câncer é um desafio
para toda a sociedade. A disparidade e a heterogeneidade nos tratamentos
oncológicos no Brasil – como retratado na primeira reportagem sobre o 14º Fórum
Nacional Oncoguia – são uma das consequências da
fragmentação dos dados de saúde. Para muitos brasileiros, a falta de
informações disponíveis – e a dificuldade de compreensão das que existem – é um
dos principais obstáculos na jornada pelo SUS. Mesmo após conseguir agendar uma
consulta, há longas filas de espera que frequentemente excedem os tempos
estabelecidos por lei. A necessidade de uma gestão de filas mais eficiente e a
transparência de dados foram debatidos no evento promovido pelo
Oncoguia em 8 e 9 de maio.
“O que sabemos sobre
os dados relacionados ao câncer no Brasil? Não conseguimos discutir, tomar
decisões ou dar o próximo passo sem um mínimo conhecimento do contexto em que
estamos inseridos”, indaga Luciana Holtz, presidente e fundadora do Oncoguia.
Os dados são
indispensáveis no cenário oncológico, pois auxiliam no diagnóstico, tratamento,
prevenção e rastreamento do câncer. Compreender esses números é essencial para
criar políticas públicas e orientar a tomada de decisões. Marion Piñeros,
cientista da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), órgão
ligado à Organização Mundial da Saúde, destacou o papel central dos
registros de câncer: “Com a incidência de câncer nos continentes, conseguimos
dados comparáveis de incidência em populações específicas, explorando as
variações no risco e carga de câncer nestes locais”.
Por isso, ela
considera que o Instituto Nacional de Câncer (INCA) e os governos estaduais
desempenham um papel importante, como na divulgação de estimativas. Segundo
Piñeros, as projeções são de extrema importância e sua qualidade depende das
informações e do apoio de todos os setores para facilitar processos e obter
dados de qualidade. Aline Leal Gonçalves Creder Lopes, tecnologista da
Coordenaria-Geral da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer
(CGCAN) do Ministério da Saúde, afirmou durante o fórum que a pasta tem
trabalhado pensando nas fragilidades que existem e na sustentabilidade dos
registros. “Nós, da esfera federal, usamos justamente as incidências que são
publicadas pelo INCA. Um gestor que faz uma gestão inteligente precisa usar os dados”,
contou.
·
Registros de câncer no
RCBP e RHC
Dentro desse contexto,
os registros de câncer e o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) são
componentes essenciais da vigilância que subsidiariam as iniciativas de
controle da doença. Os Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP) e o
Registro Hospitalar de Câncer (RHC) são centros de coleta, armazenamento,
processamento e análise – de forma sistemática e contínua – de informações
sobre pacientes ou pessoas com diagnóstico confirmado de câncer. Os RCBP estão
estabelecidos em 33 cidades, sendo que 31 delas têm pelo menos um ano de
informação consolidada.
Mas apesar de os RCBP
serem reconhecidos mundialmente como o padrão ouro para a vigilância do câncer
nas populações e considerados parte fundamental de qualquer programa de
controle da doença, Luis Felipe Leite Martins, chefe da divisão de Vigilância e
Análise de Situação do INCA, disse que o Brasil enfrenta desafios
significativos em sua implementação e manutenção. Parte disso ocorre porque os
RCBP não possuem financiamento estabelecido, dependendo da vontade da
administração local para mantê-los operando com condições que permitam produzir
dados de qualidade.
Ele reiterou que o
Brasil, seguindo o exemplo de outros países, deveria estabelecer uma legislação
específica de vigilância através dos registros: “Precisamos de uma política
robusta e do apoio das ONGs para promover a descentralização. Essa política vai
fortalecer os registros e ressaltar sua importância. Estamos vivendo em uma era
abundante de dados, com painéis e informações disponíveis. Nossa fonte de dados
precisa ser de alta qualidade.”
Além desse desafio,
Martins aponta que outro é a necessidade de que os gestores de saúde tenham
ciência não apenas do número de mortes por câncer, mas também da incidência da
doença e da sobrevivência dos pacientes. E, para Aline Leal, um terceiro desafio
está no fato de que é preciso integrar os sistemas, mas que a linguagem dos
sistemas são antigas e, por isso, estão sendo revistas. Ela afirmou ainda que o
setor privado tem uma resistência à disponibilização desses dados.
·
Regulação eficiente
para gestão de filas de exames e consultas
O compartilhamento de
dados em todo o ecossistema de saúde representa um desafio significativo não
apenas na oncologia, mas nesta área, em especial, o tempo de espera é um fator
preponderante. “Não é difícil dar transparência numa fila de espera. É simplesmente
compartilhar o que se sabe. O problema é conseguir gerenciar todas as
informações com as pactuações necessárias, enxergando os prestadores
necessários”, avaliou Tiago Farina Matos, conselheiro estratégico de advocacy
do Oncoguia. “Dar transparência é o primeiro passo para avançar em direção
a uma regulação mais eficiente.”
Holtz mostrou
preocupação diante do difícil cenário. Ela disse que apesar de conhecermos
alguns dados, não sabemos como os pacientes estão enfrentando essa jornada, uma
vez que, após o início dos sintomas e da suspeita de câncer, os pacientes
enfrentam diversos obstáculos para realizar exames necessários para confirmar
diagnóstico e estadiamento. Os pacientes relatam principalmente demora
excessiva para realização dos exames, com violação frequente dos 30 dias.
