quinta-feira, 30 de maio de 2024

Reconhecimento da Palestina é gesto insuficiente, diz especialista em Oriente Médio

Para desgosto de Israel e dos Estados Unidos, a Palestina ganhou o apoio de três nações ocidentais nesta terça-feira (28): Espanha, Irlanda e Noruega. À Sputnik Brasil, especialistas avaliam a importância do reconhecimento por esses três países e o que isso representa para a ordem mundial.

Desde que a partilha da Palestina ocorreu, em 1947, criando os Estados de Israel e da Palestina, a maioria dos países ao redor do mundo reconheceu ambos. Atualmente, dos 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), 146 já reconhecem a Palestina como um Estado.

Contudo a nação ainda luta pelo reconhecimento de certas potências. Dos membros do G7, por exemplo, nenhum admite o Estado palestino. Essa teimosia ocidental, entretanto, começa a mostrar sinais de desintegração com o reconhecimento pela Espanha, Irlanda e Noruega, promulgado hoje.

Para o professor do Instituto de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Vitor de Pieri, esses três países terão um peso importante no reconhecimento da Palestina dentro da ONU e na sua eventual ascensão a membro pleno da organização.

Segundo De Pieri, cada um desses três países tem uma importância na geopolítica, sobretudo a europeia. A Noruega, explica o professor, pode não fazer parte da União Europeia (UE), mas é próxima do bloco e tem um histórico de tentar negociar um entendimento entre as partes em conflito no Oriente Médio, "marcado inclusive pelos Acordos de Oslo".

Motivado por "meses de guerra, ataques e genocídio", o governo norueguês agora adota uma política crítica em relação a Israel, acreditando que o país "não quer a negociação".

Já a Espanha é um país de destaque da União Europeia, sendo "uma convidada permanente no G20", diz De Pieri. O país ibérico, por sua vez, "possui uma perspectiva um pouco mais crítica" de Israel.

"O governo Sanchéz considera que Israel não tem um projeto para a Palestina, reconhecendo o governo palestino a partir dessa perspectiva. Com a ideia de que a Palestina deve ser um Estado para, então, ganhar espaço em definitivo na comunidade internacional."

Por sua vez, a Irlanda "é um país da União Europeia com uma renda per capita importante" e que vem ganhando cada vez mais espaço no bloco político-econômico, "principalmente com a saída do Reino Unido da UE".

Com um histórico de conflitos com o Reino Unido pela questão da Irlanda do Norte, a Irlanda já possui uma postura de maior respeito ao direito internacional, afirmou o especialista.

Ainda que países da UE já tivessem reconhecido a Palestina, como Polônia, Grécia, República Tcheca e Romênia, esse novo aceite por parte de aliados ocidentais "é um primeiro passo para a quebra de paradigma dentro da União Europeia", afirma De Pieri.

Esses fatos, segundo o especialista, evidenciam que estamos em um momento "de decadência do mundo ocidental e com novas forças políticas surgindo: um Sul Global muito mais pungente do ponto de vista econômico e político".

"Um Sul Global que é representado pelo BRICS ampliado e que possui muito mais respeito às instituições supranacionais, às normas do direito internacional."

·        Pressões internas, repercussões externas

Silvia Ferabolli, professora e doutora em política e estudos internacionais pela Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS, na sigla em inglês), da Universidade de Londres, classifica o reconhecimento oficial da Espanha, Irlanda e Noruega como um "gesto simbólico, mas só isso".

"Não tem tanta relevância internacional", disse.

"Estamos falando de países que há muito tempo vêm adotando posturas mais independentes, até porque são bastante irrelevantes no sistema. Então a posição deles não deve alterar muito as coisas."

Para Ferabolli, que também é coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o que a Palestina precisa neste momento é que seus aliados "rompam todos os tipos de relações com Israel: diplomáticas, comerciais, econômicas, políticas e culturais".

"Começando logicamente pela Liga Árabe", destacou a especialista. "Mas quem vai pôr o guizo no gato?", questionou.

De acordo com a pesquisadora, muitos países estão esperando uma "ação dos EUA, como se fosse um pai, um Leviatã, que vai agir e responder ao problema". Só que isso, sublinha, "não vai acontecer, porque quem dita as regras da política externa norte-americana para o Oriente Médio é o lobby sionista israelense em Washington, e não os interesses nacionais".

Ainda assim, há um lado positivo nesse reconhecimento que deve ser destacado, na opinião de Ferabolli: o fato de esses três países terem acatado os anseios do público interno demonstra que "a causa palestina ainda é passível de ser mobilizada por grupos de pressão em vários lugares do mundo".

"É uma causa que mobiliza a política em nível internacional, ao ponto de países que tradicionalmente não têm nada a ver com a política do Oriente Médio se pronunciarem a favor da criação e reconhecerem a criação do Estado palestino."

Esse reconhecimento, afirma De Pieri, "traz esse debate mais a fundo para a União Europeia".

Para o pesquisador da UERJ, a iniciativa desses três países pode pressionar os Estados Unidos, a França e o Reino Unido a reconhecerem a Palestina, ainda que de forma mais lenta. "Especialmente na França, uma vez que o país possui cerca de 10% da população muçulmana."

"Esse genocídio cometido pelo governo [do primeiro-ministro Benjamin] Netanyahu vai contribuir ainda mais com uma adesão crescente dos países ao reconhecimento da Palestina como Estado. E isso vai rebater certamente na posição dela dentro da Assembleia Geral da ONU."

Atualmente a Palestina possui a mesma posição do Vaticano na ONU, isto é, de Estado observador não membro.

Mesmo que consiga o reconhecimento na ONU, afirma Ferabolli, o que a Palestina mais precisa agora "é que se cumpram as leis que já existem de direito internacional e que se pare Israel imediatamente, com responsabilização, julgamento e punição pelos seus crimes de guerra".

¨      Retórica dura, ação mansa: declarações de países europeus não bastam para resolver questão palestina

Nos últimos dias, diversos países da Europa vêm mudando de posição e endurecendo o discurso contra Israel, que promove de forma permanente um massacre de palestinos na Faixa de Gaza. Alguns fatos recentes ilustram essa movimentação: após um pedido de prisão do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu ser protocolado no Tribunal Penal Internacional (TPI) por um procurador da Corte, nações europeias intensificaram suas críticas às ações militares do Estado sinonista em territórios da Palestina. 

Espanha, Irlanda e Noruega, por exemplo, anunciaram de forma conjunta no dia 22 de maio que vão reconhecer oficialmente o Estado da Palestina. Malta e Eslovênia também anunciarão o reconhecimento do Estado palestino, intensificando o isolamento de Israel e Estados Unidos, que sistematicamente se recusam a reconhecer o país do Oriente Médio, vetando resoluções importantes em organismos internacionais que poderiam dar início a fim do massacre israelense que matou, desde 7 de outubro de 2023, quando o Hamas desferiu um ataque contra Israel, mais de 35 mil palestinos em Gaza. 

O presidente do governo da Espanha, Pedro Sánchez, por exemplo, disparou ao anunciar a iniciativa de seu país em prol da criação do Estado palestino: 

"Pedimos um cessar-fogo. Mas não é suficiente. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se faz de surdo e continua castigando a população palestina. O que está claro é que Netanyahu não tem um projeto de paz. Lutar contra o Hamas é legítimo. Mas sua operação coloca a solução de dois estados em sério perigo. O que faz apenas amplia o ódio". 

Em meio a este movimento, a Alemanha, em um gesto que surpreendeu analistas internacionais, visto que é uma apoiadora de primeira hora de Israel, garantiu que prenderia Benjamin Netanyahu caso o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitisse uma ordem de prisão contra o primeiro-ministro israelense e ele estivesse no país europeu. 

A declaração foi dada por Steffen Hebestreit, porta-voz do chanceler alemão Olaf Scholz, em resposta a uma pergunta feita por um jornalista durante coletiva de imprensa nesta quarta-feira (22).

O representante do governo havia sido questionado sobre os apelos que vêm sendo feitos pelo governo de Israel para que os países do "mundo civilizado" rejeitem eventual emissão de mandado de prisão pelo TPI contra Netanyahu a partir de ação, que ainda será analisada, protocolada por Karim Khan, procurador da Corte. 

Segundo Hebestreit, "é claro" que a Alemanha cumprirá a lei internacional se de fato houver um mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelense, afinal, nas palavras do porta-voz, o governo alemão é um apoiador "fundamental" do TPI. Espanha, França e Bélgica seguiram posicionamento parecido, indicando que respeitarão o direito internacional caso o TPI emita um mandado de prisão contra Netanyahu. 

·        Os limites do direito internacional 

Em entrevista à Fórum, o professor de Relações Internacionais Reginaldo Nasser, que é especialista em Oriente Médio, analisa que o movimento de países europeus de reconhecer o Estado da Palestina e o endurecimento do discurso contra Israel, bem como a sinalização da Alemanha de que respeitaria uma eventual ordem de prisão contra Netanyahu, são gestos considerados importantes, mas que esbarram nos limites do direito internacional para trazerem efeitos práticos. 

"O primeiro ponto é esse: o direito internacional carece do uso da força, porque, no âmbito internacional, diferente do doméstico, onde há o Estado, quem é que vai fazer isso no âmbito internacional? Quando você tem uma grande potência, as coisas ficam mais fáceis, como nas guerras do Golfo e da Líbia, onde, sob o manto do direito internacional ou não, as grandes potências agem. Nós estamos falando de Gaza, da Palestina, que nem Estado tem, e não conta com apoio firme, forte e resoluto de uma grande potência. Então, essa questão do direito internacional fica nesse plano", introduz o professor. 

Nasser prossegue em sua análise explicando que a condenação dos atos de Israel em Gaza é importante para a causa palestina e, eventualmente, para um cessar-fogo na região. O especialista, entretanto, chama atenção para o fato de que os discursos e iniciativas de reconhecer o Estado palestino não desaguam em medidas mais concretas que poderiam pôr fim às ações israelenses, como sanções econômicas contra Israel - citando o exemplo do que aconteceu na África do Sul à época do apartheid. 

"É claro que é melhor que haja a condenação, melhor para a questão palestina, para o fim do genocídio, para o cessar-fogo. É importante que tenha o apoio de países europeus, mostrando a falta de legitimidade do Estado de Israel, mas não se pode criar a ilusão de que, a partir dessas posições, necessariamente vamos caminhar para uma ação mais efetiva, como uma sanção econômica. É o que se espera, como aconteceu na África do Sul. Você tinha condenações diplomáticas, políticas, e foram evoluindo até chegar à sanção econômica", pontua. 

"O que tem acontecido são aprovações de resoluções na ONU, na Assembleia Geral, reconhecimento do Estado palestino, mas não há uma ação efetiva. Acho que é importante a postura dos Estados europeus, essa postura agora da Alemanha, tudo isso é muito importante, mas vamos ver se isso reverte, num primeiro momento, em curto prazo, na parada da ação militar de Israel, e, no segundo momento, na criação do Estado palestino"', prossegue Nasser. 

O professor destaca que a criação do Estado palestino é muito difícil pois envolve muitas variáveis. "E mesmo em outros momentos favoráveis, isso não aconteceu", diz. 

Para Reginaldo Nasser, a famosa frase do ex-presidente dos EUA Theodore Roosevelt "fale manso e carregue um grande porrete" se aplica com relação à posição atual de países europeus e até mesmo o Brasil para com Israel, mas de forma invertida. 

"Ted Roosevelt, que era um presidente americano bem intervencionista, tem a famosa frase: 'fale manso e carregue um porrete'. Acredito que hoje está acontecendo o inverso: os países estão falando duro contra Israel, como no caso do presidente Lula, mas têm agido mansamente. Acredito que esse é o problema que ainda enfrentamos. Todos nós torcemos para que essas condenações simbólicas, diplomáticas e políticas evoluam para um processo de sanção econômica, algo que não passa por essa decisão do direito internacional".

 

Noblat: Quando o holocausto dos palestinos cessar, a imprensa será cobrada

O que dirá grande parte da imprensa mundial, a nossa incluída, quando finalmente emergirem um dia todos os horrores cometidos por Israel, ou se preferirem, pelo governo de extrema-direita do primeiro-ministro Benjamin “Bibi” Netanyahu, contra milhões de palestinos inocentes na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e sabe-se lá mais onde desde o 7 de outubro do ano passado?

Porque os horrores cometidos pelo grupo Hamas, que naquela data invadiu Israel, matou e sequestrou 252 pessoas, esses foram e continuam sendo expostos à medida que ocorrem. Israel proibiu a imprensa de cobrir suas ações a pretexto de que ela poderia tornar-se mais uma vítima acidental da guerra. Mas não foi por isso. Foi para que a imprensa não testemunhasse ao vivo seus crimes e os denunciassem.

Há relatos à farta, mas não necessariamente vistos por olhos de jornalistas, do holocausto em curso dos palestinos, que não é chamado por esse nome. Holocausto, que significa massacre, é uma expressão só usada para relembrar o que sofreram os judeus durante a Segunda Guerra Mundial, quando mais de 6 milhões deles, de ciganos e de outras minorias foram mortos pelos nazistas alemães.

Não obstante, é de holocausto que se trata. E mais um dos seus atos ficou comprovado ontem: um ataque aéreo de Israel na região de Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza, provocou a morte de ao menos 35 pessoas, informaram autoridades palestinas. As Forças Armadas de Israel (FDI) reconheceram que o ataque atingiu civis palestinos, prometendo abrir uma investigação sobre o caso.

Ao mesmo tempo, disseram se tratar de um alvo legítimo, uma vez que ali se escondiam terroristas. Entidades internacionais contestam a versão, indicando que a área abrigava palestinos deslocados pela guerra, abrigados em tendas de lona, e que havia sido classificada por autoridades israelenses como uma zona segura. Foi Israel que forçou o deslocamento para lá antes de bombardear e invadir Rafah.

O Crescente Vermelho, organização médica equivalente à Cruz Vermelha, reportou muitos mortos e feridos na área, ao passo que o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, confirmou que 35 pessoas morreram e dezenas ficaram feridas. A ONG Médicos Sem Fronteiras disse que recebeu mais de 15 mortos e dezenas de feridos em um centro médico que mantém na região.

“O ataque foi realizado contra alvos legítimos, ao abrigo do direito internacional, através da utilização de munições precisas e com base em informações precisas que indicavam a utilização da área pelo Hamas”, afirmou uma autoridade militar de Israel, acrescentando que o “incidente” estaria “sob análise”. Dois líderes do Hamas teriam sido mortos: Yassin Rabia, e Khaled Nagar. E daí que morreram?

Para matar dois, cinco ou oito supostos líderes do Hamas de uma vez, se é que de fato eles foram mortos, Israel não se incomoda em matar dezenas de palestinos não combatentes, a maioria mulheres e crianças. Já, já, o número de palestinos inocentes mortos alcançará a cifra de 40 mil sem que o Hamas seja extinto como Israel garantiu que será, sem que sua rede de túneis seja inteiramente destruída.

O governo de Netanyahu só faz o que está fazendo porque tem, em casa, amplo apoio dos israelenses, e fora de casa, o apoio de potências como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França e a Alemanha, entre outras. O isolamento internacional de Israel está em alta, mas ainda não basta para fazê-lo negociar o fim da guerra que o Hamas já propôs mais de uma vez, seguida da troca de prisioneiros.

Se a guerra acabar, o governo Netanyahu acabará também. Foi assim com todos os governos de Israel acusados por falhas de segurança que deram início a guerras. Os processos contra Netanyahu por corrupção empacaram porque Israel está em guerra, mas voltarão a andar quando as armas silenciarem. Ele não quer isso. Por isso, prolonga a matança indefinidamente. Conta com a nossa cumplicidade.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Fórum/Metrópoles

 

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