Reconhecimento da Palestina é gesto
insuficiente, diz especialista em Oriente Médio
Para desgosto de
Israel e dos Estados Unidos, a Palestina ganhou o apoio de três nações
ocidentais nesta terça-feira (28): Espanha, Irlanda e Noruega. À Sputnik
Brasil, especialistas avaliam a importância do reconhecimento por esses três
países e o que isso representa para a ordem mundial.
Desde que a partilha
da Palestina ocorreu, em 1947, criando os Estados de Israel e da Palestina, a
maioria dos países ao redor do mundo reconheceu ambos. Atualmente, dos 193
países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), 146 já reconhecem a
Palestina como um Estado.
Contudo a nação ainda
luta pelo reconhecimento de certas potências. Dos membros do G7, por exemplo,
nenhum admite o Estado palestino. Essa teimosia ocidental, entretanto, começa a
mostrar sinais de desintegração com o reconhecimento pela Espanha, Irlanda e
Noruega, promulgado hoje.
Para o professor do
Instituto de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Vitor
de Pieri, esses três países terão um peso importante no reconhecimento da
Palestina dentro da ONU e na sua eventual ascensão a membro pleno da
organização.
Segundo De Pieri, cada
um desses três países tem uma importância na geopolítica, sobretudo a europeia.
A Noruega, explica o professor, pode não fazer parte da União Europeia (UE),
mas é próxima do bloco e tem um histórico de tentar negociar um entendimento
entre as partes em conflito no Oriente Médio, "marcado inclusive pelos
Acordos de Oslo".
Motivado por
"meses de guerra, ataques e genocídio", o governo norueguês agora
adota uma política crítica em relação a Israel, acreditando que o país
"não quer a negociação".
Já a Espanha é um país
de destaque da União Europeia, sendo "uma convidada permanente no
G20", diz De Pieri. O país ibérico, por sua vez, "possui uma
perspectiva um pouco mais crítica" de Israel.
"O governo
Sanchéz considera que Israel não tem um projeto para a Palestina, reconhecendo
o governo palestino a partir dessa perspectiva. Com a ideia de que a Palestina
deve ser um Estado para, então, ganhar espaço em definitivo na comunidade
internacional."
Por sua vez, a Irlanda
"é um país da União Europeia com uma renda per capita importante" e
que vem ganhando cada vez mais espaço no bloco político-econômico,
"principalmente com a saída do Reino Unido da UE".
Com um histórico de
conflitos com o Reino Unido pela questão da Irlanda do Norte, a Irlanda já
possui uma postura de maior respeito ao direito internacional, afirmou o
especialista.
Ainda que países da UE
já tivessem reconhecido a Palestina, como Polônia, Grécia, República Tcheca e
Romênia, esse novo aceite por parte de aliados ocidentais "é um primeiro
passo para a quebra de paradigma dentro da União Europeia", afirma De Pieri.
Esses fatos, segundo o
especialista, evidenciam que estamos em um momento "de decadência do mundo
ocidental e com novas forças políticas surgindo: um Sul Global muito mais
pungente do ponto de vista econômico e político".
"Um Sul Global
que é representado pelo BRICS ampliado e que possui muito mais respeito às
instituições supranacionais, às normas do direito internacional."
·
Pressões internas, repercussões externas
Silvia Ferabolli,
professora e doutora em política e estudos internacionais pela Escola de
Estudos Orientais e Africanos (SOAS, na sigla em inglês), da Universidade de
Londres, classifica o reconhecimento oficial da Espanha, Irlanda e Noruega como
um "gesto simbólico, mas só isso".
"Não tem tanta
relevância internacional", disse.
"Estamos falando
de países que há muito tempo vêm adotando posturas mais independentes, até
porque são bastante irrelevantes no sistema. Então a posição deles não deve
alterar muito as coisas."
Para Ferabolli, que
também é coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do
Mundo Árabe (Nuprima), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o
que a Palestina precisa neste momento é que seus aliados "rompam todos os
tipos de relações com Israel: diplomáticas, comerciais, econômicas, políticas e
culturais".
"Começando
logicamente pela Liga Árabe", destacou a especialista. "Mas quem vai
pôr o guizo no gato?", questionou.
De acordo com a
pesquisadora, muitos países estão esperando uma "ação dos EUA, como se
fosse um pai, um Leviatã, que vai agir e responder ao problema". Só que
isso, sublinha, "não vai acontecer, porque quem dita as regras da política
externa norte-americana para o Oriente Médio é o lobby sionista israelense em
Washington, e não os interesses nacionais".
Ainda assim, há um
lado positivo nesse reconhecimento que deve ser destacado, na opinião de
Ferabolli: o fato de esses três países terem acatado os anseios do público
interno demonstra que "a causa palestina ainda é passível de ser
mobilizada por grupos de pressão em vários lugares do mundo".
"É uma causa que
mobiliza a política em nível internacional, ao ponto de países que
tradicionalmente não têm nada a ver com a política do Oriente Médio se
pronunciarem a favor da criação e reconhecerem a criação do Estado
palestino."
Esse reconhecimento,
afirma De Pieri, "traz esse debate mais a fundo para a União
Europeia".
Para o pesquisador da
UERJ, a iniciativa desses três países pode pressionar os Estados Unidos, a
França e o Reino Unido a reconhecerem a Palestina, ainda que de forma mais
lenta. "Especialmente na França, uma vez que o país possui cerca de 10% da
população muçulmana."
"Esse genocídio
cometido pelo governo [do primeiro-ministro Benjamin] Netanyahu vai contribuir
ainda mais com uma adesão crescente dos países ao reconhecimento da Palestina
como Estado. E isso vai rebater certamente na posição dela dentro da Assembleia
Geral da ONU."
Atualmente a Palestina
possui a mesma posição do Vaticano na ONU, isto é, de Estado observador não
membro.
Mesmo que consiga o
reconhecimento na ONU, afirma Ferabolli, o que a Palestina mais precisa agora
"é que se cumpram as leis que já existem de direito internacional e que se
pare Israel imediatamente, com responsabilização, julgamento e punição pelos
seus crimes de guerra".
¨ Retórica dura, ação mansa: declarações de países europeus não
bastam para resolver questão palestina
Nos últimos dias,
diversos países da Europa vêm mudando de posição e endurecendo o discurso
contra Israel,
que promove de forma permanente um massacre de palestinos na Faixa de Gaza. Alguns
fatos recentes ilustram essa movimentação: após um pedido de prisão do primeiro-ministro
israelense Benjamin Netanyahu ser
protocolado no Tribunal Penal Internacional (TPI) por um procurador da Corte,
nações europeias intensificaram suas críticas às ações militares do Estado
sinonista em territórios da Palestina.
Espanha, Irlanda e
Noruega, por exemplo, anunciaram de forma conjunta no dia 22 de
maio que vão reconhecer
oficialmente o Estado da Palestina. Malta
e Eslovênia também anunciarão o reconhecimento do Estado palestino,
intensificando o isolamento de Israel e Estados Unidos, que sistematicamente se
recusam a reconhecer o país do Oriente Médio, vetando resoluções importantes em
organismos internacionais que poderiam dar início a fim do massacre israelense
que matou, desde 7 de outubro de 2023, quando o Hamas desferiu um ataque contra
Israel, mais de 35 mil palestinos em Gaza.
O presidente do
governo da Espanha, Pedro Sánchez, por exemplo, disparou ao anunciar a
iniciativa de seu país em prol da criação do Estado palestino:
"Pedimos
um cessar-fogo. Mas não é suficiente. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se
faz de surdo e continua castigando a população palestina. O que está claro é
que Netanyahu não tem um projeto de paz. Lutar contra o Hamas é legítimo. Mas
sua operação coloca a solução de dois estados em sério perigo. O que faz apenas
amplia o ódio".
Em meio a este
movimento, a Alemanha, em um gesto que surpreendeu analistas
internacionais, visto que é uma apoiadora de primeira hora de Israel, garantiu que prenderia Benjamin
Netanyahu caso o Tribunal Penal Internacional
(TPI) emitisse uma ordem de prisão contra o primeiro-ministro israelense e ele
estivesse no país europeu.
A declaração foi dada
por Steffen Hebestreit, porta-voz do chanceler alemão Olaf Scholz, em
resposta a uma pergunta feita por um jornalista durante coletiva de
imprensa nesta quarta-feira (22).
O representante do
governo havia sido questionado sobre os apelos que vêm sendo feitos pelo
governo de Israel para que os países do "mundo civilizado" rejeitem
eventual emissão de mandado de prisão pelo TPI contra Netanyahu a partir
de ação, que ainda será analisada, protocolada por Karim Khan, procurador
da Corte.
Segundo Hebestreit, "é
claro" que a Alemanha cumprirá a lei internacional se de fato houver
um mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelense, afinal, nas
palavras do porta-voz, o governo alemão é um apoiador "fundamental"
do TPI. Espanha, França e Bélgica seguiram posicionamento parecido,
indicando que respeitarão o direito internacional caso o TPI emita um mandado
de prisão contra Netanyahu.
·
Os limites do direito internacional
Em entrevista
à Fórum, o professor de Relações Internacionais Reginaldo Nasser, que
é especialista em Oriente Médio, analisa que o movimento de países europeus de
reconhecer o Estado da Palestina e o endurecimento do discurso contra Israel,
bem como a sinalização da Alemanha de que respeitaria uma eventual ordem de
prisão contra Netanyahu, são gestos considerados importantes, mas que esbarram
nos limites do direito internacional para trazerem efeitos práticos.
"O primeiro ponto
é esse: o direito internacional carece do uso da força, porque, no âmbito
internacional, diferente do doméstico, onde há o Estado, quem é que vai fazer
isso no âmbito internacional? Quando você tem uma grande potência, as coisas ficam
mais fáceis, como nas guerras do Golfo e da Líbia, onde, sob o manto do direito
internacional ou não, as grandes potências agem. Nós estamos falando de Gaza,
da Palestina, que nem Estado tem, e não conta com apoio firme, forte e resoluto
de uma grande potência. Então, essa questão do direito internacional fica nesse
plano", introduz o professor.
Nasser prossegue em
sua análise explicando que a condenação dos atos de Israel em Gaza é importante
para a causa palestina e, eventualmente, para um cessar-fogo na região. O
especialista, entretanto, chama atenção para o fato de que os discursos e
iniciativas de reconhecer o Estado palestino não desaguam em medidas mais
concretas que poderiam pôr fim às ações israelenses, como sanções
econômicas contra Israel - citando o exemplo do que aconteceu na África do
Sul à época do apartheid.
"É claro que é
melhor que haja a condenação, melhor para a questão palestina, para o fim do
genocídio, para o cessar-fogo. É importante que tenha o apoio de países
europeus, mostrando a falta de legitimidade do Estado de Israel, mas não se
pode criar a ilusão de que, a partir dessas posições, necessariamente vamos
caminhar para uma ação mais efetiva, como uma sanção econômica. É o que se
espera, como aconteceu na África do Sul. Você tinha condenações diplomáticas,
políticas, e foram evoluindo até chegar à sanção econômica", pontua.
"O que tem
acontecido são aprovações de resoluções na ONU, na Assembleia Geral,
reconhecimento do Estado palestino, mas não há uma ação efetiva. Acho que é
importante a postura dos Estados europeus, essa postura agora da Alemanha, tudo
isso é muito importante, mas vamos ver se isso reverte, num primeiro momento,
em curto prazo, na parada da ação militar de Israel, e, no segundo momento, na
criação do Estado palestino"', prossegue Nasser.
O professor destaca
que a criação do Estado palestino é muito difícil pois envolve muitas
variáveis. "E mesmo em outros momentos favoráveis, isso não
aconteceu", diz.
Para Reginaldo Nasser,
a famosa frase do ex-presidente dos EUA Theodore Roosevelt "fale
manso e carregue um grande porrete" se aplica com relação à
posição atual de países europeus e até mesmo o Brasil para com Israel, mas de
forma invertida.
"Ted
Roosevelt, que era um presidente americano bem intervencionista, tem a famosa
frase: 'fale manso e carregue um porrete'. Acredito que hoje está acontecendo o
inverso: os países estão falando duro contra Israel, como no caso do presidente
Lula, mas têm agido mansamente. Acredito que esse é o problema que ainda
enfrentamos. Todos nós torcemos para que essas condenações simbólicas,
diplomáticas e políticas evoluam para um processo de sanção econômica, algo que
não passa por essa decisão do direito internacional".
Noblat: Quando o holocausto dos palestinos
cessar, a imprensa será cobrada
O que dirá grande
parte da imprensa mundial, a nossa incluída, quando finalmente emergirem um dia
todos os horrores cometidos por Israel, ou se preferirem, pelo governo de
extrema-direita do primeiro-ministro Benjamin “Bibi” Netanyahu, contra milhões
de palestinos inocentes na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e sabe-se lá mais onde
desde o 7 de outubro do ano passado?
Porque os horrores
cometidos pelo grupo Hamas, que naquela data invadiu Israel, matou e sequestrou
252 pessoas, esses foram e continuam sendo expostos à medida que ocorrem.
Israel proibiu a imprensa de cobrir suas ações a pretexto de que ela poderia
tornar-se mais uma vítima acidental da guerra. Mas não foi por isso. Foi para
que a imprensa não testemunhasse ao vivo seus crimes e os denunciassem.
Há relatos à farta,
mas não necessariamente vistos por olhos de jornalistas, do holocausto em curso
dos palestinos, que não é chamado por esse nome. Holocausto, que significa
massacre, é uma expressão só usada para relembrar o que sofreram os judeus durante
a Segunda Guerra Mundial, quando mais de 6 milhões deles, de ciganos e de
outras minorias foram mortos pelos nazistas alemães.
Não obstante, é de
holocausto que se trata. E mais um dos seus atos ficou comprovado ontem: um
ataque aéreo de Israel na região de Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza, provocou
a morte de ao menos 35 pessoas, informaram autoridades palestinas. As Forças
Armadas de Israel (FDI) reconheceram que o ataque atingiu civis palestinos,
prometendo abrir uma investigação sobre o caso.
Ao mesmo tempo,
disseram se tratar de um alvo legítimo, uma vez que ali se escondiam
terroristas. Entidades internacionais contestam a versão, indicando que a área abrigava
palestinos deslocados pela guerra, abrigados em tendas de lona, e que havia
sido classificada por autoridades israelenses como uma zona segura. Foi Israel
que forçou o deslocamento para lá antes de bombardear e invadir Rafah.
O Crescente Vermelho,
organização médica equivalente à Cruz Vermelha, reportou muitos mortos e
feridos na área, ao passo que o Ministério da Saúde de Gaza, administrado
pelo Hamas, confirmou que 35 pessoas morreram e
dezenas ficaram feridas. A ONG Médicos Sem Fronteiras disse que recebeu mais de
15 mortos e dezenas de feridos em um centro médico que mantém na região.
“O ataque foi
realizado contra alvos legítimos, ao abrigo do direito internacional, através
da utilização de munições precisas e com base em informações precisas que
indicavam a utilização da área pelo Hamas”, afirmou uma autoridade militar de
Israel, acrescentando que o “incidente” estaria “sob análise”. Dois líderes do
Hamas teriam sido mortos: Yassin Rabia, e Khaled Nagar. E daí que morreram?
Para matar dois, cinco
ou oito supostos líderes do Hamas de uma vez, se é que de fato eles foram
mortos, Israel não se incomoda em matar dezenas de palestinos não combatentes,
a maioria mulheres e crianças. Já, já, o número de palestinos inocentes mortos
alcançará a cifra de 40 mil sem que o Hamas seja extinto como Israel garantiu
que será, sem que sua rede de túneis seja inteiramente destruída.
O governo de Netanyahu
só faz o que está fazendo porque tem, em casa, amplo apoio dos israelenses, e
fora de casa, o apoio de potências como os Estados Unidos, a Inglaterra, a
França e a Alemanha, entre outras. O isolamento internacional de Israel está em
alta, mas ainda não basta para fazê-lo negociar o fim da guerra que o Hamas já
propôs mais de uma vez, seguida da troca de prisioneiros.
Se a guerra acabar, o
governo Netanyahu acabará também. Foi assim com todos os governos de Israel
acusados por falhas de segurança que deram início a guerras. Os processos
contra Netanyahu por corrupção empacaram porque Israel está em guerra, mas
voltarão a andar quando as armas silenciarem. Ele não quer isso. Por isso,
prolonga a matança indefinidamente. Conta com a nossa cumplicidade.
Fonte: Sputnik Brasil/Fórum/Metrópoles
Nenhum comentário:
Postar um comentário