Para Carmen Zanotto,
secretária de saúde de Santa Catarina, SC, “quem não tem dado, não consegue
fazer planejamento”. Ela apresentou que o estado tem
um olhar específico para os procedimentos da oncologia. Diante disso, criaram
um painel de controle de monitoramento de cirurgias, onde constam as unidades
de saúde habilitadas para tratamento oncológico em Santa Catarina. Para fazer
isso, primeiro começaram a compreender como acontecia o acesso dos
pacientes: “Não bastava ficar olhando para a fila de pacientes cirúrgicos
oncológicos. Nós tínhamos que garantir a linha de cuidado dos pacientes que
tinham suspeita de câncer”.
Ela disse que a pasta
trabalhou em conjunto com hospitais que atendem Cacon e Unacons para garantir o
acesso a fazer a biópsia. Assim, o paciente deixou de retornar para a sua
cidade e dentro da linha de suporte passou a ser cuidado pela instituição. Zanotto
também mostrou a distribuição de pacientes na fila de cirurgia oncológica por
unidade habilitada e o tempo de espera na fila, que busca garantir o acesso em
no máximo 60 dias.
Por outro lado, Elaine
Giannotti, assessora técnica do COSEMS/SP, destacou que a fila em si não é um
problema. É, na verdade, uma forma de organizar a demanda e um processo
civilizatório para organizar qualquer coisa. “O problema é quando não
conhecemos essa fila”, afirmou. Segundo Giannotti, todos os países com sistemas
universais têm filas: “Qual é o nosso problema no SUS com a fila? É que, de
fato, não fizemos gestão. Essa fila não está sendo olhada. É um amontoado
de nomes no sistema. Elas precisam ser identificadas”.
Para ela existem dois
jeitos de olhar fila: um é administrativo, outro é clínico, e que é importante
pensar também em linhas de cuidado. Além disso, pontuou outros desafios:
transformar a prática regulatória em uma regulação que produza cuidado e fazer
com que a integração entre atenção básica e especializada não seja mais um
desafio para o SUS. Pascoal Marracini, presidente da Associação Brasileira
de Instituições Filantrópicas de Combate ao Câncer (ABIFICC), acrescentou
mencionou que outro desafio é o teto financeiro. Um exemplo disso é quando
um hospital tem capacidade para realizar 500 consultas por mês, mas o estado só
paga por 200, dentro do referido teto.
·
As novidades na
oncologia
Se por um lado há
inúmeros desafios para resolver, por outro a ciência e a tecnologia não param
de evoluir. Ao mesmo tempo que esses avanços podem ajudar, podem também
aumentar a sobrecarga. O uso da tecnologia, incluindo a inteligência
artificial, e as inovações da radiologia oncológica e da radioterapia são
exemplos de soluções que abrem novos horizontes, mas que precisam de estrutura
e profissionais. Clóvis Klock, presidente da Sociedade Brasileira de
Patologia (SBP), lembra que a especialidade desempenha papel fundamental na
oncologia: o profissional atua como protagonista da medicina personalizada,
auxiliando o oncologista no desenvolvimento do melhor tratamento para cada
paciente.
Houve também o avanço
da patologia digital após a regulamentação da telepatologia em 2019. Hoje, já
há a utilização da inteligência artificial, que ajuda na redução do tempo de
análise de casos, no controle de qualidade com a redução de erros no diagnóstico
e no aumento da produtividade médica. No entanto, um ponto de atenção é que há
apenas 1,4 patologistas para cada 100 mil habitantes, enquanto o ideal seria de
4 a 5 para essa mesma proporção populacional. Clóvis reiterou que um dos
desafios junto ao SUS é buscar uma nova maneira de remuneração, melhorar as
residências médicas, estabelecer parcerias público-privadas nos hospitais
universitários e promover a utilização da telepatologia e inteligência
artificial no SUS.
As novidades
envolvendo a cirurgia oncológica também foram discutidas no fórum. Rodrigo
Pinheiro, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica
(SBCO), trouxe o impacto da inteligência artificial nas cirurgias
oncológicas: “Aumentaram as capacidades humanas em todos os sentidos,
capacidade de raciocínio, visão e movimentos”. Uma das novidades compartilhadas
são as cirurgias fluorescentes e cirurgias radioguiadas, que permitem redução
em um terço no tempo de internação média, redução de complicações
pós-operatórias e redução de filas. “Por que não discutimos a incorporação
dessas tecnologias nas cirurgias? Fazer uma cirurgia de 2 cm é melhor do que 40
cm”, disse.
Fernando Moura,
oncologista clínico do Centro de Oncologia do Hospital Israelita Albert
Einstein e membro do comitê científico do Oncoguia, comentou sobre o gap no SUS
e na rede privada ao mencionar as novidades na oncologia. Segundo ele, hoje já
é possível fazer um exame de predição genética e biopsia líquida. Além disso,
na parte de tratamentos Moura falou da imunoterapia, anticorpos monoclonais de
droga-conjugada (ADCs), radioteranostica, terapia celular em tumores sólidos,
terapia oncolítica viral, vacina mRNA, esferoides e organoides. “Precisamos
ofertar para todo mundo. É qualidade de vida. Não tem como não indicar a
incorporação”, comentou.
Fonte: Futuro da Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário